Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 13/11/2020
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000837-48.2014.4.03.6110/SP
2014.61.10.000837-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
REL. ACÓRDÃO : Desembargador Federal NINO TOLDO
APELANTE : LUIZ ANTONIO ARRUDA
ADVOGADO : SP174995 FABIO PEUCCI ALVES e outro(a)
APELANTE : KATIA REGINA MURRO
ADVOGADO : SP098755 JOSE CARLOS PACIFICO e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
EXCLUIDO(A) : JOSE APARECIDO CAMARA
No. ORIG. : 00008374820144036110 1 Vr SOROCABA/SP

EMENTA

APELAÇÕES CRIMINAIS. IMPUTAÇÃO PELA PARTICIPAÇÃO NO DELITO DE FALSO TESTEMUNHO (ART. 342, CAPUT, C.C. O ART. 29, AMBOS DO CP). MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADOS. DOLO EVIDENCIADO. DOSIMETRIA PENAL ABRANDADA.
1. Apelações Criminais, decorrentes da condenação pela suposta prática do delito do art. 342, caput, c.c. o art. 29, ambos do Código Penal. Nas razões de Apelação, o corréu pleiteia a absolvição fundada, preliminarmente, no cerceamento de defesa e, no mérito, insuficiência de provas para a condenação. Também apela a corré, requerendo a absolvição com base na atipicidade do fato e, subsidiariamente, pleiteia a redução da pena imposta e a substituição da pena corporal por penas alternativas.
2. Adequação típica da conduta. Delito formal, que não depende da efetividade do depoimento falso. Questão preliminar atinente à atipicidade rejeitada.
3. Rejeição da preliminar de cerceamento de defesa. Preclusão do indeferimento de prova testemunhal. Alegação genérica que sequer infirma os fundamentos da decisão que indeferiu a prova pleiteada.
4. Materialidade e autoria delitiva comprovadas. Os acusados de participação no delito de falso testemunho, segundo reconheceu o próprio autor do testemunho inidôneo, foram os responsáveis por lhe impelir a falsear em juízo, para favorecer a empresa reclamada, na qual figuravam, respectivamente, como proprietário e advogada, que não juntaram em quaisquer das ações trabalhistas ou criminal a aventada documentação que abonaria a sua defesa, bem como a prova testemunhal, composta pelo depoimento de outros trabalhadores, prevaleceu no sentido de os reclamantes trabalhistas obterem êxito em seus pleitos contra a empresa reclamada no tocante ao desempenho de trabalho extraordinário, o que reforça e confirma a prova testemunhal originada da seara trabalhista e o interrogatório criminal do corréu acusado de falso testemunho.
5. No que concerne ao elemento subjetivo, a prova dos autos evidencia, portanto, que não foi por mero engano que o acusado prestou informações inverídicas ao depor, permitindo concluir que não se tratou, in casu, de um desencontro de versões em face da percepção natural variável da testemunha, mas sim, de alteração substancial e proposital dos fatos narrados à autoridade judicial, motivada pelo induzimento, consistindo o dolo no crime estampado no art. 342 do Código Penal exatamente na vontade livre e consciente de fazer afirmação falsa como testemunha em processo judicial.
6. Devidamente comprovada a materialidade, autoria delitiva e o dolo, de rigor a responsabilização penal dos acusados pela prática do delito do art. 342, caput, c.c. o art. 29, ambos do Código Penal, ante o cometimento de falso testemunho.
7. Dosimetria penal abrandada no quantum da pena privativa de liberdade e da pena de multa, a qual deverá ser fixada com base nos mesmos parâmetros de cálculo da pena privativa de liberdade. Concessão de penas alternativas somente a um dos corréus, eis que, em relação à corré, não estão presentes os requisitos legais.
8. Apelações providas em parte.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar as questões preliminares, DAR PARCIAL PROVIMENTO ÀS APELAÇÕES DE LUIZ ANTONIO DE ARRUDA e de KÁTIA REGINA MURRO, de sorte a, mantendo a condenação de ambos pela prática do delito do art. 342, caput, e art. 29, ambos do Código Penal, abrandar a dosimetria penal quanto ao primeiro corréu, para 1 (um) ano e 2 (dois) meses de reclusão, regime inicial aberto, substituída a pena corporal por duas penas restritivas de direito, bem como, quanto à segunda corré, abrandar a respectiva dosimetria penal para 1 (um) ano, 5 (cinco) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, regime inicial semiaberto, nos termos do voto do Desembargador Federal Relator; prosseguindo a Turma, por maioria, decide, de ofício, fixar em 11 (onze) dias-multa a pena de multa de LUIZ ANTONIO DE ARRUDA e fixar a pena de multa imposta à acusada KATIA REGINA MURRO em 14 (catorze) dias-multa, além de deixar de substituir sua pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos, nos termos do voto divergente do Desembargador Federal Nino Toldo, com quem votou o Desembargador Federal José Lunardelli, vencido o Desembargador Federal Relator que fixava as penas de multa respectivamente em 39 dias-multa para LUIZ e 90 dias-multa para KATIA, e concedia-lhe, ainda, a substituição da pena corporal por penas restritivas de direitos, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 27 de agosto de 2020.
NINO TOLDO
Relator para o acórdão


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 04/11/2020 19:26:23



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000837-48.2014.4.03.6110/SP
2014.61.10.000837-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : LUIZ ANTONIO ARRUDA
ADVOGADO : SP174995 FABIO PEUCCI ALVES e outro(a)
APELANTE : KATIA REGINA MURRO
ADVOGADO : SP098755 JOSE CARLOS PACIFICO e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
EXCLUIDO(A) : JOSE APARECIDO CAMARA
No. ORIG. : 00008374820144036110 1 Vr SOROCABA/SP

VOTO

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:
Trata-se de Apelações Criminais interpostas por LUIZ ANTONIO DE ARRUDA e KATIA REGINA MURRO, originadas de ação penal decorrente da condenação pela suposta prática do delito do art. 342, caput, c.c. o art. 29, ambos do Código Penal.
Nas razões de Apelação, LUIZ ANTONIO DE ARRUDA pleiteia a absolvição fundada, preliminarmente, no cerceamento de defesa e, no mérito, insuficiência de provas para a condenação. Também apela KATIA REGINA MURRO, requerendo a absolvição com base na atipicidade do fato e, subsidiariamente, pleiteia a redução da pena imposta e a substituição da pena corporal por penas alternativas.
DA IMPUTAÇÃO DO CRIME DE FALSO TESTEMUNHO
Adequação típica da conduta
Dispõe o art. 342 do Código Penal:
Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
No caso da testemunha que infringe o estabelecido no artigo 342 do Código Penal são três os comportamentos incriminados: (1) fazer afirmação falsa, tratando-se de conduta comissiva em que o sujeito ativo mente sobre fato específico, que não condiz com a realidade; (2) negar a verdade, caso em que o agente nega o que sabe, não reconhecendo a veracidade; (3) calar a verdade, no caso em que a testemunha silencia, com o intuito de omitir o que sabe.
O bem jurídico tutelado consiste na própria confiabilidade do sistema jurisdicional e na lisura da atuação dos envolvidos na formação do livre convencimento motivado do juiz, de modo que dissimular a verdade sobre fato juridicamente relevante é por si só capaz de atingir a administração da justiça independentemente de eventual prejuízo. Importante salientar, sob este prisma, que descabe cogitação do princípio da intervenção mínima do Direito Penal e mesmo do princípio da insignificância, considerando a ofensividade intrínseca e o desvalor do perjúrio em si.
Caracteriza-se, destarte, como delito formal, que se consuma no momento em que o juiz encerra o depoimento, sem necessidade de que tenha sido utilizado como suporte para a decisão do julgador, afastando, com isso, a necessidade de comprovação da lesividade material da conduta perpetrada.
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal reputa como irrelevante para perfazer o fato típico a influência ou não do depoimento falso no desfecho do processo, a teor do seguinte julgado:
HABEAS CORPUS. FALSO TESTEMUNHO. ART. 342, § 1º DO CÓDIGO PENAL. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO DECRETADA EM INQUÉRITO POLICIAL. PACIENTE QUE ACOMPANHAVA ESSE INQUÉRITO NA QUALIDADE DE ADVOGADO DOS INDICIADOS. 1. Depoimento em Juízo, nos autos de ação penal por crime de sonegação fiscal movida contra o seu cliente, afirmando a inexistência de decisão que, no curso do inquérito policial, decretara a quebra do sigilo bancário. Declaração falsa que, segundo a denúncia, teve como escopo embasar a alegação da defesa sobre a nulidade das provas, sob a afirmação de que teriam sido obtidas sem autorização judicial. 2. Alegação que se encontra em descompasso com a sua condição de advogado nos autos do inquérito e com o seu depoimento em Juízo, no sentido de ter acompanhado, em todas as suas fases, a investigação policial, onde a quebra do mencionado sigilo fora efetivada. 3. Quanto ao desvalor da afirmação tida como falsa no deslinde da causa em que se deu o depoimento do paciente, é firme o entendimento deste Supremo Tribunal de que "o crime de falso testemunho é de natureza formal e se consuma com a simples prestação do depoimento falso, sendo de todo irrelevante se influiu ou não no desfecho do processo" (HC nº 73.976, Rel. Min. Callos Velloso). Outros precedentes citados: HC nº 58.039, Min. Rafael Mayer; RHC nº 53.330 e RE nº 112.808, Min. Moreira Alves. 4. Habeas corpus indeferido.
(HC 81951-SP, 1ª Turma, Relatora Ministra Ellen Grace, DJ 30.04.2004) (destaquei)
No mesmo sentido, destaco julgados proferidos nesta E. Corte:
PENAL. PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. FALSO TESTEMUNHO. CRIME FORMAL. DESNECESSIDADE DE POTENCIALIDADE LESIVA. RECURSO PROVIDO. DENÚNCIA RECEBIDA. 1. Conforme narra a denúncia ofertada, os réus, na condição de testemunhas compromissadas pelo Juízo da Vara do Trabalho, fizeram afirmação falsa em audiência de instrução referente à Reclamação Trabalhista. (...). 4. O falso testemunho é crime formal, o qual não exige o resultado material para sua consumação, sendo desnecessário perquirir acerca da potencialidade lesiva da conduta. O crime consuma-se no momento em que a pessoa, ao depor no processo judicial, faz afirmação falsa, nega ou cala a verdade, não sendo elemento integrante do tipo a existência do prejuízo em si, ou seja, que o depoimento tenha sido relevante para a decisão da causa, sendo suficiente que o comportamento seja apto a produzir o resultado. 5. Nesta primeira etapa, de mero juízo de delibação, vige a observância do princípio in dubio pro societate, não se impondo a mesma certeza necessária para eventual condenação. 6. Pelo teor da Súmula n. 709 do Supremo Tribunal Federal, o provimento de recurso em sentido estrito interposto contra a decisão que rejeita a denúncia importa no seu recebimento. 7. Recurso provido a fim de receber a denúncia. (g.n.) (RSE 0000393-54.2016.403.6139, Relator Desembargador Federal Paulo Fontes, 5ª Turma, v.u., data da decisão 25.10.2017, e-DJF3 Judicial 1: 08.11.2017) (destaquei)
APELAÇÃO CRIMINAL. PENAL. CRIME DE FALSO TESTEMUNHO. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. TIPO PENAL FORMAL QUE PRESCINDE DE RESULTADO NATURALÍSTICO. DOLO CARACTERIZADO. REGIME INICIAL ABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA. 1. Materialidade e autoria comprovadas. 2. O delito do art. 342, caput, do Código Penal é crime formal, que prescinde de resultado naturalístico para a sua consumação. Significa dizer que a consumação plena do delito se dá ao final do depoimento que contém declarações falsas. É irrelevante se a sentença proferida considerou ou afastou, em sua fundamentação, as afirmações inverídicas trazidas pela testemunha. 3. O dolo encontra-se provado pelo interrogatório judicial da acusada e pela advertência, na ação previdenciária, sobre a possibilidade de caracterização do delito de falso testemunho. 4. Regime inicial aberto de cumprimento de pena. 5. Substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos. 6. Apelação desprovida. (g.n.) (Ap. 0002486-10.2012.403.6113, Desembargador Federal Nino Toldo, 11ª Turma, e-DJF3 Judicial 1: 25.08.2017) (destaquei)
Preliminar de cerceamento de defesa suscitada por LUIZ ANTONIO DE ARRUDA
Preliminarmente ao mérito de sua Apelação, o corréu LUIZ ANTONIO suscita suposta nulidade por indeferimento do pedido de oitiva de testemunha referida, que teria presenciado um relevante diálogo entre as partes.
Ocorre que a oitiva das testemunhas foi indeferida pelo juízo a quo nas decisões às fls. 380/382 e 411/413, e não foi impugnada nas alegações finais ofertadas às fls. 426/435 e 458/459.
Portanto, a apreciação de eventual nulidade por indeferimento desta prova encontra-se preclusa por não ter sido arguida oportunamente (art. 571, inc. II, do CPP), por ocasião das alegações finais, conforme, inclusive, a própria sentença antecipadamente observou.
Demais disto, a alegação genérica de cerceamento de defesa sequer questiona os fundamentos que amparam o indeferimento da prova, relacionados às circunstâncias de não ter sido localizada uma das testemunhas e de a outra testemunha ser, em verdade, filho do acusado, o qual seria ouvido sim como mero informante, e que sequer teria sido arrolado na resposta à acusação.
Destarte, improcede a preliminar de cerceamento de defesa suscitada na Apelação de LUIZ ANTONIO DE ARRUDA
Preliminar de atipicidade por não ter interferido no convencimento judicial suscitada por KÁTIA REGINA MURRO
Aduz a acusada KÁTIA REGINA MURRO, como questão preliminar, que não haveria tipicidade de sua conduta pelo fato de não ter influído no convencimento judicial acerca da controvérsia trabalhista estabelecida quanto ao tema da jornada de trabalho dos então reclamantes, ex-empregados da empresa TRANSLC TRANSPORTES LTDA, para a qual advogava.
Ocorre que o falso testemunho dispensa para a sua consumação, como visto precedentemente, que a informação inidônea balize o julgamento do feito no qual é veiculada, cuidando-se de crime formal. Demais disto, a conduta de aconselhar ou instruir sobre o modo de realização do falso testemunho, ou incentivar ou induzir psicologicamente o agente a praticar o fato delituoso, são condutas que, embora não previstas na figura penal, são abarcadas pelo instituto da participação (art. 29 do Código Penal).
Oportuno salientar que, caso a participação imputada a KÁTIA REGINA MURRO consubstanciasse o oferecimento de alguma vantagem para influenciar a testemunha a cometer perjúrio, estar-se-ia diante da figura penal do art. 343 do Código Penal, que pune separadamente aquele que concorre para o falso testemunho oferecendo dinheiro ou outra vantagem qualquer, o que não se verifica na hipótese dos autos.
Nestes moldes, muito embora o crime de falso testemunho seja próprio da pessoa compromissada a dizer a verdade, todo aquele que concorre para tal infração incide nas mesmas penas a ela cominadas. Nesse sentido já se manifestou a jurisprudência das Cortes Superiores, a exemplo dos seguintes precedentes:

Recurso ordinário. Habeas corpus. Falso testemunho (art. 342 do CP). Alegação de atipicidade da conduta, consistente em depoimento falso sem potencialidade lesiva. Aferição que depende do cotejo entre o teor do depoimento e os fundamentos da sentença. Exame de matéria probatória, inviável no âmbito estreito do writ. Co-autoria. Participação. Advogado que instrui testemunha a prestar depoimento inverídico nos autos de reclamação trabalhista. Conduta que contribuiu moralmente para o crime, fazendo nascer no agente a vontade delitiva. Art. 29 do CP. Possibilidade de co-autoria. Relevância do objeto jurídico tutelado pelo art. 342 do CP: a administração da justiça, no tocante à veracidade das provas e ao prestígio e seriedade da sua coleta. Relevância robustecida quando o partícipe é advogado, figura indispensável à administração da justiça (art. 133 da CF). Circunstâncias que afastam o entendimento de que o partícipe só responde pelo crime do art. 343 do CP. Recurso ordinário improvido.
(RHC - RECURSO EM HABEAS CORPUS , ELLEN GRACIE, STF, 1ª. Turma, 11.12.2001)
PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. 1. CRIME DE FALSO TESTEMUNHO. AUSÊNCIA DE REINQUIRIÇÃO. TEMA NÃO ANALISADO PELA CORTE LOCAL. NÃO OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. 2. CONCURSO DE AGENTES. ADVOGADO DENUNCIADO COMO PARTÍCIPE. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 3. RECURSO EM HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, DESPROVIDO. 1. O Tribunal de origem não apreciou o fato de que não houve a reinquirição das testemunhas. O instrumento processual correto para se sanar eventual omissão são os embargos de declaração, os quais não foram opostos pelo recorrente. Assim, não tendo a Corte local se manifestado sobre o tema, tem-se supressão de instância, o que inviabiliza o exame do tema pelo Superior Tribunal de Justiça. 2. A Corte local assentou que "os Tribunais Superiores têm entendimento pacificado no sentido de que advogado pode ser partícipe em crime de falso testemunho". De fato, é "perfeitamente admissível, na modalidade de participação, o concurso de agentes. Nada impede, tecnicamente, que uma pessoa induza, instigue ou auxilie outra a mentir em juízo ou na polícia". (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 14. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 1384). Precedentes. 3. Recurso em habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.
(RHC - RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS - 106395 2018.03.30217-0, REYNALDO SOARES DA FONSECA, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:16/04/2019)

Destarte, típica e antijurídica a conduta que lhe é imputada, descabendo falar-se que seria atípico o fato pelo qual é acusada esta corré.

Análise da materialidade, autoria e dolo
A imputação delitiva ora analisada circunscreve o depoimento prestados por JOSÉ APARECIDO CÂMARA nos autos da Reclamação Trabalhista nº 00720-2010-135-15-99, ajuizada por Liércio Jorge do Prado Avanci em face de TRANSLC TRANSPORTES LTDA, na qualidade de testemunha compromissada a dizer a verdade, teria dissimulado a verdade acerca da relação de trabalho mantida com a empresa reclamada com o objetivo de favorece-la mediante a frustração de direitos trabalhistas do reclamante, seu então colega de profissão.
A inveracidade do depoimento testemunhal veio à tona posteriormente, por ocasião da oitiva de JOSÉ APARECIDO CÂMARA enquanto reclamante, nos autos da ação que ele próprio ajuizou em face da mesma empresa.
Com efeito, de acordo com o registrado na ata de audiência da reclamatória trabalhista nº 00720-2010-135-15-99 (fls. 09/13), JOSÉ APARECIDO CÂMARA prestou depoimento com o seguinte teor, na data de 03.08.2010:
'Que trabalha na reclamada há 3 anos como motorista, que faz carregamento na PETROBRÁS; que o reclamante inicia a jornada às 4:30/4:40 horas em Barueri, assim como os demais motoristas e inclusive o reclamante; que as entregas são realizadas até às 09:00 horas e após faz novo carregamento e novas entregas até às 12/13:00 horas e é dispensado; que o depoente não faz entregas no interior; que não sabe se o reclamante faz entregas no interior; que o reclamante não faz mais entregas à tarde; que as testemunhas do reclamante também não fazem entrega no período da tarde; que não sabe dizer se algum motorista faz entrega na região de Sorocaba; que o depoente faz entregas no Extra, mas não faz entregas aos domingos, não sabe informar se algum motorista faz entregas no Extra aos domingos' (fl. 12)
Posteriormente, conforme também registrado em ata de audiência de reclamatória trabalhista nº 0002436-56.2011.5.15.0016 fls. 06/08), em que figurou como autor, em 29.05.2012, sucedeu que:
Quanto à prova emprestada juntada aos autos (processo 720/2010), o reclamante informa que prestou aquele depoimento em outra circunstância fática, pois era funcionário da reclamada e foi coagido a prestar tal depoimento. (...)
Inquirido, disse que: 'mentiu na audiência realizada nos autos 720/2010, perante a 4ª Vara do Trabalho de Sorocaba; que mentiu em tudo no depoimento; que na audiência do citado processo a testemunha foi advertida quanto ao risco de prisão pelo crime de falso testemunho. (...) que trabalhava diariamente das 04h às 17h30; que reitera que o final do expediente ocorria após às 17h00; que fazia intervalo de no máximo 20/30 minutos; que realizava entregas com mais frequência em São Paulo e Itapetininga; que também fazia entregas no ABC. Que em Itapetininga fazia entregas em uma usina, cujo nome não se recorda; que não havia itinerário fixo (...).'
O caráter espúrio do seu testemunho é descortinado, nestes moldes, pelo próprio acusado, e confirmado pelo depoimento de outros trabalhadores (Sr. Airton Diniz Maciel, Sr. Luciano da Silva e Sr. Josseandro Leal Pereira) que confirmaram a jornada de trabalho na empresa TRANSLC TRANSPORTES LTDA em horário estendido (adentrando pelo período vespertino), diversamente do falsamente declarado por JOSÉ APARECIDO CÂMARA enquanto testemunha da empresa reclamada, encampando a defesa de que a jornada seria restrita até às 12h ou 13h.
Os corréus acusados de participação no delito de falso testemunho, LUIZ ANTONIO DE ARRUDA e KÁTIA REGINA MURRO, segundo reconheceu o próprio autor do testemunho inidôneo, foram os responsáveis por lhe impelir a falsear em juízo, para favorecer a empresa reclamada (TRANSLC TRANSPORTES LTDA), na qual figuravam, respectivamente, como proprietário e advogada, fato que, pelas particularidades descritas a seguir, encontra-se suficientemente comprovado.
No interrogatório policial (fls. 35/37), JOSÉ APARECIDO CÂMARA afirmou em breve síntese que:
LUIZ ANTONIO DE ARRUDA, juntamente com a advogada KÁTIA REGINA MURRO, orientaram o interrogado e seu irmão, PAULO APARECIDO CÂMARA, sobre o que deveriam dizer como testemunha no processo trabalhista de LIERCIO JORGE DO PRADO AVANCI; que tanto o interrogado como seu irmão, eram à época, funcionários da TRANSLC, e, sentindo-se coagidos, haja vista estar atendendo a um pedido de seu patrão, mentiram no depoimento prestado à Vara do Trabalho; que o interrogado encontra-se muito arrependido de ter mentido no processo trabalhista em questão, porém, à época, ficou constrangido e temeroso quanto a possíveis retaliações por parte de seu patrão.
Ouvido como informante do juízo, por ter aceitado a suspensão condicional do processo, JOSÉ APARECIDO CÂMARA, conforme consignado pela r. sentença, afirmou (fls. 477/478):
que confirma que prestou depoimento na reclamatória envolvendo Liércio Jorge do Prado Avanci perante o juizo do trabalho; que confirma que ajuizou reclamatória trabalhista na 2ª Vara do Trabalho; que confirma que no depoimento prestado na 2ª Vara afirmou que mentiu no depoimento prestado na reclamatória de Liércio perante a 4ª Vara do Trabalho; que não se lembra o que disse na audiência de Liércio, só lembra que disse algo inverídico; que disse na audiência de Liércio o que a doutora e o patrão mandaram falar; que na época ficou com medo de perder o emprego se não falasse o que eles mandaram; esclarece que se reuniram no escritório deles na firma antes de prestar depoimento na reclamatória de Liércio; que o nome da firma é TRANSLC; esclarece que eles explicaram o que eu tinha que falar e estava eu e meu irmão na reunião; que meu irmão não chegou a depor; que ele também foi instruído a falar a mesma coisa; que o nome dele é Paulo Aparecido Câmara; quem me instruiu foi meu patrão Luiz Antônio de Arruda e a advogada Kátia Regina Murro; esclarece que quando ajuizou a sua reclamatória ainda estava empregado e nessa ocasião foi na Vara do Trabalho e falou a verdade no seu processo. Dada a palavra ao advogado do réu Luiz Antônio Arruda, respondeu: a reunião foi no escritório e só estava o depoente, Luiz e a doutora; que trabalhou lá por 4 ou 5 anos; que nunca tinha ido depor, era a primeira vez; que não sabe se o seu advogado era o mesmo do Liércio; que indagado se seu advogado chegou a orientar do problema que seria falar que mentiu no processo anterior, o depoente respondeu afirmativamente; esclareceu que não foi o advogado que pediu para o depoente falar que mentiu, mas o depoente mesmo falou. Dada a palavra ao advogado da ré Kátia, respondeu: que os dois mandaram falar, era sobre horário, onde ficavam, horário de almoço, essas coisas; que não era o correto, o que eles pediram eu falei; só fez isso uma única vez no caso do Liércio; que não sabe se em outras situações houve reuniões antes das audiências; que não sabe se seu irmão fez reclamação trabalhista; sue não se lembra exatamente o que a advogada pediu para que falasse, lembra que era sobre horários, horários de almoço, de jantar, horário de pegar para trabalhar; que disseram 'você vai falar o que eu falar para você'; esclarece que no dia de sua reclamatória falou o horário que trabalhava; que não se lembra se falou que mentiu antes por espontânea vontade ou porque o advogado assim orientou; esclarece que falou a verdade no depoimento de sua reclamatória; esclarece que ganhou a causa falando a verdade; que a causa do Liércio ainda está correndo; que o advogado do Liércio era o mesmo advogado quando o depoente ganhou a causa, mas não lembra o nome dele; que não se lembra se o advogado patrocinava todas as causas contra a empresa; que não sabe se esse advogado brigava com o patrão.
De seu turno, o réu LUIZ ANTONIO DE ARRUDA alegou em seu interrogatório judicial (mídia à fl. 410) que não orientou os empregados a mentir perante a Justiça do Trabalho, tendo em vista que os horários de trabalho estariam comprovados documentalmente pelos taquígrafos dos caminhões e notas fiscais da mercadoria transportada. Igualmente interrogada, a corré KÁTIA REGINA MURRO negou participação, afirmando que na reunião prévia ao depoimento de JOSÉ APARECIDO CÂMARA apenas lhe disse para afirmar a verdade.
Afirmam ainda, especialmente nas Apelações, que o convencimento acerca da infração penal não pode se escorar na palavra do acusado de falsear o depoimento, pois ele se beneficiou em seu próprio pleito trabalhista ao afirmar que faltara com a verdade anteriormente a pedido de seu patrão e da advogada, ambos ora acusados.
Ocorre que LUIZ ANTONIO DE ARRUDA e KÁTIA REGINA MURRO não juntaram em quaisquer das ações trabalhistas ou criminal a aventada documentação que abonaria a sua defesa, bem como a prova testemunhal, composta pelo depoimento de outros trabalhadores, prevaleceu no sentido de Liércio Jorge do Prado Avancini e JOSÉ APARECIDO CÂMARA obterem êxito em seus pleitos contra a empresa reclamada referentemente ao desempenho trabalho extraordinário (fls. 204/220), o que reforça e confirma a prova testemunhal originada da seara trabalhista e o interrogatório criminal de corréu JOSÉ APARECIDO CÂMARA, bem como a sua oitiva judicial como informante do juízo criminal.
No que concerne ao elemento subjetivo, a prova dos autos evidencia, portanto, que não foi por mero engano que JOSÉ APARECIDO CÂMARA prestou informações inverídicas ao depor, permitindo concluir que não se tratou, in casu, de um desencontro de versões em face da percepção natural variável da testemunha, mas sim, de alteração substancial e proposital dos fatos narrados à autoridade judicial, motivada pelo induzimento da parte de LUIZ ANTONIO DE ARRUDA e KÁTIA REGINA MURRO, consistindo o dolo no crime estampado no art. 342 do Código Penal exatamente na vontade livre e consciente de fazer afirmação falsa como testemunha em processo judicial.
Dessa feita, devidamente comprovada a materialidade, autoria delitiva e o dolo, de rigor a responsabilização penal de LUIZ ANTONIO DE ARRUDA e KÁTIA REGINA MURRO como incursos no art. 342, caput, c.c. o art. 29, ambos do Código Penal, ante o cometimento de falso testemunho.
DOSIMETRIA PENAL
O cálculo da pena deve atentar aos critérios dispostos no artigo 68 do Código Penal, de modo que, na primeira etapa da dosimetria, observando as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, o magistrado deve atentar à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, e estabelecer a quantidade de pena aplicável, dentro de uma discricionariedade juridicamente vinculada, a partir de uma análise individualizada e simultânea de todas as circunstâncias judiciais. Na segunda fase de fixação da pena, o juiz deve considerar as agravantes e atenuantes, previstas nos artigos 61 a 66, todos do Código Penal. Finalmente, na terceira etapa, incidem as causas de diminuição e de aumento da pena.
Dosimetria da pena privativa de liberdade de LUIZ ANTONIO DE ARRUDA
A pena corporal de LUIZ ANTONIO ARRUDA foi deduzida nos seguintes termos pela r. sentença (fls. 485/488):
(...) Dessa forma, fixo a pena-base de LUIZ ANTÔNIO DE ARRUDA no mínimo legal, ou seja, em 1 (um) ano de reclusão.
Na segunda fase da dosimetria da pena, verifico a presença da agravante contida no artigo 62, inciso III do Código Penal, já que LUIZ ANTÔNIO DE ARRUDA se valeu de sua condição de empregador (patrão) de José Aparecido Câmara para determinar que este cometesse o crime. Nesse sentido, comentando sobre a aludida agravante trago à colação o seguinte ensinamento inserto na obra "Código Penal Comentado", obra de autoria coletiva de Celso Delmanto, Roberto Delmanto, Roberto Delmanto Júnior e Fábio M. De Almeida Delmanto, editora Saraiva, 9ª edição (ano 2016), página 273: "o agente instiga ou determina a praticar o crime, valendo-se de sua autoridade, que pode ser pública ou privada (serviço, emprego, parentesco, religião etc.)".
Também está presente a agravante contida no artigo 62, inciso II, do Código Penal, uma vez que LUIZ ANTÔNIO DE ARRUDA induziu José Aparecido Câmara à execução material do crime.
Em relação às atenuantes, entendo inaplicável a atenuante confissão espontânea prevista no artigo 65, inciso III, alínea "d" do Código Penal, haja vista que LUIZ ANTÔNIO DE ARRUDA não admitiu expressamente o cometimento do delito em sede policial (fls. 90/91) ou judicial (mídia de fls. 410). Em realidade observa-se que negou os fatos, já que disse que jamais instruiu José Aparecido Câmara a faltar com a verdade perante o Juiz da 4ª Vara do Trabalho de Sorocaba.
Em sendo assim, na segunda fase de dosimetria da pena, incidindo as duas agravantes acima citadas, a pena de LUIZ ANTÔNIO DE ARRUDA deve ser agravada em 4 (quatro) meses, isto é, incidência de dois sextos sobre a pena-base fixada na fase anterior, ficando fixada em 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão.
Por fim, na terceira fase da dosimetria da pena de LUIZ ANTÔNIO DE ARRUDA, não vislumbro a existência de causas de aumento ou de diminuição. Nesse sentido, não incide a causa de aumento prevista no 1º do artigo 342 do Código Penal, já que se trata de falso testemunho cometido em processo trabalhista. Em sendo assim, a pena de LUIZ ANTÔNIO DE ARRUDA fica definitivamente fixada em 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão.
Mantida a pena-base no mínimo-legal, não havendo impugnação do órgão acusatório, passa-se à análise diretamente das fases subsequentes da dosimetria penal.
Com relação às circunstâncias legais avaliadas na segunda etapa da aplicação penal, apenas a incidência da agravante relativa à condição de empregador, contida no art. 62, inc. III, do Código Penal, justifica-se, na medida em que corresponde a um efetivo fator particularmente opressor sobre o agente do crime legalmente capitulado.
De outro lado, não subsiste a agravante concernente à indução do crime (art. 62, II, do CP), porquanto o induzimento praticado constituiu o elemento tipificador de sua própria correlação com o crime na qualidade de partícipe, sendo, portanto, elemento do tipo em relação a LUIZ ANTONIO ARRUDA, de sorte que não deve ser duplamente valorado, sob pena de incorrer-se em bis in idem.
Destarte, a pena intermediária deve ser proporcionalmente reduzida, de ofício, para 01 (um) ano e 02 (dois) meses de reclusão, a qual, não havendo causas de aumento ou de diminuição, se torna definitiva.
Dosimetria da pena privativa de liberdade de KÁTIA REGINA MURRO
Por sua vez, a pena corporal de KÁTIA REGINA MURRO foi assim estabelecida pela r. sentença (fls. 489/491):
Por outro lado, quanto à pena privativa de liberdade, tomando-se em conta o artigo 59 do Código Penal, em relação à acusada KÁTIA REGINA MURRO, observa-se que existe contra si identificada uma ação penal, em que já houve o trânsito em julgado.
Com efeito, conforme consta em fls. 25, 28, 41/42, 46/48 e 56 do apenso de antecedentes, é possível verificar que, nos autos da ação penal nº 0087823-93.2002.8.26.0405, em curso perante a 2ª Vara Criminal do Foro de Osasco, KÁTIA REGINA MURRO foi condenada como incursa no artigo 316 do Código Penal (concussão), à pena de 2 (dois) anos de reclusão e a pagar 40 dias-multa, por fatos ocorridos em 2002, cuja sentença transitou em julgado em 07/03/2005. Note-se que, conforme fls. 41 do apenso de antecedentes, processo de execução penal nº 7000124-03.2006.8.26.0405, o início do cumprimento da pena de KÁTIA REGINA MURRO ocorreu em 10/11/2006 e o término do cumprimento da pena deu-se em 09/11/2008, havendo a prolação de sentença de extinção em 17/11/2008.
Tendo em vista que tal apontamento gera a reincidência, será valorado na segunda fase de dosimetria da pena. Ou seja, tendo em vista que esse aspecto negativo implica na agravante reincidência, efetua-se o reconhecimento da circunstância judicial como desfavorável, porém sua valoração será efetuada na segunda fase da dosimetria da pena, pelo que o aumento respectivo irá ser aplicado na segunda fase.
(...)
Os motivos e as consequências para a prática do delito não apresentam maior reprovabilidade, sendo inerentes ao tipo penal; as circunstâncias que envolvem o delito não denotam nenhuma especificidade que enseje a majoração da pena.
Em relação à conduta social e a personalidade de KÁTIA REGINA MURRO, estamos diante de circunstâncias neutras, eis que nenhum elemento foi coletado a respeito, pelo que inviável a valoração.
Não obstante, o grau de censurabilidade da conduta da acusada (culpabilidade) indica uma conduta reprovável, uma vez que, ao instruir testemunha para faltar a verdade em juízo, incidiu, obviamente, em conduta desvinculada da ética que se exige na profissão de advogado. Com efeito, este juízo tem posicionamento no sentido de que a pena deve ser mais elevada em relação àqueles que se valem de facilidades postulatórias por conta do exercício do "múnus público" relativo à nobre profissão de advogado. Assim, a pena deve ser elevada em 3 (três) meses por conta dessa particularidade.
Dessa forma, fixo a pena-base de KÁTIA REGINA MURRO superior ao mínimo legal, ou seja, em 1 (um) ano e 3 (três) meses de reclusão, destacando-se que houve aumento de três meses por conta culpabilidade mais acentuada da ré que agiu cometendo o delito na condição de advogada.
Na segunda fase da dosimetria da pena, verifico a presença da agravante contida no artigo 61, inciso I do Código Penal, qual seja, a reincidência. Conforme já aduzido, o crime objeto desta ação penal foi cometido em 03 de Agosto de 2010, isto é, em data posterior ao trânsito em julgado da demanda noticiada, restando caracteriza a reincidência para fins do disposto no artigo 63 do Código Penal, sendo ainda certo que não houve o transcurso do lapso temporal de cinco anos entre da data do cumprimento da pena até a infração retratada nestes autos, uma vez que a pena de KÁTIA REGINA MURRO restou integralmente cumprida em 09 de Novembro de 2008, conforme fls. 41 do apenso de antecedentes.
Também está presente a agravante contida no artigo 62, inciso II, do Código Penal, uma vez que KÁTIA REGINA MURRO induziu José Aparecido Câmara à execução material do crime. Em relação às atenuantes, entendo inaplicável a atenuante confissão espontânea prevista no artigo 65, inciso III, alínea "d" do Código Penal, haja vista que KÁTIA REGINA MURRO não admitiu expressamente o cometimento do delito em sede policial (fls. 76) ou judicial (mídia de fls. 410).
Em realidade observa-se que negou os fatos, já que disse que jamais instruiu José Aparecido Câmara a mentir perante o Juiz da 4ª Vara do Trabalho de Sorocaba.Em sendo assim, na segunda fase de dosimetria da pena, incidindo as duas agravantes acima citadas, a pena de KÁTIA REGINA MURRO deve ser agravada em 5 (cinco) meses, isto é, incidência de dois sextos sobre a pena-base fixada na fase anterior, ficando fixada em 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão.
Por fim, na terceira fase da dosimetria da pena, não vislumbro a existência de causas de aumento ou de diminuição. Nesse sentido, não incide a causa de aumento prevista no 1º do artigo 342 do Código Penal, já que se trata de falso testemunho cometido em processo trabalhista. Em sendo assim, a pena de KÁTIA REGINA MURRO fica definitivamente fixada em 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão.
A fixação da pena-base em patamar ligeiramente superior ao mínimo cominado mostra-se irreparável, pois efetivamente a acusada concorreu para o crime na condição de advogada, desprestigiando a valorosa função essencial à Justiça, devendo ser mantida no patamar de 01 (um) ano e 03 (três) meses de reclusão.
Na segunda fase da dosimetria penal, foi corretamente valorada a agravante da reincidência (art. 61, inc. I, do CP), haja vista a condenação pelo crime do art. 316 do Código Penal (concussão) reportada nos autos da ação penal nº 0087823-93.2002.8.26.0405, transitada em julgado em 07.03.2005 (fls. 25, 28, 41/42, 46/48 e 56 do apenso de antecedentes). Por outro lado, deve ser extirpada a agravante concernente à indução à prática delitiva, pois consubstancia a própria tipificação de sua conduta a título de participação, sob pena de incorrer-se em bis in idem, de sorte a subsistir apenas a majoração própria da reincidência, na fração usual de 1/6 sobre a pena-base.
Não havendo causa de aumento ou de diminuição, a pena em concreto resta prudentemente reduzida para 01 (um) ano, 05 (cinco) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, provendo-se parcialmente o pleito de KÁTIA REGINA MURRO nesse sentido.
Pena de Multa
A aplicação da pena de multa deve observar os parâmetros previstos no artigo 49, caput, do Código Penal, que estabelece que essa pena será calculada por meio do mecanismo de dias-multa, não podendo nem ser inferior a 10 (dez) nem superior a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa. A disposição em tela deve ser aplicada tendo como base os postulados constitucionais tanto da proporcionalidade (decorrente da incidência das regras de devido processual legal sob o aspecto substantivo - art. 5º, LIV) como da individualização da pena (art. 5º, XLVI), ambos premissas basilares do Direito Penal, cuja observância pelo magistrado mostra-se obrigatória, ao lado da aplicação do princípio da legalidade no âmbito penal, a impor que o juiz atue no escopo e no limite traçado pelo legislador, demonstrando a evidente intenção de circunscrever a sanção penal a parâmetros fixados em lei, distantes do abuso e do arbítrio de quem quer que seja, inclusive e especialmente do juiz, encarregado de aplica-la ao infrator (NUCCI, Guilherme de Souza, Individualização da Pena, 7ª edição, Editora Forense, Rio de Janeiro, pág. 37).
Dentro desse contexto, para os tipos penais em que o preceito secundário estabelece pena de reclusão ou de detenção acrescida de multa, impõe-se que esta última, atendendo à legalidade penal a que foi feita menção, guarde proporção com a pena corporal aplicada, respeitando, assim, a regra constitucional de individualização de reprimenda. Desta forma, caso tenha sido fixada a pena corporal no mínimo legal abstratamente cominado ao tipo infringido, mostra-se imperioso o estabelecimento da pena de multa no seu patamar mínimo, qual seja, em 10 (dez) dias-multa; a contrário senso, na hipótese da reprimenda privativa de liberdade ter sido fixada no seu quantitativo máximo, por certo a multa também o deverá ser (360 - trezentos e sessenta - dias-multa).
Importante ser dito que, na primeira fase da dosimetria da pena corporal, a eventual fração de seu aumento não deve guardar correlação direta com o quantum de majoração da pena de multa, pois esta cresceria de forma linear, mas totalmente desproporcional à pena base fixada, tendo em vista a diferença entre o mínimo e o máximo da reprimenda estabelecida para cada delito (variável de tipo penal para tipo penal) e o intervalo de variação da multa (sempre estanque entre 10 - dez - e 360 - trezentos e sessenta - dias-multa).
Caso incidisse na espécie a mesma fração de aumento aplicada quando da majoração da pena base atinente à reprimenda corporal em sede de pena de multa, esta seria estabelecida em patamar irrisório, muito distante do limite máximo estabelecido pelo legislador, ainda mais se se considerar que o valor do dia-multa, na maioria das vezes, é imposto em seu patamar mínimo, vale dizer, 1/30 do salário mínimo. Ou seja, evidenciaria perfeita distorção no quantum pecuniária da pena base, jamais atingindo o esperado pelo legislador ao fixar margens bem distantes entre o mínimo e o máximo da pena de multa.
Aliás, a presente interpretação guarda relação com o item 43 da Exposição de Motivos nº 211, de 09 de maio de 1983, elaborada por força da reforma da Parte Geral do Código Penal, que estabelece que o Projeto revaloriza a pena de multa, cuja força retributiva se tornou ineficaz no Brasil, dada a desvalorização das quantias estabelecidas na legislação em vigor, adotando-se, por essa razão, o critério do dia-multa, nos parâmetros estabelecidos, sujeito a correção monetária no ato da execução.
Ressalte-se que o posicionamento ora adotado encontra o beneplácito da jurisprudência desta E. Corte Regional, conforme é possível ser visto na APELAÇÃO CRIMINAL 56899 (Feito nº 0000039-46.2012.4.03.6114, Rel. Des. Fed. HÉLIO NOGUEIRA, 1ª Turma, votação unânime, julgado em 22/08/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 29/08/2017) e na APELAÇÃO CRIMINAL 62692 (Feito nº 0009683-06.2012.4.03.6181, Rel. Des. Fed. HÉLIO NOGUEIRA, 1ª Turma, votação unânime, julgado em 11/07/2017).
Assim, não há como fixar a pena de multa sem se levar em consideração seus limites mínimo e máximo com adoção de proporcionalidade em face da pena privativa de liberdade, atendendo, pois, aos preceitos constitucionais mencionados.
Atendendo o critério ora estabelecido, a pena de multa deve ser reduzida proporcionalmente em relação à pena corporal de LUIZ ANTONIO DE ARRUDA, de 68 para 39 (trinta e nove) dias-multa, e em relação à pena corporal de KÁTIA REGINA MURRO, de 126 para 90 (noventa) dias-multa, mantido para ambos o valor unitário em 1/30 do salário-mínimo, ante a ausência de impugnação do órgão acusatório.
Regime inicial
A teor do art. 33, § 2º, 'c', do Código Penal, deve ser mantido o regime de cumprimento da pena privativa de liberdade inicialmente ABERTO, para o corréu LUIZ ANTONIO DE ARRUDA, bem como o regime inicial SEMIABERTO relativamente a KÁTIA REGINA MURRO.
Não procede, nesse sentido a alegação de que o regime SEMIABERTO deveria ser afastado, porquanto a sua imposição já constitui um abrandamento do rigor da aplicação do regime fechado preconizado pela lei penal, constituindo medida de política criminal afastar o regime mais severo gravoso, subsistindo a necessidade, porém, de fazer frente à situação de reincidência e à valoração negativa da culpabilidade, de sorte a se desprover o pleito pelo regime aberto de KÁTIA REGINA MURRO.
Substituição por penas restritivas de direitos
Presentes os requisitos legais, deve ser mantida a substituição da pena corporal por penas alternativas apenas quanto ao corréu LUIZ ANTONIO DE ARRUDA, fixadas pela r. sentença da seguinte forma: a) na prestação de serviços à entidade assistencial, a ser escolhida quando da audiência admonitória, com jornada semanal de 7 (sete) horas e período de duração de 1 (um) ano e 2 (dois) meses - facultada a utilização da norma prevista no 4º, do artigo 46 do Código Penal, ressaltando-se que a pena restritiva de prestação de serviços deve ter a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída, nos termos do artigo 55 do Código Penal; b) ao pagamento a entidade pública com destinação social, a ser designada por ocasião da audiência admonitória, reduzida de 05 para 04 (quatro) salários mínimos a título de pena prestação pecuniária, com fulcro no 1º do artigo 45 do Código Penal, enfatizando que tal pena pecuniária poderá ser parcelada no transcorrer da execução e que não se trata de pena mensal, mas sim global.

A r. sentença merece reparo, todavia, no que tange à possibilidade de substituir a pena privativa de liberdade imposta à corré KÁTIA REGINA MURRO, acatando-se a sua irresignação recursal neste particular. Conquanto não se ignore que a reincidência constitua marca deletéria de desapreço pelas instituições públicas o encarceramento destoaria como medida excessivamente gravosa diante da natureza do crime cometido e das condições pessoais da acusada, de modo que, tendo em conta a função ressocializadora da pena, mostra-se socialmente recomendável a substituição por penas alternativas, conforme faculta o art. 44, § 3º, do Código Penal.
Consequentemente, defere-se em favor da corré KÁTIA REGINA MURRO, a substituição da pena corporal por duas penas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade, com a mesma duração da pena substituída, e prestação pecuniária no importe de 05 (cinco) salários-mínimos, ambas a serem individualizadas pelo Juízo da Execução Penal e destinadas em favor de entidade beneficente por este indicada.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por rejeitar as questões preliminares, dar parcial provimento às Apelações de LUIZ ANTONIO DE ARRUDA e de KÁTIA REGINA MURRO, de sorte a, mantendo a condenação de ambos como incursos nas penas do art. 342, caput, e art. 29, ambos do Código Penal, abrandar a dosimetria penal quanto ao primeiro corréu, para 01 (um) ano e 02 (dois) meses de reclusão, regime inicial ABERTO, e 39 (trinta e nove) dias-multa, substituída a pena corporal por duas penas restritivas de direito na forma acima estabelecida, bem como, quanto à segunda corré, abrandar a respectiva dosimetria penal para 01 (um) ano, 05 (cinco) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, regime inicial SEMIABERTO, e 90 (noventa) dias-multa, concedendo-lhe, ainda, a substituição da pena corporal por penas restritivas de direitos, mantidos os demais termos da condenação, na forma acima expendida.
FAUSTO DE SANCTIS
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000837-48.2014.4.03.6110/SP
2014.61.10.000837-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : LUIZ ANTONIO ARRUDA
ADVOGADO : SP174995 FABIO PEUCCI ALVES e outro(a)
APELANTE : KATIA REGINA MURRO
ADVOGADO : SP098755 JOSE CARLOS PACIFICO e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
EXCLUIDO(A) : JOSE APARECIDO CAMARA
No. ORIG. : 00008374820144036110 1 Vr SOROCABA/SP

VOTO

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO: Acompanho o e. Relator quanto ao mérito e à maior parte da dosimetria. Todavia, dele divirjo, com a devida vênia, quanto à substituição da pena privativa de liberdade imposta à acusada KATIA REGINA MURRO por penas restritivas de direitos e em relação ao quantum das penas de multa impostas a ambos os acusados.


A substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos condiciona-se à observância dos requisitos previstos no art. 44 do Código Penal, que, em seu caput, prevê o seguinte:


Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando:
I - aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;
II - o réu não for reincidente em crime doloso;
III - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.

O e. Relator reconheceu, em seu voto, que KATIA REGINA é reincidente, haja vista a existência de condenação anterior, com trânsito em julgado, pela prática do crime de concussão. Portanto, não é cabível, para ela, a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos ou multa, nos termos do art. 44, II, do Código Penal.

De outro lado, entendo que a fixação da pena de multa deve se dar de forma proporcional à pena privativa de liberdade, seguindo os mesmos parâmetros e frações de majoração e de redução, conforme precedentes desta Turma. Assim, seguindo os mesmos parâmetros utilizados pelo e. Relator na dosimetria das penas privativas de liberdade, refaço a dosimetria das penas de multa para fixá-las em 11 (onze) dias-multa para LUIZ ANTONIO DE ARRUDA e em 14 (catorze) dias-multa para KATIA REGINA.

Posto isso, divirjo do e. Relator para DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação de KATIA REGINA MURRO em menor extensão, pois deixo de substituir a pena privativa de liberdade que lhe foi imposta por penas restritivas de direitos, mas fixo sua pena de multa em 14 (catorze) dias-multa e, de ofício, fixar em 11 (onze) dias-multa a pena de multa de LUIZ ANTONIO DE ARRUDA, acompanhando-o em todo o mais, nos termos da fundamentação supra.

É o voto.

NINO TOLDO
Desembargador Federal


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