D.E. Publicado em 18/09/2020 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, voto por negar provimento às Apelações do Ministério Público Federal, de JULIANA NUNES BRITO e de MARIA APARECIDA DE JESUS, mantendo a condenação destas corrés, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:
Trata-se de Apelações Criminais interpostas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e por MARIA APARECIDA DE JESUS e JULIANA NUNES BRITO, nascidas, respectivamente, em 11.03.1985 e 16.02.1984, originadas de ação penal decorrente de acusação em face das apelantes e da corré SUZI CLAUDIA CARDOSO DE BRITO FLOR, nascida em 25.10.1974, pela suposta prática do delito do art. 342, § 1º, c.c. o art. 29, ambos do Código Penal, bem como do delito do art. 343, parágrafo único, também do Código Penal, no caso da corré JULIANA NUNES BRITO.
Recebida em 08.04.2013 (fls. 143/144), a denúncia narra que (fls. 138/142):
A sentença (fls. 426/432), publicada em 20.09.2016 (fl. 433), proferida pelo Exmo. Juiz Federal Dasser Lettiere Júnior (4ª Vara Federal de São José do Rio Preto/SP), julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva estatal, para absolver SUZI CLAUDIA CARDOSO DE BRITO FLOR e condenar:
Nas razões de Apelação (fls. 438/443), o Ministério Público Federal postula pela condenação de SUZI CLAUDIA CARDOSO DE BRITO FLOR como incursa nas penas do art. 342, § 1º, do Código Penal.
Também apela a Defesa de MARIA APARECIDA DE JESUS (fls. 464/466-v), postulando a absolvição por insuficiência de provas para a condenação, e de JULIANA NUNES BRITO (fls. 478/482), postulando a absolvição com base na inocorrência do fato e ausência de dolo.
As contrarrazões foram apresentadas por SUZI CLAUDIA CARDOSO DE BRITO FLOR (fls. 471/473) e pelo Ministério Público Federal (fls. 486/490-v).
A Procuradoria Regional da República opinou pelo desprovimento das Apelações defensivas e pelo provimento do apelo ministerial (fls. 493/496-v).
É o relatório.
À revisão.
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VOTO
O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:
Trata-se de Apelações Criminais interpostas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e por MARIA APARECIDA DE JESUS e JULIANA NUNES BRITO, nascidas, respectivamente, em 11.03.1985 e 16.02.1984, originadas de ação penal decorrente de acusação em face das apelantes e da corré SUZI CLAUDIA CARDOSO DE BRITO FLOR, nascida em, 25.10.1974, pela suposta prática do delito do art. 342, § 1º, c.c. o art. 29, ambos do Código Penal, bem como do delito do art. 343, parágrafo único, também do Código Penal, no caso da corré JULIANA NUNES BRITO.
Sobrevindo sentença de parcial procedência, SUZI CLAUDIA CARDOSO DE BRITO FLOR restou absolvida, tendo sido condenadas as demais corrés nos seguintes termos:
a) MARIA APARECIDA DE JESUS à pena de 01 (um) ano e 02 (dois) meses de reclusão, em regime inicial ABERTO, e 11 (onze) dias-multa no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, substituída a pena corporal por duas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no importe de R$ 500,00 em favor da União.
b) JULIANA NUNES BRITO à pena de 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão, em regime inicial ABERTO, e 11 (onze) dias-multa no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, substituída a pena corporal por duas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no importe de R$ 1.000,00 em favor da União.
Nas razões de Apelação, o Ministério Público Federal postula pela condenação de SUZI CLAUDIA CARDOSO DE BRITO FLOR como incursa nas penas do art. 342, § 1º, do Código Penal, pois teria concorrido para o crime de falso testemunho ao orientar a então testemunha a mentir em juízo.
Também apela a Defesa de MARIA APARECIDA DE JESUS, postulando a absolvição por insuficiência de provas para a condenação, e de JULIANA NUNES BRITO, postulando a absolvição com base na inocorrência do fato e ausência de dolo.
DA IMPUTAÇÃO DOS CRIMES DE FALSO TESTEMUNHO
Adequação típica das condutas
Dispunham os arts. 342 e 343, ambos do Código Penal, na sua redação vigente à época dos fatos imputados (anterior ao advento da Lei nº 12.850/2013):
No caso da testemunha que infringe o estabelecido no artigo 342 do Código Penal são três os comportamentos incriminados: (1) fazer afirmação falsa, tratando-se de conduta comissiva em que o sujeito ativo mente sobre fato específico, que não condiz com a realidade; (2) negar a verdade, caso em que o agente nega o que sabe, não reconhecendo a veracidade; (3) calar a verdade, no caso em que a testemunha silencia, com o intuito de omitir o que sabe.
Já no tocante ao oferecimento de vantagem para testemunha falsear seu depoimento, aplica-se excepcionalmente a teoria dualista sobre o concurso de agentes, pela qual o agente que oferece vantagem responde por crime próprio (art. 343 do CP) e não por participação no delito de falso testemunho propriamente dito (art. 342 do CP).
No caso de ambos os crimes, o bem jurídico tutelado consiste na própria confiabilidade do sistema jurisdicional e na lisura da atuação dos envolvidos na formação do livre convencimento motivado do juiz, de modo que dissimular a verdade sobre fato juridicamente relevante é por si só capaz de atingir a administração da justiça independentemente de eventual prejuízo. Importante salientar, sob este prisma, que descabe cogitação do princípio da intervenção mínima do Direito Penal e mesmo do princípio da insignificância, considerando a ofensividade intrínseca e o desvalor do perjúrio em si.
Caracterizam-se, destarte, como delitos formal, consumando-se o crime de falso testemunho no momento em que o juiz encerra o depoimento, sem necessidade de que tenha sido utilizado como suporte para a decisão do julgador, afastando, com isso, a necessidade de comprovação da lesividade material da conduta perpetrada, bem como o crime de oferecimento de vantagem para a testemunha falsear não depende da ocorrência do perjúrio em si nem mesmo da aceitação da vantagem.
Nesse sentido, as Cortes Superiores reputam como irrelevante para perfazer o fato típico a influência ou não do depoimento falso no desfecho do processo, a teor do seguinte julgado:
No mesmo sentido, destaco julgado proferido nesta E. Corte:
Análise da materialidade, autoria e dolo
A imputação delitiva ora analisada circunscreve o depoimento judicial de MARIA APARECIDA DE JESUS prestado na qualidade de testemunha nos autos do proc. nº 128.02.2010.000884-4 perante a Vara Única da Comarca de Cardoso/SP, em que, na qualidade de testemunha compromissada a dizer a verdade, teria dissimulado a verdade acerca da filiação à seguridade social na condição de segurado especial por parte de JULIANA NUNES BRITO, autora da ação, representada por sua advogada, SUZI CLAUDIA CARDOSO DE BRITO FLOR, demanda previdenciária esta que objetivava a concessão de auxílio-maternidade.
Segundo o documentado nos autos da ação previdenciária, do depoimento de MARIA APARECIDA DE JESUS consta a afirmação de que ela trabalhara com Juliana na roça, no ano de 2006, que Juliana trabalhava para Donizete, Murilo e Toninho e que o marido desta também trabalhava na lavoura.
Em seu interrogatório ofertado na lide previdenciária (fls. 35/38), JULIANA NUNES BRITO, à época com 25 anos, declarou que quando estava grávida trabalhou sem registro para o Donizete e o Murilo, na laranja, até o oitavo mês da gestação, que seu marido trabalhava na roça, que nunca teve emprego na cidade, e que nos últimos três anos havia trabalhado para o Donizete, não se lembrando em qual região, que era remota, e que apanhava algodão e laranja.
Por sua vez, ainda no bojo da ação previdenciária, a então testemunha MARIA APARECIDA DE JESUS afirmou que (fls. 39/42):
De início, importante considerar que há elementos para se crer na existência do labor campesino por parte da acusada JULIANA NUNES BRITO.
No curso do inquérito policial (fls. 56/57), FÁTIMA APARECIDA DA SILVA SPROCATI afirmou que trabalhou com JULIANA NUNES BRITO na roça, mas não com MARIA APARECIDA DE JESUS, que trabalharia em uma tecelagem. Eis o teor de suas declarações prestadas na fase inquisitorial:
Em Juízo criminal, FÁTIMA APARECIDA DA SILVA SPROCATI ratificou seu depoimento anterior (fls. 304/310), confirmando que trabalhava na roça juntamente com JULIANA e que conhece MARIA APARECIDA, mas não lembra de terem trabalhado juntas.
Antonio da Silva Virgolino, vulgo "Toninho", mencionou, na fase policial, que JULIANA NUNES BRITO fez parte das turmas que o declarante puxava por 5 ou 6 dias, não mais que isso, não sabendo informar se ela estaria grávida neste período (fl. 123).
Os depoimentos de outras testemunhas de defesa colhidos em juízo criminal(Luciana Cristina de Souza Leal dos Santos e Silvana Teixeira de Andrade) também apontam para que JULIANA NUNES BRITO teria trabalhado na lavoura (fls. 311/317).
Ocorre que estes mesmos elementos, por outro lado, sustentam que MARIA APARECIDA DE JESUS, de seu turno, não teria trabalhado na seara rural, o que é ratificado pelo seu próprio interrogatório na fase policial (fls. 49/50):
MARIA APARECIDA DE JESUS confirmou em juízo criminal (fls. 318/324), no qual reconheceu ter mentido sob a orientação da advogada SUZI CLAUDIA CARDOSODE BRITO FLOR para favorecer JULIANA NUNES BRITO ao afirmar espuriamente que teria efetuado trabalho rural na sede da ação previdenciária. MARIA APARECIDA DE JESUS reconheceu, inclusive, que JULIANA NUNES BRITO lhe ofereceu uma gratificação para que ela prestasse depoimento favorável.
Semelhantemente, Fátima também reconheceu que Juliana lhe oferecera uma gratificação caso ganhasse a causa (fls. 56/57), apesar de afirmar em juízo que não se lembrava de tal oferecimento de vantagem (fls. 308).
Inclusive, a própria JULIANA NUNES BRITO, quando ouvida durante as investigações (fl. 55):
No interrogatório judicial (fls. 325/32) JULIANA NUNES BRITO negou a acusação, afirmando que não pediu para as testemunhas mentirem e tampouco ofereceu dinheiro a elas. Reiterou que trabalhava na seara rural.
De seu turno, a advogada SUZI CLAUDIA CARDOSO DE BRITO FLOR negou peremptoriamente à autoridade policial que teria orientado as testemunhas a mentirem no depoimento prestado em referida lide previdenciária, e que a própria JULIANA NUNES BRITO lhe havia dito que era trabalhadora rural (fls. 65/67). Em Juízo, reiterou sua negativa, afirmando que pode ter pedido que as testemunhas confirmassem o que a JULIANA NUNES BRITO havia lhe dito (fls. 330/334).
Compilado este acervo de depoimentos nas diferentes esferas litigiosa cível, policial e, agora, criminal, seguro afirmar que o único dado inidôneo que se fez passar por expressão da verdade consiste na circunstância de que MARIA APARECIDA DE JESUS nunca foi trabalhadora rural, e que ela afirmou ao juízo cível que teria sido motivada pelo pedido de auxílio de JULIANA NUNES BRITO, que ainda lhe oferecera uma gratificação para mentir em juízo.
Porém, como constatado pela r. sentença, não há prova contundente de que a advogada SUZI CLAUDIA CARDOSO DE BRITO FLOR teria comungado da concertação espúria entre MARIA APARECIDA DE JESUS e JULIANA NUNES BRITO, devendo ser desprovido o pleito ministerial nesse sentido.
No que concerne ao elemento subjetivo, a prova dos autos evidencia que não foi por mero engano que MARIA APARECIDA DE JESUS prestou informações inverídicas ao depor, permitindo concluir que não se tratou, in casu, de um desencontro de versões em face da percepção natural variável da testemunha, mas sim, de alteração substancial e proposital dos fatos narrados à autoridade judicial, motivada pelo induzimento da parte de JULIANA NUNES BRITO, consistindo o dolo no crime estampado no art. 342 do Código Penal exatamente na vontade livre e consciente de fazer afirmação falsa como testemunha em processo judicial, bem como o dolo do art. 343 em influir a testemunha mediante vantagem para que ela falte com a verdade.
Devidamente comprovada a materialidade, a autoria delitiva e o dolo, de rigor a responsabilização penal de MARIA APARECIDA DE JESUS como incursa no art. 342, caput e § 1º, do Código Penal (na redação anterior à Lei nº 12.850/2013), e de JULIANA NUNES BRITO como incursa no art. 343, caput e parágrafo único, do mesmo diploma penal repressivo.
DOSIMETRIA PENAL
O cálculo da pena deve atentar aos critérios dispostos no artigo 68 do Código Penal, de modo que, na primeira etapa da dosimetria, observando as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, o magistrado deve atentar à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, e estabelecer a quantidade de pena aplicável, dentro de uma discricionariedade juridicamente vinculada, a partir de uma análise individualizada e simultânea de todas as circunstâncias judiciais. Na segunda fase de fixação da pena, o juiz deve considerar as agravantes e atenuantes, previstas nos artigos 61 a 66, todos do Código Penal. Finalmente, na terceira etapa, incidem as causas de diminuição e de aumento da pena.
Dosimetria da pena privativa de liberdade de MARIA APARECIDA DE JESUS
A pena corporal de MARIA APARECIDA DE JESUS foi estabelecida próxima do mínimo cominado pelo art. 342 do Código Penal (redação anterior à Lei nº 12.850/2013), tendo sido exasperada unicamente em função da causa de aumento prevista no respectivo parágrafo primeiro, na medida em que praticado em detrimento de entidade pública (INSS), na fração de 1/6, de sorte a resultar na pena em concreto de 01 (um) ano e 02 (dois) meses de reclusão.
Não havendo impugnação tampouco ilegalidade, cumpre ser mantido referido patamar da reprimenda penal, pois de fato o crime sucedeu na sede de ação previdenciária em que se pautava o direito de acesso ao benefício da previdência social.
Dosimetria da pena privativa de liberdade de JULIANA NUNES BRITO
Similarmente, a pena corporal de JULIANA NUNES BRITO foi estabelecida próxima do mínimo cominado pelo art. 343 do Código Penal, tendo sido exasperada unicamente em função da causa de aumento prevista no respectivo parágrafo único, na medida em que praticado em detrimento de entidade pública (INSS), na fração de 1/6, de sorte a resultar na pena em concreto de 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão.
Não havendo impugnação tampouco ilegalidade, cumpre ser mantido referido patamar da reprimenda penal, pois de fato o crime sucedeu na sede de ação previdenciária em que se pautava o direito de acesso ao benefício da previdência social.
Pena de Multa
Apesar de inferior ao critério da proporcionalidade face à pena privativa de liberdade, ante a ausência de impugnação do órgão ministerial nesse sentido, a pena de multa deve ser mantida para ambas as corrés condenadas em 11 (onze) dias-multa, no valor unitário de 1/30 do salário-mínimo vigente à época dos fatos.
Regime inicial
A teor do art. 33, § 2º, 'c', do Código Penal, deve ser mantido o regime de cumprimento da pena privativa de liberdade inicialmente ABERTO, para ambas as corrés.
Substituição por penas restritivas de direitos
Presentes os requisitos legais, deve ser mantida a substituição da pena corporal por penas alternativas em favor de ambas as corrés condenadas, assim firmadas pela r. sentença: a) prestação de serviços à comunidade, pelo prazo equivalente à pena privativa de liberdade, a ser realizada respeitado o artigo 46, 3º do Código Penal e nos termos a serem fixados pelo Juízo da Execução Penal; e b) prestação pecuniária, no valor de R$ 500,00 quanto a MARIA APARECIDA DE JESUS E R$ 1.000,00 em relação a JULIANA NUNES BRITO, a ser revertida ao erário federal.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por negar provimento às Apelações do Ministério Público Federal, de JULIANA NUNES BRITO e de MARIA APARECIDA DE JESUS, mantendo a condenação destas corrés nos termos acima expendidos.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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