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D.E. Publicado em 18/11/2020 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação ministerial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de APELAÇÃO CRIMINAL interposta pelo Ministério Público Federal, em face da sentença (fls. 357/363 vº), proferida pelo Juízo da 2ª Vara Federal de Presidente Prudente/SP, que julgou improcedente a pretensão estatal movida pelo MPF em face de Eduardo Quesada Piazzalunga e Junior Quirino Cavalcante, pela prática, em tese, dos crimes capitulados no artigo 55, caput, da Lei nº 9.605/98 e artigo 2º, caput, da Lei nº 8.176/91, absolvendo os réus, com fulcro no artigo 386, inciso III, do CPP.
O MPF, em seu apelo, postula que a sentença seja reformulada de modo a condenar os réus pela prática dos crimes previstos no artigo 55, caput, da Lei nº 9.605/98 e artigo 2º, caput, da Lei nº 8.176/91 (fl. 365 e 366/374).
Contrarrazões da defesa de Eduardo (fls. 377/387) e da defesa de Junior (fls. 388/398).
Em parecer ministerial, a Exma. Procuradora Regional da República, Dra. Lilian Guilhon Dore, manifestou-se pelo provimento da apelação do Parquet Federal, a fim de condenar os apelados como incursos nos crimes previstos no artigo 55, caput, da Lei nº 9.605/98 e no artigo 2º, caput, da Lei nº 8.176/91 (fls. 401/405 vº).
É o relatório.
Dispensada a revisão, nos termos regimentais.
VOTO
O Ministério Público Federal apresentou denúncia contra EDUARDO QUESADA PIAZZALUNGA e JUNIOR QUIRINO CAVALCANTE, pelos crimes cometidos no artigo 2º, caput, da Lei nº 8.176/91 e artigo 55, caput, da Lei nº 9.605/98, nos seguintes termos:
A denúncia foi recebida em 7 de abril de 2014 (fl. 94).
Após a instrução, sobreveio sentença, julgando improcedente a ação penal e absolvendo os réus Eduardo Quesada Piazzalunga e Junior Quirino Cavalcante, com fundamento no artigo 386, inciso III, do Código Penal.
Breve síntese dos fatos.
De acordo com a denúncia, entre os anos de 2009 e 2011, os réus Eduardo Quesada Piazzalunga e Junior Quirino Cavalcante, Prefeito e Secretário de Agricultura do Município de Mirante do Paranapanema/SP, respectivamente, de maneira livre e consciente, teriam concorrido para a determinação da extração de recursos minerais sem autorização do órgão competente, causando danos ambientais à área, e usurpando patrimônio público da União.
A denúncia informa que, em 19/03/2012, a Associação dos Agricultores do Assentamento "Dona Carmen" teria denunciado aquela Prefeitura Municipal ao INCRA pela retirada de cascalho na área de reserva legal situada na sede do assentamento, razão pela qual, em 25/07/2012, foi realizada vistoria por técnico da Fundação ITESP no local, sendo apresentado relatório que constatou a extração de cascalho no local, sem a necessária autorização dos órgãos competentes.
Conforme informação do DNPM, a Prefeitura de Mirante do Paranapanema requereu autorização para extrair cascalho em uma área localizada no Projeto de Assentamento "Dona Carmen", pedido que fora indeferido pela não apresentação da licença ambiental (fl. 18).
Tecidas essas breves considerações, passo ao exame do mérito.
Do mérito recursal.
Da materialidade.
A materialidade encontra-se demonstrada por meio da notícia crime formulada pela Associação dos Agricultores do Assentamento "Dona Carmen" (fl. 33, Apenso I); do Relatório de Vistoria elaborado pelo ITESP (fls. 28/32 - Apenso I); da Notificação emitida pelo INCRA (fl. 37 - Apenso I); da Informação elaborada pelo DNPM (fls. 18/25) e do Laudo Pericial criminal da Polícia Federal (fls. 26/34).
De acordo com o laudo técnico:
Logo, demonstrada a materialidade delitiva, passo ao exame da autoria.
Da ausência de tipicidade.
A priori, insta mencionar que os delitos do art. 2º, caput, da Lei nº 8.176/91, e do art. 55, caput, da Lei nº 9.605/98, tutelam bens jurídicos diversos, não havendo que ser falar em conflito aparente de normas, caracterizando concurso formal.
Com efeito, o art. 2º da Lei nº 8.176/91 descreve o crime de usurpação, como modalidade de delito contra o patrimônio público, consistente em produzir bens ou explorar matéria-prima pertencente à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo. Já o art. 55 da Lei 9.605/98 descreve delito contra o meio-ambiente, consubstanciado na extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida.
A acusação alega que os réus não devem ser absolvidos sumariamente, uma vez que existem elementos de prova suficientes para o prosseguimento do feito.
Vejamos.
O art. 2º, caput, da Lei n.º 8.176/1991 assim dispõe:
Conforme descrito no dispositivo acima, constitui crime contra o patrimônio público, na modalidade usurpação, explorar, sem autorização legal, matérias-primas pertencentes à União. Inserem-se, pois, no conceito de matérias-primas pertencentes à União, os recursos minerais em geral, inclusive os do subsolo (inteligência do art. 20, IX da CF), dentre os quais se inclue o cascalho. Em se constatando a exploração, sem a necessária autorização legal, de cascalho como matéria-prima, restará caracterizado, em princípio, o delito previsto no art. 2º da Lei n.º 8.176/1991.
Para a caracterização do delito em questão, a matéria-prima deve ter sido explorada sem a autorização do órgão competente, isto é, sem ou em desacordo com a autorização emitida pelo Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM, autarquia federal instituída pela Lei nº 8.876/94.
Por sua vez, o art. 55 da Lei n.º 9.605/1998 assim dispõe:
Nos termos deste dispositivo, constitui crime ambiental a extração de recursos minerais sem ou em desacordo com a competente autorização, permissão, concessão ou licença, sendo o bem jurídico tutelado a preservação do patrimônio natural, especialmente solo, subsolo e vegetação existente sobre a área, bem como a preservação do meio ambiente como um todo, ou seja, como direito difuso, inerente a todos os brasileiros.
As condutas descritas no tipo referem-se à retirada dos recursos e não à sua utilização econômica, de modo que não por acaso se exige dupla autorização para se extrair recursos minerais, quais sejam, a da autarquia federal (DNPM) e a de órgãos de proteção ao meio ambiente (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo - CETESP).
No caso em tela, segundo apurado durante a investigação administrativa, a Prefeitura Municipal de Mirante do Paranapanema/SP requereu autorização para extração de cascalho no Assentamento "Dona Carmen", que foi indeferida.
A respeito dos fatos, Eduardo Quesada declarou, tanto na fase inquisitorial, como em juízo, que foi Prefeito de Mirante do Paranapanema no período de 2005 a 2012 e, entre os anos de 2009 e 2011, a Prefeitura retirou cascalho de uma área localizada no Assentamento "Dona Carmen" para realização de estradas naquele e em outros 03 (três) assentamentos, com conhecimento do INCRA. Afirmou que tais estradas foram realizadas em razão do convênio da Prefeitura com o INCRA.
No mesmo sentido, as declarações de Junior Quirino perante a autoridade policial, nas quais informou que é Secretário da Agricultura de Mirante do Paranapanema/SP desde o ano de 2005, tendo sido firmados convênios entre a Prefeitura e o INCRA para a construção de estradas em 04 (quatro) assentamentos, cujo cascalho para a realização das obras foi retirado da área comunitária do Assentamento "Dona Carmen", entre os anos de 2009 e 2011, sendo que a Polícia Ambiental demarcou a APP (Área de Proteção Ambiental) para que não fossem retirados cascalhos dessa área. Asseverou que, embora a prefeitura tivesse requerido licenciamento para extração de cascalho junto à CETESB e DNPM, não foi possível esperar a finalização do processo de licenciamento, em razão dos prazos estabelecidos nos convênios para a conclusão das estradas. Afirmou que todo o cascalho retirado foi utilizado exclusivamente para construção de estradas nos 04 (quatro) assentamentos do INCRA.
Em juízo, o corréu Junior Quirino ratificou suas declarações e acrescentou que, após terminadas as obras de construção das estradas, objeto de convênios com o INCRA, não foi mais retirado cascalho da área pela Prefeitura (mídia de fl. 309).
Por sua vez, em seu depoimento judicial, Eduardo Quesada, acrescentou que a municipalidade sofrera à época muita pressão do MST, sendo que "de um dia para o outro havia 250 (duzentos e cinquenta) famílias assentadas em lotes, sendo necessárias providências para o transporte, sendo necessária a construção de estradas, o que foi feito mediante convênio com o INCRA e levada a efeito mesmo antes da formal autorização dos órgãos competentes". Frisou que o cascalho retirado foi utilizado exclusivamente na construção das estradas dos assentamentos.
Com efeito, o artigo 2°, caput, da Lei n° 8.176/91 considera crime contra o patrimônio, na modalidade usurpação, a produção de bens ou exploração de matéria-prima pertencentes à União sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo.
Por sua vez, o artigo 55, caput, da Lei n° 9 .605/98 reputa crime executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, coicessão ou licença, ou, ainda, em desconformidade com a obtida.
Entretanto, não há que se cogitar em ilegalidade na conduta perpetrada pelos réus.
Destarte, o parágrafo único do artigo 2° do Decreto-Lei n° 227/67 (Código de Minas), na redação dada pela Lei n° 9.827/99, tornou atípica a conduta do Município que extrai recursos minerais à míngua, de autorização legal, desde que o material obtido tenha sido, de imediato, utilizado em obra pública executada pelo ente federativo, tal como ocorreu na espécie. Confira-se:
Com efeito, mencionado dispositivo legal tratou de descriminalizar a conduta objeto da denúncia, nas hipóteses de os municípios executarem a extração de minerais, independentemente de autorização, concessão, permissão ou licença, desde que para uso exclusivo em obras públicas.
Na hipótese, comprovando a destinação do cascalho retirado, e portanto, a incidência do Decreto-Lei 227/67 que descriminalizou a conduta, observa-se a documentação trazida pela defesa no sentido de que o Município de Mirante do Paranapanema celebrou convênios com o INCRA, objetivando a construção de estradas vicinais para o atendimento de quatro assentamentos agrícolas existentes nos limites do Município (fls. 113/245).
Entrementes, não se pode olvidar da existência do Decreto n° 3.358/2000, que, a pretexto de regulamentar o indigitado dispositivo, prescreveu, em seu artigo 2°, que:
Todavia, o C. Superior Tribunal de Justiça, apreciando a questão no REsp nº 926.551-RS (2007/0033289-9) decidiu pela inaplicabilidade daquele dispositivo, ao argumento de que a exigência de mero registro administrativo veiculada em decreto regulamentar não tem o condão de afastar permissão legalmente concedida pela Lei n° 9.827/99, conforme se observa do seguinte excerto:
Diante dessas considerações, não subsiste a tipicidade da conduta relatada, já que a extração de minerais (cascalho), quando realizada pelo Município e destinada a uso em obra pública por ele executada diretamente, prescinde de concessão, autorização, permissão ou licença, a teor do disposto no parágrafo único do art. 2° do Decreto-lei n° 227/67, com a redação que lhe foi dada pela Lei 9.827/99.
No mesmo sentido, colaciono os seguintes arestos:
Desse modo, verifica-se que a exigência legal de que a substância extraída seja destinada a uso exclusivo em obras públicas executadas diretamente pelo Município encontra-se caracterizada, restando, portanto, descriminalizada a conduta delitiva, não subsistindo em face dos réus os delitos previstos no artigo 2º da Lei 8.176/91 e artigo 55 da Lei 9.605/98.
Arremate-se que não restou comprovado o dolo dos réus, os quais agiram de boa-fé, amparados por convênio celebrado entre a Prefeitura e o INCRA, objetivando a construção de estradas indispensáveis ao escoamento dos assentados e sua produção, tendo utilizado todo o cascalho extraído para obras que beneficaram o município, atuando em prol do interesse público (cf. documentos de fls. 150/250).
Por fim, a Prefeitura de Mirante do Paranapanema firmou "Termo de Compromisso de Recuperação Ambiental" junto à CETESB (fls. 128/129), com escopo de recuperar a área da cascalheira, apresentando projeto de recuperação da área (documentos de fls. 130/148).
Logo, nessa ordem de ideias, não há que se falar em tipicidade das condutas.
Com tais considerações, NEGO PROVIMENTO à apelação do Ministério Público Federal.
É o voto.
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| Data e Hora: | 04/08/2020 11:35:30 |