Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 18/11/2020
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001435-93.2014.4.03.6112/SP
2014.61.12.001435-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : EDUARDO QUESADA PIAZZALUNGA
ADVOGADO : SP163384 MARCIA REGINA LOPES DA SILVA CAVALCANTE e outro(a)
APELADO(A) : JUNIOR QUIRINO CAVALCANTE
ADVOGADO : SP322754 EDERLAN ILÁRIO DA SILVA e outro(a)
No. ORIG. : 00014359320144036112 2 Vr PRESIDENTE PRUDENTE/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE E ORDEM ECONÔMICA. LEIS N.º 9.605/98 E 8.176/91. PREFEITO MUNICIPAL. EXTRAÇÃO DE CASCALHO SEM AUTORIZAÇÃO. UTILIZAÇÃO PARA OBRAS EM ESTRADAS MUNICIPAIS. DECRETO-LEI 227/67. ATIPICIDADE DA CONDUTA. DECRETO N° 3.358/2000. INAPLICABILIDADE. PRECEDENTES. DESPROVIMENTO.
De acordo com a denúncia, entre os anos de 2009 e 2011, os réus Eduardo Quesada Piazzalunga e Junior Quirino Cavalcante, Prefeito e Secretário de Agricultura do Município de Mirante do Paranapanema/SP, respectivamente, de maneira livre e consciente, teriam concorrido para a determinação da extração de recursos minerais sem autorização do órgão competente, causando danos ambientais à área, e usurpando patrimônio público da União.
Conforme informação do DNPM, a Prefeitura de Mirante do Paranapanema requereu autorização para extrair cascalho em uma área localizada no Projeto de Assentamento "Dona Carmen", pedido que fora indeferido pela não apresentação da licença ambiental.
A materialidade encontra-se demonstrada por meio da notícia crime formulada pela Associação dos Agricultores do Assentamento "Dona Carmen" (fl. 33, Apenso I); do Relatório de Vistoria elaborado pelo ITESP (fls. 28/32 - Apenso I); da Notificação emitida pelo INCRA (fl. 37 - Apenso I); da Informação elaborada pelo DNPM (fls. 18/25) e do Laudo Pericial criminal da Polícia Federal (fls. 26/34).
A priori, insta mencionar que os delitos do art. 2º, caput, da Lei nº 8.176/91, e do art. 55, caput, da Lei nº 9.605/98, tutelam bens jurídicos diversos, não havendo que ser falar em conflito aparente de normas, caracterizando concurso formal.
Com efeito, o art. 2º da Lei nº 8.176/91 descreve o crime de usurpação, como modalidade de delito contra o patrimônio público, consistente em produzir bens ou explorar matéria-prima pertencente à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo. Já o art. 55 da Lei 9.605/98 descreve delito contra o meio-ambiente, consubstanciado na extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida.
Todavia, o parágrafo único do artigo 2° do Decreto-Lei n° 227/67 (Código de Minas), na redação dada pela Lei n° 9.827/99, tornou atípica a conduta do Município que extrai recursos minerais à míngua, de autorização legal, desde que o material obtido tenha sido, de imediato, utilizado em obra pública executada pelo ente federativo, tal como ocorreu na espécie. Precedentes.
Não se pode olvidar da existência do Decreto n° 3.358/2000, que, a pretexto de regulamentar o indigitado dispositivo, prescreveu, em seu artigo 2°, a necessidade de registro junto ao DNPM.
No entanto, o C. Superior Tribunal de Justiça, apreciando a questão no REsp nº 926.551-RS (2007/0033289-9) decidiu pela inaplicabilidade daquele dispositivo, ao argumento de que a exigência de mero registro administrativo veiculada em decreto regulamentar não tem o condão de afastar permissão legalmente concedida pela Lei n° 9.827/99.
Descriminalização da conduta operada pela Lei nº 9.827, de 27 de outubro de 1999, que acrescentou o parágrafo único ao artigo 2º do Decreto-Lei nº 227/67.
Apelação desprovida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação ministerial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 09 de novembro de 2020.
PAULO FONTES
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 10/11/2020 16:44:54



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001435-93.2014.4.03.6112/SP
2014.61.12.001435-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : EDUARDO QUESADA PIAZZALUNGA
ADVOGADO : SP163384 MARCIA REGINA LOPES DA SILVA CAVALCANTE e outro(a)
APELADO(A) : JUNIOR QUIRINO CAVALCANTE
ADVOGADO : SP322754 EDERLAN ILÁRIO DA SILVA e outro(a)
No. ORIG. : 00014359320144036112 2 Vr PRESIDENTE PRUDENTE/SP

RELATÓRIO

Trata-se de APELAÇÃO CRIMINAL interposta pelo Ministério Público Federal, em face da sentença (fls. 357/363 vº), proferida pelo Juízo da 2ª Vara Federal de Presidente Prudente/SP, que julgou improcedente a pretensão estatal movida pelo MPF em face de Eduardo Quesada Piazzalunga e Junior Quirino Cavalcante, pela prática, em tese, dos crimes capitulados no artigo 55, caput, da Lei nº 9.605/98 e artigo 2º, caput, da Lei nº 8.176/91, absolvendo os réus, com fulcro no artigo 386, inciso III, do CPP.

O MPF, em seu apelo, postula que a sentença seja reformulada de modo a condenar os réus pela prática dos crimes previstos no artigo 55, caput, da Lei nº 9.605/98 e artigo 2º, caput, da Lei nº 8.176/91 (fl. 365 e 366/374).

Contrarrazões da defesa de Eduardo (fls. 377/387) e da defesa de Junior (fls. 388/398).

Em parecer ministerial, a Exma. Procuradora Regional da República, Dra. Lilian Guilhon Dore, manifestou-se pelo provimento da apelação do Parquet Federal, a fim de condenar os apelados como incursos nos crimes previstos no artigo 55, caput, da Lei nº 9.605/98 e no artigo 2º, caput, da Lei nº 8.176/91 (fls. 401/405 vº).

É o relatório.

Dispensada a revisão, nos termos regimentais.

VOTO

O Ministério Público Federal apresentou denúncia contra EDUARDO QUESADA PIAZZALUNGA e JUNIOR QUIRINO CAVALCANTE, pelos crimes cometidos no artigo 2º, caput, da Lei nº 8.176/91 e artigo 55, caput, da Lei nº 9.605/98, nos seguintes termos:

"(...)
Entre os anos de 2009 e 2011, EDUARDO QUESADA PIAZZALUNGA e JUNIOR QUIRINO CAVALCANTE, então prefeito e secretário de agricultura do município de Mirante do Paranapanema, respectivamente, de maneira livre e consciente, concorreram para a determinação da extração de recursos minerais sem possuir o necessário título autorizativo do órgão competente, causando danos ambientais à área, incidindo assim na figura típica do art. 55, caput, da Lei nº 9.605/98.
Outrossim, com sua conduta, os denunciados EDUARDO QUESADA PIAZZALUNGA e JUNIOR QUIRINO CAVALCANTE procederam a determinação da extração ilegal de recursos minerais sem a competente autorização e permissão dos órgãos competentes, usurpando patrimônio público da União, configurando, portanto, o crime previsto no art. 2.º, caput, da Lei nº 8.176/91.
Com efeito, segundo se infere dos autos, em 19/03/2012, a Associação dos Agricultores do Assentamento Dona Carmen denunciou a Prefeitura Municipal de Mirante do Paranapanema pela continuação da retirada de cascalho da área de reserva legal situada na sede do assentamento (fls. 33 - Apenso I).
Diante disso, em 25/07/2012, foi realizada vistoria no referido assentamento técnico da Fundação ITESP, sendo apresentado relatório constatando que a extração de cascalho estava sendo feita no local sem a necessária autorização dos órgãos competentes (fls. 28 - Apenso I).
Face a tais fatos, em 18/09/2012, a prefeitura municipal de Mirante do Paranapanema fora notificada a cessar imediatamente quaisquer atividades de retirada ou movimentação de solo/moledo em área do Projeto de Assentamento Dona Carmen (fls. 37 - Apenso I).
O DNPM, nos expedientes de fls. 19/26, informou que a Prefeitura de Mirante do Paranapanema requereu autorização para a extração de cascalho em uma área localizada no PA Dona Carmen, a qual fora negada em razão da não apresentação da licença ambiental.
Foi realizado exame pericial no local, oportunidade em que os peritos constataram a existência de uma cava onde fora realizada extração de seixo, a qual se encontra localizada no interior do PA Dona Carmen, em área destinada à reserva legal, porém fora dos limites da área de preservação permanente ou de qualquer unidade de conservação ambiental.
Os peritos estimaram que 30.350 m3 de seixo foram extraídos do local, bem como declinaram em linhas gerais as ações necessárias à reparação do dano (fls. 26/34).
Dessa forma, considerando-se que a exploração mineral promovida pelos denunciados se dava sem a devida autorização do DNPM, revela-se patente que os acusados EDUARDO QUESADA PIAZZALUNGA e JUNIOR QUIRINO CAVALCANTE, possuíam conhecimento de que atuavam em desacordo com a legislação pertinente.
Deste modo, ao concorrerem para a extração de recursos minerais sem possuir, à época, título autorizativo, EDUARDO QUESADA PIAZZALUNGA e JUNIOR QUIRINO CAVALCANTE, incorreram no tipo previsto no art. 55, caput, da Lei nº 9.605/1998.
Outrossim, através da mesma conduta, os acusados EDUARDO QUESADA PIAZZALUNGA e JUNIOR QUIRINO CAVALCANTE, usurparam patrimônio público da União, ao explorar matéria prima a ela pertencente sem possuir título autorizativo para tanto, incorrendo, assim, no tipo do art. 2º, caput, da Lei nº 8.176/1991.
A materialidade delitiva de ambos os crimes encontra-se sobejamente demonstrada ao longo dos autos, seja pelo teor do Relatório de Vistoria de fl. 28 - Apenso I, notificação de paralisação de fl. 37 - Apenso I, documentação carreada às fls. 19/26, oriunda do DNPM, e laudo pericial de fls. 26/34.
A autoria delitiva, a seu turno, encontra-se demonstrada através do Relatório de Vistoria e documentos já mencionados, bem como pelas declarações prestadas por EDUARDO QUESADA PIAZZALUNGA e JUNIOR QUIRINO CAVALCANTE, às fls. 39 e 44, respectivamente.
Por todo o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL oferece denúncia em desfavor de EDUARDO QUESADA PIAZZALUNGA e JUNIOR QUIRINO CAVALCANTE, dando-os como incursos nas penas do art. 55, caput, da Lei n.º 9.605/1998, e art. 2º, caput, da Lei nº 8.176/1991, ambos na forma do art. 70, do Código de Processo Penal, pugnando para que, após o recebimento da denúncia, os acusados sejam citados, processados e, ao final, condenados às sanções cominadas os tipos apontados, após a oitiva das testemunhas a seguir arroladas."

A denúncia foi recebida em 7 de abril de 2014 (fl. 94).

Após a instrução, sobreveio sentença, julgando improcedente a ação penal e absolvendo os réus Eduardo Quesada Piazzalunga e Junior Quirino Cavalcante, com fundamento no artigo 386, inciso III, do Código Penal.

Breve síntese dos fatos.

De acordo com a denúncia, entre os anos de 2009 e 2011, os réus Eduardo Quesada Piazzalunga e Junior Quirino Cavalcante, Prefeito e Secretário de Agricultura do Município de Mirante do Paranapanema/SP, respectivamente, de maneira livre e consciente, teriam concorrido para a determinação da extração de recursos minerais sem autorização do órgão competente, causando danos ambientais à área, e usurpando patrimônio público da União.

A denúncia informa que, em 19/03/2012, a Associação dos Agricultores do Assentamento "Dona Carmen" teria denunciado aquela Prefeitura Municipal ao INCRA pela retirada de cascalho na área de reserva legal situada na sede do assentamento, razão pela qual, em 25/07/2012, foi realizada vistoria por técnico da Fundação ITESP no local, sendo apresentado relatório que constatou a extração de cascalho no local, sem a necessária autorização dos órgãos competentes.

Conforme informação do DNPM, a Prefeitura de Mirante do Paranapanema requereu autorização para extrair cascalho em uma área localizada no Projeto de Assentamento "Dona Carmen", pedido que fora indeferido pela não apresentação da licença ambiental (fl. 18).

Tecidas essas breves considerações, passo ao exame do mérito.

Do mérito recursal.

Da materialidade.

A materialidade encontra-se demonstrada por meio da notícia crime formulada pela Associação dos Agricultores do Assentamento "Dona Carmen" (fl. 33, Apenso I); do Relatório de Vistoria elaborado pelo ITESP (fls. 28/32 - Apenso I); da Notificação emitida pelo INCRA (fl. 37 - Apenso I); da Informação elaborada pelo DNPM (fls. 18/25) e do Laudo Pericial criminal da Polícia Federal (fls. 26/34).

De acordo com o laudo técnico:

"em relação à questão legal, verificou-se por meio do sítio do DNPM na internet que em 08/05/2013 que a Prefeitura Municipal de Mirante do Paranapanema é requerente de área para extração de cascalho, cujo processo nº 820.736/10 foi protocolizado em 27/07/10. Após exigência publicada em 03/11/2011 não cumprida, foi expedido como último evento o indeferimento do registro de extração em 26/02/2013."

Logo, demonstrada a materialidade delitiva, passo ao exame da autoria.

Da ausência de tipicidade.

A priori, insta mencionar que os delitos do art. 2º, caput, da Lei nº 8.176/91, e do art. 55, caput, da Lei nº 9.605/98, tutelam bens jurídicos diversos, não havendo que ser falar em conflito aparente de normas, caracterizando concurso formal.

Com efeito, o art. 2º da Lei nº 8.176/91 descreve o crime de usurpação, como modalidade de delito contra o patrimônio público, consistente em produzir bens ou explorar matéria-prima pertencente à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo. Já o art. 55 da Lei 9.605/98 descreve delito contra o meio-ambiente, consubstanciado na extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida.

A acusação alega que os réus não devem ser absolvidos sumariamente, uma vez que existem elementos de prova suficientes para o prosseguimento do feito.

Vejamos.

O art. 2º, caput, da Lei n.º 8.176/1991 assim dispõe:

"Art. 2° Constitui crime contra o patrimônio, na modalidade de usurpação, produzir bens ou explorar matéria-prima pertencentes à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo. Pena: detenção, de um a cinco anos e multa."

Conforme descrito no dispositivo acima, constitui crime contra o patrimônio público, na modalidade usurpação, explorar, sem autorização legal, matérias-primas pertencentes à União. Inserem-se, pois, no conceito de matérias-primas pertencentes à União, os recursos minerais em geral, inclusive os do subsolo (inteligência do art. 20, IX da CF), dentre os quais se inclue o cascalho. Em se constatando a exploração, sem a necessária autorização legal, de cascalho como matéria-prima, restará caracterizado, em princípio, o delito previsto no art. 2º da Lei n.º 8.176/1991.

Para a caracterização do delito em questão, a matéria-prima deve ter sido explorada sem a autorização do órgão competente, isto é, sem ou em desacordo com a autorização emitida pelo Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM, autarquia federal instituída pela Lei nº 8.876/94.

Por sua vez, o art. 55 da Lei n.º 9.605/1998 assim dispõe:

"Art. 55. Executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida:
Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa."

Nos termos deste dispositivo, constitui crime ambiental a extração de recursos minerais sem ou em desacordo com a competente autorização, permissão, concessão ou licença, sendo o bem jurídico tutelado a preservação do patrimônio natural, especialmente solo, subsolo e vegetação existente sobre a área, bem como a preservação do meio ambiente como um todo, ou seja, como direito difuso, inerente a todos os brasileiros.

As condutas descritas no tipo referem-se à retirada dos recursos e não à sua utilização econômica, de modo que não por acaso se exige dupla autorização para se extrair recursos minerais, quais sejam, a da autarquia federal (DNPM) e a de órgãos de proteção ao meio ambiente (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo - CETESP).

No caso em tela, segundo apurado durante a investigação administrativa, a Prefeitura Municipal de Mirante do Paranapanema/SP requereu autorização para extração de cascalho no Assentamento "Dona Carmen", que foi indeferida.

A respeito dos fatos, Eduardo Quesada declarou, tanto na fase inquisitorial, como em juízo, que foi Prefeito de Mirante do Paranapanema no período de 2005 a 2012 e, entre os anos de 2009 e 2011, a Prefeitura retirou cascalho de uma área localizada no Assentamento "Dona Carmen" para realização de estradas naquele e em outros 03 (três) assentamentos, com conhecimento do INCRA. Afirmou que tais estradas foram realizadas em razão do convênio da Prefeitura com o INCRA.

No mesmo sentido, as declarações de Junior Quirino perante a autoridade policial, nas quais informou que é Secretário da Agricultura de Mirante do Paranapanema/SP desde o ano de 2005, tendo sido firmados convênios entre a Prefeitura e o INCRA para a construção de estradas em 04 (quatro) assentamentos, cujo cascalho para a realização das obras foi retirado da área comunitária do Assentamento "Dona Carmen", entre os anos de 2009 e 2011, sendo que a Polícia Ambiental demarcou a APP (Área de Proteção Ambiental) para que não fossem retirados cascalhos dessa área. Asseverou que, embora a prefeitura tivesse requerido licenciamento para extração de cascalho junto à CETESB e DNPM, não foi possível esperar a finalização do processo de licenciamento, em razão dos prazos estabelecidos nos convênios para a conclusão das estradas. Afirmou que todo o cascalho retirado foi utilizado exclusivamente para construção de estradas nos 04 (quatro) assentamentos do INCRA.

Em juízo, o corréu Junior Quirino ratificou suas declarações e acrescentou que, após terminadas as obras de construção das estradas, objeto de convênios com o INCRA, não foi mais retirado cascalho da área pela Prefeitura (mídia de fl. 309).

Por sua vez, em seu depoimento judicial, Eduardo Quesada, acrescentou que a municipalidade sofrera à época muita pressão do MST, sendo que "de um dia para o outro havia 250 (duzentos e cinquenta) famílias assentadas em lotes, sendo necessárias providências para o transporte, sendo necessária a construção de estradas, o que foi feito mediante convênio com o INCRA e levada a efeito mesmo antes da formal autorização dos órgãos competentes". Frisou que o cascalho retirado foi utilizado exclusivamente na construção das estradas dos assentamentos.

Com efeito, o artigo 2°, caput, da Lei n° 8.176/91 considera crime contra o patrimônio, na modalidade usurpação, a produção de bens ou exploração de matéria-prima pertencentes à União sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo.

Por sua vez, o artigo 55, caput, da Lei n° 9 .605/98 reputa crime executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, coicessão ou licença, ou, ainda, em desconformidade com a obtida.

Entretanto, não há que se cogitar em ilegalidade na conduta perpetrada pelos réus.

Destarte, o parágrafo único do artigo 2° do Decreto-Lei n° 227/67 (Código de Minas), na redação dada pela Lei n° 9.827/99, tornou atípica a conduta do Município que extrai recursos minerais à míngua, de autorização legal, desde que o material obtido tenha sido, de imediato, utilizado em obra pública executada pelo ente federativo, tal como ocorreu na espécie. Confira-se:

"Art. 2°. Os regimes de aproveitamento das substâncias minerais, para efeito deste Código, são:(Redação dada pela Lei nº 9.314 de 1996).
I - regime de concessão, quando depender de portaria de concessão do Ministro de Estado de Minas e Energia;
II - regime de autorização, quando depender de expedição de alvará de autorização do Diretor-Geral do Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM;
III - regime de licenciamento, quondo depender de licença expedida em obediência a regulamentos administrativos locqis e de registro da licença no Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM;
IV - regime de permissão de lavra garimpeira, quando depender de portaria de permissão do Diretor-Geral do Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM;
V - regime de monopolização, quando, em virtude de lei especial, depender de execução direta ou indireta do Governo Federal.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica aos órgãos da administração direta e autárquica da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, sendo-lhes permitida a extração de substâncias minerais de emprego imediato na construção civil, definidas em Portaria do Ministério de Minas e Energia, para uso exclusivo em obras públicas por eles executadas diretamente, respeitados os direitos minerários em vigor nas áreas onde devam ser executadas as obras e vedada a comercialização." (destacou-se).

Com efeito, mencionado dispositivo legal tratou de descriminalizar a conduta objeto da denúncia, nas hipóteses de os municípios executarem a extração de minerais, independentemente de autorização, concessão, permissão ou licença, desde que para uso exclusivo em obras públicas.

Na hipótese, comprovando a destinação do cascalho retirado, e portanto, a incidência do Decreto-Lei 227/67 que descriminalizou a conduta, observa-se a documentação trazida pela defesa no sentido de que o Município de Mirante do Paranapanema celebrou convênios com o INCRA, objetivando a construção de estradas vicinais para o atendimento de quatro assentamentos agrícolas existentes nos limites do Município (fls. 113/245).

Entrementes, não se pode olvidar da existência do Decreto n° 3.358/2000, que, a pretexto de regulamentar o indigitado dispositivo, prescreveu, em seu artigo 2°, que:

"A extração de substâncias minerais de emprego imediato na construção civil, definidas em portaria do Ministro de Estado de Minas e Energia, por Órgãos da adminisiração direta e autárquica da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, para uso exclusivo em obras públicas por eles executadas diretamente, depende de registro no Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM, autarquia vinculada ao Ministério de Minas e Energia, na forma do disposto neste Decreto."

Todavia, o C. Superior Tribunal de Justiça, apreciando a questão no REsp nº 926.551-RS (2007/0033289-9) decidiu pela inaplicabilidade daquele dispositivo, ao argumento de que a exigência de mero registro administrativo veiculada em decreto regulamentar não tem o condão de afastar permissão legalmente concedida pela Lei n° 9.827/99, conforme se observa do seguinte excerto:

"(...) A Lei n° 9.827/99, ao acrescentar o apontado parágrafo único ao ar. 2° do Decreto-lei n° 227/67, descriminalizou a conduta objeto do presente termo circunstanciado, pois permitiu aos Municípios a extração de minerais (substância mineral de emprego imediato na construção civil segundo o art 1°, I, da Portaria n° 23, de 03/02/2000), independentemente da autorização, concessão, permissão ou licença - elementos integrantes do tipo do art. 55 da Lei 9.605/98".
(...)
Ocorre, contudo, que a exigência de mero registro administrativo, constante em decreto regulamentador não tem o condão de descaracterizar permissão expressa concedida em lei (9.827/99).
Neste sentido, a lição do Ministro Felix Fischer, que, julgando o REsp 876.915, relevou que tal permissão afasta a ilicitude da conduta do administrador e do próprio Município, citando, para tanto excerto do TRF/4ª Região:
"...a exigência estabelecida pelo Decreto n° 3.358/00 não subsiste ante a Lei n° 9.827/99, que expressamente dispensou as pessoas jurídicas de direito público interno de obterem concessão, autorização, licenciamento, permissão ou monopolização para extração de substâncias mineras, quando empregadas imediatamente em obras públicas. Não se poderia admitir a hipótese de que um indivíduo pudesse ser processado, julgado e condenado por um crime previsto apenas em um decreto regulamentador de uma lei que não prevê nenhum dos elementos objetivos do tipo penal: permissão, concessão ou licença. Ademais, o artigo 2° do Decreto n° 3.358 de 02.02.2000 condiciona a extração de substâncias minerais a um mero registro administrativo, e não a uma permissão, concessão ou licença, que constituem os elementos objetivos do tipo..."

Diante dessas considerações, não subsiste a tipicidade da conduta relatada, já que a extração de minerais (cascalho), quando realizada pelo Município e destinada a uso em obra pública por ele executada diretamente, prescinde de concessão, autorização, permissão ou licença, a teor do disposto no parágrafo único do art. 2° do Decreto-lei n° 227/67, com a redação que lhe foi dada pela Lei 9.827/99.

No mesmo sentido, colaciono os seguintes arestos:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME AMBIENTAL. EXTRAÇÃO DE RECURSOS MINERAIS PELO MUNICÍPIO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. DESNECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO. ART. 2º, PARÁGRAFO ÚNICO, DO DL 227/67. RECURSO PROVIDO.
1. Por expressa previsão do art. 2º, parágrafo único, do Decreto-Lei n.º 227/67 que deu nova redação à Lei n.º 9.827/99, não há a caracterização da tipicidade da conduta do art. 55 da Lei nº 9.605/98, quando a extração da substância mineral é realizada para emprego imediato na obra pública executada diretamente pelo Município.
2. Recurso provido para extinguir a ação penal a que respondem os recorrentes.
(STJ, RHC - RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS - 33669 2012.01.78097-1, MARCO AURÉLIO BELLIZZE - QUINTA TURMA, DJE DATA:28/06/2013)
RECURSO ESPECIAL. ART. 55, DA LEI Nº 9.605/98. EXTRAÇÃO DE RECURSOS MINERAIS PELO MUNICÍPIO. DESNECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO NA HIPÓTESE DO ART. 2º, PARÁGRAFO ÚNICO, DO DL 227/67.
Não comete o crime do art. 55, da Lei nº 9.605/98 o Prefeito que, ainda que sem autorização, concessão ou licença, extrai substância mineral, desde que o material tenha emprego imediato em obra pública executada diretamente pelo Município, nos termos do parágrafo único do art. 2º, do Decreto-lei nº 227/67, com redação dada pela Lei nº 9.827/99. Recurso desprovido.
(STJ, RESP - RECURSO ESPECIAL - 876915 2006.01.74498-9, FELIX FISCHER - QUINTA TURMA, DJ DATA:12/02/2007 PG:00298)

NOTÍCIA CRIME. PROCESSO PENAL. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE E ORDEM ECONÔMICA. LEIS N.º 9.605/98 E 8.176/91. PREFEITO MUNICIPAL. EXTRAÇÃO DE CASCALHO SEM AUTORIZAÇÃO. UTILIZAÇÃO PARA OBRAS EM ESTRADAS MUNICIPAIS. ATIPICIDADE DA CONDUTA. PRECEDENTES. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que a conduta de extração de cascalho pela municipalidade, para emprego em obras públicas por ela executadas, é atípica. Descriminalização da conduta operada pela Lei nº 9.827, de 27 de outubro de 1999, que acrescentou o parágrafo único ao artigo 2º do Decreto-Lei nº 227/67. Denúncia rejeitada.
(NOTCRI - NOTÍCIA CRIME 2005.04.01.046402-3, MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, TRF4 - QUARTA SEÇÃO, DJ 01/11/2006 PÁGINA: 477)

Desse modo, verifica-se que a exigência legal de que a substância extraída seja destinada a uso exclusivo em obras públicas executadas diretamente pelo Município encontra-se caracterizada, restando, portanto, descriminalizada a conduta delitiva, não subsistindo em face dos réus os delitos previstos no artigo 2º da Lei 8.176/91 e artigo 55 da Lei 9.605/98.

Arremate-se que não restou comprovado o dolo dos réus, os quais agiram de boa-fé, amparados por convênio celebrado entre a Prefeitura e o INCRA, objetivando a construção de estradas indispensáveis ao escoamento dos assentados e sua produção, tendo utilizado todo o cascalho extraído para obras que beneficaram o município, atuando em prol do interesse público (cf. documentos de fls. 150/250).

Por fim, a Prefeitura de Mirante do Paranapanema firmou "Termo de Compromisso de Recuperação Ambiental" junto à CETESB (fls. 128/129), com escopo de recuperar a área da cascalheira, apresentando projeto de recuperação da área (documentos de fls. 130/148).

Logo, nessa ordem de ideias, não há que se falar em tipicidade das condutas.

Com tais considerações, NEGO PROVIMENTO à apelação do Ministério Público Federal.

É o voto.

PAULO FONTES
Desembargador Federal


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