D.E. Publicado em 20/10/2020 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, REJEITAR os Embargos de Declaração opostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS
Foram opostos Embargos de Declaração pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (fls. 672/678), com fulcro no art. 619 do Código de Processo Penal, pleiteando sejam supridas pretensas omissões, obscuridades e/ou contradições no v. acórdão por meio do qual a E. 11ª Turma desta Corte, por unanimidade, deu parcial provimento à Apelação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a fim de condenar o réu MELQUIZEDEC MANOEL DA SILVA pela prática do delito previsto no art. 313-A do CP e fixar a pena em 02 (dois) anos, 04 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias de reclusão, em regime inicial ABERTO, e 12 (doze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas penas restritivas de direitos.
De acordo com a denúncia, nos dias 05.12.2005, 25.08.2006 e 02.08.2007, MELQUIZEDEC MANOEL DA SILVA, tecnologista lotado na Delegacia da Receita Federal de São José dos Campos-SP, inseriu dados falsos nos sistemas informatizados da Receita Federal do Brasil, com o fim de obter vantagem indevida para outrem (fls. 50 v./51). Narrou-se, em síntese, que MELQUIZEDEC MANOEL DA SILVA, de modo ardiloso, valeu-se de uma das vulnerabilidades do Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda - o não processamento de formulários MIA (Modelo de Inscrição e Atualização do CPF) na época própria - , que gerou a oportunidade de aproveitar inscrições válidas, mas não incluídas na base de dados do CPF, para atribuir mais de um número à mesma pessoa física, mediante alteração de alguns dados (por exemplo, nome da mãe e inserção de números de títulos de eleitor falsos) - fl. 53. Segundo consta, os fatos foram objeto de apuração interna por meio do Processo Administrativo Disciplinar - PAD n.º 16302.000038/2013-41, no bojo do qual foi aplicada a pena de demissão a MELQUIZEDEC.
O recebimento da denúncia em relação a MELQUIZEDEC MANOEL DA SILVA deu-se em 27.06.2017.
Sobreveio, em 24.04.2018, a r. sentença (fls. 613/616) que absolveu MELQUIZEDEC MANOEL DA SILVA da acusação relacionada à prática, por três vezes, do delito previsto no artigo 313-A do Código Penal, sob os fundamentos de que faltaria prova suficiente da materialidade do crime (fl. 614 v.) e de que não haveria como afirmar, com certeza, que o réu tenha feito tais inserções sabendo da falsidade das informações (fl. 615 v.).
Em face da interposição de Apelação pelo Ministério Público Federal, foi proferido, em 12.12.2019, o v. acórdão ora embargado, por meio do qual deu-se parcial provimento ao apelo para condenar o réu pela prática do delito previsto no art. 313-A do CP. Por não se vislumbrar a presença de circunstâncias judiciais desfavoráveis, agravantes ou causas de aumento, a pena foi fixada no patamar mínimo legal. Por fim, em tendo sido identificadas três condutas subsequentes de inserção de dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal, as quais foram praticadas nos dias 05.12.2005, 25.08.2006 e 02.08.2007, reconheceu-se a continuidade delitiva e determinou-se a exasperação da pena em 1/5 (um quinto).
Em suas razões de Embargos de Declaração, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL alega, em síntese, que há "duas omissões relevantes" (fl. 676) a serem sanadas, uma vez que:
a) na primeira fase da dosimetria, deixou-se de valorar como desfavorável o vetor "culpabilidade". De acordo com a parte embargante, "o fato de o réu, na qualidade de servidor do Ministério da Fazenda, inserir dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal e gerar declarações falsas com a finalidade de prejudicar a fiscalização e o controle, por parte do Fisco, do cumprimento das obrigações tributárias (...) impõe uma punição mais severa a MELQUIZEDEC MANUEL DA SILVA, em razão da reprovabilidade de sua conduta (culpabilidade acentuada)" (fl. 676);
b) deixou-se de aplicar ao caso o entendimento do Superior Tribunal de Justiça "no sentido de que não se aplica a continuidade delitiva se o intervalo entre o cometimento dos crimes superar o limite de 30 (trinta) dias" (fl. 677). Requer-se, pois, seja aplicada a regra do concurso material (inteligência do art. 69 do CP).
Às fls. 682/684, a defesa de MELQUIZEDEC MANUEL DA SILVA requereu a rejeição dos Embargos de Declaração opostos pelo Ministério Público Federal.
É o relatório.
Em mesa.
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VOTO
O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS
As hipóteses de cabimento de Embargos de Declaração estão elencadas no art. 619 do Código de Processo Penal, quais sejam, a existência de ambiguidade, de obscuridade, de contradição ou de omissão. Nesse contexto, não se admite, em regra, a oposição de Embargos Declaratórios com o objetivo de se modificar o julgado, exceto se tal modificação for indispensável ao saneamento de algum dos vícios anteriormente mencionados, não servindo o expediente, portanto, para alterar o que foi decidido pelo órgão judicial em razão de simples inconformismo acerca de como o tema foi apreciado (o que doutrina e jurisprudência denominam "efeitos infringentes dos Embargos de Declaração"). Nesse sentido, é o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça:
Ademais, cumpre salientar que o Código de Processo Penal não faz exigências quanto ao estilo de expressão nem impõe que o julgador se prolongue eternamente na discussão de cada uma das linhas de argumentação tecidas pelas partes, mas apenas que sejam fundamentadamente apreciadas todas as questões controversas passíveis de conhecimento pelo julgador naquela sede processual. Em outras palavras, a concisão e a precisão são qualidades, e não defeitos, do provimento jurisdicional exarado.
Esta Egrégia Corte não responde a questionário e não é obrigada a examinar todas as normas legais citadas nem todos os argumentos utilizados pelas partes, mas apenas aqueles que julgar pertinentes para lastrear sua decisão (STJ, EDRESP n.º 92.0027261, 1ª Turma, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ 22.03.93, pág. 4.515).
A propósito, o C. Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de assentar:
Ressalte-se, outrossim, que, mesmo tendo os Embargos Declaratórios finalidade de prequestionar a matéria decidida, objetivando a apresentação de recursos excepcionais, imperioso que haja, no julgado recorrido, qualquer dos vícios constantes do art. 619 anteriormente mencionado. Sobre o tema, vide os julgados que seguem:
NO CASO CONCRETO, a despeito de se ter aduzido que houve omissão porque, na primeira fase da dosimetria, deixou-se de valorar como desfavorável o vetor "culpabilidade", não se vislumbra vício a ser sanado.
É certo que a culpabilidade, para fins do art. 59 do CP, deve ser compreendida como juízo de reprovabilidade sobre a conduta, apontando sua maior ou menor censurabilidade. Considerando o comportamento de, "na qualidade de servidor do Ministério da Fazenda, inserir dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal e gerar declarações falsas com a finalidade de prejudicar a fiscalização e o controle, por parte do Fisco, do cumprimento das obrigações tributárias" (fl. 676 v.), ser inerente à própria estrutura do tipo penal previsto no art. 313-A do CP, não poderia ser outra a conclusão senão a de que o(s) fato(s) invocados pela parte embargante não atribuem reprovabilidade anormal à hipótese e, portanto, não justificam a exacerbação da pena-base. Não foram identificados elementos diferentes daqueles que já integram a estrutura do tipo penal em questão. Inclusive, na oportunidade em que, na segunda fase da dosimetria, afastou-se a incidência da agravante prevista no art. 61, II, "g", do CP (ter o agente cometido o crime com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão), esclareceu-se que a eventual violação de dever inerente ao cargo integra o tipo descrito no artigo 313-A do CP, já que a qualidade de funcionário público constitui elementar deste crime. Não se vislumbra, portanto, a omissão apontada.
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL alegou, também, que houve omissão consistente em deixar-se de aplicar ao caso entendimento sedimentado do Superior Tribunal de Justiça "no sentido de que não se aplica a continuidade delitiva se o intervalo entre o cometimento dos crimes superar o limite de 30 (trinta) dias" (fl. 677).
A esse respeito, é relevante salientar que, para a caracterização do crime continuado, o agente deve, mediante mais de uma ação ou omissão, praticar dois ou mais crimes, os quais devem, necessariamente, ser da mesma espécie, bem como deve o primeiro delito determinar o(s) subsequente(s), ou seja, ser a causa dos outros crimes, observadas as condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes.
O artigo 71, caput, do Código Penal assim dispõem:
Em relação ao critério temporal, é sabido que a jurisprudência do C. Supremo Tribunal Federal utiliza como parâmetro o interregno de 30 (trinta dias), o qual deve, sempre em conjunto com as peculiaridades do caso concreto, ser considerado para, eventualmente, afastar-se o reconhecimento da continuidade se, entre as práticas criminosas, tiver decorrido lapso temporal superior a este (HC 73219/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 26.04.1996).
Note-se, contudo, que o lapso temporal de 30 (trinta) dias não é absoluto. As particularidades do caso concreto devem sempre ser analisadas, até porque o artigo 71 do CP, embora mencione as "condições de tempo" como um requisito objetivo, não delimita qual deve ser o intervalo máximo necessário ao reconhecimento da continuidade delitiva.
Inclusive, o E. Superior Tribunal de Justiça já esclareceu, em alguns de seus julgados, que inexistindo previsão legal expressa a respeito do intervalo temporal necessário ao reconhecimento da continuidade delitiva, presentes os demais requisitos da ficção jurídica, não se mostra razoável afastá-la apenas pelo fato de o intervalo ter ultrapassado 30 dias (STJ, Sexta Turma, AgRg no AResp 531930/SC, Julg. em 03.02.2015, Rel. Sebastião Reis Júnior, Dje 13.02.2015), bem como que "embora, para reconhecimento da continuidade delitiva, se exija o não distanciamento temporal das condutas, em regra no período não superior a trinta dias, conforme precedentes da Corte, excepcional vinculação entre as condutas permite maior elastério no tempo" (STJ, Sexta Turma, AgRg no Resp 1345274/SC, Julg. em 20.03.2018, Rel. Nefi Cordeiro, DJe 12.04.2018).
Considerando que, in casu, o cotejo do arcabouço probatório revelou que um mesmo agente, por três vezes, no mesmo local, inseriu dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, valendo-se, nessas três oportunidades, de modus operandi idêntico para atribuir números de CPF diferentes a um mesmo contribuinte (Sérgio Cardoso Sampaio), do que se denota o inequívoco liame subjetivo entre as condutas, o que foi feito com a especial finalidade de prejudicar a fiscalização e o controle do cumprimento das obrigações tributárias relacionadas ao Imposto de Renda devido por aquele contribuinte (ou pessoa que tenha eventualmente se passado por ele), não poderia ser outra a conclusão senão a de que houve continuidade delitiva, a despeito de as três inserções de dados falsos terem ocorrido em datas cujos intervalos foram superiores a 30 (trinta) dias.
Em outras palavras, ficou demonstrada excepcional vinculação entre as condutas praticadas, de modo que a relativização do trintídio temporal era medida que se impunha.
Nesse sentido, confira-se o seguinte julgado:
Em não havendo vício a ser sanado, seria descabido, neste momento, modificar o que já foi decidido em razão de mero inconformismo.
Com tais considerações, ante a constatação de que o v. acórdão não padece de qualquer vício, REJEITO os Embargos de Declaração opostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.
É o voto.
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