Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001224-26.2011.4.03.6124/SP
2011.61.24.001224-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal CARLOS DELGADO
APELANTE : UBIRANI DE CARVALHO
ADVOGADO : SP111577 LUZIA GUERRA DE OLIVEIRA RODRIGUES GOMES e outro(a)
APELADO(A) : Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
ADVOGADO : SP323171 FERNANDO ANTONIO SACCHETIM CERVO e outro(a)
: SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
No. ORIG. : 00012242620114036124 1 Vr JALES/SP

VOTO-VISTA

EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA: Trata-se de ação movida por UBIRANI DE CARVALHO em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, objetivando a obtenção do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, mediante reconhecimento de atividade exercida em condições especiais.

Processado o feito, na r. sentença foi julgado improcedente o pedido.

O autor apelou. Requereu a procedência dos pedidos, nos termos da inicial.

O recurso foi levado a julgamento na sessão do dia 9 de setembro de 2019.

O e. Relator, Desembargador Federal Carlos Delgado, em seu judicioso voto, deu parcial provimento à apelação da parte autora para reconhecer os intervalos de labor especial de 24/07/1990 a 05/03/2003 e 02/11/2006 a 23/11/2008, determinando à Autarquia previdenciária que proceda à respectiva averbação, com a necessária conversão e estabelecendo a sucumbência recíproca.

Pedi vista para um exame mais aprofundado dos autos.

Peço vênia para divergir no que diz respeito ao labor requerido como especiais nos períodos de 06/03/2003 a 01/11/2006, 24/11/2008 a 02/05/2010 e 03/05/2010 a 04/01/2011 (data de emissão do PPP).

Embora o PPP assevere a exposição ao agente nocivo ruído em patamares salubres, é possível o enquadramento dos referidos períodos em razão da exposição habitual e permanente do autor aos inseticidas organofosforado: piretroide, benzoilureia e salicilanilida, nos termos do item 1.0.12 dos Decretos 2.172/97 e 3.048/99

Em que pese haja menção do uso de EPI eficaz no PPP, aludida informação não é suficiente a afastar a especialidade do labor, eis que se trata de dado fornecido unilateralmente pelo empregador.

Explico.

No julgamento do ARE 664335, o E. STF assentou a tese segundo a qual "o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que, se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial". (destaquei).

Sendo assim, apresentando o segurado um PPP que indique sua exposição a um agente nocivo, e inexistindo prova de que o EPI eventualmente fornecido ao trabalhador era efetivamente capaz de neutralizar a nocividade do ambiente laborativo, a configurar uma dúvida razoável no particular, deve-se reconhecer o labor como especial.

Nesse ponto, convém observar que o fato de o PPP consignar que o EPI é eficaz não significa que ele seja capaz de neutralizar a nocividade, tal como exigido pelo E. STF para afastar a especialidade do labor.

Conforme se infere do Anexo XV, da Instrução Normativa 11/2006, do INSS, o campo 15.7 do PPP deve ser preenchido com "S - Sim; N - Não, considerando se houve ou não a atenuação, com base no informado nos itens 15.2 a 15.5, observado o disposto na NR-06 do TEM, observada a observância: [...]".

Portanto, quando o PPP consigna que o EPI era eficaz, tal eficácia diz respeito à sua aptidão de atenuar ou reduzir os efeitos do agente nocivo. Isso não significa, contudo, que o EPI era "realmente capaz de neutralizar a nocividade". A dúvida, nesse caso, beneficia o trabalhador.

Noutras palavras, o fato de o PPP consignar que o EPI era "eficaz" (para atenuar os efeitos do agente nocivo) não significa que tal equipamento era capaz de "neutralizar a nocividade". Logo, não se pode, com base nisso, afastar a especialidade do labor, até porque, nos termos do artigo 264 § 5º, do RPS, "sempre que julgar necessário, o INSS poderá solicitar documentos para confirmar ou complementar as informações contidas no PPP, de acordo com § 7º do art. 68 e inciso III do art. 225, ambos do RPS".

Nesse sentido, são os precedentes desta Corte:


PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADES RURAIS. ATIVIDADES ESPECIAIS. RECONHECIMENTO PARCIAL. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
- A questão em debate consiste na possibilidade de se reconhecer os lapsos de trabalho rural e especial, alegados na inicial, para, somados aos períodos incontroversos, propiciar a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição.
- O documento mais antigo que permite qualificar o autor como rurícola é a anotação em CTPS de labor rural iniciado em 1969, havendo, anotações que confirmam a continuidade da ligação do autor com o meio rural até meados da década de 1990. Há, ainda, comprovação de que ao providenciar seu alistamento militar, em 1972, o autor declarou profissão de lavrador.
- As testemunhas confirmaram o labor rural do autor, ao lado da família, inclusive na qualidade de meeiro.
- É possível reconhecer que o autor exerceu atividades como rurícola nos períodos de 04.10.1973 a 13.03.1978 e 08.07.1978 a 31.12.1987.
- O marco inicial e o termo final foram fixados em atenção ao conjunto probatório e aos limites do pedido, observando-se a existência de vínculos empregatícios rurais com anotação em CTPS nos períodos de 19.01.1969 a 03.10.1973 e 14.03.1978 a 07.07.1978.
- O tempo de trabalho rural não está sendo computado para efeito de carência, nos termos do §2º, do artigo 55, da Lei nº 8.213/91.
- É possível o reconhecimento da atividade especial apenas no interstício de 02.01.2007 a 04.09.2012: exposição a agentes nocivos do tipo químico (chumbo e ácido sulfúrico diluído), de maneira habitual, conforme laudo técnico pericial de fls. 345/363, durante o exercício da profissão de motorista de caminhão ou veículo para transporte de baterias, providenciando também o carregamento, descarregamento e coleta das baterias.
- A atividade desenvolvida pelo autor enquadra-se no item 1.2.9, do Decreto nº 53.831/64, item 1.2.11 e do Anexo I, do Decreto nº 83.080/79 que contemplavam as operações executadas com outros tóxicos inorgânicos e associação de agentes, os trabalhos permanentes expostos às poeiras, gazes, vapores, neblinas e fumos de outros metais, metalóide halogenos e seus eletrólitos tóxicos - ácidos, bases e sais, fabricação de flúor e ácido fluorídrico, cloro e ácido clorídrico, privilegiando os trabalhos permanentes nesse ambiente.
- Nos demais períodos, não houve comprovação de exposição a qualquer agente nocivo em intensidade superior à exigida pela legislação.
- A elaboração do PPP e a declaração de eficácia do EPI são feitas unilateralmente pelo empregador e com objetivo de obtenção de benesses tributárias; o INSS não se desincumbiu dessa prova, limitando-se a invocar o documento (PPP) unilateralmente elaborado pelo empregador para refutar o direito ao reconhecimento da especialidade, o que não se pode admitir, sob pena de subversão às regras do ônus probatório tal como estabelecidas no CPC.
- O autor perfaz mais de 35 anos de serviço, fazendo jus à aposentadoria por tempo de contribuição, pois respeitou as regras permanentes estatuídas no artigo 201, § 7º, da CF/88, que exigiam o cumprimento de pelo menos de 35 (trinta e cinco) anos de contribuição.
- O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo, momento em que o autor já preenchia os requisitos para a concessão. Todavia, deve ser observada a data do segundo requerimento administrativo (04.09.2012), em atenção aos limites do pedido inicial.
- Com relação aos índices de correção monetária e taxa de juros de mora, deve ser observado o julgamento proferido pelo C. Supremo Tribunal Federal na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947, bem como o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal em vigor por ocasião da execução do julgado.
- Apelo da Autarquia parcialmente provido.
(TRF3, AC nº 0023992-19.2015.4.03.9999/SP, Oitava Turma, Rel. Des. Federal Tânia Marangoni, e-DJF:24.10.2018) (destaquei)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL/POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. SAPATEIRO. INDÚSTRIA DE CALÇADOS. MECÂNICO. PROFISSÕES NÃO PREVISTAS NOS DECRETOS. LAUDO JUDICIAL. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL POR SIMILARIDADE. AFASTADA. HIDROCARBONETOS AROMÁTICOS. ENQUADRAMENTO PARCIAL. AUSENTES REQUISITOS À OBTENÇÃO DE BENEFÍCIO. REMESSA OFICIAL NÃO CONHECIDA. APELAÇÃO AUTORAL CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA
(...)
- Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/98 (convertida na Lei n. 9.732/98), foi inserida na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico de condições ambientais do trabalho, quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
- Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
- Sobre a questão, entretanto, o C. Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
- Sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente.
(...)
(TRF3, ApReeNec nº 0001993-28.2015.4.03.6113, Nona Turma, Rel. Juiz Convocado Rodrigo Zacharias, e-DJF3: 21.03.2018) (destaquei)

PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. ATIVIDADE INSALUBRE. EXPOSIÇÃO A AGENTES NOCIVOS. CHUMBO. COMPROVAÇÃO. OBSERVÂNCIA DA LEI VIGENTE À ÉPOCA PRESTAÇÃO DA ATIVIDADE. PPP. EPI EFICAZ. INOCORRÊNCIA. TERMO INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
I - No que tange à atividade especial, a jurisprudência pacificou-se no sentido de que a legislação aplicável para sua caracterização é a vigente no período em que a atividade a ser avaliada foi efetivamente exercida.
II - Deve ser tido por especial o período de 12.12.1998 a 24.12.2008, haja vista o contato com chumbo, conforme PPP, agente nocivo previsto no código 1.2.4, 1.2.11 e 1.2.10 dos Decretos n.º 53.831/64 e 83.080/79 e Decreto 3.048/99.
III - Nos termos do §2º do art.68 do Decreto 8.123/2013, que deu nova redação do Decreto 3.048/99, a exposição, habitual e permanente, às substâncias químicas com potencial cancerígeno justifica a contagem especial, independentemente de sua concentração.
IV - No julgamento do Recurso Extraordinário em Agravo (ARE) 664335, em 04.12.2014, com repercussão geral reconhecida, o E. STF expressamente se manifestou no sentido de que caberá ao Judiciário verificar, no caso concreto, se a utilização do EPI descaracterizou (neutralizou) a nocividade da exposição ao alegado agente nocivo (químico, biológico, etc.), ressaltando, inclusive, que havendo divergência ou dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a decisão deveria ser pelo reconhecimento do direito ao benefício de aposentadoria especial, caso dos autos.
V - Somando-se os períodos de atividades especiais aqui reconhecidos e incontroversos, o autor totaliza 27 anos, 6 meses e 22 dias de atividade exercida exclusivamente sob condições especiais até 24.12.2008, suficiente à concessão de aposentadoria especial nos termos do art.57 da Lei 8.213/91.
VI - Termo inicial da conversão do benefício fixado na data do requerimento administrativo (04.05.2009), momento em que o autor já havia cumprido todos os requisitos necessários à jubilação especial, conforme entendimento jurisprudencial sedimentado nesse sentido.
VII - Tendo em vista que transcorreu prazo superior a cinco anos entre a data do requerimento administrativo do benefício (04.05.2009) e o ajuizamento da presente ação (24.02.2015), deve ser aplicada a prescrição quinquenal, de forma que o autor fará jus às diferenças vencidas a contar de 24.02.2010.
VIII - Os juros de mora e a correção monetária deverão observar o disposto na lei de regência.
IX - Honorários advocatícios fixados em 15% do valor das diferenças vencidas até a data do acórdão, uma vez que o pedido foi julgado improcedente no juízo "a quo", nos termos da Súmula 111 do E. STJ - em sua nova redação, e de acordo com o entendimento firmado por esta 10ª Turma.
X - Apelação do autor provida
(TRF, AC nº 0001402-75.2015.4.03.6110/SP, Décima Turma, Rel. Des. Fed. Sérgio Nascimento, e-DF3: 18.05.2017) (destaquei)

Por fim, assevero que o fato de o autor supervisionar suas equipes, por ser a atividade industrial, é possível dessumir que estava exposto aos agentes químicos intrínsecos à produção do seu setor.

Desta feita, reconheço como especiais os períodos de 06/03/2003 a 01/11/2006, 24/11/2008 a 02/05/2010 e 03/05/2010 a 04/01/2011, os quais devem ser convertidos para tempo comum através do fator de conversão 1,40.

Somados os períodos especiais reconhecidos aos demais períodos de labor, verifica-se que o autor, quando do requerimento administrativo, 31/05/2011, contava com 36 anos, 9 meses e 10 dias de tempo de serviço, nos termos da planilha em anexo, fazendo jus ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.

O termo inicial do benefício deve ser estabelecido na data do requerimento administrativo (31.05.2011), ocasião em que foram implementados os requisitos para sua concessão nos termos aqui delineados.

Vencido o INSS, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios, os quais devem ser reduzidos para 10% e apurado sobre o valor das prestações vencidas até a data da sentença (Súmula nº 111/STJ), eis que de acordo com a moderada complexidade das questões e consenso deste Colegiado.

No que tange aos juros e correção monetária, vale destacar que a inconstitucionalidade do critério de correção monetária introduzido pela Lei nº 11.960/2009 foi declarada pelo Egrégio STF, ocasião em que foi determinada a aplicação do IPCA-e (RE nº 870.947/SE, repercussão geral).

Tal índice deve ser aplicado ao caso, até porque o efeito suspensivo concedido em 24/09/2018 pelo Egrégio STF aos embargos de declaração opostos contra o referido julgado para a modulação de efeitos para atribuição de eficácia prospectiva, surtirá efeitos apenas quanto à definição do termo inicial da incidência do IPCA-e, o que deverá ser observado na fase de liquidação do julgado.

E, apesar da recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (REsp repetitivo nº 1.495.146/MG), que estabelece o INPC/IBGE como critério de correção monetária, não é o caso de adotá-lo, porque em confronto com o julgado acima mencionado.

Dessa forma, se a sentença determinou a aplicação de critérios de juros de mora e correção monetária diversos daqueles adotados quando do julgamento do RE nº 870.947/SE, ou, ainda, se ela deixou de estabelecer os índices a serem observados, pode esta Corte alterá-los ou fixá-los, inclusive de ofício, para adequar o julgado ao entendimento do Egrégio STF, em sede de repercussão geral.

Assim, para o cálculo dos juros de mora (devidos desde a citação) e correção monetária aplicam-se, (1) até a entrada em vigor da Lei nº 11.960/2009, os índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça Federal; e, (2) na vigência da Lei nº 11.960/2009, considerando a natureza não-tributária da condenação, os critérios estabelecidos pelo Egrégio STF, no julgamento do RE nº 870.947/SE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de Repercussão Geral, quais sejam, (2.1) os juros moratórios serão calculados segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança, nos termos do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009; e (2.2) a correção monetária, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial - IPCA-E..


Ante o exposto, divergindo, em parte, do voto do Ilustre Relator, dou provimento à apelação do autor, para condenar o INSS a averbar o labor especial desenvolvido nos períodos de 24/07/1990 a 05/03/2003, 06/03/2003 a 01/11/2006, 02/11/2006 a 23/11/2008, 24/11/2008 a 02/05/2010 e 03/05/2010 a 04/01/2011 e a conceder o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, desde a data do requerimento administrativo, 31.05.2011, acrescidas as parcelas devidas de juros de mora e correção monetária, bem como ao pagamento de honorários advocatícios, nos termos acima.

É como voto.



INÊS VIRGÍNIA
Desembargadora Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 25/11/2019 19:27:01



D.E.

Publicado em 06/11/2020
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001224-26.2011.4.03.6124/SP
2011.61.24.001224-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal CARLOS DELGADO
REL. ACÓRDÃO : Desembargadora Federal INÊS VIRGÍNIA
APELANTE : UBIRANI DE CARVALHO
ADVOGADO : SP111577 LUZIA GUERRA DE OLIVEIRA RODRIGUES GOMES e outro(a)
APELADO(A) : Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
ADVOGADO : SP323171 FERNANDO ANTONIO SACCHETIM CERVO e outro(a)
: SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
No. ORIG. : 00012242620114036124 1 Vr JALES/SP

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL. CARACTERIZAÇÃO PARCIAL. BENEFÍCIO. CONCESSÃO. REGRAS DE TRANSIÇÃO. EC Nº 20/98. AVERBAÇÃO. BENEFÍCIO CONCEDIDO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PROVIDA.

1 - Da narrativa contida na exordial, depreende-se a pretensão do autor como sendo o reconhecimento do labor de cunho especial principiado em 24/07/1990, preservado até dias atuais, com vistas à concessão de "aposentadoria por tempo de serviço/contribuição" a partir de 31/05/2011 (data do requerimento administrativo, sob NB 152.566.219-5).

2 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e em obediência ao aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.

3 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.

4 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB, até 05/03/1997; acima de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003; e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.

5 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição, substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo laborado em condições especiais.

6 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.

7 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que, ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.

8 - É possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente da data do exercício da atividade especial, conforme se extrai da conjugação das regras dos arts. 28 da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91.

9 - O fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70 do Decreto nº 3.048/99, conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça.

10 - A petição inicial foi secundada por documentos, sendo que dos autos ainda se observa a cópia do procedimento administrativo de benefício.

11 - Merecem relevo as cópias de CTPS, revelando o percurso laborativo do autor, e os documentos específicos - PPP's fornecidos pela Superintendência de Controle de Endemias - SUCEN - que demonstram a atividade desempenhada sob insalubridade, doravante descrita: * de 24/07/1990 a 05/03/2003, com exposição a agente químico inseticida organofosforado, sem utilização de EPI eficaz, nos moldes dos itens 1.2.6 do Decreto nº 53.831/64, 1.2.6 do Decreto nº 83.080/79, 1.0.12 do Decreto nº 2.172/97, e 1.0.12 do Decreto nº 3.048/99; * de 02/11/2006 a 23/11/2008, com exposição a agente agressivo ruído de 106 dB(A), nos moldes dos itens 1.1.6 do Decreto nº 53.831/64, 1.1.5 do Decreto nº 83.080/79, 2.0.1 do Decreto nº 2.172/97, e 2.0.1 do Decreto nº 3.048/99.

12 - No tocante aos intervalos de 06/03/2003 a 01/11/2006, 24/11/2008 a 02/05/2010 e 03/05/2010 a 04/01/2011 (data de emissão do PPP), embora o PPP assevere a exposição ao agente nocivo ruído em patamares salubres, é possível o enquadramento dos referidos períodos em razão da exposição habitual e permanente do autor aos inseticidas organofosforado: piretroide, benzoilureia e salicilanilida, nos termos do item 1.0.12 dos Decretos 2.172/97 e 3.048/99.

13 - Em que pese haja menção do uso de EPI eficaz no PPP, aludida informação não é suficiente a afastar a especialidade do labor, eis que se trata de dado fornecido unilateralmente pelo empregador.

14 - Isso porque no julgamento do ARE 664335, o E. STF assentou a tese segundo a qual "o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que, se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial". (destaquei). Sendo assim, apresentando o segurado um PPP que indique sua exposição a um agente nocivo, e inexistindo prova de que o EPI eventualmente fornecido ao trabalhador era efetivamente capaz de neutralizar a nocividade do ambiente laborativo, a configurar uma dúvida razoável no particular, deve-se reconhecer o labor como especial. Precedentes.

15 - Por fim, ressalta-se que o fato de o autor supervisionar suas equipes, por ser a atividade industrial, é possível dessumir que estava exposto aos agentes químicos intrínsecos à produção do seu setor.

16 - Desta feita, deve ser reconhecidos como especiais os períodos de 06/03/2003 a 01/11/2006, 24/11/2008 a 02/05/2010 e 03/05/2010 a 04/01/2011, os quais devem ser convertidos para tempo comum através do fator de conversão 1,40.

17 - Somados os períodos especiais reconhecidos aos demais períodos de labor, verifica-se que o autor, quando do requerimento administrativo, 31/05/2011, contava com 36 anos, 9 meses e 10 dias de tempo de serviço, nos termos da planilha em anexo, fazendo jus ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.

18 - O termo inicial do benefício deve ser estabelecido na data do requerimento administrativo (31.05.2011), ocasião em que foram implementados os requisitos para sua concessão nos termos aqui delineados.

19 - Vencido o INSS, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios, os quais devem ser reduzidos para 10% e apurado sobre o valor das prestações vencidas até a data da sentença (Súmula nº 111/STJ), eis que de acordo com a moderada complexidade das questões e consenso deste Colegiado.

19 - No que tange aos juros e correção monetária, vale destacar que a inconstitucionalidade do critério de correção monetária introduzido pela Lei nº 11.960/2009 foi declarada pelo Egrégio STF, ocasião em que foi determinada a aplicação do IPCA-e (RE nº 870.947/SE, repercussão geral). Tal índice deve ser aplicado ao caso, até porque o efeito suspensivo concedido em 24/09/2018 pelo Egrégio STF aos embargos de declaração opostos contra o referido julgado para a modulação de efeitos para atribuição de eficácia prospectiva, surtirá efeitos apenas quanto à definição do termo inicial da incidência do IPCA-e, o que deverá ser observado na fase de liquidação do julgado. E, apesar da recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (REsp repetitivo nº 1.495.146/MG), que estabelece o INPC/IBGE como critério de correção monetária, não é o caso de adotá-lo, porque em confronto com o julgado acima mencionado. Dessa forma, se a sentença determinou a aplicação de critérios de juros de mora e correção monetária diversos daqueles adotados quando do julgamento do RE nº 870.947/SE, ou, ainda, se ela deixou de estabelecer os índices a serem observados, pode esta Corte alterá-los ou fixá-los, inclusive de ofício, para adequar o julgado ao entendimento do Egrégio STF, em sede de repercussão geral.

20 - Assim, para o cálculo dos juros de mora (devidos desde a citação) e correção monetária aplicam-se, (1) até a entrada em vigor da Lei nº 11.960/2009, os índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça Federal; e, (2) na vigência da Lei nº 11.960/2009, considerando a natureza não-tributária da condenação, os critérios estabelecidos pelo Egrégio STF, no julgamento do RE nº 870.947/SE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de Repercussão Geral, quais sejam, (2.1) os juros moratórios serão calculados segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança, nos termos do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009; e (2.2) a correção monetária, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial - IPCA-E..

21 - Ante a sucumbência recíproca, deixa-se de condenar as partes em honorários advocatícios, conforme prescrito no art. 21 do CPC/73, e em custas processuais, dada a gratuidade da justiça conferida ao autor e por ser o INSS delas isento.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, dar provimento à apelação do autor, nos termos do relatório e votos que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 25 de setembro de 2020.
INÊS VIRGÍNIA
Relatora para o acórdão


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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001224-26.2011.4.03.6124/SP
2011.61.24.001224-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal CARLOS DELGADO
APELANTE : UBIRANI DE CARVALHO
ADVOGADO : SP111577 LUZIA GUERRA DE OLIVEIRA RODRIGUES GOMES e outro(a)
APELADO(A) : Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
ADVOGADO : SP323171 FERNANDO ANTONIO SACCHETIM CERVO e outro(a)
: SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
No. ORIG. : 00012242620114036124 1 Vr JALES/SP

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):


Trata-se de apelação interposta por UBIRANI DE CARVALHO, em ação previdenciária ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando a concessão de "aposentadoria por tempo de serviço/contribuição", mediante o reconhecimento de períodos trabalhados em atividades sujeitas a condições especiais.


A r. sentença (fls. 163/166) julgou improcedente a ação, condenando a parte autora no pagamento de verba honorária arbitrada em 10% sobre o valor atribuído à causa (R$ 6.540,00), atentando-se à gratuidade concedida nos autos (fl. 47). Por fim, foram determinadas custas ex lege.


Descontente com o resultado do julgamento, a parte autora apelou (fac-símile em fls. 169/186, seguido por vias originais em fls. 187/204), aduzindo que os documentos carreados aos autos - consubstanciados em PPP's e laudos técnicos - seriam hábeis à comprovação de sua exposição a agentes agressivos físicos, químicos e até ergonômicos, sendo possível, ainda, o enquadramento por categoria profissional. Insiste na conversão de períodos - especiais para comuns - com utilização de fator de conversão correspondente a 1,40, bem como na concessão da benesse vindicada - neste ponto, afastando-se a incidência do fator previdenciário.


Devidamente processado o recurso, com o oferecimento de contrarrazões pelo INSS (fl. 207), foram os autos remetidos a esta Corte Federal.


É o relatório.


VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):


Enfatizo que a propositura da presente demanda dera-se em 31/08/2011 (fl. 02), com a posterior citação da autarquia em 10/02/2012 (fl. 48) e a prolação da r. sentença aos 19/11/2012 (fl. 166), sob a égide, portanto, do Código de Processo Civil de 1973.


Da narrativa contida na exordial, depreende-se a pretensão do autor como sendo o reconhecimento do labor de cunho especial principiado em 24/07/1990, preservado até dias atuais, com vistas à concessão de "aposentadoria por tempo de serviço/contribuição" a partir de 31/05/2011 (data do requerimento administrativo, sob NB 152.566.219-5 - fl. 28).


Verifico que o pedido formulado pela parte autora encontra previsão legal, especificamente na Lei de Benefícios.


Do labor especial.


Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial, e em obediência ao aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial (STJ, AgRg no REsp 493.458/RS e REsp 491.338/RS; Súmula nº 13 TR-JEF-3ªR; artigo 70, § 1º, Decreto nº 3.048/1999).


Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.


O Quadro Anexo do Decreto nº 53.831/64, código 1.1.6, fixou o nível mínimo em 80 dB. Por força do Quadro I do Anexo do Decreto nº 72.771/73, de 06/09/1973, esse nível foi elevado para 90 dB.


O Quadro Anexo I do Decreto nº 83.080/79, mantido pelo Decreto nº 89.312/84, considera insalubres as atividades que expõem o segurado a níveis de pressão sonora superiores a 90 decibéis, de acordo com o Código 1.1.5. Essa situação foi alterada pela edição dos Decretos nºs 357, de 07/12/1991 e 611, de 21/07/1992, que incorporaram, a um só tempo, o Anexo I do Decreto nº 83.080, de 24/01/1979, que fixou o nível mínimo de ruído em 90 dB e o Anexo do Decreto nº 53.831, de 25/03/1964, que fixava o nível mínimo de 80 dB, de modo que prevalece este, por ser mais favorável.


De 06/03/1997 a 18/11/2003, na vigência do Decreto nº 2.172/97, e de 07/05/1999 a 18/11/2003, na vigência do Decreto nº 3.048/99, o limite de tolerância voltou a ser fixado em 90 dB.


A partir de 19/11/2003, com a alteração ao Decreto nº 3.048/99, Anexo IV, introduzida pelo Decreto nº 4.882/03, o limite de tolerância do agente nocivo ruído caiu para 85 dB.


Observa-se que no julgamento do REsp 1398260/PR (Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 14/05/2014, DJe 05/12/2014), representativo de controvérsia, o STJ reconheceu a impossibilidade de aplicação retroativa do índice de 85 dB para o período de 06/03/1997 a 18/11/2003, devendo ser aplicado o limite vigente ao tempo da prestação do labor, qual seja, 90 dB.


Assim, temos o seguinte quadro:


Período Trabalhado Enquadramento Limites de Tolerância
Até 05/03/1997 Anexo do Decreto nº 53.831/64. 2. Decretos nºs 357/91 e 611/92 80 dB
De 06/03/1997 a 18/11/2003 Anexo IV do Decreto nº 2.172/97 Anexo IV do Decreto nº 3.048/99, redação original 90 dB
A partir de 19/11/2003 Anexo IV do Decreto nº 3.048/99, com a alteração do Decreto nº 4.882/03 85 dB

Importante ressaltar que o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição, substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo laborado em condições especiais.


Saliente-se, mais, e na esteira de entendimento deste E. TRF, "a desnecessidade de que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que exercida a atividade insalubre, em face de inexistência de previsão legal para tanto, e desde que não haja mudanças significativas no cenário laboral" (TRF-3, APELREEX 0004079-86.2012.4.03.6109, OITAVA TURMA, Rel. Des. Fed. TANIA MARANGONI, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 15/05/2015). No mesmo sentido: TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1423903 - 0002587-92.2008.4.03.6111, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO DOMINGUES, julgado em 24/10/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/11/2016).


Por derradeiro, no que se refere ao uso de equipamento de proteção individual, verifica-se que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 664.335/SC, em sede de repercussão geral, fixou duas teses:


"(...) a primeira tese objetiva que se firma é: o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial. A Administração poderá, no exercício da fiscalização, aferir as informações prestadas pela empresa, sem prejuízo do inafastável judicial review. Em caso de divergência ou dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a premissa a nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial. Isto porque o uso de EPI, no caso concreto, pode não se afigurar suficiente para descaracterizar completamente a relação nociva a que o empregado se submete";
(...)
a segunda tese fixada neste Recurso Extraordinário é a seguinte: na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria"
(STF, ARE 664.335, Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, j. 04/12/2014, DJe n. 29, de 11.02.2015, public. 12.02.2015)"

Destarte, a desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que, ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.


Acresça-se, ainda, ser possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente da data do exercício da atividade especial, conforme se extrai da conjugação das regras dos arts. 28 da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91.


Observa-se que o fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70 do Decreto nº 3.048/99, conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça, in verbis:


PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. CONVERSÃO DO TEMPO DE SERVIÇO EXERCIDO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS PARA COMUM. FATOR DE CONVERSÃO. INCIDÊNCIA DO DECRETO N. 4.827/2003, QUE ALTEROU O ART. 70 DO DECRETO N. 3.048/1999. MATÉRIA DECIDIDA SOB O RITO DO ART. 543-C DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. AGRAVO DESPROVIDO.
1. "A Terceira Seção desta Corte, no julgamento do REsp.1.151.363/MG, representativo da controvérsia, realizado em 23.3.2011 e de relatoria do douto Ministro JORGE MUSSI, firmou o entendimento de que, de acordo com a alteração dada pelo Decreto 4.827/2003 ao Decreto 3.048/99, a conversão dos períodos de tempo especial desenvolvidos em qualquer época será realizada de acordo com as novas regras da tabela definida no artigo 70 que, para o tempo de serviço especial correspondente a 25 anos, utiliza como fator de conversão, para homens, o multiplicador 1,40". (AgRg no REsp n.1.080.255/MG, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe 15.04.2011)
2. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp 1172563/MG, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), SEXTA TURMA, julgado em 16/06/2011, DJe 01/07/2011)

Do caso concreto.


A petição inicial foi secundada por documentos (fls. 27/44), sendo que dos autos ainda se observa a cópia do procedimento administrativo de benefício (fls. 78/114).


Dentre toda a documentação, merecem relevo as cópias de CTPS, revelando o percurso laborativo do autor (fls. 31/34 e 84/92), e os documentos específicos - PPP's (fls. 35/36 e 94/96) fornecidos pela Superintendência de Controle de Endemias - SUCEN - que demonstram a atividade desempenhada sob insalubridade, doravante descrita:


* de 24/07/1990 a 05/03/2003, com exposição a agente químico inseticida organofosforado, sem utilização de EPI eficaz, nos moldes dos itens 1.2.6 do Decreto nº 53.831/64, 1.2.6 do Decreto nº 83.080/79, 1.0.12 do Decreto nº 2.172/97, e 1.0.12 do Decreto nº 3.048/99;

* de 02/11/2006 a 23/11/2008, com exposição a agente agressivo ruído de 106 dB(A), nos moldes dos itens 1.1.6 do Decreto nº 53.831/64, 1.1.5 do Decreto nº 83.080/79, 2.0.1 do Decreto nº 2.172/97, e 2.0.1 do Decreto nº 3.048/99.


Cumpre destacar que os intervalos de 06/03/2003 a 01/11/2006, 24/11/2008 a 02/05/2010 e 03/05/2010 a 04/01/2011 (data de emissão do PPP) não podem ser admitidos como especiais, em virtude de:


a) os níveis de ruídos equivalentes aos períodos - respectivamente de 74,9 dB(A), 68,4 dB(A) e 52 dB(A) - encontrarem-se aquém do limite legal vigente à época;

b) que, muito embora tenha sido mencionada a sujeição à inseticida organofosforado, piretroide, benzoilureia e salicilanilida (não se ignorando, por certo, a exposição a produto químico insalubre, o que, em princípio, justificaria a admissão desses períodos como tempo especial), do exame apurado do conteúdo documental, verifica-se que a utilização dos Equipamentos de Proteção Individual permitia a neutralização da agressividade dos agentes, o que se visualiza pela rubrica "EPI Eficaz: S".


Relativamente ao tema, cumpre realçar que o art. 58, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.213/91 sofreu alteração por meio da Lei nº 9.732/98, publicada em 14/12/1998, exigindo-se, no bojo do laudo técnico, informação acerca da existência de tecnologia de proteção - quer coletiva, quer individual - passível de atenuar a intensidade de agentes nocivos a limites toleráveis, apartando a insalubridade da atividade desempenhada. Esta Turma julgadora já se pronunciara a respeito, em julgado anterior, cujo excerto ora se colaciona:


PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. REMESSA NECESSÁRIA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO. COMPROVAÇÃO DAS CONDIÇÕES ESPECIAIS. AGENTES QUÍMICOS. PROCESSO PRODUTIVO. DEMONSTRAÇÃO. DESNECESSIDADE. EPI EFICAZ. EXPOSIÇÃO PERMANENTE. IMPLEMENTAÇÃO DOS REQUISITOS. DIB. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. MANUAL DE CÁLCULOS NA JUSTIÇA FEDERAL. HONORÁRIOS DE ADVOGADO MANTIDOS. TUTELA ANTECIPADA. SUBSTITUIÇÃO IMEDIATA DO BENEFÍCIO.
(omissis)
5. Agentes químicos. Não há previsão sobre a comprovação de determinado processo produtivo, restringindo-se a prova à constatação da exposição do segurado aos elementos prejudiciais à sua saúde e integridade física.
6. O uso de EPI eficaz, no caso de exposição a agentes químicos, afasta a hipótese de insalubridade.
(omissis)
15. Sentença corrigida de ofício. Apelação do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS e remessa necessária parcialmente providas.
(Apelação/Remessa Necessária nº 2014.61.12.002415-9, Relator Des. Fed. Paulo Domingues, j. 12/11/2018, v.u., p. DJe 28/11/2018)

c) a sujeição a agentes biológicos vírus, bactérias, parasitas, vetores contaminados e BTI (Bacillus thuringiensis) ter-se dado também sob o uso eficaz do EPI;


d) por último, mas não menos importante, a enumeração das tarefas desenvolvidas pelo segurado denotar atividades de gestão e planejamento, além de organização e controle de subordinados: 1) enquanto encarregado de turma - Distribuir tarefas, orientar e supervisionar os membros da equipe de campo de saúde pública. Manipular soluções e misturas de inseticidas. Executar capturas de artrópodes, moluscos e outros animais nocivos. Efetuar controle de vetores: químico, biológico e físico. Executar outras tarefas compatíveis como cargo; 2) enquanto encarregado I - Distribuir aos membros da equipe o trabalho a ser executado observando os aspectos relacionados ao bom andamento da atividade. Supervisionar a execução dos trabalhos desenvolvidos pelos membros da equipe garantindo qualidade satisfatória. Providenciar a distribuição de EPIs, uniformes, equipamentos e materiais aos membros da equipe e conferir diariamente a disponibilidade e condições de uso dos mesmos. Adotar condutas que promovam o bom relacionamento entre os membros da equipe, manter a disciplina e providenciar encaminhamentos necessários quando da ocorrência de problemas. Realizar treinamentos relacionados a (sic) sua área de ação. Supervisionar a execução dos trabalhos desenvolvidos pelas equipes de campo da Sucen e municípios. Acompanhar os rendimentos dos membros de equipe, conferir e consolidar a produção diária e a utilização de insumos. Auxiliar na preparação de soluções padronizadas de inseticidas, no abastecimento de pulverizadores e na aplicação de inseticidas e/ou misturas em imóveis, conforme preconizado nos programas.


Diga-se, aqui, a imprestabilidade dos laudos técnicos (fls. 37/44 e 101/102) que sequer remetem à parte autora, referindo-se, inclusive, a terceiro estranho aos autos.


Enfatize-se, por fim, a inocuidade da prova oral produzida (fls. 131/132), isso porque somente pode ser ilustrada eventual especialidade laborativa por intermédio de prova documental.


Da aposentadoria por tempo de serviço/contribuição.


A aposentadoria por tempo de contribuição encontra-se atualmente prevista no art. 201, §7º, I, da Constituição Federal, o qual dispõe:


§ 7º É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições:
I - trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher;

A aposentadoria proporcional, por sua vez, foi extinta pela Emenda Constitucional 20/98, que, de forma expressa, assegurou no art. 3º o direito aos que já haviam implementado, até a data de sua publicação, em 16/12/98, o requisito temporal, ou seja, 30 (trinta) anos de trabalho no caso do homem e 25 (vinte e cinco) no caso da mulher, independentemente de qualquer outra exigência (direito adquirido).


A citada Emenda Constitucional também manteve a aposentadoria proporcional para os que já se encontravam filiados ao RGPS na data de sua publicação e não possuíam tempo suficiente para requerê-la, porém estabeleceu na regra de transição, verbis:


"Art. 9º - Observado o disposto no art. 4º desta Emenda e ressalvado o direito de opção a aposentadoria pelas normas por ela estabelecidas para o regime geral de previdência social, é assegurado o direito à aposentadoria ao segurado que se tenha filiado ao regime geral de previdência social, até a data de publicação desta Emenda, quando, cumulativamente, atender aos seguintes requisitos:
I - contar com cinquenta e três anos de idade, se homem, e quarenta e oito anos de idade, se mulher; e
II - contar tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de:
a) trinta e cinco anos, se homem, e trinta anos, se mulher; e
b) um período adicional de contribuição equivalente a vinte por cento do tempo que, na data da publicação desta Emenda, faltaria para atingir o limite de tempo constante da alínea anterior.
§ 1º - O segurado de que trata este artigo, desde que atendido o disposto no inciso I do "caput", e observado o disposto no art. 4º desta Emenda, pode aposentar-se com valores proporcionais ao tempo de contribuição, quando atendidas as seguintes condições:
I - contar tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de:
a) trinta anos, se homem, e vinte e cinco anos, se mulher; e
b) um período adicional de contribuição equivalente a quarenta por cento do tempo que, na data da publicação desta Emenda, faltaria para atingir o limite de tempo constante da alínea anterior"

Conforme planilha anexa, procedendo-se ao cômputo dos intervalos especiais ora reconhecidos, acrescidos do tempo laboral entendido como incontroverso (CNIS, fls. 62 e 81/82, além de tabelas confeccionadas pelo INSS, fls. 97/98 e 108/109), verifica-se que o autor, à ocasião do pedido administrativo, em 31/05/2011, contava com 34 anos, 05 meses e 20 dias de serviço; entretanto, eis que nascido aos 22/02/1965 (fl. 27), somente completaria o quesito etário - 53 anos exigíveis para o sexo masculino - em 22/02/2018.


Desta feita, resta improcedente a demanda quanto ao deferimento do benefício.


Por outro lado, o pedido formulado na inicial merece parcial acolhida, no sentido de compelir a autarquia previdenciária a reconhecer e averbar tempo laborativo especial correspondente a 24/07/1990 a 05/03/2003 e 02/11/2006 a 23/11/2008, com a necessária conversão.


Ante a sucumbência recíproca, deixo de condenar as partes em honorários advocatícios, conforme prescrito no art. 21 do CPC/73, e em custas processuais, dada a gratuidade da justiça conferida ao autor (fl. 47) e por ser o INSS delas isento.


Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação da parte autora para, reformando em parte a r. sentença de 1º grau, reconhecer os intervalos de labor especial de 24/07/1990 a 05/03/2003 e 02/11/2006 a 23/11/2008, determinando à Autarquia previdenciária que proceda à respectiva averbação, com a necessária conversão, alfim estabelecendo a sucumbência recíproca.


É como voto.


CARLOS DELGADO
Desembargador Federal


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Data e Hora: 12/09/2019 13:24:14