2. Revejo meu entendimento para reconhecer a incidência do princípio da subsidiariedade ao delito previsto no art. 241 -B do ECA. O princípio da subsidiariedade (lex primaria derogat legi subsidiarae) é um critério de solução de conflito aparente de normas presidido pelo aspecto valorativo. Não se trata, ao contrário do que ocorre com o princípio da especialidade (in abstrato), de uma mera analise lógica respeitante aos elementos constitutivos dos tipos penais concorrentes, isto é, em que medida haveria uma relação de gênero e espécie essencialmente formal. Tem esse princípio uma estrutura lógica de interferência, não de subordinação (BITENCOURT), exigindo uma verificação in concreto, isto é, um "juízo de valor do fato em relação a elas" (normas) (Oscar Stevenson, apud BITENCOURT). Nesse sentido, o princípio da subsidiariedade estabelece que a incidência da norma principal, que tem uma sanção mais grave, afasta a incidência da norma subsidiária: "(...) uma norma exclui a outra não porque comandada por rígido cânone de lógica, mas porque a aplicação de todas as normas concorrentes se chocaria contra as necessidades práticas de valoração do fato e viriam a contrastar com as mais elementares exigências de justiça" (BETTIOL, p. 328). Na hipótese de diversas normas tutelarem o mesmo bem jurídico conforme estádios ou graus diversos de ofensa, segue-se que a ofensa maior absorve a menor, o que implica que a aplicabilidade da sanção menor é condicionada pela não aplicação da sanção maior. A subsidiariedade pode vir expressa no próprio texto legal, como consta do tipo do crime de perigo para a vida ou saúde de outrem (CP, art. 132), cuja sanção é aplicável "se o fato não constitui crime mais grave", como seria se se tratar de tentativa de homicídio ou abandono de incapaz (HUNGRIA). Mas a subsidiariedade pode ser também tácita, isto é, quando a lei não contenha essa ressalva em seu texto. Segundo a doutrina, tal ocorrerá quando o fato incriminado é "elemento componente ou agravante especial do fato incriminado por outra norma" (HUNGRIA, p. 139) ou quando "determinada figura típica funcionar como elemento constitutivo, majorante ou meio prático de execução de execução de outra figura mais grave" (BITENCOURT, p. 250). A heterogeneidade dos exemplos doutrinários sugere a dificuldade em determinar a subsidiariedade : furto qualificado quanto ao dano e violação de domicílio; estupro quanto a constrangimento ilegal e lesão corporal leve; sedução quanto à corrupção de menor (HUNGRIA), tentativa quanto à consumação (BETTIOL); dano quanto ao furto com destruição ou rompimento de obstáculo; violação de domicílio quanto ao furto ou roubo com entrada em casa alheia; constrangimento ilegal e crime de violência ou grave ameaça (BITENCOURT). A heterogeneidade desses exemplos, que evocam o princípio da consunção, não chega a prejudicar a compreensão do conteúdo do princípio da subsidiariedade: havendo mais de uma norma dotada de igual autoridade a tutelar o mesmo bem jurídico, entende-se que prevalece a mais grave, posto que a menos grave somente seria aplicável na hipótese de inexistir aquela. Caso contrário, o Estado não esgotaria o conteúdo normativo sancionatório instituído pela norma penal: a aplicação da norma mais branda em prejuízo da mais grave deixa parte da tutela penal simplesmente inaplicada (BETTIOL, Giuseppe. Direito Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1971, p. 322-331, n.5; BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral, 10ª ed., São Paulo: Saraiva, 2006, v. 1, p. 247-253; HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. 4ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1958. V. I, t. I, p. 136-140, n. 31).