Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS Nº 0017610-97.2016.4.03.0000/SP
2016.03.00.017610-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal BAPTISTA PEREIRA
REQUERENTE : Uniao Federal (FAZENDA NACIONAL)
PROCURADOR : MARINA MIURA PRICOLLI
REQUERIDO(A) : PLUSH TOYS IND/ E COM/ LTDA -EPP
AMICUS CURIAE : ASSOCIACAO BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL - ABDPRO
ADVOGADO : DF028560 MARCOS DE ARAUJO CAVALCANTI
AMICUS CURIAE : CENTRO DE ESTUDOS DAS SOCIEDADES DE ADVOGADOS CESA
ADVOGADO : SP234846 PRISCILA FARICELLI DE MENDONCA
AMICUS CURIAE : RICARDO BLAJ SERBER
ADVOGADO : SP231805 RICARDO BLAJ SERBER
No. ORIG. : 00121182720164030000 Vr SAO PAULO/SP

DECLARAÇÃO DE VOTO

VOTO DIVERGENTE:

A União Federal intentou o presente INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS - IRDR, buscando a uniformização de entendimento acerca do: a) cabimento do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica - artigo 50 Código /civil c.c. artigo 133 a 137 do CPC - em sede de Execução Fiscal (incompatibilidade entre o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica e a execução fiscal) e, subsidiariamente, b.1) cabimento do Incidente nos casos de redirecionamento com fundamento em responsabilidade legal (não cabimento do Incidente de Desconsideração nos casos de redirecionamento requerido com fundamento em responsabilidade legal),e, b-2) não paralisação da Execução Fiscal pela instauração do IDPJ em relação aos demais coobrigados, originalmente executados.

Os fundamentos postos pela requerente são, em síntese, os seguintes:

-"O redirecionamento das execuções fiscais para os responsáveis previstos no Capítulo IV do Código Tributário Nacional e em leis esparsas que também tratam de responsabilidade é medida rotineira nesse tipo de procedimento especial, notadamente nos casos de empresas dissolvidas irregularmente"

- "No aspecto processual, o redirecionamento se opera e sempre se operou de forma relativamente simples. O ente público exequente requer o redirecionamento mediante petição fundamentada, indicando as razões fáticas e jurídicas que embasam seu pedido e o Juiz, diante das provas existentes, inclui o responsável no polo passivo, sem que haja necessidade de contraditório prévio"

- "...que há permissão legal (art. 4º, inciso V, da Lei n. 6.830/80) para que a execução fiscal seja ajuizada em face do responsável legal"

- "...nos termos do artigo 16, § 1º, da Lei n. 6.830/80, a defesa do executado só pode ser realizada em Embargos à Execução e mediante oferecimento de garantia, salvo se a questão não demandar dilação probatória, caso em que a jurisprudência admite a defesa por meio de Exceção de pré-executividade""...

- "Com a entrada em vigor da Lei n. 13.105/2015, a União foi surpreendida com diversas decisões judiciais, proferidas no âmbito das Seções Judiciárias da 3ª Região, que exigem a instauração do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica para fins de redirecionamento da execução fiscal, ainda que este tenha sido requerido em face do responsável legal, ou seja, daquele ao qual a lei imputa diretamente a responsabilidade pela satisfação da obrigação, e mesmo quando sequer há requerimento de desconsideração da personalidade jurídica ou alegação de preenchimento dos requisitos legais da desconsideração."

- "... esse Incidente é absolutamente incompatível com o procedimento da execução fiscal, pois: a) permite a realização da defesa do executado, com produção de provas, sem prévia apresentação de garantia à execução, em absoluta contrariedade ao disposto no art. 16, §1º, da Lei n. 6.830/80, bem como, b) uma vez instaurado, suspende a execução fiscal até que seja julgado, conforme prevê o art. 134, §3º, do Código de Processo Civil , ainda que sem garantia prévia do juízo e sem demonstração do fumus boni iuris e o periculum in mora , destoando, assim, da norma enunciada no art. 16. §1º da Lei n. 6.830/80 combinado com o art. 739-A, §1º, do CPC/1973 (Art. 919, §1º, do CPC/2015) e do entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp n. 1.272.827/PE, submetido ao rito do art. 543-C do CPC/1973."

-"... mesmo que se entendesse pela compatibilidade entre o Incidente de Desconsideração e a execução fiscal, o que só se cogita a título de argumentação, ele jamais poderia ser instaurado nas execuções fiscais em que o redirecionamento é requerido com fundamento em responsabilidade legal."

-" Além de contrária aos ditames legais, a imposição da instauração do Incidente de Desconsideração em execuções fiscais afeta, sobremaneira, o interesse público defendido em juízo pela União, na medida em que a cobrança judicial do crédito fiscal fica prejudicada pela suspensão do processo principal até o julgamento do Incidente de Desconsideração"

- "A aplicação indiscriminada do Incidente, sem observância da efetiva necessidade de desconsideração da personalidade jurídica nos casos concretos, poderá implicar violação ao princípio da duração razoável do processo e da efetividade."

- "As normas que regulam o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica, previstas nos artigos 133 a 137 do novo Código de Processo Civil, no entanto, são incompatíveis com a execução fiscal, especialmente em razão da possibilidade de apresentação de defesa sem prévia garantia do juízo e da suspensão automática do processo, conforme previsão contida nos artigos 134, §3º e 135 do Código de Processo Civil."

- "Além disso, o art. 134, § 3º, do Código de Processo Civil dispõe que a instauração do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica suspende o processo"

"... que essa suspensão automática do processo é absolutamente incompatível com a execução fiscal, cujo regramento legal não prevê a possibilidade de suspensão do processo, exceto na hipótese do art. 40 (Art. 40 - O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não ocorrerá o prazo de prescrição) e no caso de oferecimento de embargos pelo executado, desde que seja apresentada garantia prévia do juízo e demonstrada a existência do fumus boni iuris e do periculum in mora".

-"Mesmo que se entenda pelo cabimento do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica na execução fiscal, o que só se cogita a título de argumentação, deve tal cabimento se restringir às hipóteses em que a desconsideração da personalidade jurídica for necessária para que a inclusão do sócio no polo passivo da execução possa de concretizar."

-"... a prática de atos com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos, prevista no art. 135 do Código Tributário Nacional, não representa hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, que, de acordo com o que dispõe o art. 50 do Código Civil, só pode ser aplicada quando caracterizado o abuso da personalidade jurídica por desvio de finalidade ou confusão patrimonial."

- "Logo, não sendo o art. 135, III, do Código Tributário hipótese de desconsideração, mas sim de responsabilidade, não será cabível a instauração do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica quando o requerimento de redirecionamento da execução para o sócio-gerente da empresa se fundar nesse dispositivo legal. Entendimento contrário conduziria à conclusão de que o Incidente de Desconsideração deve ser instaurado em todo e qualquer caso de responsabilidade previsto no ordenamento, o que não se pode admitir, já que essa não foi a intenção do legislador."

Essas são em síntese, as teses desenvolvidas pela União Federal para a defesa de seu ponto de vista.

O Eminente Relator, de seu turno, em seu brilhante voto, entende pela incompatibilidade do IDPJ em execução fiscal nas hipóteses de responsabilidade tributária propondo a fixação de tese jurídica nos seguintes termos:

"Não cabe instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica nas hipóteses de redirecionamento da execução fiscal fundada em responsabilidade tributária".

Com a devida vênia, tenho que a solução apresentada pelo eminente Desembargador Federal relator, além de deixar em aberto diversos pontos atinentes à assunção de responsabilidade tributária (redirecionamento), por ser extremamente sintética a tese proposta, tal conclusão não se ajusta à quadra legislativa atual, em particular aos comandos do novo Código de Processual Civil e às alterações promovidas após o aparelhamento do presente incidente, sobretudo no Código Civil, em particular, pela Lei n. 13.874, de 20 de setembro de 2.019 (Declaração de Direitos de Liberdade Econômica).

DA INOVAÇÃO LEGISLATIVA:

Como se percebe dos fundamentos do pedido deduzido pela União Federal, os entendimentos divergentes pronunciados por Turmas de Seções diversas dessa Corte vêm fundados na aplicação ou não do artigo 50, do Código Civil, no âmbito de Execuções Fiscais, considerados os comandos dos artigos 133 e seguintes do Código de Processo Civil de 2.015.

Após o ajuizamento do presente, incidente, no entanto, veio à lume a lei 13.874, de 20 de setembro de 2.019, que instituiu a "Declaração de Direitos da Liberdade Econômica", que alterou de modo significativo o artigo 50 do Código Civil, além de acrescentar o artigo 49-A ao mesmo Código, em que se reafirmam alguns conceitos acerca das pessoas jurídicas que não podem passar ao largo na interpretação e de adequada solução à lide resolutiva ampla, sob análise.

Para que se tenha ideia da dimensão da mudança, confiram-se as redações dos dispositivos legais citados:

Art. 50, em sua redação original:

"Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações ou obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica."

Art. 50 em sua redação atual:

"Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.

§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:

I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa;

II - transferência de ativos ou de passivos, sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificantes; e

III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.

§ 3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica.

§ 4º a mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.

§ 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica."

Por fim, a mesma lei introduziu o artigo 49-A, com a seguinte redação:

"Art. 49-A. A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores.

Parágrafo único. A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos."

Tenho que a alteração legislativa inaugura um novo panorama interpretativo que deve ser considerado para a solução do caso ora sob análise.

Num primeiro plano, tem-se que a matéria ventilada na Declaração de Direitos da Liberdade Econômica aplica-se à relação jurídico-processual, dado que o § 1º do artigo 1º estabelece textualmente que "o disposto nesta Lei, será observado na aplicação e na interpretação do direito civil, empresarial, econômico, urbanístico e do trabalho nas relações jurídicas que se encontrem no seu âmbito de aplicação na ordenação pública, inclusive sobre o exercício das profissões, comércio, juntas comerciais, registros públicos, trânsito, transporte e proteção ao meio ambiente."

Registre-se que a ressalva feita pelo § 3º, do artigo 1º, no sentido de que "o disposto nos arts. 1º, 2º, 3º e 4º desta Lei não se aplica ao direito tributário e ao direito financeiro, ressalvado o inciso X do caput do art. 3º", não afasta a aplicação dos comandos introduzidos, alterando o artigo 50 do Código Civil, dado que direito processual civil não se confunde com direito tributário. Ademais, como se fará ver, a própria lei de ritos da Execução Fiscal (Lei 6.830/80) prevê a aplicação da lei civil no terreno da assunção da responsabilidade ( artigo 4º: A execução fiscal poderá ser promovida contra: .... § 2º. À dívida ativa da Fazenda Pública, de qualquer natureza, aplicam-se as normas relativas à responsabilidade prevista na legislação tributária, civil e comercial." ).

Nesse ponto, importante destacar tópicos de fundamentos deduzidos pela União Federal em sua inicial, assim deduzidos:

(a) "...que há permissão legal (art. 4º, inciso V, da Lei n. 6.830/80) para que a execução fiscal seja ajuizada em face do responsável legal"

(b) -"... a prática de atos com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos, prevista no art. 135 do Código Tributário Nacional, não representa hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, que, de acordo com o que dispõe o art. 50 do Código Civil, só pode ser aplicada quando caracterizado o abuso da personalidade jurídica por desvio de finalidade ou confusão patrimonial."

Quanto ao primeiro ponto (a), de que o artigo 4º da Lei 6.830/80 autoriza o ajuizamento de execução fiscal contra o responsável tributário, tal assertiva contém meia-verdade e, de certo modo, distorce o comando legal, que deve ser lido em sua integralidade e ajustado aos demais comandos legais que regulamentam a execução.

Em primeiro lugar, quando a lei diz que "a execução fiscal poderá ser promovida contra: .. V - o responsável, nos termos da lei, por dívidas tributárias, ou não, de pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado", por certo que essa "execução fiscal" a que se refere a lei é aquela já instruída, ab ovo, de CDA regularmente constituída contra o responsável tributário.

Não trata a lei, nesse momento, de redirecionamento.

Além disso, o mesmo dispositivo legal, em seus parágrafos, sobretudo no § 2º, estabelece, de modo expresso, as normas aplicáveis à responsabilidade, nos seguintes termos:

"Art. 4º. A execução fiscal poderá ser promovida contra:

...

V - o responsável, nos termos da lei, por dívidas tributárias, ou não, de pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado; e

....

§ 1º. Ressalvado o disposto no artigo 31, o síndico, o comissário, o liquidante, o inventariante e o administrador, nos casos de falência, concordata, liquidação, inventário, insolvência ou concurso de credores, se, antes de garantidos os créditos da Fazenda Pública, alienarem ou derem em garantia quaisquer dos bens administrados, respondem, solidariamente, pelo valor desses bens.

§ 2º. À dívida ativa da Fazenda Pública, de qualquer natureza, aplicam-se as normas relativas às responsabilidade prevista na legislação tributária, civil e comercial.

§ 3º. Os responsáveis, inclusive as pessoas indicadas no § 1º deste artigo, poderão nomear bens livres e desembaraçados do devedor, tantos quantos bastem para pagar a dívida. Os bens dos responsáveis ficarão, porém, sujeitos à execução, se os do devedor forem insuficientes à satisfação da dívida.

§ 4º. Aplicam-se à dívida ativa da Fazenda Pública de natureza não tributária o disposto nos arts. 186 e 188 a 192 do Código Tributário Nacional".

Como se vê, ao contrário do que alega a União Federal em sua exordial, as hipóteses de responsabilidade postas pelo artigo 4º da LEF são as expressamente previstas em lei e já incluídas na CDA, antecedida, portanto, do devido processo legal administrativo de constituição do crédito tributário, como se fará ver adiante ( Portaria RFB 2.284/2.010 ).

Além disso, como se lê do § 2º, do artigo 4º, da lei de ritos da Execução Fiscal, as normas civis de responsabilidade (v.g. artigo 50 e seus parágrafos, do Código Civil) devem ser observadas, e aplicadas, na constituição e exigência da dívida ativa da Fazenda Pública.

Há, portanto, expressa previsão legal de aplicação da legislação civil quando se trata de assunção de responsabilidade tributária.

Já quanto ao tópico seguinte (b) destacado da petição inicial da União Federal, em que se defende que as hipóteses de prática de atos com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos, não se confundem com as previstas na legislação civil de abuso da personalidade jurídica por desvio de finalidade ou confusão patrimonial, tal distinção não se justificava e, após o advento da Lei 13.874/2.019 não pode ser admitida, posto que o conceito dado pela lei civil para "desvio de finalidade" é totalmente abrangente, ao estabelecer que se trata da "utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza."

Portanto, não há distinção ontológica entre as hipóteses de prática de excesso de poder ou de infração à lei na gestão empresarial e a prática de desvio de finalidade, posto que são situações intrinsicamente imbricadas e caracterizadoras de uma mesma capitulação jurídica.

Destarte, se é verdade que os princípios da Declaração não podem induzir a formação do crédito tributário, tampouco inovar no campo de competências tributárias, obrigações etc, de outro norte, a aplicação processual da legislação voltada à execução do crédito tributário pode (e deve) observar os comandos postos pela nova legislação.

Fixadas tais premissas, tem-se que para a determinação, in concreto, das condicionantes postas pelo artigo 50 e seus parágrafos, não se mostra possível que tal se dê sem que se instaure um incidente em que se confira à parte o amplo direito de defesa, até que se prove, ao fim e ao cabo a presença dos pressupostos da confusão patrimonial e do desvio de finalidade agora legalmente disciplinados, abrangentes das hipóteses de excesso de poderes e infração à lei, dado que tais condutas se ajustam à definição dada pelo Código Civil, como se crê demonstrado.

Essa interpretação, feita à luz de novel legislação, autoriza a se concluir pelo reconhecimento de aplicação do IDPJ também no âmbito das execuções fiscais disciplinadas pela Lei 6.830/80.

Ainda sobre a nova legislação, importante também tomar de empréstimo a leitura do artigo 49-A, introduzido pela Lei 13.874/2.019, que vem de reafirmar o que já constava no Código Civil de 1.916, separação do patrimônio da empresa e do empresário nas sociedades em que a responsabilidade é fixada, legalmente, de forma limitada, mas avançando esse ponto e declarando que a atividade empresarial não deve ser considerada, a priori, como um fim em si mesma, fruto do exercício de práticas capitalistas divorciadas de demandas sociais mas, ao contrário, declara, de modo expresso, que "A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos" (in litteris)

Bem se vê que o viés interpretativo tendente a compreender a autonomia patrimonial como algo intrinsicamente escuso, não albergado pelo Direito em nome de uma pseudoproteção social - dos interesses do Fisco, em verdade - não mais se coadunam com a nova orientação legislativa, que dá à autonomia das pessoas jurídicas a configuração de instrumento lícito, mesmo que ela tenda a alocar e segregar riscos do empreendimento, com a finalidade de estimulá-lo, e tudo com uma finalidade, cuja teleologia legalmente reconhecida é a "geração de empregos, tributos, renda e inovação em benefício de todos".

Daí, não fossem bastantes as garantias processuais e procedimentais tendentes a garantir o contraditório, mesmo no seio do processo de execução fiscal, o certo é que não pode, por via judicial, afastar-se o postulado da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas sem resguardar o especial direito de ser ouvida a respeito da pretensão, previamente, a exemplo do que já ocorre no âmbito administrativo.

DA EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL:

A par da inovação legislativa, que, a meu juízo, já seria suficiente para a demonstração da indispensabilidade da aplicação do IDPJ para que se dê o redirecionamento de execução fiscal a terceiro estranho à formação do título executivo (CDA), a jurisprudência do Egrégio SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, firmou em datas recentes, entendimentos significativos para a resolução da presente demanda: o primeiro, em que destaca que as hipóteses de solidariedade tributária não dispensam a instauração do IDPJ (artigo 124, inciso I, e II e 30 da Lei 8.212/91) e, o segundo, que distingue as hipóteses de atribuição de responsabilidade à luz das teorias maior e menor da desconsideração da personalidade jurídica, distinguindo as hipóteses de responsabilidade legal e previamente determinadas das hipóteses em que se necessita determiná-la mediante a demonstração do elemento anímico (conduta pessoal em desconformidade com o ordenamento jurídico).

ENTENDIMENTO FIRMADO NO RESP 1.775.269-PR - Min. GURGEL DE FARIA (INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 124, I e II, CTN e 30, IX, da LEI 8.212/91):

Na primeira hipótese de atribuição de obrigação tributária (art. 124, I e II, CTN), o que se tem não é a atribuição de responsabilidade pessoal prevista no artigo 134 do CTN, posto que se demanda a demonstração da efetiva existência de "interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal" (inciso I) e que haja pertinência de fato para que se atribua, por lei, a obrigação a determinadas pessoas (inc. II).

Portanto, não se tratando de responsabilidade em que se estabeleça um vínculo jurídico prévio e exauriente, posto pela lei, mas, ao revés, de situação que reclama a demonstração de conduta (responsabilidade subjetiva, portanto) suficiente a atrair a responsabilidade tributária, tal situação reclama o contraditório.

Confira-se, a propósito desse ponto, o que decidiu a 1ª. Turma do Egrégio SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

"EMENTA

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO A PESSOA JURÍDICA. GRUPO ECONÔMICO "DE FATO". INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CASO CONCRETO. NECESSIDADE.

1. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica (art. 133 do CPC/2015) não se instaura no processo executivo fiscal nos casos em que a Fazenda exequente pretende alcançar pessoa jurídica distinta daquela contra a qual, originalmente, foi ajuizada a execução, mas cujo nome consta na Certidão de Dívida Ativa, após regular procedimento administrativo, ou, mesmo o nome não estando no título executivo, o fisco demonstre a responsabilidade, na qualidade de terceiro, em consonância com os artigos 134 e 135 do CTN.

2. Às exceções da prévia previsão em lei sobre a responsabilidade de terceiros e do abuso de personalidade jurídica, o só fato de integrar grupo econômico não torna uma pessoa jurídica responsável pelos tributos inadimplidos pelas outras.

3. O redirecionamento de execução fiscal a pessoa jurídica que integra o mesmo grupo econômico da sociedade empresária originalmente executada, mas que não foi identificada no ato de lançamento (nome na CDA) ou que não se enquadra nas hipóteses dos arts. 134 e 135 do CTN, depende da comprovação do abuso de personalidade, caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial, tal como consta do art. 50 do Código Civil, daí porque, nesse caso, é necessária a instauração do incidente de desconsideração da personalidade da pessoa jurídica devedora.

4. Hipótese em que o TRF4, na vigência do CPC/2015, preocupou-se em aferir os elementos que entendeu necessários à caracterização, de fato, do grupo econômico e, entendendo presentes, concluiu pela solidariedade das pessoas jurídicas, fazendo menção à legislação trabalhista e à Lei n. 8.212/1991, dispensando a instauração do incidente, por compreendê-lo incabível nas execuções fiscais, decisão que merece ser cassada.

5. Recurso especial da sociedade empresária provido."

Os fundamentos da decisão da 1ª. Turma do STJ esclarecem a distinção entre as hipóteses do artigo 135 e as do artigo 124, incisos I e II, ambos do CTN, verbis:

"...

O art. 124 do CTN dispõe que "são solidariamente obrigadas as pessoas que I- tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal; e II- as pessoas expressamente designadas por lei".

Desde logo, chamo atenção para o fato desse dispositivo não servir à pretensão de redirecionamento, tendo em vista estar relacionado com a impossibilidade de arguição do benefício de ordem na solidariedade dos devedores identificados no ato de constituição do crédito tributário, o qual, vale registrar, não pode ser refeito no decorrer do processo executivo (v.g.: Súmula 392 do STJ: "A Fazenda Pública pode substituir a certidão de dívida ativa (CDA) até a prolação da sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada a modificação do sujeito passivo da execução").

Assim, quando do lançamento, o fisco está autorizado a constituir, mediante imputação de responsabilidade solidária, o crédito tributário em face de quaisquer das pessoas, físicas ou jurídicas, que compartilhem interesse comum com o contribuinte.

A propósito, importante destacar que o interesse comum do inciso I diz respeito ao interesse jurídico das pessoas na relação jurídico-tributária, que se dá quando os sujeitos, conjuntamente, fazem parte da situação que permite a ocorrência do fato gerador. Por isso, afirma-se que o só interesse econômico decorrente da situação não legitima a atribuição da responsabilidade.

O inciso II, por sua vez, ao se referir às pessoas expressamente designadas por lei, por óbvio, remete-se à norma que atribui a responsabilidade tributária: a solidariedade se dá no contexto da responsabilidade, sendo esta vinculada, de alguma forma, à situação do fato gerador.

Não se pode, pois, conjugar essa norma com outras espécies de responsabilidade, como, p.ex., a civil ou trabalhista, para o fim concluir pela sujeição passiva de pessoa jurídica só porque compõe um grupo econômico que engloba a devedora original, mormente diante da autonomia das pessoas jurídicas.

Como afirmado pelo Supremo Tribunal Federal, no RE 562.276/PR, repetitivo: "o preceito do art. 124, II, no sentido de que são solidariamente obrigadas 'as pessoas expressamente designadas por lei', não autoriza o legislador a criar novos casos de responsabilidade tributária sem a observância dos requisitos exigidos pelo art. 128 do CTN, tampouco a desconsiderar as regras matrizes de responsabilidade de terceiros estabelecidas em caráter geral pelos arts. 134 e 135 do mesmo diploma" (RE 562.276, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 03/11/2010, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-027).

Oportuno registrar que o art. 30, IX, da Lei n. 8.212/1991 ("as empresas que integram grupo econômico de qualquer natureza respondem entre si, solidariamente, pelas obrigações decorrentes desta lei") não permite o redirecionamento de execução fiscal a pessoa jurídica que não tenha participado da situação de ocorrência do fato gerador, ainda que integrante do grupo econômico.

A correta leitura desse dispositivo depende de sua conjugação com as regras do Código Tributário Nacional, daí porque o fisco deve lançar o tributo com a indicação das pessoas jurídicas que estejam vinculadas ao fato gerador, não lhe sendo permitido, no curso do processo executivo, redirecionar a cobrança para pessoa jurídica estranha ao fato imponível, ainda que integrante do mesmo grupo econômico da devedora original.

Em conclusão, o redirecionamento de execução fiscal a pessoa jurídica que integra o mesmo grupo econômico da sociedade empresária originalmente executada, mas que não foi identificada no ato de lançamento (nome da CDA) ou que não se enquadra nas hipóteses dos arts. 134 e 135 do CTN, depende mesmo da comprovação do abuso de personalidade, caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial, tal como consta do art. 50 do Código Civil, daí porque, nessa hipótese, é obrigatória a instauração do incidente de desconsideração da personalidade da pessoa jurídica devedora.

(REsp. 1.775.269-PR - Min. GURGEL DE FARIA)

Esse entendimento jurisprudencial é importante para o julgamento do presente Incidente, posto que o eminente Relator Desembargador Federal BAPTISTA PEREIRA acrescentou em seu voto as hipóteses contempladas nos artigos 124 do CTN, que trata de solidariedade tributário-obrigacional que reclama, segundo a jurisprudência referida, a instauração do IDPJ.

Além disso, pelo entendimento da Egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, distintas são as situações para a inclusão de sócios no polo passivo da demanda executiva, quando esse sócio não tenha integrado o procedimento administrativo tributário: se a hipótese é de atribuição de obrigação tributária fundada na solidariedade (CTN, art. 124, incisos I e II) torna-se indispensável a instauração do incidente (IDPJ).

Portanto, considerada a interpretação dada pelo Egrégio SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA às hipóteses postas pelo artigo 124, inciso I e II, do CTN e art. 30, IX, da Lei 8.212/91, deve se acolher o pleito alternativo deduzido pela União Federal em sua inicial, assim redigido:

-"Mesmo que se entenda pelo cabimento do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica na execução fiscal, o que só se cogita a título de argumentação, deve tal cabimento se restringir às hipóteses em que a desconsideração da personalidade jurídica for necessária para que a inclusão do sócio no polo passivo da execução possa de concretizar." (Destaquei)

As hipóteses do artigo 124, incisos I e II, do CTN, e artigo 30, IX, da Lei 8.212/91 à luz da Jurisprudência firmada, reclamam, sim a instauração do IDPJ e, desse modo, com a devida vênia, não poderiam ser acolhidas as pretensões da União, nesse ponto, na resolução desse incidente.

Registre-se, para que dúvidas não pairem, de que o IRDR trata de situação em que a inclusão do responsável se dá em sede judicial; destarte, havendo a inclusão do responsável, de modo regular, na CDA, não se há de falar em "redirecionamento", mas de direcionamento ab ovo da execução, nos moldes já referidos (LEF, art. 4º, V).

Passa-se a analisar as hipóteses dos artigos 134 e 135, do CTN.

Dispõem os mencionados dispositivos legais, respectivamente, o seguinte:

"Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:

I -os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores;

II - os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados;

III - os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes;

IV - o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio;

V - o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário;

VI - os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício.

VII - os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.

Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidade, às de caráter moratório."

"Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

I - as pessoas referidas no artigo anterior;

II - os mandatários, prepostos e empregados;

III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado."

Quanto ao artigo 134, a doutrina e a jurisprudência já se encarregaram de esclarecer que as hipóteses aí contempladas cuidam, em verdade, de responsabilidade subsidiária e não solidária, como quer fazer crer a redação legal (STJ. EREsp 446.955/SC, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª. Seção, abril 2.008), devendo se observar a técnica do benefício de ordem na exigência do tributo, situação que não demanda a instauração de IDPJ, bastante para tanto a demonstração de execução frustrada em face do devedor originário (contribuinte), trazendo-se à lide executória a pessoa expressamente indicada em lei (responsável).

Diversas, no entanto, são as situações postas pelo artigo 135 e incisos, dado que nas hipóteses contempladas exige-se a demonstração de atos específicos definidos na lei que não podem ser inferidos ou deduzidos sem que se estabeleça prévio e indispensável contraditório.

As hipóteses postas pelo inciso I, que cuida das pessoas referidas no artigo 134, bem como aquelas postas pelo inciso II, que cuida de mandatários, prepostos e empregados, reclamam sim o contraditório, não obstante não se possa afirmar que o incidente adequado seja o IDPJ, que se destina a descortinar, como se deduz da redação legal, a pessoa jurídica.

No entanto há de se distinguir, a par da determinação de responsabilidade subsidiária das pessoas elencadas no artigo 134, que demandaria, a priori, o esgotamento de cobrança (execução frustrada) em face do devedor originário (contribuinte) as hipóteses postas pelos incisos I, II e III, do artigo 135, caput, de responsabilidades concorrentes, não-excludentes, mas não-solidárias.

Nessas hipóteses últimas a lei prevê situações de responsabilidade pessoal dos responsáveis legais (remissão ao artigo 134 e incisos), representantes lato sensu (mandatários, prepostos e empregados) e gestores (diretores, gerentes e representantes strictu sensu) que não se confundem com a solidariedade, reclamando solução própria.

Cuidando-se, portanto, de situações que importam na declaração de responsabilidade pessoal, por certo que a instauração do IDPJ mostra-se necessário, pena de se incluir na sujeição executiva pessoa originariamente estranha ao fato gerador tributário, sendo imprescindível a demonstração da responsabilidade (pessoal/subjetiva), posta pela cabeça do artigo 135 CTN.

Abre-se aqui parêntese para a demonstração da não presença da solidariedade nas hipóteses do artigo 135, incisos I, II e III, do CTN.

Ao contrário do que defende a União Federal, as hipóteses de atração do terceiro (sócio ou mandatário) para o polo da Execução Fiscal da entidade empresarial a que pertence ou represente (devedora originária), postas pelo artigo 135, incisos II e III, não se regem pelos comandos jurídicos da solidariedade passiva.

Como se sabe a solidariedade só se configura se (a) prevista em lei ou (b) constituída pela vontade das partes (Cód. Civ, artigo 267), o que afasta a possibilidade de se admitir a presunção em relação ao instituto da solidariedade ou, ainda, nas palavras de PONTES DE MIRANDA, "para que a solidariedade existisse, seria preciso regra expressa".

Pois bem.

No direito tributário, em que vigoram os princípios norteadores da Administração Pública (relação de administração), fincados nos postulados da (a) indisponibilidade do interesse público e da (b) supremacia do interesse público, não há espaço para o acordo de vontades na criação, exclusão ou extinção do crédito tributário.

Isso porque, de parte da Administração Tributária, sua atividade é previamente regrada por lei - formal e material - não havendo espaço fora da autorização legal para a disposição de créditos tributários (indisponibilidade do interesse público).

De parte do Administrado (contribuinte), como sua posição na relação tributária é de sujeição, importante apenas que seja um agente econômico que pratique o fato eleito pela lei para a geração da obrigação tributária, igualmente não detém ele poder de disposição acerca do pagamento de tributo, dado que sujeito à relação jurídico-tributária por força de lei prévia - igualmente formal e material - a prever tal sujeição, indisponível por vontade das partes (supremacia do interesse público ao interesse privado).

Daí, voltando-se aos comandos do artigo 135, caput e incisos II e III, colhe-se a seguinte redação:

"Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

I - as pessoas referidas no artigo anterior;

II - os mandatários, prepostos e empregados;

III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado."

Como se lê do caput do mencionado artigo, não há referência ao instituto da solidariedade, pelas obrigações tributárias previstas na hipótese.

O que se prevê, ao revés, é a responsabilidade pessoal do responsável, representante lato sensu (mandatário, preposto ou empregado) ou do gestor (diretor, gerente ou representante strictu sensu), que difere, substancialmente, do conteúdo da solidariedade.

O que se têm nas hipóteses legais é uma obrigação concorrente, que pode ser exigida do gestor faltoso, sem prejuízo de se exigir a obrigação também da devedora originária, mas sem que se irradiem, daí, os efeitos da solidariedade.

E qual seria o principal efeito da solidariedade, se não a possibilidade de o pagador da dívida, por inteiro, cobrar-se da cota-parte do outro devedor?

Essa hipótese está excluída em relação ao sócio faltoso.

Se reconhecida sua má gestão haverá de pagar, por inteiro, à empresa para a qual causou o dano, a reparação econômica (prejuízo) a que deu causa.

Reparará, em prol da empresa, a totalidade do dano, por força da responsabilidade civil-empresarial que mantém perante ela.

Já em relação à empresa ele nada poderá exigir.

Ora, se um dos pressupostos da solidariedade é que o devedor solidário que paga, por inteiro, a dívida, possa se repetir proporcionalmente do sócio solidário, por certo que excluída essa hipótese, desfigurada se fará também o instituto da solidariedade passiva.

Por fim, não há margem para o intérprete, na seara do direito tributário, emprestar elastério ao conceito do instituto civil da solidariedade, a teor do que dispõe o artigo 110 do Código Tributário Nacional:

"Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias."

Segundo já firmou a Jurisprudência, "... a Constituição utiliza os conceitos de direito no seu sentido próprio, com que implícita a norma do artigo 110 do CTN, que interdita a alteração da categorização dos institutos" (STJ - 1ª. T., REsp 885.530/RJ, Rel. Min. LUIZ FUX).

Essa regra, verdadeiro sobreprincípio, aplica-se tanto ao legislador quanto para o juiz-intérprete, não lhes cabendo, portanto, ampliar o que regrado em lei, de sorte a ampliar instituto que possui disciplina e requisitos próprios na lei civil.

Em síntese: responsabilidade própria é incompatível com solidariedade.

Portanto, considerando: (1) ausência de previsão legal da solidariedade (em seu lugar a lei estabelece responsabilidade pessoal); (2) impossibilidade de celebração de pacto de vontade entre a Administração Tributária e o contribuinte para efeito de criação de obrigação tributária (indisponibilidade e supremacia do interesse público); (3) impossibilidade de o sócio que pagar a dívida, por inteiro, repetir-se perante a empresa, por ser o causador do dano e por ser sua responsabilidade, segundo previsão legal, pessoal, e (4) a impossibilidade de alteração de conceito de direito civil (in casu a solidariedade passiva) por lei tributária ou por seu intérprete, há de se afastar, por primeiro, a existência de solidariedade na hipótese do artigo 135, incisos I, II e III, do CTN.

Fixada tal premissa, afastada a solidariedade passiva nas hipóteses do artigo 135, incisos I, II e III, CTN, passa-se à justificativa dos demais pontos da divergência.

Quanto à previsão do inciso I, como já se referiu, e é pacífico na Jurisprudência, cuida-se de responsabilidade subsidiária, e não solidária.

Na hipótese do inciso II, haverá de se estabelecer o contraditório, posto que as pessoas aí elencadas são alheias tanto à condição de contribuintes como a de responsáveis diretos (legais) pelo cumprimento de obrigações tributárias, afigurando-se necessária a demonstração prévia de conduta suficiente a justificar a inclusão no polo passivo de pretensão executória.

Já na hipótese do artigo 135, III, por se tratar de atribuir responsabilidade a pessoas que em algum momento participaram da gestão da empresa executada, pessoa jurídica de direito privado, há de se estabelecer o IDPJ para que se rompa a garantia legal de separação patrimonial (e obrigacional) da pessoa jurídica - desde que não se apresente como empresa individual ou como sociedade de pessoas - de seus sócios (artigo 49-A, do Código Civil).

Nesse ponto, a Jurisprudência, em particular do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, avançou no sentido de traçar distinções entre a assunção de responsabilidade (redirecionamento) na seara tributária e no direito consumerista, sendo relevante para a solução do pedido a análise feita sob a fundamentação que distingue as teorias menor e maior da desconsideração da personalidade jurídica.

TEORIAS MENOR E MAIOR DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (REsp 1.838.009).

Após o julgamento do REsp 1.775.269-PR - Min. GURGEL DE FARIA, já citado, a jurisprudência do Egrégio SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, valendo-se das teorias maior e menor da desconsideração da personalidade jurídica, fixou balizas importantes para a resolução de redirecionamento tributário (assunção de responsabilidade tributária no curso de Execução Fiscal).

A Jurisprudência do Egrégio SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA traça a distinção entre as teoria menor e a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica e, de conseguinte, as interpretações que daí dimanam para as soluções de casos trazidos, concretamente, à apreciação judicial, nos seguintes termos: a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, fundada no artigo 28,§ 5º, do Código de Defesa do Consumidor, não se confunde com aquela prevista no Código Tributário Nacional, que deve levar em conta, na sua aplicação, a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica.

Acórdão do TJDFT dá bem a distinção entre as teorias, no que interesse à solução posta a julgamento:

"EMENTA:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSUMIDOR. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. AUSÊNCIA DE PATRIMÔNIO DA PESSOA JURÍDICA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. INDÍCIOS DE FRAUDE. INEXIGÍVEL. APLICAÇÃO DA TEORIA MENOR. DECISÃO REFORMADA.

1. O Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor adotam teorias distintas para justificar a desconsideração da personalidade jurídica. Enquanto o primeiro acolheu a teoria maior, exigindo a demonstração de abuso ou fraude como pressuposto para sua decretação (CC art. 50), o CDC perfilha a teoria menor, a qual admite a responsabilização dos sócios quando a personalidade da sociedade empresária configurar impeditivo ao ressarcimento dos prejuízos causados ao consumidor (CDC art. 28, § 5º).

2. Na hipótese, tratando-se de relação de consumo, comprova-se a realização de diligências infrutíferas no sentido de encontrar bens passíveis de penhora, sendo suficiente para decretar a perda episódica da personalidade jurídica do fornecedor.

3. Somando-se a ausência de patrimônio, têm-se fortes indícios da prática de atos fraudulentos, uma vez que a executada não foi encontrada nos diversos endereços indicados nos sistemas de pesquisa, constando nos registros da Receita Federal como inapta.

4. Recurso conhecido e provido. "

(TJDFT, Acórdão n.950088

, 20150020332364AGI, Relatora: MARIA IVATÔNIA 5ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 22/06/2016, Publicado no DJE: 29/06/2016. Pág.: 213/221.)

Nessa mesma linha distintiva, o SUPERIOR TRIBUNAL JUSTIÇA assentou, por suas 3ª. 4.ª Turmas,

"AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULOS EXTRAJUDICIAIS. PRETENSÃO DE AMPLIAÇÃO DO POLO PASSIVO COM BASE NO INSTITUTO DA DESCONSIDERAÇÃO DOS DEVEDORES. CONFUSÃO PATRIMONIAL E DE DESVIO DE FINALIDADE. REQUISITOS AFASTADOS PELA CORTE DE ORIGEM. SÚMULA 7/STJ.

1. "A desconsideração da personalidade jurídica é admitida em situações excepcionais, devendo as instâncias ordinárias, fundamentadamente, concluir pela ocorrência do desvio de sua finalidade ou confusão patrimonial desta com a de seus sócios, requisitos sem os quais a medida torna-se incabível" (REsp n. 1.311.857/RJ, Relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 13/5/2014, DJe 2/6/2014).

2. A revisão das conclusões alcançadas pela Corte estadual acerca da ausência dos requisitos para a desconsideração da personalidade jurídica exigiria o reexame de provas, providência vedada pelo óbice do enunciado sumula 7/STJ.

3. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO."

(AgInt no REsp 1.678.562/Sp, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, DJe de 15/4/2019)

"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO.

1. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. AUSÊNCIA DE BENS PENHORÁVEIS. DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA EMPRESA. FUNDAMENTOS QUE, POR SI SÓS, SÃO INSUFICIENTES À APLICAÇÃO DA MEDIDA. ILEGITIMIDADE DO SÓCIO PARA FIGURAR COMO PARTE PASSIVA NA EXECUÇÃO. EXTINÇÃO DO PROCESSO. ART. 485, VI, DO CPC/2015. MANUTENÇÃO DA DELIBERAÇÃO MONOCRÁTICA. PRETENSÃO DE APLICAÇÃO DA SÚMULA 7/STJ AFASTADA.

2. INTENÇÃO DE INCIDÊNCIA DA SÚMULA 435 DO STJ. RESTRIÇÃO AO ÂMBITO DA EXECUÇÃO FISCAL. 3. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

1. A jurisprudência mais recente desta Casa assevera que "a mera demonstração de inexistência de patrimônio da pessoa jurídica ou de dissolução irregular da empresa sem a devida baixa na junta comercial, por si sós, não ensejam a desconsideração da personalidade jurídica" (AgRg no AREsp 347.476/DF, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 5/5/2016, DJe 17/5/2016). Decisão monocrática proferida em consonância com o entendimento supra, não sendo o caso de aplicação da Súmula 7/STJ ao apelo nobre, pois a controvérsia dos autos demanda apenas a revaloração jurídica dos fatos delineados no aresto impugnado.

2. A aplicação do disposto na Súmula 435 do STJ limita-se aos casos relativos à execução fiscal.

3. Agravo interno desprovido."

(AgIn no AREsp 1.006.296/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, 3ª. Turma, DJE 24/2/2017)

"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NA ORIGEM - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE RECONSIDEROU DELIBERAÇÃO SINGULAR ANTERIOR PARA CONHECER DO AGRAVO E, DE PLANO, DAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. INSURGÊNCIA DA AGRAVADA.

1. Esta Corte Superior firmou posicionamento no sentido de que a existência de indícios de encerramento irregular da sociedade aliada à falta de bens capazes de satisfazer o crédito exequendo não constituem motivos suficientes para a desconsideração da personalidade jurídica, eis que se trata de medida excepcional e está subordinada à efetiva comprovação do abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, inocorrentes na hipótese. Precedentes.

2. Agravo interno desprovido."

(AgTny no AgRg no AREsp 139.597/RJ, REl. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, DJe de 29/8/2018)

"AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DECISÃO MONOCRÁTICA. ART. 932 DO CPC/15. POSSIBILIDADE. EXECUTADA. PESSOA JURÍDICA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE. RELAÇÃO CIVIL-EMPRESARIAL. ART. 50 DO CÓDIGO CIVIL. TEORIA MAIOR. ATOS ILÍCITOS. COMPROVAÇÃO ESPECÍFICA. DESVIO DE FINALIDADE OU CONFUSÃO PATRIMONIAL. BENS NÃO LOCALIZADOS. HIPÓTESE NÃO CONFIGURADA. PROVIMENTO. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.

1. Nos termos do art. 557 do CPC/73 e do art. 932 do CPC/15, pode o relator julgar monocraticamente recurso para alinhar a controvérsia ao entendimento jurisprudencial vigente. Precedentes.

2. O art. 50 do Código Civil, aplicável às relações civis-empresariais, adota a Teoria Maior da desconsideração da personalidade da pessoa jurídica, só podendo ser aplicado quando comprovado especificamente desvio de finalidade ou confusão patrimonial.

3. A mera não-localização de bens não permite a desconsideração a personalidade da pessoa jurídica e acesso ao patrimônio dos sócios. Precedentes do STJ.

4. Agravo interno não provido."

(AgInt no REsp 1.585.391/SP, Rel. Ministro Luís Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 14/11/2017)

Como se nota dos precedentes referidos, entende o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA que a mera notícia (1) de dissolução da sociedade, (2) de não-existência de bens, (3) de alegada violação à lei ou de abuso de personalidade jurídica ou do direito não são suficientes para possibilitar ao juiz de incluir na relação jurídica executiva, sem sua oitiva prévia e defesa exauriente, pessoa estranha à relação originária...

E dentro dessa linha de intepretação do comando legal é que o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, no julgamento do REsp 1.838.009-RJ, de relatoria do Ministro MOURA RIBEIRO, (DJe 22/11/2019) ao enfrentar tema muito recorrente no âmbito das 1ª. e 2ª. Seções dessa Corte, assentou que decisões que levam em conta "meros indícios" de abuso ou de infração à lei para o redirecionamento, ou que, à guisa de afastar o pronto contraditório indicam que "a presença dos requisitos deverá ser analisada nos embargos à execução, meio hábil para defesa do executado" (posição muito recorrente, repita-se), não se coadunam com a chamada teoria maior, assentando o entendimento assim enunciado: "A Jurisprudência desta Corte, no entanto, adotando a chamada teoria maior, se firmou no sentido de que, por se tratar de uma medida excepcional, a desconsideração da personalidade jurídica está subordinada a efetiva demonstração do abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial".

Com tal entendimento, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA sinaliza em uma só direção: para que se traga à Execução Fiscal terceiros, quer por solidariedade ou por abuso ou infração à lei ou, ainda, por efeito de eventual formação de grupo econômico, igualmente com vícios de infração à lei, há de se instaurar o contraditório, e, sob esse enfoque, se não for por meio do IDPJ, formalmente considerado (art. 133 CPC), há de se dar por meio de incidente processual - requerimento dirigido ao Juiz - que, a partir desse requerimento, deverá, à luz dos comandos constitucional e legal supra transcritos, haverá de instaurar o contraditório, com a chamada, aos autos, dos "indicados" pela credora, Fazenda Pública.

E, para tanto, se não se admitir o IDPJ, por mera interpretação de incompatibilidade com o rito das Execuções Fiscais, o contraditório haverá de se estabelecer em sede de exceção de pré-executividade que passaria a ganhar, doravante, novos contornos e amplitude temática e ritualística.

A partir dessa interpretação, se tal (incidente) se der por meio de IDPJ, o rito já se encontrará estabelecido em lei; se se der por meio de requerimento no corpo dos autos, deverá ser tratado como incidente - não obstante as nítidas características, nesse incidente, do IDPJ, por óbvio - e caberá ao Juiz da causa, igualmente, instaurar o contraditório.

PEDIDO ALTERNATIVO DE INSTAURAÇÃO DO IDPJ FORA DAS HIPÓTESES DO ARTIGO 135, III, do CTN, DEDUZIDA PELA UNIÃO EM SUA INICIAL.

A União, em seu pleito inicial, faz requerimento alternativo, no sentido de que, a se entender pelo cabimento do IDPJ no âmbito das Execuções Fiscais, que esse incidente não seja exigido nas hipóteses do artigo 135, III, CTN, verbis:

-"O redirecionamento das execuções fiscais para os responsáveis previstos no Capítulo IV do Código Tributário Nacional e em leis esparsas que também tratam de responsabilidade é medida rotineira nesse tipo de procedimento especial, notadamente nos casos de empresas dissolvidas irregularmente"

- "No aspecto processual, o redirecionamento se opera e sempre se operou de forma relativamente simples. O ente público exequente requer o redirecionamento mediante petição fundamentada, indicando as razões fáticas e jurídicas que embasam seu pedido e o Juiz, diante das provas existentes, inclui o responsável no polo passivo, sem que haja necessidade de contraditório prévio"

- "Logo, não sendo o art. 135, III, do Código Tributário hipótese de desconsideração, mas sim de responsabilidade, não será cabível a instauração do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica quando o requerimento de redirecionamento da execução para o sócio-gerente da empresa se fundar nesse dispositivo legal. Entendimento contrário conduziria à conclusão de que o Incidente de Desconsideração deve ser instaurado em todo e qualquer caso de responsabilidade previsto no ordenamento, o que não se pode admitir, já que essa não foi a intenção do legislador."

Esse tipo de requerimento dá bem a visão que a União Federal possui sobre o mencionado dispositivo legal, e, de certo modo, a visão que o Judiciário, em algum momento, igualmente ostenta sobre a norma em análise: em verdade o artigo 135, em especial o seu inciso III, é uma panaceia para todas as expectativas da Fazenda, que, até o presente, sempre a atendeu de forma deveras benfazeja.

É bem verdade que o tema, encarado exclusivamente sob a ótica do artigo 50, do Código Civil, pode reduzir a questão proposta no presente incidente.

Explica-se.

Em verdade, pela teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, aplicável à assunção de responsabilidade de terceiros, com esteio em abuso de personalidade jurídica, desvio de finalidade ou confusão patrimonial não se há de prescindir da formação do devido processo legal.

Isso significa dizer que a Fazenda Pública pode, em uma execução em curso, adotar duas posições:

A) requer a instauração do IDPJ e, a partir daí, o contraditório há de se formar, obrigatoriamente, em razão da disciplina pontual posta pela legislação processual civil (art. 133, CPC/2015), respeitando-se o comando constitucional (art. 5º, inciso LV) e também os comandos de natureza processual (artigos 7º "É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório" e 9º "Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida") , ou,

B) requer a trazida aos autos da Execução Fiscal de empresas, de sócios ou de terceiros estranhos à relação jurídico-tributária até então constituída (pela CDA), ocasião em que o Magistrado, em atenção aos comandos constitucionais e processuais já citados, deverá abrir o contraditório, independentemente do nomem juris que se dê a esse ato de integração de novos personagens (partes) na relação executiva.

Importante registrar, nessa quadra, que quanto à situação (A), em diversos feitos executivos já verifiquei que a própria Fazenda requer a instauração do IDPJ, o que já sinaliza com o reconhecimento por alguns procuradores da indispensabilidade desse procedimento para a regular reconfiguração da relação jurídico-tributária no curso de uma Execução Fiscal.

Já quanto à segunda hipótese sugerida (B), o próprio Fisco, no âmbito interno dos procedimentos administrativos tendentes à constituição do crédito tributário, deve obediência a diversas orientações normativas, dentre elas a Instrução Normativa SRF nº 971/2009, a Portaria RFB n.º 2.284/2.010 e a Portaria PGFN nº 180/2.010, em que se prestigia o contraditório nas hipóteses ora em análise (responsabilidade de empresa integrante de grupo econômico ou responsáveis tributários), como se vê, por exemplo, dos artigos 494 e 495 da menciona IN SRF 971/19:

"Art. 494. Caracteriza-se grupo econômico quando 2 (duas) ou mais empresas estiverem sob a direção, o controle ou a administração de uma delas, compondo grupo industrial, comercial ou de qualquer oura atividade econômica.

Art. 495. Quando do lançamento de crédito previdenciário de responsabilidade de empresa integrante de grupo econômico, as demais empresas do grupo, responsáveis solidarias entre si pelo cumprimento das obrigações previdenciárias na forma do inciso IX do art. 30 da Lei nº 8.212,de 1.991, serão cientificadas da ocorrência"

Importante ainda registrar os termos da Portaria n. 2.284/2.010, referida por LEANDRO PAULSEN em sua obra, cuja redação dá a dimensão e a importância que o Fisco atribui à necessidade de respeito ao contraditório, no âmbito administrativo, preocupação essa que se esvai quando a mesma situação é posta no campo do Judiciário.

Confiram-se os termos da Portaria RFB N. 2.284/2.010:

" - Portaria RFB n. 2.284/2.010: "Dispõe sobre os procedimentos a serem adotados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil quando da constatação de pluralidade de sujeitos passivos de uma mesma obrigação tributária. (...) Art. 1º Os processos de determinação e exigência de créditos tributários relativos aos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, nas hipóteses em que houver pluralidade de sujeitos passivos, serão disciplinados conforme o disposto nesta Portaria. Art. 2º Os Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil, na formalização da exigência, deverão, sempre que, no procedimento de constituição do crédito tributário, identificarem hipóteses de pluralidade de sujeitos passivos, reunir as provas necessárias para a caracterização dos responsáveis pela satisfação do crédito tributário lançado. § 1º A autuação deverá conter a descrição dos fatos e o enquadramento legal das infrações apuradas e do vínculo de responsabilidade. § 2º Na hipótese de que trata o caput, não será exigido Mandado de Procedimento Fiscal para os responsáveis. Art. 3º Todos os autuados deverão ser cientificados do auto de infração, com abertura de prazo para que cada um deles apresente impugnação. Parágrafo único. Na hipótese do caput, o prazo para impugnação é contado, para cada sujeito passivo, a partir da data em que tiver sido cientificado do lançamento".

Anota ainda LEANDRO PAULSEN, sobre o mesmo tema, verbis:

- "Portaria n. 180/2020. A Portaria PGFN n. 180/2020, dispondo sobre a responsabilização dos gerentes por dívidas da sociedade, exige a declaração fundamentada da autoridade competente da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) ou da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) acerca da ocorrência de excesso de poderes, infração à lei, infração ao contrato social ou estatuto ou, ainda, dissolução irregular da pessoa jurídica. A exigência de um ato administrativo que declare, fundamentadamente, a ocorrência do pressuposto de fato específico da responsabilidade, seja ele qual for, impõe sua efetiva verificação. Assim é que a autoridade terá que analisar os fatos, determinar a ilicitude que tenha contribuído para o surgimento da obrigação ou para o seu inadimplemento e enquadrá-la dentre as hipóteses legais de responsabilização dos gerentes.

- Exigindo a prévia apuração da responsabilidade em processo administrativo para que o nome do responsável conste validamente da CDA. "iv) No Brasil, em sede constitucional, o princípio da ampla defesa (CF, art. 5º, LV) exige que seja assegurado ao administrado a faculdade de se manifestar sobre a atribuição da responsabilidade no processo administrativo fiscal. v) Em nível infraconstitucional, o art. 142 do CTN, ao estabelecer que o lançamento é um procedimento destinado a 'identificar o sujeito passivo', alcança tanto a sujeição passiva tributária direta quanto a indireta. vi) De igual modo, os arts. 201 e 202, I, do CTN também impõe a certificação da responsabilidade tributária no âmbito do processo administrativo fiscal. vii) A jurisprudência pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça entende que a discussão sobre a responsabilidade tributária deve ocorrer no processo de execução, modificando-se apenas o ônus da prova, caso o nome do devedor esteja ou não inserido na CDA. Esse posicionamento transforma o processo de execução em processo de certificação de direito, alterando indevidamente a sua finalidade, devendo, por tal razão, ser revisto" (PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. Da necessidade de apuração da responsabilidade tributária no âmbito do processo administrativo fiscal. RDDT 211/147, abr. 2013).

- "...não basta um simples lançamento tributário, eis que, na hipótese de responsabilidade tributária, é necessário que exista uma explícita, clara e congruente motivação, justificando, por elementos fáticos e jurídicos, o preenchimento dos requisitos legais que possibilitam a imposição de responsabilidade" (CALCINI, Fábio Pallaretti. Responsabilidade tributária: o dever de observância ao devido processo legal e motivação. RDDT 164/32, maio 2009.

- "... havendo o redirecionamento, já em fase de execução, a empresa deixa de ocupar o polo passivo da demanda, passando a ocupar esse lugar o gestor, ficando ele privado de se defender administrativamente do lançamento ou autuação. Nesse caso, (...) a oportunidade de defesa administrativa do agora executado seria suprimida indevidamente; afinal, o processo administrativo, com seus meios e recursos, é uma garantia constitucional, a qual não pode ser simplesmente afastada em prol da ânsia arrecadatória do Fisco. (...) A oportunidade de defesa em sede administrativa já deve ter sido conferida ao sócio-gerente (...) não só pelo fato de ser uma garantia constitucional, mas, também, em razão de ser o processo administrativo fiscal o momento correto para a produção de provas contra quem se pretende ver executados. (...) se o Fisco faz um lançamento ou autua uma pessoa, deve lhe conferir oportunidade de defesa (...) e, nesse processo, caso haja manifestação do contribuinte para eximir-se da responsabilidade a ele imputada, cabe ao Fisco produzir prova de que o sujeito passivo praticou o fato geral da exação cobrada. Trata-se de aplicação do preceito segundo o qual quem alega deve provar, inserto no art. 333, I, do Código de Processo Civil" (CAVAZZANI, Ricardo Duarte. O princípio da ampla defesa no processo administrativo fiscal e o redirecionamento da execução fiscal contra o sócio-gerente com fulcro no artigo 135, III, do Código Tributário Nacional, RET 11/123, jan-fev. 2011).

(CONSTITUIÇÃO E CÓDIGO TRIBUTÁRIO COMENTADOS à luz da Doutrina e da Jurisprudência Saraiva, 18ª. Ed., 2.017, págs. 1022/1024).

Percebe-se, portanto, que a Fazenda, no âmbito administrativo, deve obediência ao contraditório, sendo compelida a cientificar o terceiro trazido à responsabilidade tributária naquela seara; já no Judiciário quer olvidar esse comando, insurgindo-se contra a instauração do IDPJ, defendendo sua não aplicação ao processo de Execução Fiscal; daí, a pretensão da Fazenda, de não se aplicar o IDPJ às hipóteses do artigo 135, III, nos casos de abuso de poder ou de infração à lei, vai de encontro a orientação administrativa que adota em seus procedimentos internos, consistindo em comportamento nitidamente contraditório.

Portanto, tenho que se deva ressalvar da tese formulada pelo Eminente Relator as hipóteses contempladas no artigo 124, incisos I e II, do CTN, por demandarem o IDPJ, bem como as hipóteses do artigo 135, III, do mesmo CTN, que igualmente demandará a instauração do contraditório, à luz da teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, adotada pelo Egrégio SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, e explicitada pela Lei 13.874, de 20 de dezembro de 2.019 (Declaração de Direitos da Liberdade Econômica).

Por fim, quanto à suspensão do processo de Execução Fiscal, em razão da instauração do IDPJ, tem-se que a melhor interpretação a ser conferida ao instituto é a de que a Execução Fiscal, em relação aos demais coobrigados já integrados à lide executória não se suspenderá, devendo se instaurar o incidente de modo paralelo, sem prejuízo do regular prosseguimento da pretensão executória, até que advenha a solução sobre a ampliação (ou não) do rol de coobrigados.

CONCLUSÃO:

Destarte, com a devida vênia ao Eminente Relator, posiciono-me pelo acolhimento parcial do pedido, para estabelecer, em prol da uniformidade da aplicação do IDPJ no âmbito dessa Corte, conjugando inovação legislativa advinda posteriormente à instauração do presente IRDR com o entendimento até então sedimentado pelo Egrégio SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, tese com a seguinte redação: "Não cabe instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica nas hipóteses de redirecionamento da execução fiscal desde que fundada, exclusivamente, em responsabilidade tributária nas hipóteses dos artigos 132, 133, I e II e 134 do CTN, sendo o IDPJ indispensável para a comprovação de responsabilidade em decorrência de confusão patrimonial, dissolução irregular, formação de grupo econômico, abuso de direito, excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato ou ao estatuto social (CTN, art. 135, incisos I, II e III), e para a inclusão das pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal, desde que não incluídos na CDA, tudo sem prejuízo do regular andamento da Execução Fiscal em face dos demais coobrigados".

É como voto.

WILSON ZAUHY
Desembargador Federal


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INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS Nº 0017610-97.2016.4.03.0000/SP
2016.03.00.017610-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal BAPTISTA PEREIRA
REQUERENTE : Uniao Federal (FAZENDA NACIONAL)
PROCURADOR : MARINA MIURA PRICOLLI
REQUERIDO(A) : PLUSH TOYS IND/ E COM/ LTDA -EPP
AMICUS CURIAE : ASSOCIACAO BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL - ABDPRO
ADVOGADO : DF028560 MARCOS DE ARAUJO CAVALCANTI
AMICUS CURIAE : CENTRO DE ESTUDOS DAS SOCIEDADES DE ADVOGADOS CESA
ADVOGADO : SP234846 PRISCILA FARICELLI DE MENDONCA
AMICUS CURIAE : RICARDO BLAJ SERBER
ADVOGADO : SP231805 RICARDO BLAJ SERBER
No. ORIG. : 00121182720164030000 Vr SAO PAULO/SP

VOTO-VISTA




O Desembargador Federal Fábio Prieto de Souza:


Trata-se de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas - IRDR.


A União, representada pela Fazenda Nacional, objetiva o reconhecimento da "incompatibilidade entre o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica e a Execução Fiscal".


Subsidiariamente, considera incabível o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica - IDPJ nos casos de redirecionamento da execução fundado em regra de responsabilidade de terceiros.


Pedi vista dos autos.


A regra do IDPJ:


Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.
§ 1º O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.
§ 2º Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.
Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.
§ 1º A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.
§ 2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.
§ 3º A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2º.
§ 4º O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica.
Art. 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.
Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.
Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.
Art. 137. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.


O IDPJ veio ao Código de Processo Civil para tentar resgatar a responsabilidade da autoridade fiscal e a direta repercussão de seu desempenho sobre a livre iniciativa e o desenvolvimento nacional.


O procedimento do IDPJ nada diz sobre o conteúdo da defesa do responsável tributário.


Ao deixar a Magistratura Federal, nesta que é a minha última participação no Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, não posso deixar de lembrar que, na condição de juiz federal substituto, inaugurei e assumi a presidência de uma das quatro federais então dedicadas exclusivamente às execuções fiscais, experiência pioneira na Justiça Federal do Brasil.


A União exercia precaríssima atividade jurídica na cobrança da dívida fiscal.


No período em que estive à frente da Vara de Execuções Fiscais Federais, o único representante da União que compareceu ao meu gabinete precisou ser gentilmente convidado a se retirar em homenagem ao 15 de novembro de 1.889.


As execuções fiscais da União simplesmente não andavam.


Da experiência na advocacia privada, lembro-me que no fórum federal da Avenida Paulista havia imensas prateleiras com execuções fiscais.


Entre advogados, o chiste era que, na remota hipótese de algum devedor ser citado e intimado para a penhora, o oferecimento da defesa, por qualquer fundamento, mudaria o processo para a prateleira das execuções embargadas, da qual a possibilidade de movimentação seria ainda menor.


Naquela época, a livre iniciativa contava com a proteção inflexível da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal - eram isolados os acórdãos em sentido contrário -, na defesa da plena autonomia patrimonial da pessoa jurídica.


Ninguém falava seriamente em teoria da desconsideração da pessoa jurídica, para afetar o patrimônio do sócio, gerente ou administrador, pela dívida da empresa.


Com o passar dos anos, a teoria foi ganhando corpo e aplicação. No fenômeno típico dos países em desenvolvimento - a dificuldade com o in medio stat virtus -, a desconsideração da pessoa jurídica passou do nada para o absoluto.


Hoje, a autoridade fiscal não precisa apresentar elemento de prova sobre a infração à lei ou ao contrato social, para obter a responsabilidade patrimonial do sócio, gerente ou administrador - até de advogados -, pela dívida da empresa.


Basta dizer, por exemplo, que o estabelecimento comercial não foi encontrado pelo oficial de justiça.


Por evidente, este é um dado jurídico neutro, da crise econômica da empresa - ninguém, à beira da insolvência, vai custear por anos a sede da empresa inativa, para aguardar a presença do oficial de justiça, como no processo de Kafka.


Em relação à dívida da pessoa jurídica, o terceiro - sócio, gerente, representante - pode ser chamado ao processo, se houver justa causa, como a infração à lei e ao contrato social - que em lugar algum do mundo é a manutenção extravagante, custosa e inativa da sede social, apenas para a certificação da burocracia judiciária, repita-se à exaustão.


A falta de medida, na aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, levou o Congresso Nacional a criar o incidente processual ora discutido.


Neste ponto, o IDPJ não adicionou causa nova para a aplicação do instituto.


Apenas restabeleceu o dever elementar de oferecimento de imputação precisa e circunstanciada para a Fazenda Nacional: "O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica".


Registre-se que, se a Fazenda Nacional tiver apurado a responsabilidade de terceiro durante o processo administrativo, a instauração do incidente judicial estará dispensada.


"Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica", diz a lei.


O que não pode continuar é o exercício arbitrário do poder fazendário, com a chancela do Poder Judiciário, contra a livre iniciativa e o desenvolvimento nacional.


Como indicam os estudos internacionais, há relação direta entre o progresso econômico e o grau de proteção jurídica conferido pelos países aos empreendedores.


Nestes anos, temos visto como médios, pequenos e microempresários têm sido expropriados de seus patrimônios sem justa causa.


O arbítrio fazendário e judicial causa mal imenso ao País, porque estamos falando dos grandes empregadores.


Quando desestimula a retomada da empresa abalada ou, mesmo, a abertura de nova empresa, o abuso de poder está atingindo o núcleo majoritário da empregabilidade, entre outros fatores negativos.


O argumento segundo o qual o IDPJ não se aplica à execução fiscal é artificial.


O Código de Processo Civil é expresso: é cabível o IDPJ na "execução fundada em título executivo extrajudicial".


A propósito, o Código de Processo Civil procurou deixar tudo claro:


Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais:
IX - a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei;
Art. 790. São sujeitos à execução os bens:
VII - do responsável, nos casos de desconsideração da personalidade jurídica.
Art. 795. Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade, senão nos casos previstos em lei.
(...)
§ 4º Para a desconsideração da personalidade jurídica é obrigatória a observância do incidente previsto neste Código.


Antes de considerar a questão da amplitude da defesa do responsável tributário, é preciso, primeiro, fixar os limites da responsabilidade da autoridade fiscal na dedução de pretensão modificadora da parte original da execução extrajudicial.


É disto que estamos falando.


A interpretação judiciária desta questão deve ter como ponto de partida a proteção constitucional à livre iniciativa e ao desenvolvimento nacional.


O Poder Judiciário deve considerar as ponderações do professor português Diogo Pereira Duarte, no excelente "Aspectos do Levantamento da Personalidade Colectiva nas Sociedades em Relação de Domínio" (editora Almedina, Portugal, edição de julho de 2.007, págs. 88/89):

"A responsabilidade limitada, nas sociedades comerciais, significa, antes de mais, a eliminação do risco para os sócios de perderem quaisquer outros bens para além do capital investido na sociedade. Tal significa que em relação a responsabilidades para com terceiros o sócio está apenas implicado no limite do que o pacto social tenha definido quanto a sua entrada.
Vimos também que a existência dessa regra mais não significava do que transferir o risco, em tudo o que ultrapassasse o limite do capital investido, para terceiros que entrem em relação com a sociedade.
Que racionalidade isso comporta?
A idéia avançada é a de que a regra da responsabilidade limitada, ao reduzir o risco do investimento, é um incentivo à aplicação do aforro numa actividade que gere valor: à prática que consubstancia o âmago da própria actividade comercial. Dessa forma, e tendo em atenção que essa redução do risco é contrapartida do seu aumento nos sujeitos que com ela entrem em relação, seja voluntária ou involuntariamente, bem se pode entender que é um benefício a favor do investidor, em detrimento dos demais.
Simplesmente, porque essa é a forma de garantir a circulação do capital e, portanto, a continuidade do investimento, é também a forma de perpetuar o modelo económico em que se inserem todos os agentes. Esta é a primeira hipótese justificativa da responsabilidade limitada: o benefício particular do investidor implicaria um benefício social geral, que se traduziria na continuidade e desenvolvimento do modelo económico".

Passados quase trinta anos da primeira experiência na Vara de Execuções Fiscais Federais, o desvio de finalidade permanece.


Pois tanto equivale a União não cobrar coisa alguma de quem deve, como expropriar injustamente quem não deve.


Por estes fundamentos, peço licença para divergir do r. voto do senhor Relator e fixar a tese de que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica é procedimento aplicável a todos os casos de imputação de responsabilidade tributária.


É o meu voto.







FÁBIO PRIETO
Desembargador Federal


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INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS Nº 0017610-97.2016.4.03.0000/SP
2016.03.00.017610-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal BAPTISTA PEREIRA
REQUERENTE : Uniao Federal (FAZENDA NACIONAL)
PROCURADOR : MARINA MIURA PRICOLLI
REQUERIDO(A) : PLUSH TOYS IND/ E COM/ LTDA -EPP
AMICUS CURIAE : ASSOCIACAO BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL - ABDPRO
ADVOGADO : PE027646 ANTONIO CARLOS F DE SOUZA JR
AMICUS CURIAE : CENTRO DE ESTUDOS DAS SOCIEDADES DE ADVOGADOS CESA
ADVOGADO : SP234846 PRISCILA FARICELLI DE MENDONCA
AMICUS CURIAE : RICARDO BLAJ SERBER
ADVOGADO : SP231805 RICARDO BLAJ SERBER
No. ORIG. : 00121182720164030000 Vr SAO PAULO/SP

VOTO-VISTA

O excelentíssimo senhor Desembargador Federal SOUZA RIBEIRO: Trata-se de incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) instaurado para, em resumo, pacificar a questão relativa ao cabimento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ) nas execuções fiscais.


A fim de se compreender com exatidão os termos do quanto vem sendo discutido neste incidente, transcrevo a excelente síntese que consta da declaração de voto do Exmo. Des. Fed. Wilson Zauhy:


"A União Federal intentou o presente INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS - IRDR, buscando a uniformização de entendimento acerca do: a) cabimento do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica - artigo 50 Código Civil c.c. artigo 133 a 137 do CPC - em sede de Execução Fiscal (incompatibilidade entre o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica e a execução fiscal) e, subsidiariamente, b.1) cabimento do Incidente nos casos de redirecionamento com fundamento em responsabilidade legal (não cabimento do Incidente de Desconsideração nos casos de redirecionamento requerido com fundamento em responsabilidade legal), e, b-2) não paralisação da Execução Fiscal pela instauração do IDPJ em relação aos demais coobrigados, originalmente executados.

Os fundamentos postos pela requerente são, em síntese, os seguintes:

-"O redirecionamento das execuções fiscais para os responsáveis previstos no Capítulo IV do Código Tributário Nacional e em leis esparsas que também tratam de responsabilidade é medida rotineira nesse tipo de procedimento especial, notadamente nos casos de empresas dissolvidas irregularmente"

- "No aspecto processual, o redirecionamento se opera e sempre se operou de forma relativamente simples. O ente público exequente requer o redirecionamento mediante petição fundamentada, indicando as razões fáticas e jurídicas que embasam seu pedido e o Juiz, diante das provas existentes, inclui o responsável no polo passivo, sem que haja necessidade de contraditório prévio"

- "...que há permissão legal (art. 4º, inciso V, da Lei n. 6.830/80) para que a execução fiscal seja ajuizada em face do responsável legal"

- "...nos termos do artigo 16, § 1º, da Lei n. 6.830/80, a defesa do executado só pode ser realizada em Embargos à Execução e mediante oferecimento de garantia, salvo se a questão não demandar dilação probatória, caso em que a jurisprudência admite a defesa por meio de Exceção de pré-executividade""...

- "Com a entrada em vigor da Lei n. 13.105/2015, a União foi surpreendida com diversas decisões judiciais, proferidas no âmbito das Seções Judiciárias da 3ª Região, que exigem a instauração do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica para fins de redirecionamento da execução fiscal, ainda que este tenha sido requerido em face do responsável legal, ou seja, daquele ao qual a lei imputa diretamente a responsabilidade pela satisfação da obrigação, e mesmo quando sequer há requerimento de desconsideração da personalidade jurídica ou alegação de preenchimento dos requisitos legais da desconsideração."

- "... esse Incidente é absolutamente incompatível com o procedimento da execução fiscal, pois: a) permite a realização da defesa do executado, com produção de provas, sem prévia apresentação de garantia à execução, em absoluta contrariedade ao disposto no art. 16, §1º, da Lei n. 6.830/80, bem como, b) uma vez instaurado, suspende a execução fiscal até que seja julgado, conforme prevê o art. 134, §3º, do Código de Processo Civil , ainda que sem garantia prévia do juízo e sem demonstração do fumus boni iuris e o periculum in mora , destoando, assim, da norma enunciada no art. 16. §1º da Lei n. 6.830/80 combinado com o art. 739-A, §1º, do CPC/1973 (Art. 919, §1º, do CPC/2015) e do entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp n. 1.272.827/PE, submetido ao rito do art. 543-C do CPC/1973."

-"... mesmo que se entendesse pela compatibilidade entre o Incidente de Desconsideração e a execução fiscal, o que só se cogita a título de argumentação, ele jamais poderia ser instaurado nas execuções fiscais em que o redirecionamento é requerido com fundamento em responsabilidade legal."

-" Além de contrária aos ditames legais, a imposição da instauração do Incidente de Desconsideração em execuções fiscais afeta, sobremaneira, o interesse público defendido em juízo pela União, na medida em que a cobrança judicial do crédito fiscal fica prejudicada pela suspensão do processo principal até o julgamento do Incidente de Desconsideração"

- "A aplicação indiscriminada do Incidente, sem observância da efetiva necessidade de desconsideração da personalidade jurídica nos casos concretos, poderá implicar violação ao princípio da duração razoável do processo e da efetividade."

- "As normas que regulam o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica, previstas nos artigos 133 a 137 do novo Código de Processo Civil, no entanto, são incompatíveis com a execução fiscal, especialmente em razão da possibilidade de apresentação de defesa sem prévia garantia do juízo e da suspensão automática do processo, conforme previsão contida nos artigos 134, §3º e 135 do Código de Processo Civil."

- "Além disso, o art. 134, § 3º, do Código de Processo Civil dispõe que a instauração do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica suspende o processo"

"... que essa suspensão automática do processo é absolutamente incompatível com a execução fiscal, cujo regramento legal não prevê a possibilidade de suspensão do processo, exceto na hipótese do art. 40 (Art. 40 - O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não ocorrerá o prazo de prescrição) e no caso de oferecimento de embargos pelo executado, desde que seja apresentada garantia prévia do juízo e demonstrada a existência do fumus boni iuris e do periculum in mora".

-"Mesmo que se entenda pelo cabimento do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica na execução fiscal, o que só se cogita a título de argumentação, deve tal cabimento se restringir às hipóteses em que a desconsideração da personalidade jurídica for necessária para que a inclusão do sócio no polo passivo da execução possa de concretizar."

-"... a prática de atos com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos, prevista no art. 135 do Código Tributário Nacional, não representa hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, que, de acordo com o que dispõe o art. 50 do Código Civil, só pode ser aplicada quando caracterizado o abuso da personalidade jurídica por desvio de finalidade ou confusão patrimonial."

- "Logo, não sendo o art. 135, III, do Código Tributário hipótese de desconsideração, mas sim de responsabilidade, não será cabível a instauração do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica quando o requerimento de redirecionamento da execução para o sócio-gerente da empresa se fundar nesse dispositivo legal. Entendimento contrário conduziria à conclusão de que o Incidente de Desconsideração deve ser instaurado em todo e qualquer caso de responsabilidade previsto no ordenamento, o que não se pode admitir, já que essa não foi a intenção do legislador."

Essas são em síntese, as teses desenvolvidas pela União Federal para a defesa de seu ponto de vista."


Votou o senhor Relator, Des. Fed. Baptista Pereira, acolhendo parcialmente as razões da União e propondo a fixação de tese jurídica nos seguintes termos: "Não cabe instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica nas hipóteses de redirecionamento da execução fiscal fundada em responsabilidade tributária". Isto é: nos termos do voto do Relator, o IDPJ seria necessário tão somente nos casos de desconsideração da personalidade jurídica não subsumidos nas hipóteses de responsabilidade tributária previstas no CTN.


Em sentido divergente votou o Des. Fed. André Nabarrete, sustentando a necessidade de instauração do IDPJ na execução fiscal em todos os casos de responsabilidade dos sócios pelas obrigações da pessoa jurídica --inclusive nas hipóteses de responsabilidade tributária previstas no CTN.


Acompanhou o Relator o Des. Fed. Peixoto Júnior.


Após, o Des. Fed. Fábio Prieto apresentou seu voto no mesmo sentido da divergência inicialmente instaurada.


O Des. Fed. Wilson Zahuy apresentou antecipadamente declaração de voto, registrado no sistema eletrônico, em que acompanhou o eminente Relator, mas sugeriu uma redação de tese um pouco diferente, para deixar explícito que a dispensa do IDPJ somente se faz nos casos dos artigos 134 e 135 do Código Tributário Nacional.


É a síntese do essencial.

Passo, agora, a apresentar e fundamentar meu voto.


Pedi vista do processo, na última sessão presencial deste egrégio colegiado realizada em 14/10/2020, para examinar com mais profundidade alguns reflexos das questões jurídicas relacionadas ao IDPJ nas relações jurídico-tributárias.


Entendi necessária uma melhor análise do tema sob dois aspectos:

(i) analisar o significado do novo IDPJ à vista das normas constitucionais, especialmente os direitos fundamentais ao devido processo legal, com seus consectários direitos ao contraditório e à ampla defesa, garantias que nos termos da Lei Maior devem ser asseguradas a todos os administrados com plena eficácia em dois âmbitos (ou seja, tanto no administrativo, como no judicial); bem como,

(ii) verificar com maior cuidado as duas questões processuais decorrentes de eventual instauração do IDPJ, questões que são indicadas pela Fazenda Pública para sustentar a incompatibilidade com o sistema das execuções fiscais, quais sejam: (1) a suspensão da execução fiscal (com alegados possíveis prejuízos à Fazenda Pública, notadamente em relação à possibilidade de prosseguimento de atos executivos ante os executados originários); e (2) a possibilidade de discussão da execução sem garantia do crédito fiscal (neste último caso, obviamente, além da possibilidade de defesa através de exceção de pré-executividade, em questões de ordem pública e que não dependem de dilação probatória, como é pacificamente reconhecida pela jurisprudência pátria).


Posto isso, considero extremamente oportuno e importante para o cenário jurídico-processual o exame adequado destas questões jurídicas advindas do novo instituto criado pelo Novo CPC de 2015 ante as normas fundamentais, aqui já manifestando meu entendimento no sentido de que o novo estatuto processual civil foi instituído exatamente para suprir uma lacuna da legislação a respeito da forma de inclusão de novos executados nas execuções em geral, aí incluídas as execuções fiscais (em quaisquer hipóteses de responsabilização, sejam as previstas no Código Tributário Nacional, sejam as decorrentes de desconsideração de personalidade jurídica objeto de regulação no artigo 50 do Código Civil).


Observo que esta ausência de normas legais que expressamente regulassem a matéria vinha dando lugar a interpretações contraditórias na jurisprudência (gerando insegurança jurídica e descrédito da Justiça) e, especialmente, muitas vezes violadoras das normas fundamentais de garantia processual, sendo de todo conveniente que novas luzes possam ser colocados sobre o tema objetivando um aperfeiçoamento do sistema jurídico nos processos executivos à vista das citadas garantias constitucionais.



I - Das garantias do devido processo legal, contraditório e ampla defesa


Por direito de defesa entendo o "poder jurídico que possibilita ao réu opor-se à ação movida pelo autor" (Cintra-Grinover-Dinamarco, Teoria Geral do Processo, 28ª e., São Paulo, Malheiros, 2012, p. 303).


O direito de defesa é, inquestionavelmente, uma das maiores conquistas da história do Estado de direito.


Na verdade, o próprio direito processual, produto intrínseco dos desenvolvimentos jurídico-filosóficos que levaram ao Estado de direito, está diretamente relacionado com as reflexões acerca da necessidade de se garantir às pessoas o direito de defesa.


Isto é, pode-se dizer que o direito de defesa é o pressuposto lógico do direito processual. Só faz sentido a própria ideia de processo quando se tem em vista a necessidade de se garantir a alguém o direito de se defender de uma acusação.


Assim, Cintra et alii (op. cit.) ensinam: "Entre a liberdade de ir ao juiz, por parte do autor, e a liberdade de defender-se, do réu, existe um paralelo tão íntimo, que o binômio ação-exceção constitui a própria estrutura do processo" (ibidem).


Não por outro motivo, Enio Fazzalari, espírito por trás da consagrada ideia do módulo processual, sustentava que o processo nada mais é que uma paridade simétrica de oportunidades de participação a cada etapa de um procedimento - ou seja, em termos mais simples: um procedimento animado pelo contraditório.


Muito ainda se debate acerca da definição de processo, mas fato é que, depois de Fazzalari, não mais se desgarrou da ideia de que o contraditório é elemento essencial do processo.


Outro não poderia ser o raciocínio.


É que o processo é o instrumento por excelência para se exercer o controle do arbítrio do soberano, e o do mais forte sobre o mais fraco.


Sem o contraditório, esse controle fica por demais enfraquecido --se é que se pode dizer que existe.


Não há notícia histórica de Estado democrático que tenha desdenhado, na lei ou na aplicação da lei, do direito de defesa.


Historicamente, vários princípios e garantias têm-se formulado como corolários do direito de defesa.


O devido processo legal, talvez o primeiro deles, debutou na História dos direitos fundamentais na Magna Carta de 1215.


Após ele, um caudal de princípios atrelados ao direito de defesa transcorreu pelos séculos, como o contraditório, a ampla defesa, a paridade de armas, entre outros.


Independentemente de maiores considerações histórico-doutrinárias acerca de tais ideias, o que importa é que o ordenamento jurídico em vigor no Brasil é carregado delas.


Vejamos a Constituição de 1988:


Art. 5º

(...)

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;


De igual sorte, o Código de Processo Civil de 2015:


Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.

Art. 9º [caput]. Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.

Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.


Também os documentos internacionais dão conta de princípios atinentes ao direito de defesa. Vejamos, nesse sentido, o Pacto de San José da Costa Rica:


Artigo 8º - Garantias judiciais. 1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.


Enfim, tais argumentações são para evidenciar que o direito de defesa e todos os seus corolários são princípios dos mais caros no Estado de direito, status que a CF/88 busca conferir à República Federativa do Brasil.


É impossível --insisto, impossível-- falar em Estado de direito sem que seus agentes devotem o mais cardial comprometimento ao direito de defesa, a ser assegurado a todos os litigantes em processo administrativo ou judicial.


II - Aplicação dos princípios constitucionais no processo administrativo fiscal


A nossa Constituição da República de 1988, no artigo 5º, incisos LIV e LV, proclama as garantias do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, e tais garantias devem ter eficácia em dois âmbitos, ou seja, no processo administrativo e no processo judicial, com isso evidentemente conferindo segurança as relações jurídicas, especialmente assegurando os administrados em geral em suas relações com o Poder Público.


CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

TÍTULO II - DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

CAPÍTULO I - DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;


A Constituição também determina, no artigo 37, caput, que a administração pública direta e indireta, de quaisquer dos Poderes da República, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.


E, seguindo este comando constitucional, a Lei nº 9.784, de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, inscreve tais garantias de segurança jurídica, contraditório e ampla defesa dentre os princípios que regem o processo administrativo, em todo processo em que tenha a condição de interessado. Cito, exemplificativamente, dispositivos dos artigos 1º, 2º e 3º que expressam tal conteúdo:


LEI Nº 9.784 , DE 29 DE JANEIRO DE 1999. Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.

CAPÍTULO IDAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 1o Esta Lei estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração.

(...)

Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

I - atuação conforme a lei e o Direito;

(...)

VIII - observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados;

IX - adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados;

X - garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio;

(...)

ITOS DOS ADMINISTRADOS

Art. 3o O administrado tem os seguintes direitos perante a Administração, sem prejuízo de outros que lhe sejam assegurados:

I - ser tratado com respeito pelas autoridades e servidores, que deverão facilitar o exercício de seus direitos e o cumprimento de suas obrigações;

II - ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentos neles contidos e conhecer as decisões proferidas;

III - formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente;

IV - fazer-se assistir, facultativamente, por advogado, salvo quando obrigatória a representação, por força de lei.


De forma semelhante, o Decreto nº 70.235, de 1972, dispõe sobre o processo administrativo-fiscal. Essa norma legal regula o processo administrativo de determinação e exigência de créditos tributários da União, prevendo regras para início da exigência com a plena ciência dos interessados e possibilidade de contraditório e defesa, com os recursos a ela inerentes, findo o qual deve ser encaminhado para cobrança amigável e, subsequentemente, sendo remetido à cobrança judicial (v. artigos 7 a 22 sobre as normas gerais do procedimento).


E, por fim, para a cobrança judicial, o sistema jurídico prevê à Fazenda Pública (de todos os entes federativos) a via da execução fiscal, cujo procedimento é regulado pela Lei nº 6.830, de 1980 - LEF, que abrange a Dívida Ativa de natureza tributária e também a não tributária (art. 2º), estabelecendo que, em ambos os casos, o que confere presunção de liquidez e certeza do crédito e legitima a cobrança executiva é o Termo de Inscrição de Dívida Ativa (art. 3º, caput), do qual deve constar necessariamente o nome do devedor e dos co-responsáveis (art. 2º, § 5º, inciso I), dente outros requisitos ali descritos.


Por esta legislação, então, a execução fiscal somente pode ser iniciada se instruída com a respectiva Certidão de Dívida Ativa - CDA, título executivo que deve conter os mesmos requisitos do Termo de Inscrição respectivo, ou seja, deve necessariamente conter o nome do devedor e dos co-responsáveis (art. 6º, § 1º).


E, se estes "devedores ou co-responsáveis", tributários ou não tributários, são, inegavelmente, as pessoas juridicamente interessadas na relação jurídica em que se objetiva lhe imputar uma obrigação civil (fiscal ou não fiscal), parece-nos muito evidente e fora de dúvida que as pessoas (naturais ou jurídicas) que podem figurar na CDA como "devedores ou responsáveis" são unicamente aquelas em relação às quais a Fazenda Pública observou as regras constitucionais e legais de determinação e exigência dos créditos, ou seja, a Lei nº 9.784/1999 e o Decreto nº 70.235/1972, vale dizer, essencialmente, as pessoas que tiveram assegurado o prévio processo administrativo no qual tenham sido efetivadas as garantias do devido processo legal, contraditório e ampla defesa.


O artigo 2º, § 8º, da LEF, por sua vez, tem gerado controvérsia interpretativa há décadas; dispõe tal dispositivo legal que "até a decisão de primeira instância, a Certidão de Dívida Ativa poderá ser emendada ou substituída, assegurada ao executado a devolução do prazo para embargos", e daí tem-se sustentado que a Fazenda Pública teria a prerrogativa de, enquanto tramita a execução fiscal, a qualquer tempo e independentemente de qualquer providência prévia, requerer a inclusão de outros responsáveis da dívida tributária contra os quais a execução deveria ser direcionada, daí somente conferindo a estes novos sujeitos passivos da execução a possibilidade de, após citados, oferecer a defesa através de embargos do devedor.


Interpretação dessa ordem, a despeito de ter-se assentado no âmbito da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no que se refere aos casos de responsabilidade tributária previstos no CTN (aí incluída especialmente a situação de dissolução irregular de empresas, dando ensejo a redirecionamento da execução contra os sócios que se qualifiquem como co-responsáveis) sempre me pareceu equivocada, violando flagrantemente as normas constitucionais e o próprio sistema legal que estabelece o processo administrativo de determinação e exigência fiscal.


Mas essa interpretação formou-se em contexto de ausência de uma previsão normativa expressa sobre a possibilidade de inclusão de novos executados, lacuna normativa esta que foi eliminada pelo advento do Novo CPC de 2015 ao instituir o novo IDPJ, cuja previsão normativa é ampla, abrangendo todos os tipos de processos judiciais, inclusive executivos.


Essa nova previsão do CPC 2015, suprindo a lacuna legislativa mencionada, justifica a revisão da interpretação a respeito deste tema, no sentido de fazer prevalecer, agora por expressa determinação legal, o sistema legal representado pelas normas constitucionais e legais acima descrito.



III - Da desconsideração da personalidade jurídica e da responsabilidade tributária


Escapando das reflexões atinentes ao direito processual, voltemos, agora, nossos esforços, a outro conceito fulcral a ser examinado neste incidente: a responsabilidade das pessoas naturais pelas obrigações das pessoas jurídicas de que estão por trás.


Sabe-se que, historicamente, o próprio nascimento das pessoas jurídicas está ligado à utilidade e conveniência de se permitir, em alguns casos, isolar obrigações e responsabilidades afetadas a determinados propósitos, sem que elas contaminem a esfera jurídica das pessoas naturais que os estão levando a cabo.


Nesse sentido, Thomas Marky leciona acerca das sodalitates, collegia e societates, as pessoas jurídicas de direito privado da Roma Antiga, que, desde aquela época, já tinham por "característica essencial (...) terem elas personalidades distintas da de seus componentes, bem como terem patrimônio e relações de direito distintas das de seus membros: Si quid universitatii debetur, singulis non debetur, nec quod debet universitas, singuli debent (D. 3.4.7.1)", Curso Elementar de Direito Romano, 8ª e., Saraiva, 1995, p. 38. A máxima extraída do Digesto expressa justamente a ideia de limitação de responsabilidade: se é a pessoa jurídica quem deve, a pessoa natural não deve; de igual modo, se é a pessoa natural quem deve, a pessoa jurídica não deve (em paráfrase).


Por sua evidente conveniência às relações sociais e econômicas, o instituto da limitação da responsabilidade não apenas sobreviveu aos séculos, como se expandiu.


Hoje, no Brasil, tem-se não apenas as sociedades de responsabilidade limitada (como a sociedade limitada, a sociedade anônima, as sociedades com a figura dos comanditários, etc.), mas também outras figuras curiosas, como a famigerada EIRELI (empresa individual de responsabilidade limitada).


Malgrado tais odes à limitação da responsabilidade das pessoas jurídicas, desde muito cedo também se observou que as pessoas naturais lançavam mão desse sensível atributo para fraudar obrigações.


Daí, a necessidade de se criar remédios para superar tais fraudes.


É nesse contexto que surge o instituto da desconsideração da personalidade jurídica.


No direito norte-americano, onde a experiência capitalista atingiu seu auge, o importante tema da desconsideração da personalidade jurídica é chamado de piercing ou lifting the corporate veil (perfurar/levantar o véu corporativo). Fala-se também em disregard doctrine. Trata-se, sem dúvidas, da mais frequente controvérsia judicial envolvendo sociedades empresárias naquele país (o que não difere muito da experiência brasileira). Não há regra explícita para a desconsideração. Cada tribunal tem sua jurisprudência e conduz o lifting de maneira principiológica.


Já na tradição jurídica brasileira, em apertada síntese, fala-se nas teorias maior e menor da desconsideração da personalidade jurídica. A segunda exige apenas a insolvência como critério para a desconsideração; já a primeira exige também alguma manifestação de má-fé, como abuso de direito ou confusão patrimonial.


Ambas são usadas no Brasil, a depender do ramo jurídico em que se contextualiza a desconsideração. Por exemplo, a teoria maior é usada no direito civil, enquanto que a teoria menor é usada no direito do consumidor.


Todavia, a responsabilização das pessoas naturais pelas obrigações das respectivas pessoas jurídicas é muito peculiar no contexto do direito tributário.


Dentro do sistema trazido pelo Código Tributário Nacional, criou-se a exótica figura da responsabilidade tributária, que, com lamento reconhecemos, quase nada tem a ver com a ideia de responsabilidade extraída das melhores lições da teoria geral do direito.


Em primeiro lugar, o Código define como responsável [tributário] o sujeito passivo "quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei" (art. 121, parágrafo único, II).


Mais à frente (arts. 128 e ss.), o confuso CTN traz três categorias de responsabilidade tributária: a dos sucessores (arts. 129-133), a de terceiros (arts. 134-135) e a por infrações (arts. 136-138).


Veja-se que, inexplicavelmente, a responsabilidade solidária fica fora da referida categoria (é tratada anteriormente, como se fosse uma classe à parte dentro do assunto da sujeição passiva, nos arts. 124 e 125). Mas deve-se anotar que as dúvidas interpretativas decorrentes desta falha foram sanadas pela Colenda Suprema Corte, quando assentou, declarando a inconstitucionalidade do artigo 13 da Lei nº 8.620/93, que a lei mencionada no artigo 124, inciso II, somente pode estabelecer causas de responsabilidade solidária quando forem compatíveis com as regras matrizes de responsabilidade tributária previstas pelo próprio Código Tributário em seus artigos 128 e ss., especialmente aquelas de responsabilidade de terceiros estabelecidas em caráter geral pelos arts. 134 e 135 (STF, RE 562276, Repercussão Geral, Tese 13. Relatora Min. Ellen Gracie, j. 03.11.2010, p. 10.02.2011).


Além disso, o diploma põe na mesma prateleira da responsabilidade por sucessão e de terceiros o conceito de "responsabilidade", no sentido tradicional, "por infrações" (arts. 136 e ss.), aparentemente ignorando o conceito técnico que ele mesmo deu para o termo, anteriormente, no art. 121.


Considerando essas clássicas críticas doutrinárias, com todas as vênias, independentemente da sistemática que o Código Tributário Nacional quis instituir, fato é que a finalidade do instituto da responsabilidade tributária, quando se atribui à pessoa física o haftung de pagar as obrigações da pessoa jurídica de que está por trás, é inexoravelmente a mesma do instituto da desconsideração da personalidade jurídica.


Ora, pouco importa o nome que a lei ou os doutrinadores dão a um instituto. O que importa são os seus efeitos jurídicos.


Teleologicamente, não há qualquer distinção entre a desconsideração da personalidade jurídica e as hipóteses de responsabilidade dos sócios previstas no CTN. Muito embora os dispositivos (e, quiçá, talvez até um ou outro requisito) sejam diferentes, a ideia essencial e a finalidade são absolutamente as mesmas.


Tal como não se pode dizer que há distinção de natureza entre a desconsideração do direito consumerista (que segue a teoria menor) e a do direito civil (que segue a teoria maior) apenas pela diferença no número de requisitos ou grau, também não me parece correto fazer distinção entre a natureza desses institutos e o da responsabilidade tributária nos casos supra citados.


Assim, atrai-se, aqui, a aplicação do corolário segundo o qual o semelhante deve ser tratado como o semelhante: a responsabilidade tributária, quando tem a mesma essência e finalidade da desconsideração da personalidade jurídica, como essa deve ser considerada e os mesmos princípios a ambas se aplicam -- ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositivo (onde existe a mesma razão fundamental, deve prevalecer a mesma regra de direito).



IV - Do incidente de desconsideração da personalidade jurídica


Em se configurando, a desconsideração da personalidade jurídica, instituto deveras excepcional e invasivo, a lei tratou de instituir um mecanismo específico a fim de garantir com maior intensidade o direito de defesa na materialização do disregard.


Eis aí, portanto, o ponto de confluência dos dois tópicos anteriores: o incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ).


O IDPJ é instituto novíssimo, vindo ao ordenamento pelo Código de Processo Civil baixado em 2015. Sem dificuldade aqui pode-se transcrever todos os dispositivos que dele tratam:


Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.

§ 1º O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.

§ 2º Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.

Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.

§ 1º A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.

§ 2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.

§ 3º A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2º.

§ 4º O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica.

Art. 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.

Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.

Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.

Art. 137. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.


A título introdutório, veja-se o escorreito comentário tecido por Cassio Scarpinella Bueno a respeito do incidente:


"O Anteprojeto inovou pertinentemente ao criar uma novel técnica para permitir incidentalmente ao processo desconsiderar a personalidade jurídica e, com isso, conseguir responsabilizar pessoalmente os sócios nos casos que a lei material o permite. Os Projetos do Senado e da Câmara mantiveram-no buscando seu aperfeiçoamento, sendo que o Projeto da Câmara, corretamente, propôs que a novidade fosse colocada ao lado das demais modalidades de intervenção de terceiro, o que acabou sendo acolhido pelo texto afinal aprovado" (Novo Código de Processo Civil Anotado, 1ª e., Saraiva, 2015, p. 132).


De igual forma, Daniel Neves louva o instituto:


"O Novo Código de Processo Civil prevê um incidente processual para a desconsideração da personalidade jurídica, finalmente regulamentando seu procedimento. Tendo seus requisitos previstos em diversas normas legais (art. 50, CC; art. 28, CDC; art. 2o, § 2o da CLT, art. 135 do CTN, art. 4o da Lei 9.605/98; art. 18, § 3° da Lei 9.847/99; art. 34 da Lei 12.529/2011, arts. 117, 158. 245 e 246 da Lei 6.404/76), faltava uma previsão processual a respeito do fenômeno jurídico, devendo ser saudada tal iniciativa" (Novo Código de Processo Civil Comentado, 1ª e., Salvador, JusPodivm, 2016, p. 216).


É importante destacar o caráter contingente do IDPJ. Isto é, não se trata de instituto "essencial", no sentido mais próprio do termo, ao ordenamento.


Por muitos anos o ordenamento sobreviveu sem o incidente, e poderia sobreviver mais tantos sem ele, embora suscitando multiplicidade de debates e dúvidas interpretativas em desprestígio à segurança jurídica.


Ocorre que, sensível à realidade, o legislador trouxe à luz o instituto inspirado por cirúrgica constatação: muitos abusos ao direito de defesa são cometidos na práxis da desconsideração da personalidade jurídica.


Não é difícil perceber esse fato e louvar o legislador pela iniciativa.


Vemos, na prática, que a lacônica disciplina da desconsideração (regida de forma bastante econômica pelo único art. 50 do CC, no âmbito civil) dá azo a arbitrariedades e atropelos, ensejando a responsabilização da pessoa natural por motivos fracos e muitas vezes sem que essa antes possa se fazer ouvida.


A experiência revela que não é baixo o número de decisões de desconsideração de personalidade jurídica revertidas nos tribunais.


Assim, é possível constatar que o IDPJ foi criado para melhor cumprir as normas constitucionais que tratam do direito de defesa, no contexto específico da desconsideração da personalidade jurídica.


Sob o ponto de vista constitucional, é possível dizer que o IDPJ é obra legislativa que traz profundidade aos comandos constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.


É criação que, para trazer à baila as categorias de K. Löwenstein, torna mais normativas normas constitucionais que, no contexto específico da desconsideração da personalidade jurídica, vagavam tão nominais.


Vale lembrar que o Código de Processo Civil é norma geral e, portanto, suas disposições --aí incluídas aquelas referentes ao IDPJ-- devem se aplicar a todos os procedimentos civis.


É por isso que, sem qualquer dúvida, o IDPJ deve ser aplicado nas ações consumeristas e, até por (desnecessária) previsão explícita do art. 1.062, também aos processos de competência dos juizados especiais.


Até mesmo no processo trabalhista é reconhecida a necessidade de aplicação do IDPJ, nos termos expressos do art. 855-A, CLT.


Veja-se, portanto, que, sempre que é possível a repercussão das obrigações da pessoa jurídica na esfera patrimonial da pessoa natural, todos os regimes processuais reclamam a aplicação do IDPJ.


Insista-se: outra não poderia ser a solução a fim de se dar coerência ao sistema, já que se trata de instituto que busca densificar um comando constitucional (a saber, o que exige, em todos os processos administrativos e judiciais, o respeito ao contraditório e à ampla defesa), e não um comando restrito a um ou outro ramo do direito qualquer.



V - Da compatibilidade e da necessidade de aplicação do IDPJ nas execuções fiscais


A fim de finalizar minha fundamentação de maneira dedutiva, estabelecerei quatro premissas, todas elas já desenvolvidas, ainda que sinteticamente, nas explanações feitas supra, para delas extrair a inexorável conclusão e dispositivo de meu entendimento a respeito dessa relevante temática:


A - O direito de defesa (com todos os seus princípios e garantias) é comando constitucional que, do ponto de vista axiológico, possui caríssima relevância, e, do ponto de vista normativo, possui alta densidade, de maneira que todos os institutos do ordenamento devem ser interpretados da maneira que maior eficácia se lhe dê;


B - As regras de responsabilidade tributária do CTN que atribuem à pessoa física ou natural a sujeição passiva nas obrigações tributárias originalmente devidas pela pessoa jurídica a que está atrelada são, na sua essência e nos seus fins, igualmente normas de desconsideração da personalidade jurídica;


C - O incidente de desconsideração da personalidade jurídica é instituto criado pelo legislador com a finalidade de densificar o comando constitucional do direito de defesa;


D - Essa densificação trazida pelo IDPJ não está restrita, nem do ponto de vista substantivo --haja vista que nas relações jurídicas de todas as classes o direito de defesa deve ser promovido--, nem do ponto de vista orgânico --haja vista que o CPC é norma geral que se aplica a todos os procedimentos cíveis-- a um ou outro ramo do direito ou a um ou outro rito processual, tendo, ao invés, caráter constitucional e, portanto, o condão de espargir sobre todas as estirpes que se possam capilarizar, cientificamente, do direito.


Da conjugação dessas quatro premissas é inevitável a conclusão de que o IDPJ deve ser aplicado também na execução fiscal, qualquer que seja o fundamento da atribuição da responsabilidade à pessoa física pela obrigação tributária originalmente devida pela pessoa jurídica.


Deve-se observar, ainda, a completa compatibilidade entre o novo IDPJ e o sistema do Código Tributário Nacional, pelas seguintes razões:


(i) o CTN não prevê regras específicas sobre o procedimento para se reconhecer hipóteses de responsabilidade tributária após a instauração da ação de execução fiscal; A Lei de Execução Fiscal -a antiga Lei nº 6.830, de 1980)-- também não o faz;


(ii) exsurge, então, desta ausência de expressa regulação pelo CTN ou pela legislação tributária específica, a possibilidade de aplicação subsidiária das disposições do CPC que não forem incompatíveis com as disposições da legislação tributária em sua essência normativa. Assim estabelece o CTN em seu artigo 108: "Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada: I - a analogia; II - os princípios gerais de direito tributário; III - os princípios gerais de direito público; IV - a eqüidade"; e assim também prevê a Lei 6830/1980 em seu artigo 1º: "A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil";


O novel instituto do IDPJ introduzido pelo CPC/2015 é formatado mediante regras que se compatibilizam plenamente com a legislação tributária no que tange à responsabilização tributária, porque:


1º) ao estabelecer, no artigo 134, § 2º, que "dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial...", o CPC dispõe que o IDPJ só é exigido quando a responsabilização é pleiteada após o ajuizamento da ação, o que é plenamente compatível com as garantias constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, que devem efetivar-se em dois planos, tanto no âmbito administrativo, como no judicial (CF/88, art. 5º, incisos LIV e LV), garantias que se enquadram no rol de limitações do poder de tributar (CF/88, art. 150, caput), estabelecendo o novo IDPJ uma explícita regulação a estas garantias constitucionais, conferindo-lhe maior densidade normativa e/ou efetividade;


2º) essa norma do IDPJ compatibiliza-se igualmente com as regras gerais tributárias, pois estas estruturam esse sistema especial no sentido de que o sujeito passivo da relação jurídica tributária (vale dizer, o contribuinte ou o responsável) deve ser identificado no processo administrativo-fiscal que lhe assegure o contraditório e a ampla defesa garantida na Lei Maior e, assim, poderão tais sujeitos passivos figurar na CDA-Certidão de Dívida Ativa, título extrajudicial que, por força da lei, legitima a propositura da ação de execução fiscal já desde o seu início, quando tais pessoas receberão a citação e poderão exercer a defesa processualmente admissível (através de exceção de pré-executividade --nos casos que não exigem dilação probatória, hipótese em que não se exige sequer prestação de garantia da execução, como está assentado na jurisprudência pátria--, ou de embargos à execução fiscal --atendidos, aqui sim, os requisitos legais desta defesa, especialmente a garantia do juízo); daí justificar-se e compatibilizar-se com o sistema legal tributário que, segundo essa regra do CPC, art. 134, § 2º, o IDPJ somente será admissível se a responsabilização for pleiteada pelo ente público exequente em momento posterior ao ajuizamento da execução fiscal;


3º) caso contrário, ou seja, se a sujeição passiva tributária não está definida na CDA (porque, obviamente, não foi objeto de prévio processo administrativo de determinação), não pode ser ajuizada a execução fiscal -não há interesse processual por ausência de título executivo válido e regular--, situação que ainda possibilitará à Fazenda exequente o chamamento posterior de outros responsáveis tributários através do incidente de que aqui se trata -IDPJ--, o qual foi instituído com o fim de assegurar ao(s) requerido(s) o legítimo exercício das garantias constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa que não lhe(s) foram asseguradas na antecedente fase administrativa de apuração das responsabilidades tributárias e formação do título executivo -a CDA--; nesse aspecto, o IDPJ vem, então, tão somente suprir essa lacuna de regulação do procedimento de responsabilização tributária, totalmente compatibilizado com o sistema tributário, tanto no âmbito constitucional, como no infraconstitucional;


4º) tratando, o objeto do IDPJ, de uma condição da própria execução fiscal - a legitimidade passiva ad causam -, o exame dessa questão no IDPJ dispensa a prestação de garantia da execução, como nos casos em que a jurisprudência já admite para a exceção de pré-executividade, com o especial avanço normativo de assegurar as garantias constitucionais (devido processo, contraditório e ampla defesa) àqueles que não tiveram oportunidade de se defender no âmbito administrativo para que, somente então, uma vez definida a legitimidade passiva, possa ser sujeito aos efeitos a execução fiscal (quando terá oportunidade de apresentar as demais defesas, na forma já contemplada pela legislação e jurisprudência pátrias);


5º) tratando-se de um novo instituto processual, estabelecido em norma geral de natureza pública -o CPC 2015--, que vem reforçar a amplitude de garantias de defesa dos réus --no caso, as pessoas em geral no que se refere à sua responsabilização tributária em execuções fiscais--, deve-se interpretar seu âmbito de incidência da forma mais ampla possível, privilegiando as garantias constitucionais dos contribuintes, tudo isso exigindo uma revisão dos entendimentos anteriores da nossa jurisprudência, mesmo que assentados em preceitos sumulares dos tribunais, de modo a atingir o fim maior de tornar efetivas as normas constitucionais afetas às garantias fundamentais do cidadão; o ordenamento jurídico deve ser interpretado sempre à luz das modernas concepções do direito e sempre com vistas ao aperfeiçoamento do sistema jurídico de garantias dos cidadãos contra os arbítrios de qualquer natureza, o que conduz o intérprete a concluir que o novo IDPJ instituído pelo novo CPC 2015 atende plenamente tais fins fundamentais da ordem constitucional;


6º) nesse sentido, deve-se deixar assentado que a regra de que a instauração do IDPJ (requerido após o ajuizamento da ação) importa na suspensão do processo em que pleiteada a responsabilização --CPC, art. 134, § 3º--, não significa, nem expressa e nem implicitamente, que não possam ser praticados os atos executivos contra o(s) executado(s) originário(s), mas sim, o comando se relaciona apenas a estes em relação aos quais é pleiteada a responsabilização tributária; e essa suspensão, aliás, vem também em benefício do ente público exequente, pois a suspensão do processo importará em suspensão também da prescrição da pretensão de cobrança em relação a tais terceiros que se pretende responsabilizar enquanto durar o processamento do incidente;


7º) no mesmo sentido, deve-se também deixar assentado que esta mesma regra --CPC, art. 134, § 3º--, não determina, nem expressa e nem implicitamente, que a Fazenda exequente esteja impedida de utilizar-se, relativamente a estes em relação aos quais é pleiteada a responsabilização tributária, dos instrumentos jurídicos contemplados na legislação para buscar garantir cautelarmente a satisfação de seus créditos (por exemplo, arrolamento de bens e medidas cautelares fiscais), atendidos os requisitos legais específicos, posto que a ordem constitucional garante a todos --portanto, também ao ente público quando litiga contra os particulares--, o amplo acesso à justiça para resguardar-se em seus interesses e direitos (CF/88, art. 5º, inciso XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito);


8º) E, por fim, a possibilidade de os interesses da Fazenda sofrerem qualquer prejuízo é eliminada em caso de aplicação do novo instituto do IDPJ previsto no CPC 2015, porque a regulação do incidente estabelece expressamente, em seu artigo 137, que: "acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente".



VI - CONCLUSÃO


Conclui-se, pelos fundamentos expostos, pela seguinte proposta de TESE para este IRDR:


É compatível e necessária a instauração do IDPJ na execução fiscal em todas as hipóteses de desconsideração de personalidade jurídica, sejam as previstas no CTN a título de responsabilidade tributária com base nos artigos 128 a 138, sejam as hipóteses enquadradas no artigo 50 do Código Civil. Em uma interpretação conforme à Constituição Federal e ao sistema legal tributário:


(i) a instauração do incidente somente é devida quando a responsabilização de terceiro(s) é pleiteada após o ajuizamento da execução fiscal e sem amparo em título executivo --CDA-- que o(s) defina dentre os responsáveis tributários mediante prévio e devido processo legal administrativo;


(ii) a regra do CPC, art. 134, § 3º, não impede que sejam praticados os atos executivos contra o(s) executado(s) originário(s), pois, a norma de suspensão do processo se relaciona apenas a estes em relação aos quais é pleiteada a responsabilização tributária, e, além disso, essa suspensão do processo importará em suspensão também da prescrição da pretensão de cobrança em relação a tais terceiros que se pretende responsabilizar enquanto durar o processamento do incidente; e


(iii) a regra do CPC, art. 134, § 3º, não impede que a Fazenda exequente possa utilizar-se, relativamente a estes em relação aos quais é pleiteada a responsabilização tributária, dos instrumentos jurídicos contemplados na legislação para buscar garantir cautelarmente a satisfação de seus créditos, atendidos os requisitos legais específicos, o que é corolário do princípio constitucional do amplo acesso à justiça (CF/88, art. 5º, inciso XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito), além de que o art. 137 impede qualquer prejuízo à Fazenda porque "acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente".


VII - VOTO


Ante o exposto, com o devido respeito ao entendimento do eminente Relator em seu ilustrado voto, venho apresentar divergência para o fim de NEGAR PROVIMENTO ao presente Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, propondo a fixação da tese exposta na conclusão supra, a fim de explicitar com maior clareza os aspectos processuais de cabimento do IDPJ, de possibilidade de atos executivos contra o(s) executado(s) originário(s) e de possibilidade de atos para garantia cautelar do crédito tributário nos casos previstos em lei específica.


É o voto que submeto à apreciação do digno Colegiado.


SOUZA RIBEIRO
Desembargador Federal


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D.E.

Publicado em 20/05/2021
INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS Nº 0017610-97.2016.4.03.0000/SP
2016.03.00.017610-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal BAPTISTA PEREIRA
REL. ACÓRDÃO : Desembargador Federal WILSON ZAUHY
REQUERENTE : Uniao Federal (FAZENDA NACIONAL)
PROCURADOR : MARINA MIURA PRICOLLI
REQUERIDO(A) : PLUSH TOYS IND/ E COM/ LTDA -EPP
AMICUS CURIAE : ASSOCIACAO BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL - ABDPRO
ADVOGADO : PE027646 ANTONIO CARLOS F DE SOUZA JR
AMICUS CURIAE : CENTRO DE ESTUDOS DAS SOCIEDADES DE ADVOGADOS CESA
ADVOGADO : SP234846 PRISCILA FARICELLI DE MENDONCA
AMICUS CURIAE : RICARDO BLAJ SERBER
ADVOGADO : SP231805 RICARDO BLAJ SERBER
No. ORIG. : 00121182720164030000 Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

DIREITO CIVIL, PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (IRDR) (CPC, ART. 976). DEMANDAS PARADIGMAS: CABIMENTO DO INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA (IDPJ) (CPC, ART. 133) EM EXECUÇÃO FISCAL. TESE FIRMADA PELA COMPATIBILIDADE E INDISPENSABILIDADE DO IDPJ PARA COMPROVAÇÃO DE RESPONSABILIDADE EM DECORRÊNCIA DE CONFUSÃO PATRIMONIAL, DISSOLUÇÃO IRREGULAR, FORMAÇÃO DE GRUPO ECONÔMICO, ABUSO DE DIREITO, EXCESSO DE PODERES OU INFRAÇÃO À LEI, AO CONTRATO OU AO ESTATUTO SOCIAL (CTN, ART. 135, INCISOS I, II E III) E PARA INCLUSÃO DAS PESSOAS QUE TENHAM INTERESSE COMUM NA SITUAÇÃO QUE CONSTITUA O FATO GERADOR DA OBRIGAÇÃO PRINCIPAL, DESDE QUE NÃO INCLUÍDOS NA CDA. PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL EM FACE DOS DEMAIS COOBRIGADOS. DESNECESSIDADE DE SUSPENSÃO DOS ATOS EXECUTÓRIOS. LEI DA LIBERDADE ECONÔMICA: LEI 13.874/19.CÓD. CIV. ARTS. 49-A, 50, 264 E 265; CPC-15, ARTS. 7º, 9º , 10, 133 A 137 E 795 E PARÁGRAFO. CTN. ARTS. 124, I E II, 133, INCISOS I E II, 134 E INCISOS, E 135, INCISOS I, II E III. LEI DE EXECUÇÃO FISCAL (6.830/80), ART. 4º, § 2º. LEI 8.212/91, ART. 30, INCISO IX. PORTARIA RFB 2.284/2.010.

1. Preenchidos os requisitos para a admissibilidade do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) diante da repetição de processos contendo controvérsia sobre o cabimento do Incidente de Desconstituição da Personalidade Jurídica (IDPJ) em sede de Execução Fiscal, para a atração de possível responsável tributário.

2. A Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2.019) reintroduziu no ordenamento jurídico a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, que não podem ser confundidas com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores (Cód. Civ. art. 49-A), e também disciplinou as hipóteses de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial (Cód. Civ. art. 50 e seus parágrafos), além de estabelecer paradigma interpretativo de seus postulados "na aplicação e na interpretação do direito civil, empresarial, econômico, urbanístico e do trabalho" (art. 1º, § 1º).

3. A Lei de Execuções Fiscais (Lei nº 6.830/1.980) em seu artigo 4º, § 2º, prevê que "à dívida da Fazenda Pública, de qualquer natureza, aplicam-se as normas relativas à responsabilidade prevista na legislação tributária, civil e comercial", o que remete à aplicação do artigo 50 do Código Civil para a pretensão de redirecionamento da responsabilidade tributária em Execução Fiscal já em curso, dado que as normas civis de assunção de responsabilidade devem ser observadas, e aplicadas, na constituição e exigência da dívida ativa da Fazenda Pública, por expressa determinação legal.

4. Consideradas as garantias processuais e procedimentais tendentes a garantir o contraditório (CPC-15, arts. 7º, 9º e 10), aplicáveis também no seio do Processo de Execução Fiscal, para a determinação, in concreto, das condicionantes postas pelo artigo 50 e seus parágrafos, do Código Civil, não se mostra possível que tal se dê sem que se instaure um incidente em que se confira à parte o amplo direito de defesa, até que se prove, ao fim e ao cabo a presença dos pressupostos da confusão patrimonial e do desvio de finalidade agora legalmente disciplinados, abrangentes das hipóteses de excesso de poderes e infração à lei (vide sobre obrigatoriedade do IDPJ: CPC-15, art. 795, § 4º).

5. Não fossem bastantes as garantias processuais e procedimentais tendentes a garantir o contraditório (CPC-15, arts. 7º, 9º e 10),aplicáveis também no seio do processo de Execução Fiscal, o certo é que não pode, por via judicial, afastar-se o postulado da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas sem resguardar o especial direito de ser ouvida a respeito da pretensão, previamente, a exemplo do que já ocorre no âmbito administrativo.

6. O redirecionamento de execução fiscal a pessoa jurídica que integra o mesmo grupo econômico da sociedade empresária originalmente executada, mas que não foi identificada no ato de lançamento, ou cuja responsabilidade não foi apurada em procedimento administrativo tributário prévio à emissão da CDA, depende mesmo da comprovação do abuso de personalidade, caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial, tal como consta do art. 50 do Código Civil, daí porque, nessa hipótese, é obrigatória a instauração do incidente de desconsideração da personalidade da pessoa jurídica devedora (CPC-15, art. 133, c.c. art. 795, § 4º).

7. O artigo 124, ao prever que são "solidariamente obrigadas as pessoas que I - tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal: e II - as pessoas expressamente designadas por lei", não autoriza o redirecionamento da responsabilidade tributária de modo automático, dado que o interesse comum, previsto no inciso I, diz respeito ao interesse jurídico das pessoas na relação tributária, que se dá quando os sujeitos, conjuntamente, fazem parte da situação que permite a ocorrência do fato gerador: por isso, só o interesse econômico decorrente da situação não legitima a atribuição da responsabilidade; o inciso II, ao se referir às pessoas expressamente designadas por lei, remete à norma que atribui a responsabilidade tributária; de toda sorte, não se pode conjugar essa norma com outras espécies de responsabilidade, como, p. ex., a civil ou a trabalhista, para o fim de se concluir pela sujeição passiva de pessoa jurídica tão só por compor um grupo econômico que engloba a devedora original, diante da autonomia das pessoas jurídicas (Cód. Civ., art. 49-A).

8. As hipóteses postas no artigo 133, inciso II e artigo 134 do CTN cuidam, em verdade, de responsabilidade subsidiária e não solidária, devendo se observar a técnica do benefício de ordem na exigência do tributo, situação que não demanda a instauração de IDPJ, bastante para tanto a demonstração de execução frustrada em face do devedor originário (contribuinte), trazendo-se à lide executória a pessoa expressamente indicada em lei (responsável).

9. Para as hipóteses contempladas no artigo 135 e incisos do CTN, em que se têm responsabilidades concorrentes, não excludentes, mas não solidárias, exige-se a demonstração da prática de atos específicos definidos na lei que não podem ser inferidos ou deduzidos sem que se estabeleça prévio e indispensável contraditório, impondo-se a instauração do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica, também para a atribuição de responsabilidade inversa (CPC-15, art. 795 e parágrafos).

10. Quanto à suspensão do processo de Execução Fiscal, em razão da instauração do IDPJ, tem-se que a melhor interpretação a ser conferida ao instituto é a de que a Execução Fiscal, em relação aos demais coobrigados já integrados à lide executória não se suspenderá, devendo se instaurar o incidente de modo paralelo, sem prejuízo do regular prosseguimento da pretensão executória, até que advenha a solução sobre a ampliação (ou não) do rol de coobrigados, observando-se a autonomia dos atos executórios em face do devedor originário contra quem se constituiu, validamente, a CDA.

11. Fixa-se, com tais fundamentos, a seguinte tese jurídica: "Não cabe instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica nas hipóteses de redirecionamento da execução fiscal desde que fundada, exclusivamente, em responsabilidade tributária nas hipóteses dos artigos 132, 133, I e II e 134 do CTN, sendo o IDPJ indispensável para a comprovação de responsabilidade em decorrência de confusão patrimonial, dissolução irregular, formação de grupo econômico, abuso de direito, excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato ou ao estatuto social (CTN, art. 135, incisos I, II e III), e para a inclusão das pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal, desde que não incluídos na CDA, tudo sem prejuízo do regular andamento da Execução Fiscal em face dos demais coobrigados".

12. Pedido parcialmente acolhido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide o Egrégio Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, pelo voto médio, considerada a composição dos votos convergentes para a prevalência da posição intermediária, acolher parcialmente o pedido para fixar a seguinte tese jurídica: 'Não cabe instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica nas hipóteses de redirecionamento da execução fiscal desde que fundada, exclusivamente, em responsabilidade tributária nas hipóteses dos artigos 132, 133, I e II e 134 do CTN, sendo o IDPJ indispensável para a comprovação de responsabilidade em decorrência de confusão patrimonial, dissolução irregular, formação de grupo econômico, abuso de direito, excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato ou ao estatuto social (CTN, art. 135, incisos I, II e III), e para a inclusão das pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal, desde que não incluídos na CDA, tudo sem prejuízo do regular andamento da Execução Fiscal em face dos demais coobrigados", nos termos do voto do Desembargador Federal Wilson Zauhy, que fica fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 10 de fevereiro de 2021.
WILSON ZAUHY
Relator para o acórdão


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INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS Nº 0017610-97.2016.4.03.0000/SP
2016.03.00.017610-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal BAPTISTA PEREIRA
REQUERENTE : Uniao Federal (FAZENDA NACIONAL)
PROCURADOR : MARINA MIURA PRICOLLI
REQUERIDO(A) : PLUSH TOYS IND/ E COM/ LTDA -EPP
AMICUS CURIAE : ASSOCIACAO BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL - ABDPRO
ADVOGADO : DF028560 MARCOS DE ARAUJO CAVALCANTI
No. ORIG. : 00121182720164030000 Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

Cuida-se de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas requerido pela Fazenda Nacional, tendo como objeto o Agravo de Instrumento nº 0012118-27.2016.4.03.0000 em que o e. Relator indeferiu pleito de antecipação de tutela recursal com o fim de que fosse reformada decisão de primeiro grau que determinou a instauração de Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica e suspendeu o curso da execução.


Alega o requerente, em síntese, que o referido incidente é incompatível com o procedimento da execução fiscal na medida em que "a) permite a realização da defesa do executado, com produção de provas, sem prévia apresentação de garantia à execução, em absoluta contrariedade ao disposto no Art. 16, § 1º, da Lei 6.830/80, bem como, b) uma vez instaurado, suspende a execução até que seja julgado, conforme prevê o art. 134, § 3º, do Código de Processo Civil, ainda que sem garantia prévia do juízo e sem demonstração do fumus boni juris e o periculum in mora, destoando, assim, da norma enunciada no art. 16, § 1º da Lei 6.830/80 combinado com o art. 739-A, § 1º, do CPC/73 (art. 919, § 1º, do CPC/15) e do entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp n. 1.272.827/PE, submetido ao rito do art. 543-C do CPC/1973."


Formula o requerente pleito subsidiário, caso seja admitida a compatibilidade do IDPJ com o rito da LEF, para que sua aplicação seja restrita às hipóteses típicas de desconsideração de personalidade jurídica, nos termos do Art. 50 do CC, todavia, inaplicável aos casos de responsável tributário, uma vez que não há necessidade de desconsideração da personalidade jurídica por se tratar de responsável solidário.


O presente incidente foi admitido pelo Órgão Especial na sessão do dia 08.02.2017, nos termos do Art. 981 do CPC, em acórdão assim ementado:


"PROCESSO CIVIL. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. ADMISSIBILIDADE. EXECUÇÃO FISCAL. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.
1. O requisito legal de efetiva repetição de processos que tem por objeto a mesma questão de direito restou comprovado pelos extratos de andamento processual que foram juntados aos autos.
2. Risco de ofensa à segurança jurídica e isonomia restou caracterizado diante do ambiente de dubiedade procedimental estabelecido.
3. Questão controvertida de direito processual: o redirecionamento de execução de crédito tributário da pessoa jurídica para os sócios dar-se-ia nos próprios autos da execução fiscal ou em sede de incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
4. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas admitido."

Realizado o juízo de admissibilidade, proferi decisão concessiva de efeito suspensivo, com fundamento no Art. 982, I do CPC, determinando "a suspensão dos Incidentes de Desconsideração da Personalidade Jurídica em tramitação na Justiça Federal da 3ª Região, todavia, sem prejuízo do exercício do direito de defesa nos próprios autos da execução, seja pela via dos embargos à execução, seja pela via da exceção de pré-executividade, conforme o caso, bem como mantidos os atos de pesquisa e constrição de bens necessários à garantia da efetividade da execução."


Outrossim, com fundamento no Art. 138 do CPC, deferi a participação, como amicus curiae, das seguintes entidades: Associação Brasileira de Direito Processual - ABDPro e Centro de Estudos das Sociedades de Advogados - CESA.


Por fim, em atenção ao pedido formulado pelo Parquet Federal, nos termos do Art. 983, § 1º do CPC, foi realizada consulta pública em duas etapas, a saber: manifestações por escrito enviadas por meio eletrônico a partir da página deste Tribunal, bem como audiência pública realizada no dia 05/09/2018 no auditório da sede desta Corte, tendo sido convidadas as seções da OAB de São Paulo e de Mato Grosso do Sul, bem como universidades com sede no âmbito desta Terceira Região, a qual teve como resultado as seguintes manifestações:


1. Defesa da aplicação do IDPJ em todos os casos de redirecionamento da execução fiscal:


- Associação Brasileira de Direito Processual - ABDPro (amicus curiae), representada pelo DR. Antônio Carlos de Souza Junior, aduz que a origem de boa parte do debate sobre o tema está na infeliz nomenclatura dada ao IDPJ pelo CPC, pois melhor teria sido adotar o termo "incidente de desconsideração em virtude do agir do terceiro" que traduzira com mais exatidão a finalidade da criação deste incidente apresentada na exposição de motivos do CPC.
Prossegue argumentando, quanto à compatibilidade do IPJ com a LEF, no sentido de que o efeito suspensivo do IDPJ restringe-se à pessoa contra a quem se pretende o redirecionamento, todavia, sem prejuízo de que os demais atos processuais contra o executado original sejam praticados.
Por fim, conclui que o rol de hipóteses de responsabilidade tributária nos termos dos artigos 124, 133, 134 e 135, demanda dilação probatória e que a instauração do IDPJ atende ao interesse público na medida em que o contraditório do incidente abrirá um leque maior de oportunidade à Fazenda Nacional para produção de prova, inclusive testemunhal, a configurar o vínculo de responsabilidade.
- Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo, reafirmou sua posição no sentido da imperiosa observância dos artigos 133 a 137 do CPC para que seja instaurado o IDPJ em todas as hipóteses de redirecionamento da execução fiscal aos sócios, em respeito aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
- Universidade Católica de Santos, representada pelo Dr. Américo Andrade Pinho, sustenta que embora haja distinção doutrinária entre desconsideração de personalidade jurídica e "corresponsabilização de sócios", na essência, o que se pretende é a superação da autonomia patrimonial da sociedade empresária, a qual enseja a instauração do IDPJ sob pena de surpreender o sócio que não participou do processo administrativo imputando-lhe responsabilidade sem que lhe seja franqueado o direito de defesa pleno.
Acrescenta que o argumento de que se trata de um micro sistema de execução em que a Fazenda se reveste de certas prerrogativas não impede a instauração do IDPJ, ressalta que o CDC também constitui um micro sistema de proteção ao consumidor e, ainda sim, não há controvérsia sobre a instauração do IDPJ, nos termos do Art. 28 que prevê a desconsideração da personalidade jurídica.
- Advogados. A corroborar a posição manifestada pela OAB/SP, em uníssono no mesmo sentido, as preciosas colaborações dos senhores advogados: Dra. Ana Paula Faria da Silva (OAB/PR), Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Sociedade de Advogados, Gaia, Silva, Gaede & associados Sociedade de Advogados, Juliana de Araújo Cunha Chaves, Dr. Luciano Herlon, Dra. Maria do Socorro Costa Gomes, Dra. Mariana Monfrinatti Affonso de André, Dr. Matheus Moraes, Dr. Paulo Eduardo Pereira Conde, Dr. Philipe da Cruz Silva, Dr. Rodrigo Giacomeli Nunes Massud e Dr. Ulisses Antonio Barroso de Moura.
- A Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - USP, representada pelo prof. Humberto Ávila, sustenta que a certidão de dívida ativa, objeto de execução, tem como pressuposto a certeza e liquidez em relação à pessoa jurídica que participou do processo administrativo em que se formou o título executivo.
De outro lado, quanto ao sócio cujo nome não consta na CDA e contra quem se pretende o redirecionamento da execução, o CTN prevê os requisitos para que seja caracterizada a responsabilidade da pessoa física, isto é, os fatos que devem ser objeto de prova, uma vez que não há presunção legal de responsabilidade pelo simples inadimplemento (Súmula n. 430 do STJ).
Nestes termos, partindo das premissas de que o ônus da prova recai sobre o exequente que alega o preenchimento dos requisitos legais para o redirecionamento da execução, bem como que o sócio não teve oportunidade de exercer seu direito de defesa na esfera administrativa, imperiosa a conclusão de que deve ser instaurado o incidente de desconsideração de personalidade jurídica por força do princípio do devido processo legal.
Por fim, conclui que não há especialidade entre as normas do CTN com relação aos artigos 50 do CC e 28 do CDC, mas sim vias alternativas de desconsideração da personalidade jurídica que operam efeitos em âmbitos distintos do Direito de modo que eventual negativa de atribuição de responsabilidade tributária aos sócios não impede que seja trilhada a via da desconsideração no âmbito civil e societário.
- A Universidade Presbiteriana Mackenzie, representada pelos professores Dr. André Pagani de Souza e Dr. Luis Eduardo Simardi Fernandes, sustenta que a criação do IDPJ, conforme exposição de motivos do CPC, tem a finalidade de harmonizar a legislação ordinária com a Constituição Federal, bem como reparar a história restrição ao direito de defesa, que era exercido mediante prévia constrição patrimonial pela via dos embargos à execução ou em hipóteses especialíssimas em que se admitia a exceção de pré-executividade a partir de construção jurisprudencial e, ainda sim, sem que houvesse a suspensão da execução.
Acrescenta que a necessidade de se imprimir eficiência à execução do crédito tributário não pode se sobrepor à garantia constitucional dos princípios do contraditório e da ampla defesa e que o Art. 134 do CPC prevê expressamente a aplicação do IDPJ nas execuções fundadas em título extrajudicial.
- Universidades e associações - na mesma linha no sentido de ser aplicável o IDPJ em todas as hipóteses de redirecionamento da execução, honraram-nos com argumentos semelhantes em seus respectivos pareceres juntados aos autos as seguintes instituições: Centro Universitário Antonio Eufrásio de Toledo de Presidente Prudente - SP, Pontifícia Universidade Católica de Campinas - PUCCAMP, Associação pela Liberdade de Expressão - LIBEX e Instituto de Pesquisas Tributárias - IPT.


2. Manifestações contrárias à aplicação do IDPJ nas hipóteses de redirecionamento ao sócio, fundada em responsabilidade tributária:


- Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, representada pela professora Dra. Tathiane Piscitelli, manifesta-se no sentido de que o Art. 135, III do CTN cuida de responsabilidade solidária dos sócios que prescinde da desconsideração de personalidade jurídica, bem como que o contraditório e ampla defesa são garantidos pelas vias dos embargos à execução e exceção de pré-executividade.
Conclui no sentido de que o IDPJ é compatível com o rito da LEF, todavia, deve ser empregado apenas nas hipóteses do Art. 50 do CC, isto é, efetiva superação da autonomia do patrimônio da pessoa jurídica mediante desconsideração de personalidade e não no caso de responsabilidade solidária do sócio.
- Com argumentos semelhantes, nessa mesma linha, o parecer do Centro Universitário de Bauru, mantido pela Instituição Toledo de Ensino.
- Município de São Paulo, representado pelo procurador do município Lucas Melo Nóbrega, sustenta que as hipóteses descritas no Art. 135, III do CTN dizem respeito à responsabilidade tributária do sócio e independem da ocorrência de desconsideração da personalidade jurídica para que tenham efeito (súmula STJ 435), conforme entendimento firmado nos enunciados 53 da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) e 6 do Fórum de Execuções Fiscais da Segunda Região (Forexec).
Acrescenta que a dilação probatória e a suspensão do processo de execução impostas pelo incidente de desconsideração da personalidade jurídica são incompatíveis com o rito da LEF, conforme a súmula 393 do STJ, bem como que tal suspensão não teria a contrapartida de suspensão do prazo prescricional uma vez que não se enquadra nas hipóteses do Art. 151 do CTN.
Por fim, aduz que em certos casos o legislador prevê que uma das partes suporte os efeitos deletérios da demora no processo antes que possa se manifestar, como é o caso da tutela da evidência, Art. 9º, III do CPC, similar a responsabilidade tributária aqui debatida, bem como que a exceção de pré-executividade é meio adequado para garantir o direito de defesa do sócio.

Por fim, o Ministério Público Federal opinou pelo acolhimento do pleito subsidiário da Fazenda Nacional no presente incidente de resolução de demandas repetitivas, distinguindo as hipóteses de responsabilidade tributária nos termos do inciso III do Art. 135 do CTN em que sustenta a manutenção do redirecionamento da execução nos próprios autos, todavia, aduzindo ser obrigatória a instauração do incidente de desconsideração de personalidade jurídica nos casos de abuso de personalidade jurídica caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial (Art. 50 do CC).



É o relatório.



















VOTO

Observo que o caminho para a solução da controvérsia em tela passa necessariamente pela discussão de dois temas centrais: direito de defesa e efetividade da execução.


Da colisão desses interesses é que nasce a discussão sobre o procedimento aplicável na hipótese de redirecionamento da execução fiscal aos sócios na medida em que privilegiar um deles, por vezes, implica em restringir o outro.


A tese defendida pela Fazenda Nacional está fundada na incompatibilidade do IDPJ com a LEF na medida em que o incidente permite a defesa sem garantia do juízo, contrariando assim o disposto no § 1º do Art. 16 da LEF, e determina a suspensão do processo executivo, convertendo-o em processo de conhecimento, sem qualquer exigência de comprovação de fumus boni juris e periculum in mora.


Passo a analisar os pontos levantados pela requerente, bem como aqueles abordados por ocasião da audiência pública.


1. Previsão legal.


É bem verdade que o Art. 134 do CPC impõe a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica - IDPJ em todas as fases do processo de conhecimento, cumprimento de sentença e na execução extrajudicial, o que incluiria, a princípio, a execução fiscal.

Contudo, a técnica legislativa empregada no CPC foi no sentido de haver disposição expressa quanto à aplicação do IDPJ em um microssistema. É o que se vê no Art. 1.062 com relação aos juizados especiais:

"Art. 1.062. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica aplica-se ao processo de competência dos juizados especiais."

No entanto, o código silencia a respeito da aplicação do IDPJ ao microssistema da execução fiscal, o que sugere esteja sendo prestigiado o princípio da especialidade.


Nestes termos, o liame entre o IDPJ e a LEF dependeria da aplicação subsidiária do CPC, prevista no Art. 1º da LEF, mas neste caso com a finalidade de suprir eventuais lacunas e sem desnaturar o procedimento, isto é, desde que verificada a compatibilidade da norma com o microssistema.


2. Distinção entre desconsideração da personalidade jurídica e responsabilidade tributária nos termos dos artigos 124, 133, 134 e 135 do CTN.


Colho das manifestações favoráveis à aplicação do IDPJ em sede de execução que a origem deste debate estaria na infeliz escolha da nomenclatura dada ao IDPJ pelo CPC, pois melhor teria sido adotar o termo "incidente de desconsideração em virtude do agir do terceiro" que traduzira com mais exatidão a finalidade da criação deste incidente, conforme se apresenta na exposição de motivos do CPC.


Acrescentam que embora haja distinção doutrinária entre desconsideração de personalidade jurídica e responsabilização de sócios, na essência, o que se pretende é a superação da autonomia patrimonial da sociedade empresária, a qual enseja a instauração do IDPJ sob pena de surpreender o sócio que não participou do processo administrativo imputando-lhe responsabilidade sem que lhe seja franqueado o direito de defesa pleno.


Não compartilho deste entendimento, primeiro porque o resultado alcançado não é idêntico na medida em que a desconsideração de personalidade jurídica atinge a todos os sócios e a responsabilidade tributária destina-se exclusivamente ao sócio administrador.


Ademais, mesmo sob o prisma de que os dois caminhos teriam a mesma finalidade, não se perca de vista que cada qual tem seu regime jurídico. A responsabilidade tributária é mais célere, pois não necessita "levantar o véu" da pessoa jurídica.


Permitam-me uma comparação grosseira a esse respeito. Cônjuge e companheiro (REsp 1292537), nos termos do Art. 1.644 do CC, são responsáveis solidários pelas dívidas contraídas no interesse da família. Entretanto, o redirecionamento da execução da dívida aos bens do companheiro requer a comprovação da existência de união estável, ao passo que para redirecionamento aos bens do cônjuge basta a certidão de casamento.


Por fim, o emprego de um termo técnico-jurídico, como é o caso da expressão "desconsideração da personalidade jurídica", comunica com clareza a vontade do legislador e não dá margem para interpretação extensiva a abarcar hipótese não desejada.


3. Dilação probatória.


A execução fiscal tem como premissa a liquidez e certeza do título executivo e por essência não comporta dilação probatória, sob pena de ser convertida em processo de conhecimento.


Tal premissa é aplicável a ambas as partes: exequente e executado, pois de um lado restringe a defesa do executado na própria execução a matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória e, de outro lado, impõe ao exequente que a responsabilidade do sócio seja comprovada de plano. É o que se depreende do entendimento do E. STJ cristalizado nas seguintes súmulas:

STJ - Súmula 393 - "A exceção de pré-executividade é admissível na execução fiscal relativamente às matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória."
STJ - Súmula 435 - "Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente."
STJ - Súmula 430. "O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente."

Disto resulta que a produção probatória do rito do IDPJ, prevista no Art. 135 do CPC, é incompatível com o rito da LEF.


4. Garantia do juízo.


A garantia do juízo é característica intrínseca ao microssistema da LEF e foi reconhecida pelo STJ REsp 1.272.827, julgado em regime de recursos repetitivos, como requisito para a suspensão da execução.


Isto porque o Art. 736 do CPC/73, com redação dada pela Lei 11.382/2006, tal qual o atual Art. 914 do CPC, previa o exercício pleno do direito de defesa via oposição de embargos do devedor sem garantia do juízo, mas prevaleceu a aplicação do princípio da especialidade da LEF:


PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. APLICABILIDADE DO ART. 739-A, §1º, DO CPC ÀS EXECUÇÕES FISCAIS. NECESSIDADE DE GARANTIA DA EXECUÇÃO E ANÁLISE DO JUIZ A RESPEITO DA RELEVÂNCIA DA ARGUMENTAÇÃO (FUMUS BONI JURIS) E DA OCORRÊNCIA DE GRAVE DANO DE DIFÍCIL OU INCERTA REPARAÇÃO (PERICULUM IN MORA) PARA A CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO AOS EMBARGOS DO DEVEDOR OPOSTOS EM EXECUÇÃO FISCAL.
(...)
6. Em atenção ao princípio da especialidade da LEF, mantido com a reforma do CPC/73, a nova redação do art. 736, do CPC dada pela Lei n. 11.382/2006 - artigo que dispensa a garantia como condicionante dos embargos - não se aplica às execuções fiscais diante da presença de dispositivo específico, qual seja o art. 16, §1º da Lei n. 6.830/80, que exige expressamente a garantia para a apresentação dos embargos à execução fiscal.
7. Muito embora por fundamentos variados - ora fazendo uso da interpretação sistemática da LEF e do CPC/73, ora trilhando o inovador caminho da teoria do "Diálogo das Fontes", ora utilizando-se de interpretação histórica dos dispositivos (o que se faz agora) - essa conclusão tem sido a alcançada pela jurisprudência predominante, conforme ressoam os seguintes precedentes de ambas as Turmas deste Superior Tribunal de Justiça. Pela Primeira Turma: AgRg no Ag 1381229 / PR, Primeira Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 15.12.2011; AgRg no REsp 1.225.406 / PR, Primeira Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, julgado em 15.02.2011; AgRg no REsp 1.150.534 / MG, Primeira Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 16.11.2010; AgRg no Ag 1.337.891 / SC, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 16.11.2010; AgRg no REsp 1.103.465 / RS, Primeira Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 07.05.2009. Pela Segunda Turma: AgRg nos EDcl no Ag n. 1.389.866/PR, Segunda Turma, Rei. Min. Humberto Martins,DJe de 21.9.2011; REsp, n. 1.195.977/RS, Segunda Turma, Rei. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 17/08/2010; AgRg no Ag n. 1.180.395/AL, Segunda Turma, Rei. Min. Castro Meira, DJe 26.2.2010; REsp, n, 1.127.353/SC, Segunda Turma, Rei. Min. Eliana Calmon, DJe 20.11.2009; REsp, 1.024.128/PR, Segunda Turma, Rei. Min. Herman Benjamin, DJe de 19.12.2008.
8. Superada a linha jurisprudencial em sentido contrário inaugurada pelo REsp. n. 1.178.883 - MG, Primeira Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 20.10.2011 e seguida pelo AgRg no REsp 1.283.416 / AL, Primeira Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 02.02.2012; e pelo REsp 1.291.923 / PR, Primeira Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 01.12.2011.
9. Recurso especial provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C, do CPC, e da Resolução STJ n. 8/2008.
(REsp 1272827/PE, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/05/2013, DJe 31/05/2013)

Nestes termos, a incorporação do IDPJ à execução fiscal, a qual possibilitaria o exercício amplo do direito de defesa sem garantia do juízo, fere de morte o entendimento consolidado no e. STJ.

Acresço, ainda sobre o tema, manifestação da Procuradoria do Município de São Paulo no sentido de que o legislador, em certos casos, elege a parte que suportará os efeitos deletérios da demora processual antes que possa se manifestar, como é o caso da tutela de evidência do Art. 9º, III do CPC e, no caso da LEF, elegeu o executado que terá os seus bens constritos até julgamento dos embargos à execução.


5. Suspensão da execução.


No microssistema da LEF a suspensão da execução por embargos à execução exige: garantia do juízo, periculum in mora e fumus boni juris. Inteligência do Art. 16, § 1º da LEF c.c. Art. 739-A, § 1º do CPC/73 (atual 919, § 1º do CPC) conforme o supracitado julgamento do RESP 1.272.827 em regime de recursos repetitivos.

Contudo, a simples instauração do IDPJ (Art. 134, § 3º do CPC) suspende automaticamente a execução.

Ainda que se admita o prosseguimento da execução em relação ao devedor original, não há nenhum efeito prático na medida em que o requerimento de redirecionamento da execução, por regra, está fundado na incapacidade da empresa em garantir a execução.

Outrossim, observo que a execução é suspensa sem contrapartida em relação ao prazo prescricional do crédito tributário, uma vez que o IDPJ não integra o rol do Art. 151 do CTN.


6. Conclusão.


Concluo, portanto, pela incompatibilidade do IDPJ ao rito da LEF nas hipóteses de redirecionamento aos sócios nos casos de responsabilidade tributária dos artigos 124, 133, 134 e 135 do CTN.


Nesta linha, cito precedentes de ambos os órgãos fracionários da Primeira Seção do STJ:


PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO.
GRUPO ECONÔMICO. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE DA PESSOA JURÍDICA. FUNDAMENTO INVOCADO PARA ATRIBUIÇÃO DA RESPONSABILIDADE E À NATUREZA E À ORIGEM DO DÉBITO COBRADO. EXAME. NECESSIDADE. ACÓRDÃO. CASSAÇÃO.
1. "O agravo poderá ser julgado, conforme o caso, conjuntamente com o recurso especial ou extraordinário, assegurada, neste caso, sustentação oral, observando-se, ainda, o disposto no regimento interno do tribunal respectivo" (art. 1.042, § 5º, do CPC/2015).
2. A atribuição, por lei, de responsabilidade tributária pessoal a terceiros, como no caso dos sócios-gerentes, autoriza o pedido de redirecionamento de execução fiscal ajuizada contra a sociedade empresária inadimplente, sendo desnecessário o incidente de desconsideração da personalidade jurídica estabelecido pelo art. 134 do CPC/2015.
3. Hipótese em que o TRF da 4ª Região decidiu pela desnecessidade do incidente de desconsideração, com menção aos arts. 134 e 135 do CTN, inaplicáveis ao caso, e sem aferir a atribuição de responsabilidade pela legislação invocada pela Fazenda Nacional, que requereu a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica para alcançar outra, integrante do mesmo grupo econômico.
4. Necessidade de cassação do acórdão recorrido para que o Tribunal Regional Federal julgue novamente o agravo de instrumento, com atenção aos argumentos invocados pela Fazenda Nacional e à natureza e à origem do débito cobrado.
5. Agravo conhecido. Recurso especial provido.
(AREsp 1173201/SC, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/02/2019, DJe 01/03/2019)
REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL. SUCESSÃO DE EMPRESAS. GRUPO ECONÔMICO DE FATO. CONFUSÃO PATRIMONIAL. INSTAURAÇÃO DE INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DESNECESSIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022, DO CPC/2015. INEXISTÊNCIA.
I - Impõe-se o afastamento de alegada violação do art. 1.022 do CPC/2015, quando a questão apontada como omitida pelo recorrente foi examinada no acórdão recorrido, caracterizando o intuito revisional dos embargos de declaração.
II - Na origem, foi interposto agravo de instrumento contra decisão que, em via de execução fiscal, deferiu a inclusão da ora recorrente no polo passivo do feito executivo, em razão da configuração de sucessão empresarial por aquisição do fundo de comércio da empresa sucedida.
III - Verificado, com base no conteúdo probatório dos autos, a existência de grupo econômico e confusão patrimonial, apresenta-se inviável o reexame de tais elementos no âmbito do recurso especial, atraindo o óbice da Súmula n. 7/STJ.
IV - A previsão constante no art. 134, caput, do CPC/2015, sobre o cabimento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, na execução fundada em título executivo extrajudicial, não implica a incidência do incidente na execução fiscal regida pela Lei n. 6.830/1980, verificando-se verdadeira incompatibilidade entre o regime geral do Código de Processo Civil e a Lei de Execuções, que diversamente da Lei geral, não comporta a apresentação de defesa sem prévia garantia do juízo, nem a automática suspensão do processo, conforme a previsão do art. 134, § 3º, do CPC/2015. Na execução fiscal "a aplicação do CPC é subsidiária, ou seja, fica reservada para as situações em que as referidas leis são silentes e no que com elas compatível" (REsp n. 1.431.155/PB, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 27/5/2014).
V - Evidenciadas as situações previstas nos arts. 124, 133 e 135, todos do CTN, não se apresenta impositiva a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, podendo o julgador determinar diretamente o redirecionamento da execução fiscal para responsabilizar a sociedade na sucessão empresarial. Seria contraditório afastar a instauração do incidente para atingir os sócios-administradores (art. 135, III, do CTN), mas exigi-la para mirar pessoas jurídicas que constituem grupos econômicos para blindar o patrimônio em comum, sendo que nas duas hipóteses há responsabilidade por atuação irregular, em descumprimento das obrigações tributárias, não havendo que se falar em desconsideração da personalidade jurídica, mas sim de imputação de responsabilidade tributária pessoal e direta pelo ilícito.
VI - Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, improvido.
(REsp 1786311/PR, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/05/2019, DJe 14/05/2019)

No mesmo sentido os enunciados da ENFAM e do Fórum de Execuções Fiscais da 2ª Região (Forexec):


Enfam - Enunciado 53. "O redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente prescinde do incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto no art. 133 do CPC/2015."
Forexec - Enunciado 6. "A responsabilidade tributária regulada no art. 135 do CTN não constitui hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, não se submetendo ao incidente previsto no art. 133 do CPC/2015."

7. Casos de desconsideração da personalidade jurídica propriamente dita.


Ressalto a necessidade de instauração do IDPJ nos casos típicos de desconsideração de personalidade jurídica pelo simples fato de que a necessidade de dilação probatória decorre de ônus da própria Fazenda Nacional quanto ao preenchimento dos requisitos para atingir o patrimônio de terceiro sem responsabilidade tributária.


Em outras palavras, é o próprio exequente quem dá causa à produção de provas e não o exercício do direito de defesa do executado. É o que se depreende de precedente do STJ sobre o redirecionamento a pessoa jurídica que integra grupo econômico "de fato":

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO A PESSOA JURÍDICA. GRUPO ECONÔMICO "DE FATO". INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CASO CONCRETO. NECESSIDADE.
1. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica (art.
133 do CPC/2015) não se instaura no processo executivo fiscal nos casos em que a Fazenda exequente pretende alcançar pessoa jurídica distinta daquela contra a qual, originalmente, foi ajuizada a execução, mas cujo nome consta na Certidão de Dívida Ativa, após regular procedimento administrativo, ou, mesmo o nome não estando no título executivo, o fisco demonstre a responsabilidade, na qualidade de terceiro, em consonância com os artigos 134 e 135 do CTN.
2. Às exceções da prévia previsão em lei sobre a responsabilidade de terceiros e do abuso de personalidade jurídica, o só fato de integrar grupo econômico não torna uma pessoa jurídica responsável pelos tributos inadimplidos pelas outras.
3. O redirecionamento de execução fiscal a pessoa jurídica que integra o mesmo grupo econômico da sociedade empresária originalmente executada, mas que não foi identificada no ato de lançamento (nome na CDA) ou que não se enquadra nas hipóteses dos arts. 134 e 135 do CTN, depende da comprovação do abuso de personalidade, caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial, tal como consta do art. 50 do Código Civil, daí porque, nesse caso, é necessária a instauração do incidente de desconsideração da personalidade da pessoa jurídica devedora.
4. Hipótese em que o TRF4, na vigência do CPC/2015, preocupou-se em aferir os elementos que entendeu necessários à caracterização, de fato, do grupo econômico e, entendendo presentes, concluiu pela solidariedade das pessoas jurídicas, fazendo menção à legislação trabalhista e à Lei n. 8.212/1991, dispensando a instauração do incidente, por compreendê-lo incabível nas execuções fiscais, decisão que merece ser cassada.
5. Recurso especial da sociedade empresária provido.
(REsp 1775269/PR, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/02/2019, DJe 01/03/2019)

Ante o exposto, acolho o pleito subsidiário da Fazenda Nacional formulado no presente incidente de resolução de demandas repetitivas, para autorizar o redirecionamento da execução nos casos de responsabilidade tributária.


Por fim, proponho a fixação da tese jurídica do presente IRDR nos seguintes termos:


"Não cabe instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica nas hipóteses de redirecionamento da execução fiscal fundada em responsabilidade tributária."

É o voto.


BAPTISTA PEREIRA
Desembargador Federal


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