Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0007580-22.2005.4.03.6100/SP
2005.61.00.007580-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOHONSOM DI SALVO
APELANTE : Uniao Federal
ADVOGADO : GUSTAVO HENRIQUE PINHEIRO DE AMORIM
APELADO : LUIZ EDUARDO CAMPELLO
ADVOGADO : GIULIANA BATISTA PAVANELLO
REMETENTE : JUIZO FEDERAL DA 19 VARA SAO PAULO Sec Jud SP

QUESTÃO DE ORDEM

Cuida-se de mandado de segurança impetrado objetivando a expedição de certidão de transferência de ocupação, referente aos imóveis objetos dos processos administrativos nº s 05026.002461/2001-31, 05026.002462/2001-86, 05026.002463/2001-21 e 05026.002465/2001-10, de propriedade da empresa ENA Exportações e Participações Ltda. para o impetrante, independentemente do pagamento do laudêmio.


Sobre a matéria versada nestes autos o meu entendimento é o seguinte:


O laudêmio advém do instituto da enfiteuse, também conhecida como aforamento, figura jurídica de natureza perpétua, onde há o "senhorio direto", proprietário, e o "enfiteuta" (ou "foreiro"), pessoa que adquiriu o domínio útil do imóvel (que por ficção se destaca do domínio pleno) e se obrigou a pagar uma pensão anual (foro) àquele; na enfiteuse o enfiteuta pode alienar a terceiro o domínio útil do imóvel desde que antes consulte o senhorio direto, pois este tem preferência na retomada do domínio útil.


Os bens públicos da União Federal, como os terrenos de marinha e seus acrescidos, são regidos por uma legislação administrativa especial, que determina ser o laudêmio equivalente ao percentual de 5% sobre o valor atualizado do domínio pleno do terreno, incluindo as benfeitorias nele existentes; somente os bens dos demais entes federativos, de particulares e da Igreja é que são regidos pelo Direito Civil. É certo que o Código Civil de 2002 proibiu a constituição de novas enfiteuses, mas manteve as já existentes com a disciplina e os meios de extinção do Código Civil de 1916.


Na enfiteuse administrativa (bens da União) o proprietário do imóvel é a União Federal que detém o domínio pleno sobre o bem, já que atribui a maior porção do domínio útil do imóvel a outrem, no papel do senhorio indireto que deixa de ter o domínio pleno. O "foreiro" goza de diversos direitos inerentes à propriedade, inclusive o direito de alienação do domínio útil. Porém, para exercer esse direito específico deverá pagar o laudêmio ao senhorio direto (União Federal).


Na verdade o laudêmio não é tributo. Trata-se de uma contraprestação pecuniária a que se obrigou o "foreiro" quando firmou o contrato de enfiteuse com a União Federal. A obrigação não nasce diretamente da lei (ex lege) como no caso do tributo pois tem origem contratual. O laudêmio é uma contraprestação vinculada ao contrato de transmissão do domínio útil do "foreiro" para um terceiro, depois que a União Federal não se interessa em retomar o domínio útil.


Não tem natureza de preço público e menos ainda de tarifa.


O laudêmio, que não se confunde com as taxas de ocupação de áreas públicas, só interfere nas transações de transmissão do domínio útil, sendo, por isso, episódico. Assim é que os Cartórios de Notas e Registro de Imóveis, sob pena de responsabilidade dos seus respectivos titulares, não lavrarão e nem registrarão escrituras relativas a bens imóveis de propriedade da União, ou que contenham, ainda que parcialmente, área de seu domínio, sem a certidão da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) de quitação do laudêmio e demais obrigações porventura devidas junto ao órgão.


Conforme dito na INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 1, DE 23 DE JULHO DE 2007, "o laudêmio é a receita patrimonial correspondente à compensação que a União recebe pelo não exercício do direito de consolidar o domínio pleno sempre que se realize transação onerosa de transferência ou promessa de transferência do domínio útil ou da ocupação de imóvel da União", sendo sujeito passivo o alienante ou cedente; o pagamento obedecerá a alíquota de 5% (cinco por cento) do valor atualizado do domínio pleno do terreno da União e das benfeitorias nele construídas.


Trata-se, portanto, de receita patrimonial da União diversa do tributo e de outras que incidam pelo uso, ocupação e arrendamento de bens públicos federais.


Importa destacar, mais uma vez, que envolve um contrato entre particulares mas que exige prévia postura da União (enfiteuta), avença que depende do prévio recolhimento de um valor em favor da União Federal pelo simples fato de a mesma não desejar retomar o domínio útil.


Sintetizando: o laudêmio é uma receita patrimonial da União, distinta da esfera de direito privado, decorrente de um ato administrativo pelo qual a União - enfiteuta - deixa de retomar o domínio útil de um bem imóvel de propriedade dela.


O laudêmio de bens federais não é regido pelo Direito Civil, não é permeado pelo direito privado.


É figura jurídica que nasce na verdade de dois atos administrativos: primeiro, a constituição da enfiteuse de bem público da União em favor de um particular; segundo, o ato da União de desinteresse em retomar o domínio útil e assim autorizar a transmissão desse domínio útil do "foreiro" para outrem. É, pois, a contraprestação sob forma de receita pública devida pelo "foreiro" alienante do domínio útil.


O quanto exposto encontra eco na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, como segue:


PROCESSO CIVIL - ADMINISTRATIVO - TERRENOS DE MARINHA - COBRANÇA DA TAXA DE OCUPAÇÃO - PRAZO PRESCRICIONAL - APLICAÇÃO DO DECRETO-LEI 20.910/32.
1. Os terrenos de marinha são bens públicos que se destinarem historicamente à defesa territorial e atualmente à proteção do meio ambiente costeiro.
2. Permite-se a ocupação por particulares, mediante o pagamento de taxa de ocupação e de laudêmio quando da transferência, em relação eminentemente pública, regida pelas regras do direito administrativo.
2. Fixada a natureza jurídica da relação, prazos para cobrança das obrigações dela oriundas seguem as regras da decadência e da prescrição previstos no Direito Público.
4. Inexistindo regra própria até o advento da Lei n. 9.363/98, aplica-se a regra geral do art. 1º do Decreto-lei n. 20.910/32, ou seja, o prazo quinquenal, em interpretação analógica, sendo inaplicável o Código Civil.
5. Recurso especial provido em parte.
(REsp 1044105/PE, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/08/2009, DJe 14/09/2009, destaquei)
PROCESSO CIVIL - ADMINISTRATIVO - TAXA DE OCUPAÇÃO DE TERRENOS DE MARINHA - DIREITO PATRIMONIAL - PRAZO PRESCRICIONAL - ART. 177, CC/16 - LEIS 9.636/98, 9.821/99, MP 152 E 10.852/04 - DECRETO-LEI 20.910/32 - ANALOGIA - EXISTÊNCIA DE NORMAS DE DIREITO PÚBLICO - PRINCÍPIO DA SIMETRIA - APLICAÇÃO.
1. Os terrenos de marinha são bens públicos que diferem da propriedade comum por se destinarem historicamente à defesa territorial e atualmente à proteção do meio ambiente costeiro, cuja ocupação mediante o pagamento de taxas e laudêmio decorre de uma relação de Direito administrativo entre a União e o particular.
2. Fixada a natureza do regime jurídico da taxa de ocupação, aplicam-se-lhe os prazos decadencial e prescricional previstos nas normas de Direito Público, já que no processo integrativo o intérprete deve buscar, prioritariamente, no próprio Sistema de Direito Público as normas aplicáveis por analogia.
3. Existência de norma jurídica de Direito Público idônea a suprir a lacuna normativa: art. 1º do Decreto-lei n. 20.910/32 para o prazo de cobrança executiva. Princípio da simetria. Inaplicabilidade do art. 177 do CC/16, nos termos do art. 2038, § 2º, do CC/02.
4. Aplicação do prazo qüinqüenal de prescrição até o advento da Lei n. 9.363/98.
5. Recurso especial não provido.
(REsp 1044320/PE, Rel. Ministra ELIANA CALMON, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/06/2009, DJe 17/08/2009, destaquei)

Tudo isso reforça meu sentir acerca a incompetência da 1ª Seção para apreciar casos como o presente, pois não tenho como alojar no § 1° do artigo 10 do Regimento Interno a execução de receita patrimonial da União Federal que nada tem a ver com o direito privado, restando convicto da competência da 2ª Seção; nesse âmbito, penitencio-me porque anteriormente e sem maiores reflexões admiti-me competente para apreciar matéria decorrente de enfiteuse, foro e taxa de ocupação, fazendo-o equivocadamente porquanto tudo isso deriva de regras de direito público, matéria de competência da 2ª Seção.


Ante o exposto, na forma do artigo 33, III, do Regimento Interno desta Corte Regional, suscito a presente questão de ordem para o fim de ser reconhecida a incompetência da 1ª Seção, 1ª Turma, para conhecer e julgar o presente feito, remetendo-o para a 2ª Seção. Dispensada a lavratura de acórdão nos termos do art. 84, parágrafo único, inciso IV c/c o art. 86, §2º, ambos do Regimento Interno desta Corte.



Johonsom di Salvo
Relator


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