APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5008363-69.2018.4.03.6100
RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CECÍLIA MARCONDES
APELANTE: NELSON SCARPIN
Advogado do(a) APELANTE: ANDRE MARCELLINI - SP314285-A
APELADO: UNIAO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5008363-69.2018.4.03.6100 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CECÍLIA MARCONDES APELANTE: NELSON SCARPIN Advogado do(a) APELANTE: ANDRE MARCELLINI - SP314285-A APELADO: UNIAO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação interposta por Nelson Scarpin em face de sentença que denegou a segurança, requerida para o fim de obter provimento jurisdicional que reconheça o suscitado direito líquido e certo do impetrante à obtenção de arma de fogo. Não houve condenação em honorários advocatícios, tendo em vista o disposto no artigo 25 da Lei nº 12.016/2009 (Id nº 43268267). Alega o apelante, em síntese, que exerce a função de Diretor em empresa de grande porte, além de possuir coleção de veículos que são expostos em eventos abertos ao público, de modo a estar sujeito a investidas criminosas frequentes. Sustenta que seu pleito não se baseia em um fato isolado, mas em um conjunto de necessidades relacionadas às circunstâncias em que vive, quais sejam: ser membro de clube de tiro, praticar tiro desportivo, ser abonado financeiramente, possuir bens valiosos e morar em local visado por criminosos. Frisa que o objeto deste mandamus é o reconhecimento do direito à obtenção do porte geral de arma de fogo, visto que já possui o “porte de trânsito” de suas armas desportivas registrado junto ao Exército Brasileiro. Argumenta que, nos termos do artigo 12, § 7º, inciso VI, do Decreto nº 5.123/2004, há uma presunção de efetiva necessidade do porte de arma no caso de colecionadores (Id nº 43268274). A União apresentou contrarrazões (Id nº 43269483). O Ministério Público Federal manifestou-se pelo desprovimento da apelação (Id nº 60692176). Tendo em vista a superveniência dos Decretos nºs 9.785/2019 e 9.797/2019, determinei, em 04/06/2019, a manifestação das partes acerca da eventual influência destes atos normativos sobre a matéria em debate nestes autos (Id nº 67706169). O impetrante manifestou-se no Id nº 70132080, reiterando os termos da apelação. A seu turno, a União apresentou manifestação no Id nº 70387684, asseverando, em síntese, que a superveniência do Decreto nº 9.785/2009 “não modifica o estabelecido pelo art. 10, §1º, inciso I, da Lei nº 10.826/03, que condiciona a autorização à demonstração da efetiva necessidade por exercício de atividade profissional de risco ou de ameaça à sua integridade física”. Pugnou, assim, pela manutenção da sentença. Novo Parecer do Ministério Público Federal, no qual informa acerca da revogação dos Decretos nºs. 9.785/2019 e 9.797/2019 pelo Decreto nº 9.847/2009 e, ao final, reitera o Parecer anterior, no sentido do desprovimento da apelação (Id nº 77859736). É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5008363-69.2018.4.03.6100 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CECÍLIA MARCONDES APELANTE: NELSON SCARPIN Advogado do(a) APELANTE: ANDRE MARCELLINI - SP314285-A APELADO: UNIAO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O presente mandado de segurança foi impetrado com o intuito de obter provimento jurisdicional que reconheça o direito do impetrante à obtenção do porte de arma de fogo. O tema em debate é regido pela Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento). No que concerne especificamente à pretensão do impetrante, assim disciplina o artigo 10, § 1º, da lei em apreço: “Art. 10. A autorização para o porte de arma de fogo de uso permitido, em todo o território nacional, é de competência da Polícia Federal e somente será concedida após autorização do Sinarm. § 1o A autorização prevista neste artigo poderá ser concedida com eficácia temporária e territorial limitada, nos termos de atos regulamentares, e dependerá de o requerente: I – demonstrar a sua efetiva necessidade por exercício de atividade profissional de risco ou de ameaça à sua integridade física; II – atender às exigências previstas no art. 4o desta Lei; III – apresentar documentação de propriedade de arma de fogo, bem como o seu devido registro no órgão competente.” (sem grifos no original) Portanto, a teor do disposto no artigo 10, § 1º, inciso I, da Lei nº 10.826/2003 (destacado acima), a autorização do porte de arma de fogo requer seja demonstrada a sua efetiva necessidade, em razão do exercício de atividade profissional de risco ou de ameaça à integridade física do requerente. O pleito do impetrante foi indeferido na esfera administrativa em síntese porque “não comprovou estar inserido de maneira concreta e efetiva em um conjunto de circunstâncias potencialmente ameaçadoras à sua vida ou integridade física” (Id nº 43268243, página 43). Pertinente transcrever trecho do Parecer do Núcleo de Controle de Armas, que constituiu subsídio para o indeferimento administrativo: “No caso do impetrante, ficou claro que ele não demonstrou a efetiva necessidade, tal qual exigida pelo artigo 10, § 1º, inciso I, da Lei nº 10.826/03, vez que tal dispositivo condiciona a autorização do porte de arma à demonstração do “exercício de atividade profissional de risco” ou de “ameaça à integridade física”, e o requerente não conseguiu convencer a autoridade competente de que sua situação profissional ou pessoal se insere em alguma das duas hipóteses. Quanto ao “exercício de atividade profissional de risco” (art. 10, § 1º, I, Lei 10.826/03), caberia ao requerente demonstrar, mediante a apresentação de provas, que as atividades por ele desenvolvidas têm o potencial de gerar-lhe ameaças à sua vida ou integridade física, o que não ocorreu no caso em apreço. Não sendo demonstrado, como dito alhures, o exercício de profissão de risco, restaria ao requerente comprovar que a efetiva necessidade para a autorização de porte de arma decorreria da hipótese de “ameaça à sua integridade física” (art. 10, in fine, Lei 10.826/03), independentemente da profissão por ele desenvolvida, o que também não ocorreu no presente caso”. (Id nº 43268243, página 41) Nesse contexto, impende consignar que este Tribunal tem sólido entendimento no sentido de que a aferição do preenchimento dos requisitos necessários ao deferimento do porte de arma é matéria afeta à discricionariedade administrativa, de modo que a intervenção do Poder Judiciário só se justifica nas hipóteses em que caracterizada ilegalidade na atuação administrativa. No caso concreto, verifica-se que as alegações e os documentos apresentados pelo impetrante foram analisados de forma percuciente na seara administrativa, não se vislumbrando, do quanto instruído, eventual cerceamento de defesa ou ofensa às normas legais incidentes. Assevero que igualmente inexiste nestes autos documento hábil a evidenciar o cumprimento dos requisitos previstos no inciso I do § 1º da Lei nº 10.826/2003. Por conseguinte, deve prevalecer a conclusão administrativa, visto que alicerçada em regular exercício do juízo de conveniência e oportunidade (mérito administrativo) e proferida com supedâneo nas disposições da lei que rege a matéria. Sobre o tema, destaco os seguintes julgados desta Corte: “ADMINISTRATIVO. AUTORIZAÇÃO PARA PORTE DE ARMA DE FOGO. LEI Nº 10.826/03. ATO DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. 1. A autoridade impetrada indeferiu o pedido administrativo de autorização para porte de arma de fogo formulado pelo impetrante, sob a assertiva de não ter sido demonstrada a efetiva necessidade da autorização de porte de arma de fogo, nos termos previstos no artigo 10, §1º, inciso I, da Lei nº 10.826/2003. 2. A concessão do porte de arma insere-se no poder discricionário da Administração, cujo controle pelo Poder Judiciário, se limita ao aspecto da legalidade, sem qualquer incursão sobre a conveniência e oportunidade. 3. O impetrante não demonstrou, nos autos, o alegado direito líquido e certo à autorização postulada, não sendo suficiente sua alegada qualidade de atirador para permitir o porte de arma de fogo para defesa pessoal, porquanto não observados os demais requisitos legais para obtê-la. 4. Na presente ação mandamental, o impetrante nada juntou a comprovar a efetiva necessidade do porte de arma ou de ameaça à sua integridade física,não sendo suficiente sua alegada qualidade de comerciante de armas de fogo e munições para permitir o porte de arma de fogo para defesa pessoal. 5. Não comprovado nos autos o cumprimento de todos os requisitos previstos na legislação que disciplina a matéria e, não comportando a ação mandamental dilação probatória, deve ser mantida a denegação da segurança. 6. Apelação desprovida.” (sem grifos no original) (TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 369959 - 0008340-19.2015.4.03.6100, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NELTON DOS SANTOS, julgado em 21/02/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:02/03/2018 ) “ADMINISTRATIVO. PORTE DE ARMA DE FOGO. LEI Nº 10.826/03. AVALIAÇÃO DISCRICIONÁRIA. REQUISITOS AUSENTES. MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS § 11 DO ART. 85 DO CPC/2015. APELAÇÃO IMPROVIDA. -A competência para a concessão do uso de armamento para prática desportiva é do Comando do Exército e está previsto no art. 9º da Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento). A autorização requerida pelo apelante, e negada junto à Polícia Federal, está prevista nos artigos 4º, 6º e 10º da mesma Lei º 10.826/2003. -Dessa forma, à luz dos dispositivos supracitados, percebe-se que, para a concessão do porte de arma de fogo ao cidadão, em situação excepcional, a critério da Polícia Federal, é imprescindível a demonstração de sua necessidade efetiva em virtude do desempenho de atividade de risco ou da existência de ameaça à sua integridade física. -Na hipótese, a autoridade policial competente, em decisão devidamente motivada, entendeu que o apelante não logrou êxito em comprovar tal requisito, razão pela qual indeferiu seu pedido. -Ainda, é de se anotar que, o fato de transportar armas de fogo para atividade desportiva, não guarda qualquer relação com a autorização ora pretendida. Como explicitado acima, a primeira é de atribuição do comando do Exército, e a ora requerida da Polícia Federal. -Ademais, tal autorização, constitui ato administrativo discricionário, não cabendo ao Poder Judiciário, portanto, a análise de sua conveniência ou oportunidade, encargo este exclusivo da Administração Pública, mas tão somente se foi praticado dentro dos parâmetros da legalidade. -No caso em apreço, não restou evidenciada qualquer irregularidade do ato administrativo em questão. -Considerando o não provimento do recurso, de rigor a aplicação da regra do § 11 do artigo 85 do CPC/2015. Majoração dos honorários de advogado arbitrados na sentença para R$ R$ 500,00 (quinhentos reais). -Apelação improvida.” (sem grifos no original) (TRF 3ª Região, 4ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000622-97.2017.4.03.6104, Rel. Desembargador Federal MONICA AUTRAN MACHADO NOBRE, julgado em 21/06/2018, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 24/10/2018) “MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. PORTE DE ARMA PARA DEFESA PESSOAL. ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO. RECURSO DESPROVIDO. 1. A autorização para o porte de arma de fogo de uso permitido é ato sujeito ao preenchimento de requisitos legais e ao juízo favorável de conveniência e oportunidade da Administração Pública. 2. Por se tratar de ato discricionário da Administração Pública, a autorização de concessão de porte de arma, o Poder Judiciário não tem o poder de fazer o controle sobre o mérito do ato administrativo, cabendo-lhe apenas analisar os aspectos relacionados à legalidade do ato, sem qualquer incursão sobre a conveniência e oportunidade (mérito) 3. Observa-se que a autoridade impetrada indeferiu o pedido administrativo em razão da ausência de demonstração da efetiva necessidade por exercício de atividade profissional de risco ou ameaça a sua integridade física e porque não havia informação acerca do desfecho do Inquérito Policial nº 0289/1999, do 2º DP de Rio claro, instaurado em nome do requerente. 4. Não obstante ser o impetrante colecionador de armas bem como serem todas licenciadas, verifica-se que deixou de demonstrar as exigências constantes do artigo 10, §1º e incisos da Lei nº 10.826/2003. 5. Ante o indeferimento do pedido na via administrativa pelo não preenchimento dos requisitos necessários para o porte de arma para uso pessoal, mister a manutenção da r. sentença. 6. Apelo desprovido.” (sem grifos no original) (TRF 3ª Região, QUARTA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 360183 - 0000262-09.2015.4.03.6109, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO SARAIVA, julgado em 19/04/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:18/05/2017) Cumpre observar também que os diversos decretos que têm sido expedidos com o objetivo de regulamentar esta lei (alguns deles já revogados) não podem ir além do que ela preceitua, de forma a prever hipóteses de autorização de porte de arma não abrangidas pelas disposições legais. Por esta razão, não tem incidência no caso concreto a previsão do § 7º, inciso VI, do artigo 12 do Decreto nº 5.123/2004 (incluído pelo Decreto nº 9.685/2019, já revogado), visto que se trata de dispositivo que, ao considerar presente a efetiva necessidade do porte de arma no caso de colecionadores, atiradores e caçadores, extrapolou o que disciplina a Lei nº 10.826/2003. De rigor, portanto, a manutenção da sentença. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação. É como voto.
E M E N T A
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PORTE DE ARMA DE FOGO. INDEFERIMENTO ADMINISTRATIVO ANTE A NÃO DEMONSTRAÇÃO DO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ARTIGO 10, § 1º, INCISO I, DA LEI Nº 10.826/2003. REGULAR EXERCÍCIO DO JUÍZO DE CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. DIREITO LÍQUIDO E CERTO NÃO DEMONSTRADO.
1. Mandado de segurança impetrado com o intuito de obter provimento jurisdicional que reconheça o direito do impetrante à obtenção do porte de arma de fogo.
2. A teor do disposto no artigo 10, § 1º, inciso I, da Lei nº 10.826/2003, a autorização do porte de arma de fogo requer seja demonstrada a sua efetiva necessidade, em razão do exercício de atividade profissional de risco ou de ameaça à integridade física do requerente.
3. O pleito do impetrante foi indeferido na esfera administrativa em síntese porque “não comprovou estar inserido de maneira concreta e efetiva em um conjunto de circunstâncias potencialmente ameaçadoras à sua vida ou integridade física”.
4. Este Tribunal tem sólido entendimento no sentido de que a aferição do preenchimento dos requisitos necessários ao deferimento do porte de arma é matéria afeta à discricionariedade administrativa, de modo que a intervenção do Poder Judiciário só se justifica nas hipóteses em que caracterizada ilegalidade na atuação administrativa.
5. As alegações e os documentos apresentados pelo impetrante foram analisados de forma percuciente na seara administrativa, não se vislumbrando, do quanto instruído, eventual cerceamento de defesa ou ofensa às normas legais incidentes no caso concreto. Igualmente inexiste nestes autos documento hábil a evidenciar o cumprimento dos requisitos previstos no inciso I do § 1º da Lei nº 10.826/2003. Prevalência da conclusão administrativa, visto que alicerçada em regular exercício do juízo de conveniência e oportunidade (mérito administrativo). Precedentes (TRF3).
6. Os diversos decretos que têm sido expedidos com o objetivo de regulamentar esta lei não podem ir além do que ela preceitua, de forma a prever hipóteses de autorização de porte de arma não abrangidas pelas disposições legais.
7. Apelação a que se nega provimento.