AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5008863-68.2019.4.03.0000
RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. FÁBIO PRIETO
AGRAVANTE: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS
PROCURADOR: ANA PAULA STOLF MONTAGNER PAULILLO
Advogado do(a) AGRAVANTE: ANA PAULA STOLF MONTAGNER PAULILLO - SP139458-N
AGRAVADO: NASCIMENTO & FIGUEIRA PIRACICABA LTDA - ME
OUTROS PARTICIPANTES:
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5008863-68.2019.4.03.0000 RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. FÁBIO PRIETO AGRAVANTE: IBAMA - INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS Advogado do(a) AGRAVANTE: ANA PAULA STOLF MONTAGNER PAULILLO - SP139458-N AGRAVADO: NASCIMENTO & FIGUEIRA PIRACICABA LTDA - ME OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O Senhor Desembargador Federal Fábio Prieto: Trata-se de agravo de instrumento interposto contra r. decisão que indeferiu o pedido de inclusão de sócio administrador no polo passivo da execução fiscal. O IBAMA, agravante, sustenta que o registro do distrato social na Junta Comercial não afastaria a responsabilidade dos gestores pelos tributos. Sem resposta. É o relatório.
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5008863-68.2019.4.03.0000 RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. FÁBIO PRIETO AGRAVANTE: IBAMA - INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS Advogado do(a) AGRAVANTE: ANA PAULA STOLF MONTAGNER PAULILLO - SP139458-N AGRAVADO: NASCIMENTO & FIGUEIRA PIRACICABA LTDA - ME OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O Senhor Desembargador Federal Fábio Prieto: *** Preliminar: a suspensão do processo *** O Superior Tribunal de Justiça determinou a suspensão do andamento dos processos nos quais se discute a legitimidade passiva dos sócios com poderes de administração, na data do fato gerador ou da verificação de dissolução irregular (STJ, REsp 1377019, Rel. Min. ASSUSETE MAGALHÃES, DJe 25/09/2018). A hipótese é diversa: no caso concreto, analisa-se, apenas, a ocorrência de hipótese legal de dissolução irregular. O processamento é regular. *** Dissolução irregular *** "A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa", diz o artigo 1º, da Constituição. Qualquer norma ou interpretação de norma deve preservar o postulado constitucional da livre iniciativa, cuja conceituação irredutível depende da separação patrimonial entre as pessoas físicas e jurídicas. Sob o regime da repercussão geral, no RE 562276, no Supremo Tribunal Federal, a Relatora, a Ministra Ellen Gracie, lembrou que "a censurada confusão patrimonial não apenas não poderia decorrer de interpretação do art. 135, III, c, do Código Tributário, como também não poderia ser estabelecida por nenhum outro dispositivo legal.". Sua Excelência explicou o caráter constitucional da questão: "Não há como deixar de reconhecer, ademais, que a solidariedade estabelecida pelo art. 13 da Lei 8.620/93 também se reveste de evidente inconstitucionalidade material. Isso porque não é dado ao legislador estabelecer simples confusão entre os patrimônios de pessoa, física e jurídica, ainda que para fins de garantia dos débitos da sociedade perante a Seguridade Social. Aliás, após o surgimento de precedente no sentido de que tal decorreria do próprio art. 135, III, do CTN, ou seja, de que bastaria o inadimplemento para caracterizar a responsabilidade dos sócios, o Superior Tribunal de Justiça aprofundou a discussão da matéria; acabando por assentar, com propriedade, que interpretação desse jaez violaria a Constituição, sendo, por isso, inaceitável. Lembro que o Min. José Delgado, em 2005, por ocasião do julgamento do Resp 717.717/SP, assim se pronunciou: "Deve-se... buscar amparo em interpretações sistemática e teleológica, adicionando-se os comandos da Constituição Federal, do Código Tributário Nacional e do Código Civil para, por fim, alcançar-se uma resultante legal que, de forma coerente e juridicamente adequada, não desnature as Sociedades Limitadas e, mais ainda, que a bem do consumidor e da própria livre iniciativa privada (princípio constitucional) preserve os fundamentos e a natureza desse tipo societário". A censurada confusão patrimonial não apenas não poderia decorrer de interpretação do art. 135, III, c, da CF, como também não poderia ser estabelecida por nenhum outro dispositivo legal. É que impor confusão entre os patrimônios da pessoa jurídica e da pessoa física no bojo de sociedade em que, por definição, a responsabilidade dos sócios é limitada compromete um dos fundamentos do Direito de Empresa, consubstanciado na garantia constitucional da livre iniciativa, entre cujos conteúdos está a possibilidade de constituir sociedade para o exercício de atividade econômica e partilha dos resultados, em conformidade com os tipos societários disciplinados por lei, o que envolve um regime de comprometimento patrimonial previamente disciplinado e que delimita o risco da atividade econômica. A garantia dos credores, frente ao risco da atividade empresarial, está no capital e no patrimônio sociais. Daí a referência, pela doutrina, inclusive, ao princípio da "intangibilidade do capital social" a impor que este não pode ser reduzido ou distribuído em detrimento dos credores. Tão relevante é a delimitação da responsabilidade no regramento dos diversos tipos de sociedades empresárias que o Código Civil de 2002 a disciplina, invariavelmente, no primeiro artigo do capítulo destinado a cada qual. Assim é que, abrindo o capítulo "Da Sociedade Limitada", o art. 1.052, dispõe: "Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social". Trata-se de dispositivo de lei ordinária, mas que regula a limitação do risco da atividade empresarial, inerente à garantia de livre iniciativa. Marco Aurélio Greco, no artigo Responsabilidade de terceiros e crédito tributário: três temas atuais, publicado na Revista Fórum de Direito Tributário n.º 28/235, aborda O art. 13 da Lei 8.620/93, tendo em consideração justamente a garantia da liberdade de iniciativa: "...quando o artigo 13 da Lei nº 8.620/93 pretende transformar o exercício da livre iniciativa em algo arriscado para todos (sócio, empregados, fornecedores, bandos. etc), mas isento de risco para a seguridade social (apesar do valor imanente que ela incorpora), está sobrepondo o interesse arrecadatório à própria liberdade de iniciativa. Ademais, está criando um preceito irreal, pois vivemos numa sociedade de risco, assim entendida nos termos da lição de Ulrich Beck. 'Além disso, ele inviabiliza (no sentido de dificultar sobremaneira) o exercício de um direito individual, ao impor uma onerosidade excessiva incompatível com os artigos 5º, XIII e 170 da Constituição. Além disso, fere o artigo 174 da CF/88, porque a tributação não pode ser instrumento de desestímulo; só pode ser instrumento de incentivo. Vale dizer, o 'poder' pode, em tese, ser exercido positiva ou negativamente, mas a 'função' só pode sê-lo na direção imposta pelos valores e objetivos constitucionais. Em ultima análise, para proteger uns, ocorreu um uso excessivo do poder de legislar. Neste ponto, a meu ver, o artigo 13 é inconstitucional, caso seja feita uma leitura absoluta, categórica, do tipo 'tudo ou nada '. ... Óbvio - não é preciso repetir - que onde houver abuso, fraude de caráter penal, sonegação, uso de testas-de-ferro, condutas dolosas, etc., existe responsabilidade do sócio da limitada ou do acionista controlador da sociedade anónima, mas isto independe de legislação específica; basta o fisco atender ao respectivo ônus da prova com a amplitude necessária a cada caso concreto... Porém, generalizar - a responsabilidade pelo simples fato de ser sócio de sociedade de responsabilidade limitada (caput do art. 13), bem como estendê-la à hipótese de mera culpa (como consta do parágrafo único do art. 13), implica inconstitucionalidade pelas razões expostas". Submeter o patrimônio pessoal do sócio de sociedade limitada à satisfação dos débitos da sociedade para com a Seguridade Social, independentemente de exercer ou não a gerência e de cometer ou não qualquer infração, inibiria demasiadamente a iniciativa privada, descaracterizando tal espécie societária e afrontando os arts. 5°, XIII, e l70, parágrafo único, da Constituição, de modo que o art. 13 da, Lei 8.620/93 também se ressente de vício material." No caso concreto, a observância das normas constitucionais e de sua interpretação, pelo Supremo Tribunal Federal, não permitem que o patrimônio da pessoa física possa responder pelo débito da sociedade empresária. Dissolução, liquidação e extinção da empresa são conceitos legais distintos, com repercussões jurídicas distintas. A dissolução é causa de modificação da exploração da atividade empresarial. Até a ocorrência da dissolução, a empresa tem, como função, o lucro. Depois da dissolução, nos termos do novo Código Civil, "a gestão própria aos negócios inadiáveis, vedadas novas operações" (artigo 1.036, "caput"). A liquidação é o encontro de contas entre o ativo e o passivo e a atribuição, a cada qual - inclusive aos sócios, se positivo o saldo -, segundo o título jurídico, da parte cabível. A extinção é a fase derradeira da empresa, com o registro de seu fim no registro comercial. No quadro normativo, a liquidação não é consequência necessária da dissolução. Samantha Lopes Alvares (Ação de Dissolução de Sociedades - São Paulo: Quartier Latin, 2008; página 187) lembra os exemplos clássicos de Carvalho de Mendonça: "A liquidação não será sempre necessária - há casos em que ela é dispensada, como exemplifica J. X. Carvalho de Mendonça: a) A sociedade não tem passivo e o ativo se acha representado em dinheiro ou, consistindo este ativo em bens, os sócios ajustam dividi-los in natura entre si; b) Se no contrato social se estipula que os sócios entrarão imediatamente com a quantia precisa para o pagamento dos credores, ficando a cargo de um deles o estabelecimento ou empresa, com a obrigação de embolsar a quota dos outros sócios, conforme o último balanço ou fixada por outra forma; c) Se se ajusta entre os mesmos sócios ou com outros nova sociedade sucessora, assumindo esta a responsabilidade do ativo e passivo da que se extingue; d) Se um sócio toma a si receber os créditos e pagar as dívidas passivas, dando aos outros sócios ressalva contra a responsabilidade futura nos termos do art. 343 do Cód. Com.; e) Se o estabelecimento industrial ou comercial, explorado pela sociedade, é vendido em bloco e o comprador paga diretamente aos sócios em particular o preço da venda; f) Se a sociedade não fez operações e teve existência fugaz e nominal. Em todos os casos figurados, os direitos dos credores estão sempre ressalvados, não podendo ser ofendidos nem prejudicados." A bem da verdade, a própria dissolução pode não ser formalmente realizada, apesar da ocorrência de causa prevista em lei. É exemplo comum e repetido o caso de milhares de empresas brasileiras asfixiadas pelo ambiente hostil do País à livre iniciativa. Sem recursos, fecham as portas, porque não podem cumprir as formalidades draconianas e custosas dos procedimentos de dissolução, liquidação e extinção, conhecidos, internacional e negativamente, como "custo-Brasil". A propósito da dissolução da empresa, parece relevante consignar que o fato do empresário não registrar o distrato social, na repartição competente - porque não tem recursos econômicos, assistência contábil ou por saber que a livre iniciativa não pode ser condicionada pela responsabilidade solidária sem causa, segundo o Supremo Tribunal Federal -, não é causa de imposição de responsabilidade solidária, pelo débito da pessoa jurídica. Não há lei a dizer que, na ausência de formalização do distrato social, o sócio e o administrador respondem pessoalmente pela dívida da empresa. Isto já seria o suficiente para concluir que, quando o distrato social é objeto de registro na Junta Comercial, o sócio e o administrador, pela prática de ato lícito, não podem ser submetidos a consequência de ato ilícito. O novo Código Civil - artigo 1.034, inciso II - preceitua que a inexequibilidade do fim social da empresa é causa de dissolução judicial. Mas não obriga o sócio - único com interesse legítimo - a propor a ação, ocorrida a causa de dissolução. No caso de inexequibilidade do fim social, por dificuldades econômicas, o que interessa ao País é manter a empresa em condições de operação no futuro. A Constituição e a lei não impõem o fechamento da empresa, em caso de dificuldade financeira. A empresa que mantém os registros burocráticos, mas não explora a atividade comercial, não pode sofrer qualquer sanção. Muito menos podem responder, pelas dívidas dela, os seus sócios e administradores, porque praticado o ato lícito de registro do distrato social, na Junta Comercial. Seja como for, dissolução e liquidação são institutos distintos. No caso concreto, houve dissolução da empresa, com registro do distrato social na Junta Comercial (fls. 35/37, ID 50757548). Trata-se de fato neutro, para a fase de liquidação, se instaurada. É certo que, por ora, a empresa executada cessou a busca pelo lucro. O IBAMA, credor, não tem interesse legítimo, em relação a este fato. O que lhe cabe é diligenciar, em relação aos supostos ativos da sociedade empresária. O IBAMA tem privilégio, na execução judicial forçada. Foro privativo. Mas não pode afrontar a Constituição, segundo a interpretação do Supremo Tribunal Federal. Por estes fundamentos, nego provimento ao agravo de instrumento. É o voto.
Peço licença para divergir do e. Relator.
Nos termos do art. 135, do CTN, ocorre a desconsideração da pessoa jurídica, respondendo os sócios pessoalmente pelos créditos correspondentes às obrigações tributárias decorrentes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
"Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos
praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
I - (...)
II - (...)
III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado".
A dissolução irregular da empresa, configurando infração à lei, dá ensejo ao redirecionamento para o sócio. É o entendimento sumulado pelo STJ:
"Sumula 435, STJ. Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio -gerente"
Ainda, o arquivamento do distrato social na Junta Comercial apenas uma das etapas para a extinção da sociedade empresária. À formalização do distrato deve se seguir posterior liquidação da pessoa jurídica, com realização do ativo, pagamento do passivo e, eventualmente, partilha entre os sócios dos bens remanescentes da empresa, para ser decretado o fim da sua personalidade jurídica. Em outras palavras, o mero distrato social não representa a extinção da personalidade jurídica (AgRg no AREsp 829.800/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/04/2016, DJe 27/05/2016).
Dessa forma, não localizada a empresa pelo oficial de justiça está evidenciada a dissolução irregular da sociedade empresária e, mesmo que tenha sido registrado o distrato social, sem demonstração da quitação do passivo, o encerramento das atividades da empresa deve ser considerado irregular.
Na situação em tela, entendo pela ocorrência da dissolução irregular a implicar no redirecionamento da execução.
Ante o exposto, voto por dar provimento ao agravo de instrumento.
E M E N T A
DIREITO CONSTITUCIONAL - LIVRE INICIATIVA - NORMA E INTERPRETAÇÃO: QUESTÃO CONSTITUCIONAL - SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: RE 562276, PLENÁRIO, SOB O REGIME DE REPERCUSSÃO GERAL - EXECUÇÃO FISCAL CONTRA SOCIEDADE EMPRESÁRIA - REGISTRO DO DISTRATO SOCIAL, NA JUNTA COMERCIAL - RESPONSABILIZAÇÃO PATRIMONIAL DE SÓCIO E ADMINISTRADOR: IMPOSSIBILIDADE.
1. No RE 562276, sob o regime da repercussão geral, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu que a norma jurídica - ou a sua interpretação -, sem causa legítima, não pode criar nova espécie de responsabilização patrimonial de terceiro, por débito da pessoa jurídica.
2. Dissolução, liquidação e extinção da empresa são institutos distintos.
3. A dissolução é causa de modificação da exploração da atividade empresarial. Até a sua ocorrência, a empresa tem, como função, o lucro. Depois, "negócios inadiáveis, vedadas novas operações" (artigo 1.036, "caput", do Código Civil).
4. A liquidação é o encontro de contas entre o ativo e o passivo e a atribuição, a cada qual - inclusive aos sócios, se positivo o saldo -, segundo o título jurídico, da parte cabível.
5. Ocorrida a dissolução, com o registro do distrato social, na Junta Comercial, a credora, com privilégio no concurso de créditos, legitimidade para a execução judicial forçada e foro privativo, tem o direito de expropriação do patrimônio da empresa, seja realizada, ou não, a liquidação societária.
6. Afronta a decisão plenária do Supremo tribunal Federal a pretensão à criação de novo modo de responsabilidade tributária, com a expropriação, pela credora, do patrimônio de sócio ou administrador, porque a sociedade empresária praticou o ato lícito da dissolução.
7. Agravo de instrumento improvido.