Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5000260-30.2019.4.03.6006

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

APELADO: ILSON MOREIRA ARRAES

Advogado do(a) APELADO: ADAM DEWIS CASTELLO AMARAL - MS15832-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5000260-30.2019.4.03.6006

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

APELADO: ILSON MOREIRA ARRAES

Advogado do(a) APELADO: ADAM DEWIS CASTELLO AMARAL - MS15832-A
 

 

 R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de apelações criminais interpostas pelo Ministério Público Federal contra a sentença que absolveu o réu Ilson Moreira Arraes do cometimento do delito previsto no art. 273, § 1º - B, I, do Código Penal, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal (Id n. 90348951).   

O Ministério Público Federal recorre com os seguintes argumentos:

a) a versão dos fatos contida na denúncia foi comprovada e há provas para a condenação do réu, uma vez que ficou demonstrada a materialidade delitiva e a autoria criminosa;

b) o réu admitiu que a nécessaire na qual estavam acondicionados os medicamentos estava em cima de sua cama, mas negou a propriedade dos medicamentos;

c) o réu afirmou que já foi processado anteriormente pelo mesmo crime e que possui outro processo em andamento também por transportar produtos ilícitos; portanto, trata-se do terceiro processo pelo qual o réu responde por fatos semelhantes;

d) o acusado agiu ao menos com dolo eventual ao aceitar buscar na região da fronteira produtos de procedência estrangeira para transportá-los até Cuiabá (MT), inclusive pelo fato de os medicamentos estarem embalados de forma separada dos demais produtos;

e) os indícios apontam que o acusado tinha consciência de que poderia estar transportando material proibido e mesmo assim assumiu o risco;

f) requer seja conhecido e provido o presente recurso, a fim de que seja reformada a sentença, condenando o réu pelo cometimento do crime previsto no art. 273, § 1º-B, I, do Código Penal (Id n. 90348955).

Foram apresentadas contrarrazões, na qual a defesa requereu a manutenção da sentença e, subsidiariamente, no caso de provimento do recurso da acusação, a aplicação da pena prevista para o crime de tráfico de drogas (Id n. 90348966).

A Ilustre Procuradora Regional da República, Dra. Stella Fátima Scampini, manifestou-se pelo provimento do recurso da acusação (Id n. 90455801).

É o relatório.

Encaminhem-se os autos à revisão, nos termos regimentais.

 

 


APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5000260-30.2019.4.03.6006

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

APELADO: ILSON MOREIRA ARRAES

Advogado do(a) APELADO: ADAM DEWIS CASTELLO AMARAL - MS15832-A

 
 

 V O T O

 

Imputação.  Ilson Moreira Arraes foi denunciado pelo cometimento do crime do art. 273, § 1º-B, I, do Código Penal.

Narra que, em 06.06.19, por volta das 10h40, em Mundo Novo (MS), após denúncia anônima, uma equipe formada por servidores da Receita Federal e da Polícia Militar dirigiu-se ao Hotel Paraná, no qual o acusado foi flagrado com fardos de mercadoria estrangeira, em frente ao quarto em que estava hospedado.

Dentro do quarto do acusado foram localizados volumes e mochilas com mercadorias estrangeira, bem como, diversos medicamentos falsificados e sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

O acusado alegou que os produtos não lhe pertenciam, mas não forneceu a identificação do proprietário, de forma que foi preso em flagrante (Id n. 90348889).

Materialidade. Está comprovada a materialidade delitiva diante dos seguintes elementos de convicção:

a) auto de prisão em flagrante (Id n. 90348864, p. 1/7);

b) auto de apresentação e apreensão que consta quase 300 (trezentos) medicamentos, dentre cartelas, ampolas e frascos (Id n. 90348864, p. 11/12);

c) termo de retenção de mercadorias com avaliação dos medicamentos e anabolizantes em R$ 31.277,26 (trinta e um mil, duzentos e setenta e sete reais e vinte e seis centavos) (Id n. 90348864, p. 13/14);

d) termo de lacração de volumes (Id n. 90348864, p. 15/16);

e) laudo de perícia criminal federal (química forense) que constatou indícios de falsificação no medicamento Testogar, bem como que todos os demais medicamentos examinados de origem estrangeira não tem registro na Anvisa (Id n. 9034887, p. 6/17);

f) laudo de perícia criminal federal (química forense) que constatou indícios de falsificação no medicamento Biomag (Id n. 9034887, p. 18/30).

Autoria. Restou suficientemente demonstrada a autoria delitiva.

Em fase policial, Jean Carlos Luz do Nascimento, Analista Tributário da Receita Federal, e José Roberto da Cruz Araujo, Policial Militar, disseram que  na data dos fatos estavam na equipe de vigilância e repressão da Receita Federal e receberam uma denúncia anônima, pelo que foram até o Hotel Paraná de Mundo Novo (MS), no qual foram fiscalizadas as pessoas que lá se encontravam. Ilson foi flagrado com fardos de mercadorias estrangeiras, em frente ao quarto do hotel em que estava hospedado. Verificados o conteúdo dos volumes foram encontrados eletrônicos, essências de narguilé, medicamentos, anabolizantes, cigarros eletrônicos, mochilas e casacos, pelo que foi dada a voz de prisão ao acusado. As mercadorias foram avaliadas previamente em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) e os medicamentos e anabolizantes foram avaliados em R$ 31.000,00 (trinta e um mil reais).  Ilson disse que os medicamentos e anabolizantes pertenciam a terceiro, mas não o indicou e aduziu que as mercadorias adquiridas por ele consistiam em mochilas, bolsas e roupas, com as quais trabalha. Questionados sobre a diferença de 5 (cinco) cartelas do medicamento Rheumazin Forte que constava da contagem da Delegacia e na apresentada no termo de retenção das mercadorias, disseram que houve um equívoco na digitação (Id n. 90348864).

Na polícia, o acusado foi interrogado e disse que aluga uma sala no Shopping Popular da cidade, na qual vende bolsas, mochilas e malas. Vai ao Paraguai em média duas vezes ao mês, sempre para Mundo Novo (MS). Assumiu como sua as mercadorias consistentes nos eletrônicos, essências de narguilé, cigarros eletrônicos, bolsas, mochilas e malas, mas negou a propriedade dos medicamentos e anabolizantes, indicando como proprietários destas mercadorias as outras pessoas que estavam no hotel. Confessou ter cometido do crime de transporte de medicamentos e anabolizantes em outras ocasiões (Id n. 90348864).

Anoto que, na oportunidade do interrogatório foi dado cumprimento ao mandado de prisão expedido pela 5ª Vara de Cuiabá (MT) contra o acusado nos Autos n. 0011687-29.2007.4.01.3600.01.0001-23, também pelo cometimento do crime do art. 273, § 1º-B, do Código Penal (Id n. 90348865, p. 3/4).

Em Juízo, José Roberto da Cruz Araujo,  disse que participou do transporte do réu até a Policia Federal de Naviraí (MS) e viu os objetos de contrabando expostos na Receita Federal, que consistiam em eletrônicos, medicamentos e anabolizantes. Não participou da apreensão dos produtos no hotel (Id n. 90348932).

Jean Carlos Luz do Nascimento, Analista Tributário da Receita Federal, disse que participou do flagrante do réu. Compareceu ao hotel para realizar outra apreensão, mas Ilson também foi encontrado com mercadorias. Ilson estava fora do hotel e o quarto dele estava aberto. A quantidade de medicamentos era grande, mas tudo cabia na nécessaire dele. Ilson negou a propriedade dos medicamentos (Id n. 90348933).

Interrogado em Juízo, o acusado disse que trabalhava como camelô e tinha uma loja em Cuiabá (MS), com renda mensal de aproximadamente R$ 2.800,00 (dois mil e oitocentos reais). Já foi processado criminalmente anteriormente, por ter despachado mercadoria de informática a pedido de terceiro, mas quando foi despachar a mercadoria descobriu que era remédio, fato pelo qual foi condenado e expedido o mandado de prisão. Tem dois mandados em aberto e é o terceiro processo pelo qual responde, todos por despacho de medicamentos. Foi a pedido de terceiro buscar a mercadoria apreendida no hotel, pela qual receberia pelo transporte R$ 2.000,00 (dois mil reais). Quando estava indo para a rodoviária a polícia chegou e viu a sua mercadoria. Foi arrumar suas coisas e viu os medicamentos. Foi buscar mochilas para revender e um pessoal do shopping em que trabalha pediu para que buscasse equipamentos de informática mediante uma comissão. A mercadoria já estava comprada, só iria buscar. Só conhece a pessoa que o contratou como João, revendedor de eletrônicos. Não sabia da compra dos medicamentos, mas quando chegou no hotel a mercadoria já estava lá. Com os R$ 2.000,00 (dois mil reais) que recebeu aproveitou e comprou mercadorias para revender. Dentre a mercadoria havia notebook, HD, caixas de som, distribuídos em duas bolsas pequenas e uma mochila (Ids n. 90348934 e 90348935).

Os depoimentos das testemunhas que participaram da apreensão dos medicamentos são convergentes de que eles foram encontrados na nécessaire do acusado.

Ademais, a versão dos fatos prestada pelo réu de que não sabia da existência dos medicamentos e que os trouxe a pedido de terceiro é isolada nos autos e não está roborada por outros elementos de prova.

Consta dos autos o mandado de prisão pelo mesmo crime expedido contra o réu, o qual afirmou em Juízo que é o terceiro processo que responde pelo mesmo fato, argumentando que nas oportunidades em que foi preso foi contratado para buscar mercadoria de informática, dentre as quais vieram os medicamentos sem a sua ciência. 

O réu alega que, desta vez, as mercadorias já estavam no hotel, pelas quais foi pago apenas para transportá-las, a pedido de um colega de trabalho, ao qual também pertenceriam os medicamentos. Sendo assim, não é crível que não saiba dados identificadores do suposto proprietário, dado que trabalham no mesmo local.

Também é inverossímil a versão de que o réu não percebeu a existência dos medicamentos, que foram encontrados em grande quantidade, separadamente dos demais equipamentos e acondicionados em sua nécessaire de uso pessoal.  

Comprovadas a autoria e a materialidade delitivas, a condenação do réu é medida que se impõe.

Código Penal, art. 273 , § 1º-B. Preceito secundário. Ofensa ao princípio da proporcionalidade. Inconstitucionalidade. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça declarou, em arguição incidental em habeas corpus, a inconstitucionalidade do preceito secundário do tipo penal do art. 273 , § 1º-B, do Código Penal, em atenção aos princípios constitucionais da proporcionalidade e razoabilidade (STJ, AI no HC n. 239.363, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 26.02.15). Diante disso, revejo meu entendimento para acompanhar a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e assim aplicar, no lugar do preceito secundário do art. 273 , § 1º-B, do Código Penal, as penas previstas para o delito de tráfico de drogas, inclusive a causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, e as majorantes do art. 40 da Lei n. 11.343/06 (STJ, HC n. 406.430, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 21.09.17; STJ, HC n. 398.945, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 19.09.17; STJ, AgRg no REsp n. 1.659.315, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 15.08.17).

Do caso dos autos. Em contrarrazões, a defesa pugna pela aplicação do preceito secundário do art. 33 da Lei n. 11.343/06 em caso de condenação do réu.

Assiste-lhe razão.

Passo à dosimetria da pena, anotando, desde já, a fixação em consonância com o entendimento acima explicitado.

Dosimetria. Consta dos autos folha de antecedentes do réu com condenação pelo cometimento do delito de contrabando ou descaminho, que tramitou no Juizado Especial Criminal de Cuiabá (MT), com o arquivamento em 10.03.13. Consta também contravenção penal com o arquivamento em 02.10.09. Portanto, ultrapassado o prazo depurador, cabe reconhecê-los como maus antecedentes (Id n. 90348921).

A sentença condenatória com trânsito em julgado pode servir como mau antecedente na hipótese de restar destituída de eficácia para ensejar a reincidência em virtude de ter decorrido o prazo de cinco anos previsto no art. 64, I, do Código Penal (STF, Habeas Corpus n. 98803, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 18.08.09 e STJ, Habeas Corpus n. 133858, Rel. Min. Félix Fischer, j. 19.08.09).

Considerando os maus antecedentes do réu e a quantidade e a variedade dos medicamentos apreendidos, avaliados em R$ 31.277,26 (trinta e um mil, duzentos e setenta e sete reais e vinte e seis centavos) (pg. 13/14, Id n. 90348864); convém exasperar a pena-base na fração de 1/6 (um sexto), fixando-a em 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa.

Na segunda fase, inexistentes agravantes e atenuantes, a pena intermediária permanece inalterada.

Na terceira fase, não há causa de diminuição de pena, malgrado as condenações do réu não sirvam a demonstrar a reincidência, é indicativa dos maus antecedentes e, portanto, do não preenchimento dos requisitos cumulativos do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06.

Transnacionalidade. Transposição da fronteira. Prescindibilidade. Para a configuração da transnacionalidade do delito, não é exigível que o agente ou o entorpecente ultrapasse as fronteiras do País. O delito, com essa causa de aumento, pode ocorrer no território nacional, desde que haja elementos indicativos de que o fato se relacione com o estrangeiro.

Aplica-se a causa de aumento do art. 40, I, da Lei n. 11.343/06, em razão da transnacionalidade do fato. Majorada em 1/6 (um sexto), a pena passa para 6 (seis) anos, 9 (nove) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 680 (Seiscentos e oitenta) dias-multa.

Resta fixado o regime inicial semiaberto, com fundamento no art. 33, § 2º, b, considerando a quantidade de pena aplicada e a ausência de demais circunstâncias judiciais desfavoráveis de ordem subjetiva que não os maus antecedentes do réu.

Em virtude da quantidade de pena aplicada, não está preenchido o requisito objetivo para a concessão da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos (CP, art. 44, I). Por igual razão, não há falar em suspensão condicional da pena (CP, art. 77, caput).

Fixo o valor unitário do dia-multa no mínimo legal, 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo do fato.

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO à apelação do Ministério Público para condenar o réu  Ilson Moreira Arraes  pelo cometimento do crime do art. 273, § 1º-B, I, do Código Penal, às penas de 6 (seis) anos, 9 (nove) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, regime inicial semiaberto, e 680 (Seiscentos e oitenta) dias-multa.

Comunique-se ao Tribunal Regional Eleitoral, para os fins previstos no art. 15, III, da Constituição da República.

Condeno o réu em custas (CPP, art. 805).

É o voto.



E M E N T A

PENAL. PROCESSO PENAL. CP, ART. 273, §1º-B, I, DO CÓDIGO PENAL. IMPORTAÇÃO IRREGULAR DE MEDICAMENTOS. PRECEITO SECUNDÁRIO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE. DOSIMETRIA. PENA. MAJORAÇÃO. TRANSNACIONALIDADE. APLICABILIDADE. APELAÇÃO DA ACUSAÇÃO PROVIDA.

1. Comprovadas a autoria e a materialidade delitivas, a condenação do réu é medida que se impõe.

2. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça declarou, em arguição incidental em habeas corpus, a inconstitucionalidade do preceito secundário do tipo penal do art. 273, § 1º-B, do Código Penal, em atenção aos princípios constitucionais da proporcionalidade e razoabilidade (STJ, AI no HC n. 239.363, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 26.02.15).

3. A sentença condenatória com trânsito em julgado pode servir como mau antecedente na hipótese de restar destituída de eficácia para ensejar a reincidência em virtude de ter decorrido o prazo de cinco anos previsto no art. 64, I, do Código Penal (STF, Habeas Corpus n. 98803, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 18.08.09 e STJ, Habeas Corpus n. 133858, Rel. Min. Félix Fischer, j. 19.08.09).

4. Para a configuração da trasnacionalidade do delito, não é exigível que o agente ou o entorpecente ultrapasse as fronteiras do País. O delito, com essa causa de aumento, pode ocorrer no território nacional, desde que haja elementos indicativos de que o fato se relacione com o estrangeiro.

5. Apelação da acusação provida.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Turma, por unanimidade, decidiu DAR PROVIMENTO à apelação do Ministério Público para condenar o réu Ilson Moreira Arraes pelo cometimento do crime do art. 273, § 1º-B, I, do Código Penal, às penas de 6 (seis) anos, 9 (nove) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, regime inicial semiaberto, e 680 (Seiscentos e oitenta) dias-multa, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.