Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002107-07.2019.4.03.9999

RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA VANESSA MELLO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: CELESTE VIEIRA JACINTO RUIVO

Advogado do(a) APELADO: EDMAR ROBSON DE SOUZA - SP303715-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002107-07.2019.4.03.9999

RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA VANESSA MELLO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: CELESTE VIEIRA JACINTO RUIVO

Advogado do(a) APELADO: EDMAR ROBSON DE SOUZA - SP303715-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

Trata-se de recurso de apelação, interposto pelo INSS em face da r. sentença, não submetida ao reexame necessário, que julgou procedente o pedido deduzido na inicial, condenando a Autarquia Previdenciária a conceder, à parte autora, o benefício assistencial a pessoa deficiente, desde a data de cessação do auxílio-doença precedente, em 25/04/2017, fixados consectários.

Pretende, o apelante, que seja reformada a sentença, sustentando, em síntese, a ausência dos requisitos à outorga da benesse. Insurge-se, outrossim, quanto ao termo inicial do benefício, correção monetária e juros de mora. Suscita, por fim, o prequestionamento legal para efeito de interposição de recursos.

Com as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.

O Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pelo desprovimento da apelação.

Intimadas as partes, nos termos do art. 10 do Código de Processo Civil, quanto à inexistência de formulação de pleito administrativo com vistas à obtenção do benefício de prestação continuada, previamente ao ajuizamento da demanda, sobreveio manifestação da parte autora, acostando comprovação de requerimentos de benefícios de auxílio-doença. Vide docs. 90182826, 90182828, 90578222 e 90578225.

Em síntese, o relatório.

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002107-07.2019.4.03.9999

RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA VANESSA MELLO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: CELESTE VIEIRA JACINTO RUIVO

Advogado do(a) APELADO: EDMAR ROBSON DE SOUZA - SP303715-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

 

 

Afigura-se correta a não submissão da r. sentença à remessa oficial.

De fato, o art. 496, § 3º, inciso I do Código de Processo Civil atual, que entrou em vigor em 18 de março de 2016, dispõe que a sentença não será submetida ao reexame necessário quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a 1.000 (mil) salários mínimos, em desfavor da União ou das respectivas autarquias e fundações de direito público.

No caso dos autos, considero as datas do termo inicial do benefício e da prolação da sentença, em 12/06/2018 (doc. 89982169, págs. 128/136). Atenho-me ao valor da benesse, de um salário mínimo. Verifico que a hipótese em exame não excede os mil salários mínimos, não sendo, pois, o caso de submeter o decisum de primeiro grau à remessa oficial.

A Constituição Federal consagra em seu art. 5º, inciso XXXV, o princípio da inafastabilidade da jurisdição, a estabelecer que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito", à luz do qual se erigiu a orientação jurisprudencial acerca da desnecessidade de prévio requerimento administrativo para o ajuizamento de ações judiciais.

Tal entendimento, contudo, passou a experimentar temperamentos, no sentido de se compreender imprescindível a dedução de prévio pleito administrativo quando em causa solicitação com potencialidade de atendimento naquela seara, salvo em se tratando de postulações notoriamente recusadas pela Administração.

Assim é que, especificamente na seara previdenciária, passou-se a reconhecer ser incumbência precípua do INSS examinar o pedido formulado pelo segurado para a concessão de benefício e, uma vez preenchidos os requisitos, implantá-los. De forma que não se justificaria a transferência de função típica da autarquia previdenciária para o Poder Judiciário, o qual somente deve ser acionado se houver conflito de interesses.

A temática acabou por ser deslindada pelo Colendo STF, em sede de repercussão geral, oportunidade em que se assentou orientação no sentido de que a concessão de benefícios previdenciários, em linha de rigor, depende de requerimento do interessado, in verbis:

 

"RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO E INTERESSE EM AGIR.

1. A instituição de condições para o regular exercício do direito de ação é compatível com o art. 5º, XXXV, da Constituição. Para se caracterizar a presença de interesse em agir, é preciso haver necessidade de ir a juízo.

2. A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise. É bem de ver, no entanto, que a exigência de prévio requerimento não se confunde com o exaurimento das vias administrativas.

3. A exigência de prévio requerimento administrativo não deve prevalecer quando o entendimento da Administração for notória e reiteradamente contrário à postulação do segurado.

4. Na hipótese de pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido, considerando que o INSS tem o dever legal de conceder a prestação mais vantajosa possível, o pedido poderá ser formulado diretamente em juízo - salvo se depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração -, uma vez que, nesses casos, a conduta do INSS já configura o não acolhimento ao menos tácito da pretensão.

5. Tendo em vista a prolongada oscilação jurisprudencial na matéria, inclusive no Supremo Tribunal Federal, deve-se estabelecer uma fórmula de transição para lidar com as ações em curso, nos termos a seguir expostos.

6. Quanto às ações ajuizadas até a conclusão do presente julgamento (03.09.2014), sem que tenha havido prévio requerimento administrativo nas hipóteses em que exigível, será observado o seguinte: (i) caso a ação tenha sido ajuizada no âmbito de Juizado Itinerante, a ausência de anterior pedido administrativo não deverá implicar a extinção do feito; (ii) caso o INSS já tenha apresentado contestação de mérito, está caracterizado o interesse em agir pela resistência à pretensão; (iii) as demais ações que não se enquadrem nos itens (i) e (ii) ficarão sobrestadas, observando-se a sistemática a seguir.

7. Nas ações sobrestadas, o autor será intimado a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção do processo. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado a se manifestar acerca do pedido em até 90 dias, prazo dentro do qual a Autarquia deverá colher todas as provas eventualmente necessárias e proferir decisão. Se o pedido for acolhido administrativamente ou não puder ter o seu mérito analisado devido a razões imputáveis ao próprio requerente, extingue-se a ação. Do contrário, estará caracterizado o interesse em agir e o feito deverá prosseguir.

8. Em todos os casos acima - itens (i), (ii) e (iii) -, tanto a análise administrativa quanto a judicial deverão levar em conta a data do início da ação como data de entrada do requerimento, para todos os efeitos legais.

9. Recurso extraordinário a que se dá parcial provimento, reformando-se o acórdão recorrido para determinar a baixa dos autos ao juiz de primeiro grau, o qual deverá intimar a autora - que alega ser trabalhadora rural informal - a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado para que, em 90 dias, colha as provas necessárias e profira decisão administrativa, considerando como data de entrada do requerimento a data do início da ação, para todos os efeitos legais. O resultado será comunicado ao juiz, que apreciará a subsistência ou não do interesse em agir."

(Tribunal Pleno, RE 631240/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, j. em 03/09/2014, m.v., julgado com Repercussão Geral, DJe-220 Divulg 07-11-2014, Public 10-11-2014)

 

A presente ação judicial objetiva a outorga de benefício de prestação continuada ao portador de deficiência.

Manifestou-se, a parte autora, no doc. 89982169, págs. 26/28, informando que obteve a concessão do beneficio de auxílio-doença, na via administrativa, tendo ingressado, também, com requerimento de beneficio assistencial.

Contudo, não se verifica, dos registros do CNIS, que tenha havido formulação de pleito administrativo tendente a este último beneplácito, especificamente ambicionado nesta demanda.

A par disso, foram acostados pela requerente, aos docs. 90182826, 90182828, 90578222 e 90578225, apenas, comprovantes de requerimentos de benefícios de auxílio-doença.

No entanto, aludidos documentos não são hábeis a comprovar a recusa da autarquia em atendê-lo, no que atine ao benefício de prestação continuada, visto que a matéria de fato, notadamente, concernente ao requisito da hipossuficiência econômica, que não é comum aos dois benefícios, sequer foi levada ao conhecimento da Administração.

Conquanto o c. Superior Tribunal de Justiça albergue entendimento no sentido de que "o pleito contido na peça inaugural, mormente quando se trata de benefício com caráter previdenciário, deve ser analisado com certa flexibilidade" (cf. AIRESP 1412645, 1ª Turma, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJE 31.10.2017), o princípio da fungibilidade se aplicaria, apenas, aos benefícios de mesma natureza, qual seja, previdenciária, o que não ocorre com o benefício assistencial.

Nesse sentido, os precedentes da Nona Turma deste E. Tribunal, tirados de situações parelhas (negritei):

 

"PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA/APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. ALTERAÇÃO DO PEDIDO INICIAL DE OFÍCIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. FUNGIBILIDADE DOS BENEFÍCIOS POR INCAPACIDADE. AUSÊNCIA DE CONCORDÂNCIA DO RÉU. IMPOSSIBILIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA CARACTERIZADO. SENTENÇA ANULADA. - Diante da conclusão do laudo pericial, o Juízo a quo, de ofício, aplicando a fungibilidade dos benefícios previdenciários e por concluir ser a mesma a causa de pedir, entendeu ser o caso de concessão de benefício assistencial. Contestação que já fora apresentada pelo réu em momento anterior. - Não oportunizada manifestação quanto à concordância do réu com a alteração do pedido ou aditamento da defesa. Cerceamento de defesa caracterizado. - O benefício assistencial não tem natureza previdenciária, não podendo ser equiparado aos benefícios previdenciários por incapacidade, sendo os requisitos para sua concessão distintos dos necessários à concessão dos benefícios desta espécie. Fungibilidade de benefícios. Impossibilidade. - Ausência de prévio requerimento administrativo do benefício assistencial. Falta de interesse de agir no tocante ao referido pedido, considerando a jurisprudência do C. STF (RE631240). - Parte autora que alega o agravamento da doença, tendo requerido a produção de provas e formulado quesitos suplementares, o que não foi analisado pelo Juízo a quo. - Sentença anulada. Prejudicada a apelação do réu." (Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2277974 0037038-07.2017.4.03.9999, DESEMBARGADOR FEDERAL GILBERTO JORDAN, TRF3 - NONA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:07/03/2018)

 

"PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO LEGAL. DECISÃO MONOCRÁTICA. CPC/1973. ARTIGO 557. INDEVIDA FUNGIBILIDADE DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIO E ASSISTENCIAL. PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA ENTRE PEDIDO E SENTENÇA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL NÃO REQUERIDO. SENTENÇA ANULADA. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO INDEVIDO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER. RECURSO DESPROVIDO. - Considerando que a decisão atacada foi proferida na vigência do CPC/1973, aplicam-se ao presente recurso as regras do artigo 557 e §§ daquele código. - O artigo 557 do CPC revestia de plena constitucionalidade, ressaltando-se que alegações de descabimento da decisão monocrática ou nulidade perdem o objeto com a mera submissão do agravo ao crivo da Turma (STJ-Corte Especial, REsp 1.049.974, Min. Luiz Fux, j. 2.6.10, DJ 3.8910). - O benefício previdenciário por incapacidade pretendido pelo autor é indevido, pelas razões constantes do voto e da decisão monocrática que desafiou a interposição deste agravo legal. - Não se afigura razoável aplicar as facilidades previstas na Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) às relações jurídicas previdenciárias discutidas em juízo, dada a natureza jurídica diversa das prestações previdenciárias em relação aos direitos do consumidor. - Os artigos 461 do CPC/73 e 84 do CDC não autorizam que o princípio da congruência entre o pedido e a sentença seja menosprezado, ainda mais em se tratando de direitos sociais, cujos pressupostos constitucionais são estritos. Fungibilidade de benefícios indevida no caso. - Não se admite autorizar o juiz a decidir em desconformidade com o pedido, pois atribuiria ao Poder Judiciário função exorbitante, não tipificada na Constituição Federal e no Código de Processo Civil, gerando um convite permanente ao excesso ou desvio de poder. - O Estado Democrático de Direito formatado na Constituição da República pressupõe o respeito estrito ao princípio ne procedat judex ex officio, sob pena de extravasamento e deturpação da função jurisdicional. - Se a parte autora faz jus ao benefício assistencial, cabe-lhe requerê-lo pelas vias ordinárias, mesmo porque a concessão judicial de benefício assistencial sem prévio requerimento administrativo ofende o disposto no do RE 631240, julgado pelo Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal. - Não se deve deslembrar que condenação do INSS a conceder benefício não requerido na petição inicial também implica ofensa ao princípio da ampla defesa, pois não debatida nos autos a possibilidade de concessão de benefício assistencial em vez de benefício previdenciário. - Segundo entendimento firmado nesta Corte, a decisão do Relator não deve ser alterada quando fundamentada e nela não se vislumbrar ilegalidade ou abuso de poder que resulte em dano irreparável ou de difícil reparação para a parte. - A decisão agravada abordou todas as questões suscitadas e orientou-se pelo entendimento jurisprudencial dominante. Pretende o agravante, em sede de agravo, rediscutir argumentos já enfrentados pela decisão recorrida. - Agravo legal desprovido." (Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2055494 0003140-47.2010.4.03.6119, JUIZ CONVOCADO RODRIGO ZACHARIAS, TRF3 - NONA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:26/09/2016)

 

Não se pode, ainda, objetar que o INSS, no bojo da contestação ofertada, já denotou resistência à solicitação autoral, porquanto a presente demanda foi dinamizada em 19/08/2016, não se sujeitando, portanto, à modulação dos efeitos temporais da orientação firmada no RE 631.240, aplicável, apenas, às ações ajuizadas até 03/09/2014.

A par disso, não seria possível dizer-se que o caso se enquadra nas hipóteses em que o entendimento do INSS é notório e reiteradamente contrário à postulação da requerente.

Destarte, não resulta caracterizada a resistência à pretensão autoral, como indicado no sobredito paradigma do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em repercussão geral, cenário em que se justifica a proclamação da falta de interesse processual.

Diante do exposto, nos termos do art. 485, VI, do Código de Processo Civil, JULGO EXTINTO O PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, restando prejudicada a apelação autárquica.

Condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% do valor atualizado da causa. Observar-se-á o disposto no art. 98, § 3º, da lei processual, que manteve a sistemática da Lei n. 1.060/50, por ser beneficiária da justiça gratuita.

É como voto.


DECLARAÇÃO DE VOTO

A Desembargadora Federal MARISA SANTOS: Cuida-se de declarar o voto proferido no julgamento da apelação interposta pelo INSS contra sentença que julgou procedente o pedido de concessão de benefício assistencial à pessoa portadora de deficiência.

 

Em suas razões de apelação, alega ausência de comprovação dos requisitos necessários à concessão do benefício. No mais, insurge-se contra o termo inicial fixado na data da cessação do auxílio-doença, critérios de fixação de juros e de correção monetária.

 

O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento da apelação.

 

As partes foram intimadas, nos termos do art. 10 do CPC, quanto à inexistência de formulação de pedido administrativo, previamente ao ajuizamento da demanda.

 

A parte autora juntou aos autos comprovantes de requerimentos administrativos de benefícios de auxílio-doença.

 

Na sessão de julgamento de 13 de novembro de 2019, a senhora Relatora julgou extinto o processo, sem julgamento de mérito, com fundamento no art. 485, VI do CPC, restando prejudicada a apelação. Divergente o voto desta Magistrada, que entende ser desnecessária a comprovação do requerimento administrativo do benefício.

 

Passo a declarar o voto divergente.

No que se refere à carência da ação, tendo em vista a falta de prévio requerimento administrativo, o Juízo prolator da sentença conhece muito bem a realidade: tornou-se hábito requerer diretamente ao Poder Judiciário o que deve ser providenciado pela autoridade administrativa, com a justificativa de que administrativamente não há êxito por parte do segurado. As consequências são graves, tanto para a autarquia quanto para o segurado: para a autarquia, porque a lenta tramitação do processo levará ao pagamento de verbas acessórias que, se bem empregadas, poderiam compor o custeio da previdência social; para o segurado, porque a mesma lentidão o fará aguardar por anos a fio o que é de seu direito. Não há quem ganhe com essa lentidão, e, no entanto, esse procedimento se repete, reiteradamente, causando o grande congestionamento do Poder Judiciário.

É bem verdade que, muitas vezes, o INSS sequer recebe os pedidos no protocolo. Mas também é verdade que, muitas vezes, os pedidos são rapidamente analisados e dada resposta ao requerimento do segurado, concedendo ou indeferindo o benefício, com o que a função administrativa foi exercida.

O que ocorre, na prática, é que a falta de ingresso na via administrativa transfere para o Poder Judiciário o exercício de uma função que, na realidade, não lhe é típica, substituindo-se ao Administrador porque, tradicionalmente, o INSS reluta em cumprir sua função constitucional.

O art. 41-A, § 5º, da Lei nº 8213/91, concede à autoridade administrativa o prazo de 45 dias para efetuar o pagamento da primeira renda mensal do benefício, após a apresentação, pelo segurado, da documentação necessária.

Atento à realidade, quis o legislador pôr fim à conhecida demora na decisão de processos administrativos previdenciários, que causa desamparo a muitos segurados justamente no momento em que a cobertura previdenciária deveria socorrê-los.

A apreciação do requerimento, com a formulação de exigências, concessão ou indeferimento do benefício, assim, deve ocorrer em 45 dias.

A dicção da Súmula 9 desta Corte e da jurisprudência dominante não é a que lhe pretende dar o(a) apelante. Não há necessidade de prévio esgotamento da via administrativa, ou seja, o interessado não precisa esgotar todos os recursos administrativos. Mas não excluem a atividade administrativa.

É hora de mudar esse hábito de transferir para o Poder Judiciário o que é função típica do INSS. Se o requerimento administrativo não for recebido no protocolo, ou não for apreciado no prazo de 45 dias, ou for indeferido, aí sim, surgirá o interesse de agir.

No entanto, não deve ser adotado esse procedimento em processos já em tramitação, em que o réu contesta o mérito do pedido, porque se tornaria inócua toda a espera do segurado, que poderia ter negada a atividade administrativa e a judiciária, bem como porque demonstrada a resistência da autarquia em acolher a pretensão da parte apelante, o que é suficiente para atribuir-lhe interesse processual.

O STF, em repercussão geral, decidiu nesse mesmo sentido:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO E INTERESSE EM AGIR.

1. A instituição de condições para o regular exercício do direito de ação é compatível com o art. 5º, XXXV, da Constituição. Para se caracterizar a presença de interesse em agir, é preciso haver necessidade de ir a juízo.

2. A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise. É bem de ver, no entanto, que a exigência de prévio requerimento não se confunde com o exaurimento das vias administrativas.

3. A exigência de prévio requerimento administrativo não deve prevalecer quando o entendimento da Administração for notória e reiteradamente contrário à postulação do segurado.

4. Na hipótese de pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido, considerando que o INSS tem o dever legal de conceder a prestação mais vantajosa possível, o pedido poderá ser formulado diretamente em juízo - salvo se depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração -, uma vez que, nesses casos, a conduta do INSS já configura o não acolhimento ao menos tácito da pretensão.

5. Tendo em vista a prolongada oscilação jurisprudencial na matéria, inclusive no Supremo Tribunal Federal, deve-se estabelecer uma fórmula de transição para lidar com as ações em curso, nos termos a seguir expostos.

6. Quanto às ações ajuizadas até a conclusão do presente julgamento (03.09.2014), sem que tenha havido prévio requerimento administrativo nas hipóteses em que exigível, será observado o seguinte: (i) caso a ação tenha sido ajuizada no âmbito de Juizado Itinerante, a ausência de anterior pedido administrativo não deverá implicar a extinção do feito; (ii) caso o INSS já tenha apresentado contestação de mérito, está caracterizado o interesse em agir pela resistência à pretensão; (iii) as demais ações que não se enquadrem nos itens (i) e (ii) ficarão sobrestadas, observando-se a sistemática a seguir.

7. Nas ações sobrestadas, o autor será intimado a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção do processo. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado a se manifestar acerca do pedido em até 90 dias, prazo dentro do qual a Autarquia deverá colher todas as provas eventualmente necessárias e proferir decisão. Se o pedido for acolhido administrativamente ou não puder ter o seu mérito analisado devido a razões imputáveis ao próprio requerente, extingue-se a ação. Do contrário, estará caracterizado o interesse em agir e o feito deverá prosseguir.

8. Em todos os casos acima - itens (i), (ii) e (iii) -, tanto a análise administrativa quanto a judicial deverão levar em conta a data do início da ação como data de entrada do requerimento, para todos os efeitos legais.

9. Recurso extraordinário a que se dá parcial provimento, reformando-se o acórdão recorrido para determinar a baixa dos autos ao juiz de primeiro grau, o qual deverá intimar a autora - que alega ser trabalhadora rural informal - a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado para que, em 90 dias, colha as provas necessárias e profira decisão administrativa, considerando como data de entrada do requerimento a data do início da ação, para todos os efeitos legais. O resultado será comunicado ao juiz, que apreciará a subsistência ou não do interesse em agir.

(RE 631240/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 10/11/2014).

 

O STJ também passou a adotar o mesmo entendimento. Nesse sentido o julgamento do REsp 1.369.834/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 02.12.2014:

 

PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. NECESSIDADE. CONFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE SUPERIOR AO QUE DECIDIDO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO JULGAMENTO DO RE 631.240/MG, JULGADO SOB A SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL.

1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 631.240/MG, sob rito do artigo 543-B do CPC, decidiu que a concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento administrativo, evidenciando situações de ressalva e fórmula de transição a ser aplicada nas ações já ajuizadas até a conclusão do aludido julgamento (03/9/2014).

2. Recurso especial do INSS parcialmente provido a fim de que o Juízo de origem aplique as regras de modulação estipuladas no RE 631.240/MG. Julgamento submetido ao rito do artigo 543-C do CPC.

No caso dos autos, o INSS contestou o mérito, estando configurado o interesse processual, não havendo que se falar em extinção, diante da ausência de requerimento administrativo.

Com essas considerações, pedindo vênia à senhora Relatora, voto no sentido de afastar a extinção do processo, sem julgamento de mérito, devendo os autos retornarem à Relatora para julgamento do mérito do recurso de apelação.

É como voto.

 


E M E N T A

 

 

 

CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 203, CAPUT, DA CR/88 E LEI Nº 8.742/1993. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. ORIENTAÇÃO FIXADA PELO C. STF, EM SEDE DE REPERCUSSÃO GERAL. INOBSERVÂNCIA. EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO.

- A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento administrativo formulado pelo interessado. Orientação fixada pelo C. STF, em sede de repercussão geral (RE 631240/MG).

-Inexistência de formulação de pleito administrativo tendente ao benefício de prestação continuada ao deficiente, especificamente ambicionado nesta demanda.

- Conquanto o c. Superior Tribunal de Justiça albergue entendimento no sentido de que "o pleito contido na peça inaugural, mormente quando se trata de benefício com caráter previdenciário, deve ser analisado com certa flexibilidade" (cf. AIRESP 1412645, 1ª Turma, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJE 31.10.2017), o princípio da fungibilidade se aplicaria, apenas, aos benefícios de mesma natureza, qual seja, previdenciária, o que não ocorre com o benefício assistencial.

- Resistência do INSS à pretensão autoral não caracterizada.

- Honorários advocatícios fixados em 10% do valor atualizado da causa, observado o disposto no art. 98, § 3º, do NCPC, que manteve a sistemática da Lei n. 1.060/50, por ser a parte autora beneficiária da justiça gratuita.

- Processo extinto, sem resolução do mérito.

- Apelação do INSS prejudicada.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por maioria, decidiu, nos termos do art. 485, VI, do Código de Processo Civil, julgar extinto o processo, sem resolução do mérito, restando prejudicada a apelação autárquica, nos termos do voto da Relatora, que foi acompanhada pela Desembargadora Federal Daldice Santana e pelo Desembargador Federal Gilberto Jordan (que votou nos termos do art. 942 "caput" e §1º do CPC). Vencida a Desembargadora Federal Marisa Santos que afastava a extinção do processo, sem julgamento de mérito, retornando os autos à Relatora para julgamento do mérito do recurso de apelação. Julgamento nos termos do disposto no artigo 942 caput e § 1º do CPC , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.