SUSPENSÃO DE SEGURANÇA CÍVEL (11556) Nº 5005398-51.2019.4.03.0000
RELATOR: Gab. Presidência
REQUERENTE: FUNDACAO NACIONAL DO INDIO
PROCURADOR: MAURICIO MAIA
REQUERIDO: MIRIAM ALVES CORREA, MONICA ALVES CORREA CARVALHO DA SILVA, NILTON CARVALHO DA SILVA FILHO, ESPÓLIO DE ÊNIO ALVES CORRÊA, SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CAMPO GRANDE/MS - 1ª VARA FEDERAL
Advogados do(a) REQUERIDO: SERGIO SILVA MURITIBA - MS8423-A, NIUTOM RIBEIRO CHAVES JUNIOR - MS8575-A
Advogados do(a) REQUERIDO: SERGIO SILVA MURITIBA - MS8423-A, NIUTOM RIBEIRO CHAVES JUNIOR - MS8575-A
Advogados do(a) REQUERIDO: SERGIO SILVA MURITIBA - MS8423-A, NIUTOM RIBEIRO CHAVES JUNIOR - MS8575-A
Advogados do(a) REQUERIDO: SERGIO SILVA MURITIBA - MS8423-A, NIUTOM RIBEIRO CHAVES JUNIOR - MS8575-A
OUTROS PARTICIPANTES:
SUSPENSÃO DE SEGURANÇA (11556) Nº 5005398-51.2019.4.03.0000
RELATOR: Gab. Presidência
REQUERENTE: FUNDACAO NACIONAL DO INDIO
PROCURADOR: MAURICIO MAIA
REQUERIDO: MIRIAM ALVES CORREA, MONICA ALVES CORREA CARVALHO DA SILVA, NILTON CARVALHO DA SILVA FILHO, ESPÓLIO DE ÊNIO ALVES CORRÊA, SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CAMPO GRANDE/MS - 1ª VARA FEDERAL
Advogados do(a) REQUERIDO: SERGIO SILVA MURITIBA - MS8423, NIUTOM RIBEIRO CHAVES JUNIOR - MS8575-A
Advogados do(a) REQUERIDO: SERGIO SILVA MURITIBA - MS8423, NIUTOM RIBEIRO CHAVES JUNIOR - MS8575-A
Advogados do(a) REQUERIDO: SERGIO SILVA MURITIBA - MS8423, NIUTOM RIBEIRO CHAVES JUNIOR - MS8575-A
Advogados do(a) REQUERIDO: SERGIO SILVA MURITIBA - MS8423, NIUTOM RIBEIRO CHAVES JUNIOR - MS8575-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA, Presidente do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (Relatora). Agravo (Id. 48414846) interposto por Miriam Alves Corrêa e outros contra decisão monocrática que deferiu o pedido liminar para “determinar, até que sobrevenha a análise da questão, no mérito recursal, por órgão julgador deste Tribunal Regional Federal, a suspensão dos efeitos da tutela provisória que, proferida pelo juízo da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Campo Grande ao sentenciar o feito de reg. n.º 0005471-63.2013.4.03.6000, determinou a retirada dos indígenas que ocupam o imóvel denominado “Fazenda Esperança”, no Município de Aquidauana/MS” (Id. 39848579).
Na origem, refere-se o pedido de suspensão à Ação de Reintegração de Posse n.º 0005471-63.2013.4.03.6000, em trâmite na 1.ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Campo Grande, na qual, segundo consta na inicial, os autores Enio Alves Correa e Elvira Maira Alves Correa requerem a reintegração na posse de imóvel rural denominado “Fazenda Esperança”, atualmente ocupado por indígenas.
A tutela provisória foi deferida, ajuizando-se à época, os Agravos de Instrumento n.º 0014822-18.2013.4.03.0000, 0015729-90.2013.4.03.0000 e 0015829-45.2013.4.03.0000 – em que não se obteve efeito suspensivo – e o Pedido de Suspensão de Liminar n.º 0016216-60.2013.4.03.0000, inicialmente deferido pela Presidência do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região.
Levada a suspensão ao Órgão Especial desta Corte, que deu provimento ao agravo – restabelecendo, dessa forma, a eficácia da tutela provisória –, a parte ajuizou, no Supremo Tribunal Federal, a Suspensão de Liminar n.º 1.076, em que a liminar voltou a ser suspensa, nos seguintes termos:
“13. Pelo exposto, defiro o pleito de medida liminar para suspender os efeitos da decisão proferida pelo juízo da Primeira Vara Federal Dourados/MS na Ação de Reintegração de Posse n. 0005471- 63.2013.4.03.6000/MS, mantida pelo Tribunal Regional Federal da Terceira Região nos Agravos de Instrumentos ns. 0014822- 18.2013.4.03.0000, 0015729-90.2013.4.03.0000 e 0015829-45.2013.4.03.0000 e na Suspensão de Liminar n. 0016216-60.2013.4.03.0000, até a prolação de sentença de mérito a ser proferida no processo de origem (art. 297 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, art. 25 da Lei n. 8.038/1990).”
Ocorre que, em 13.7.2018, foi prolatada sentença no processo n.º 0005471-63.2013.4.03.6000, julgando procedentes os pedidos da inicial e determinando a retirada dos indígenas do local:
“Diante do que restou exposto, julgo procedente o pedido material da presente ação, para os fins de determinar a reintegração dos autores na posse do imóvel rural descrito na inicial, denominado Fazenda Esperança, localizado no Município de Aquidauana/MS, de propriedade dos mesmos, e, bem assim, que os indígenas que ocupam o imóvel, de lá se retirem no prazo de 10 (dez) dias, fixado na decisão liminar, a contar da data da intimação desta sentença, sob pena de utilização dos meios cogentes, necessários a tal desiderato. Declaro resolvido o mérito da lide, nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil. 13 de julho de 2018”.
Daí a suspensão de liminar, em que a FUNAI relata, em síntese, que “encontram-se os indígenas novamente na iminência de serem despejados do local que ocupam desde 2013, portanto há seis anos, pois alegaram que não irão sair do local do qual já existe amplo reconhecimento estatal de que se trata de terra indígena tradicional”, ressaltando-se que “a área ocupada da Fazenda Esperança está inserida na área declarada pelo Ministério da Justiça como de ocupação tradicional Terena, cuja justificativa encontra-se exaustivamente detalhada no Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) da Terra Indígena Taunay-Ipegue, cujo resumo segue em anexo”.
Afirma, ainda, que “Com a edição da Portaria nº 497/2016 do Ministro da Justiça, em observância ao Decreto 1775/1996, foi declarada em 29 de abril de 2016 a tradicionalidade da terra indígena, embora a ocupação objeto da ação de reintegração de posse date de 23 de maio de 2013, época em que a área já se encontrava delimitada, em razão da publicação do RCID pelo Presidente da Funai”.
Quanto à área ocupada, relata-se que:
“[...] a ocupação indígena na Fazenda Esperança já totaliza quase 06 anos, o que afasta qualquer urgência no atendimento do pleito reintegratório. Conforme certifica o Memorando nº 315/GAB/SEGAT/CRCGR/MS, todas as edificações da fazenda (curral, caixa d´água, cercas, galpões, energia elétrica) se encontram totalmente conservados pelos indígenas. Por ocasião da ocupação, toda mobília, plantel de gado e tropas cavalares foram retiradas. Tais informações demonstram que não há qualquer risco à propriedade ou aos bens do Autor da ação que justifiquem a ordem de reintegração no presente momento, podendo aguardar o trânsito em julgado da possessória sem qualquer prejuízo irreparável, que não possa ser deduzido em perdas e danos”.
Somam-se, assim, “300 (trezentos) moradores, incluindo homens, mulheres, crianças e idosos, imbuídos do propósito de retomar sua ocupação ancestral, organizados em 47 (quarenta e sete) grupos familiares na área em litígio, que abrange três localidades: Esperança, Fazendinha e Retiro Caçula”.
Quanto à tutela provisória deferida, sustenta-se que subsistiria grave lesão à ordem e segurança pública sem seu cumprimento, porque o ““Presidente do Supremo Tribunal Federal sustou o cumprimento da ordem judicial liminar, por entender que "poderiam redundar consequências nefastas socialmente": ‘O contexto parece demonstrar risco de acirramento dos ânimos das partes em conflito e consequente agravamento do quadro de violência, o que me conduz a reconhecer a plausibilidade do alegado risco à ordem e à segurança pública’”; ainda, “tal grave situação de risco de conflito social de grandes proporções, que foi reconhecida pelo Eg. STF, permanece operando, o que justifica a manutenção da medida” e “Segundo Informação Técnica nº 3/2019/Segat - CRCGR/ DIT - CR-CGR/CR-CGR-FUNAI (anexo) em reunião realizada entre os dias 21 e 22 de fevereiro do corrente ano junto à comunidade indígena, foi informado que realizaram uma reunião anteriormente (vide ata em anexo), de acordo com os costumes tradicionais e o processo decisório do Povo Terena, em que decidiram por continuar com a ocupação e que estariam dispostos, inclusive, a resistir à força policial e até mesmo morrer se for preciso para que seus filhos ou parentes se mantenham na Terra Tradicional”.
Haveria, assim, um “um grande número de indígenas estão envolvidos na operação de retomada, dentre crianças, adultos e idosos, cuja retirada compulsória, e com o uso da força policial, poderá ensejar enfrentamentos entre os indígenas e fazendeiros, ou entre indígenas e os próprios policiais, colocando em risco a vida, a saúde e a incolumidade física de todos os envolvidos”, ressaltando-se que há ‘“decisões importantes dadas pelo Supremo [que] consideraram indiscutível a necessidade de suspensão das decisões de reintegração em razão do contexto peculiar encontrado na região do Mato Grosso do Sul”, dentre as quais “citam-se as decisões mais recentes, proferidas nas SL 926/MS, SL 929/MS, SL 749/MS, SL 842/MS, SL 948/MS, SL 971/MS, SL 982/MS”.
Proferida a decisão ora recorrida (Id. 39848579) pela qual deferido, em parte, o pedido inicial, para “determinar, até que sobrevenha a análise da questão, no mérito recursal, por órgão julgador deste Tribunal Regional Federal, a suspensão dos efeitos da tutela provisória que, proferida pelo juízo da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Campo Grande ao sentenciar o feito de reg. n.º 0005471- 63.2013.4.03.6000, determinou a retirada dos indígenas que ocupam o imóvel denominado ‘Fazenda Esperança’, no Município de Aquidauana/MS”.
No agravo (Id. 48414846) objeto deste julgamento, relatam os recorrentes que “são os legítimos proprietários das glebas de terras que compreendem a Fazenda Esperança, Município e Comarca de Aquidauana/MS”, sustentando, preliminarmente, a incompetência da Presidência do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região para julgar o Pedido de Suspensão de Liminar, porque há “decisão monocrática do Desembargador Relator WILSON ZAUHY, no Pedido de Efeito Suspensivo à Apelação n. 5004293-39.2019.4.03.0000 – que indeferiu a suspenção dos efeitos da sentença, tão somente caberia recurso especial, ou extraordinário, conforme o caso”, de modo que “decisão do Des. Relator substituiu, face a aplicação do art. 1.008 do CPC, a decisão do juízo de primeiro grau (sentença), não tendo esta mais qualquer validade jurídica sobre aquela” e “o órgão competente para apreciação do Recurso Especial ou Extraordinário seria, respectivamente, o STJ ou STF e não este Tribunal Regional Federal”.
Também preliminarmente, sustenta-se a perda superveniente de objeto desta ação, porque “a reintegração de posse, concedida em primeiro grau, foi em sua essência mantida pelo nobre Desembargador Relator, quando ele negou efeito suspensivo à Apelação” e “quando do julgamento do Pedido de Efeito Suspensivo à Apelação n. 5004293-39.2019.4.03.0000, houve, em respeito ao art. 1.008 do CPC, a substituição de uma decisão pela outra – juízo de primeiro grau pelo Tribunal Regional Federal, inobstante a ausência de trânsito em julgado da decisão do Des. WILSON ZAUHY”, de modo que “o pedido de suspensão de sentença realizado pela FUNAI e Comunidade Indígena, e que ora se agrava regimentalmente, resta prejudicado pela perda superveniente de seu objeto”.
No mérito, afirmam os agravantes que, a decisão “ao albergar o pedido da FUNAI, V.Exa. feriu de morte inúmeras razões, jurídicas ou não, e que certamente trará descomunal inquietude, e porque não dizer, atos de repulsa de várias entidades de classe, em especial à dos produtores rurais do Estado de Mato Grosso do Sul, reconhecidamente um dos principais responsáveis em fomentar este País, seja com grãos ou, principalmente, o abate de bovinos”; que “ao albergar o pedido da FUNAI, V.Exa. feriu de morte inúmeras razões, jurídicas ou não, e que certamente trará descomunal inquietude, e porque não dizer, atos de repulsa de várias entidades de classe, em especial à dos produtores rurais do Estado de Mato Grosso do Sul, reconhecidamente um dos principais responsáveis em fomentar este País, seja com grãos ou, principalmente, o abate de bovinos”; e que “Não bastasse o executivo inerte ao longo de tantos anos, os autores, e por que não aqui também representando todos os produtores rurais deste Estado, sentem-se ultrajados e humilhados com a suspensão da liminar, e agora da sentença de reintegração de posse então deferida”.
Argumenta-se, ainda, que “Segundo a entidade FAMASUL - Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul, existem hoje em todo o Estado de Mato Grosso do Sul 123 propriedades rurais invadidas, ou seja, desde a liminar, saltou de 65 para 123, e acredite V.Exa., esse número só tende a aumentar, mormente quando o Judiciário, último amparo dos legítimos proprietários daquelas terras, não lhes proporcionam a guarida necessária”; que “a entidade agravada, FUNAI, em um pseudo estudo antropológico, inúmeras vezes combatido por renomados antropólogos, “conferiu” a várias etnias indígenas um super latifúndio, sob o frágil argumento que ali viveram seus antepassados”; e que “O grave risco de lesão ao interesse coletivo, bem como à ordem e à segurança pública, data máxima venia, estarão sim presentes se a desordem e a baderna promovida pelos indígenas continuarem a ser chanceladas não somente pelo Executivo ocioso, mas agora pelo Judiciário, temeroso”.
Sustenta-se, por fim, que “Já ressoam por todos os cantos do Estado, encontrando eco nas entidades de classe, tais como Famasul, Acrissul, etc., toda a sorte de retaliações dos produtores rurais, que se posta em prática, e acredite, certamente serão, a imensa população brasileira sofrerá, seja pela falta de carne, soja e seus derivados”; que no “pedido de Suspensão de Segurança, o mérito da questão não pode e não deve ser enfrentado, eis que para combater a sentença de reintegração de posse concedida existe recurso próprio, o qual, por sua vez, já teve seu efeito suspensivo negado por este Tribunal”; ademais, que “a desocupação na Fazenda invadida não se dará, de imediato, com o uso da força policial, mas pela FUNAI, que reconhecidamente tem autoridade sobre os povos indígenas, e deles obediência, em especial a comunidade indígena Taunay-Ypegue” e que “Tal medida por si só é capaz de reverter a decisão de suspensão da sentença, eis que fica afastada de vez qualquer requisito essencial previsto na citada legislação - também pela aplicação do binômio da proporcionalidade e razoabilidade no presente caso - que autorize a suspensão concedida pelo Presidente desta Corte”.
Argumentos postos, requer-se “seja dado provimento ao vertente recurso, para o fim de reintegrar os autores na posse de sua propriedade rural, nos moldes já estabelecidos em sentença e no Pedido de Efeito Suspensivo à Apelação n. 5004293-39.2019.4.03.0000, julgamento de agravo de instrumento, tendo como Relator WILSON ZAUHY”.
Parecer do Ministério Público Federal (Id. 58444596), sustentando que “em razão de tudo o que consta dos autos, presente o manifesto interesse público de que fala o artigo 4º, “caput”, da lei 8347/92, e ainda a necessidade de que sejam evitadas graves lesões à ordem e à segurança públicas, conforme noticiado na petição inicial, de molde a dar sustentação à presente medida”, razão pela qual se manifesta pelo “acolhimento do presente incidente de suspensão de segurança”, desprovendo-se o agravo (Id. 72638069).
Inseridas Contrarrazões (Id. 60746795) pela Fundação Nacional do Índio, requerendo a “manutenção da decisão agravada”.
É o relatório.
Desembargadora Federal Therezinha Cazerta
Presidente do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região
SUSPENSÃO DE SEGURANÇA (11556) Nº 5005398-51.2019.4.03.0000
RELATOR: Gab. Presidência
REQUERENTE: FUNDACAO NACIONAL DO INDIO
PROCURADOR: MAURICIO MAIA
REQUERIDO: MIRIAM ALVES CORREA, MONICA ALVES CORREA CARVALHO DA SILVA, NILTON CARVALHO DA SILVA FILHO, ESPÓLIO DE ÊNIO ALVES CORRÊA, SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CAMPO GRANDE/MS - 1ª VARA FEDERAL
Advogados do(a) REQUERIDO: SERGIO SILVA MURITIBA - MS8423, NIUTOM RIBEIRO CHAVES JUNIOR - MS8575-A
Advogados do(a) REQUERIDO: SERGIO SILVA MURITIBA - MS8423, NIUTOM RIBEIRO CHAVES JUNIOR - MS8575-A
Advogados do(a) REQUERIDO: SERGIO SILVA MURITIBA - MS8423, NIUTOM RIBEIRO CHAVES JUNIOR - MS8575-A
Advogados do(a) REQUERIDO: SERGIO SILVA MURITIBA - MS8423, NIUTOM RIBEIRO CHAVES JUNIOR - MS8575-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA, Presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (Relatora).
Preliminarmente, os agravantes sustentam, primeiro, que a Presidência do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região seria incompetente para conhecer desta suspensão de liminar; e, segundo, que ela teria perdido o seu objeto.
Ambas as afirmações sustentam-se na circunstância de que a decisão cujos efeitos estão suspensos foi analisada, no Pedido de Efeito Suspensivo à Apelação n.º 5004293-39.2019.4.03.0000, por Desembargador Federal desta Corte, que, monocraticamente, indeferiu o pedido da FUNAI. Assim, argumentam os agravantes, a decisão de primeiro grau de jurisdição teria sido substituída pela proferida nesta Corte (art. 1.008, CPC) e, por essa razão, a competência para conhecer desta suspensão de liminar seria - tanto no momento em que ajuizada, quanto agora, em que levada a julgamento no Órgão Especial - ou do Superior Tribunal de Justiça, ou do Supremo Tribunal Federal.
De início, consulta processual nos sistemas de tramitação desta Corte indica que existem dois processos vinculados à Reintegração de Posse n.º 0005471-63.2013.4.03.6000 e que têm, como objeto, a decisão que deferiu a tutela provisória na sentença:
- Pedido de Efeito Suspensivo à Apelação n.º 5004293-39.2019.4.03.0000: processo distribuído ao Desembargador Federal Wilson Zauhy, que indeferiu monocraticamente o pedido inicial da FUNAI; deferida a suspensão de liminar neste processo, foi negado seguimento ao recurso e interposto agravo regimental, que aguarda julgamento.
- Pedido de Efeito Suspensivo à Apelação n.º 5008962-38.2019.4.03.0000: processo distribuído ao Desembargador Federal Wilson Zauhy, que negou seguimento ao recurso do MPF, em decisão monocrática. Foi interposto agravo regimental, que aguarda julgamento.
No mais, após a prolação de sentença na Reintegração de Posse n.º 0005471-63.2013.4.03.6000, foi interposta apelação impugnando-a, razão pela qual, em 29.7.2019, sobreveio a sua baixa definitiva ao Tribunal Regional Federal da 3.ª Região, ausente notícia de que o feito tenha sido julgado até o momento.
Postos os fatos, o argumento que sustenta ambas as preliminares não procede porque, nada obstante a existência de decisão no Pedido de Efeito Suspensivo à Apelação n.º 5004293-39.2019.4.03.0000, indeferindo a suspensão da reintegração na posse, trata-se de provimento monocrático, hipótese que não atrai a incidência do art. 1.008, do Código de Processo Civil.
Isso porque, nos termos de precedentes tanto do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região, quanto do Superior Tribunal de Justiça, a decisão monocrática proferida por Relator de recurso não substitui a de primeiro grau de jurisdição, efeito que só é desencadeado após a análise, no mérito, da controvérsia, pelo colegiado recursal competente:
"AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO (CF, ART. 105, I, f). USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ). SUSPENSÃO DE EXECUÇÃO DE TUTELA ANTECIPADA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. JULGAMENTO. EFEITO SUBSTITUTIVO DO RECURSO. ESGOTAMENTO DA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. EMERGÊNCIA DA COMPETÊNCIA DO STJ. RECLAMAÇÃO PROCEDENTE. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO.
1. Em virtude do efeito substitutivo (CPC, art. 512), uma vez julgado o mérito do recurso pelo Tribunal a quo, o decisum dali decorrente, no que tiver sido objeto do apelo, substitui a decisão recorrida, ainda que a pretensão recursal não tenha sido acolhida.
2. Da interpretação sistemática do art. 4º, §§ 4º, 5º e 6º da Lei 8.437/92, do art. 25 da Lei 8.038/90 e do art. 1º da Lei 9.494/97, tem-se que o julgamento colegiado do agravo de instrumento manejado contra a decisão que deferiu liminar ou tutela antecipada, com o exaurimento da instância ordinária, faz cessar a competência da Presidência do Tribunal de Justiça e inaugura a do Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Corte competente para conhecer de eventual recurso especial, para o processamento e julgamento de pedido de suspensão da execução da liminar ou da tutela antecipada.
3. Comprovada a usurpação da competência desta Corte Superior, dá-se provimento ao presente agravo interno, para julgar procedente a reclamação, cassando-se a decisão reclamada”
(STJ, Corte Especial, AgRg na Rcl 6953/BA, rel. Ministro Raul Araújo, 11.12.2014)
"AGRAVO REGIMENTAL - SUSPENSÃO DE LIMINAR OU ANTECIPAÇÃO DE TUTELA - AGRAVO DE INSTRUMENTO - JULGAMENTO - PREJUDICIALIDADE - AGRAVO IMPROVIDO.
1. Suspensão de segurança e agravo regimental julgados prejudicados.
2. Interposição de novo agravo regimental.
3. Efeito substitutivo do recurso (artigo 512, do CPC).
4. O julgamento do agravo de instrumento interposto contra a liminar ou antecipação de tutela enseja a perda de objeto do pedido de suspensão.
5. Precedentes do STJ e desta Corte Regional.
6. Agravo regimental improvido."
(TRF3, Órgão Especial, Processo nº 0018314-18.2013.4.03.0000, Órgão Especial, rel. Desembargador Federal Presidente, 25.2.2016)
Referido entendimento tem sido expressamente adotado pelo Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região que, em recentes decisões em suspensões de liminares, tem inclusive modificado a extensão do provimento inicial, adequando-o a essa baliza:
“CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO EM SUSPENSÃO DE LIMINAR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PREJUDICIALIDADE. NÃO CARACTERIZAÇÃO. EXPORTAÇÃO. DECISÃO JUDICIAL. PROIBIÇÃO, EM TODO TERRITÓRIO NACIONAL, DO ENVIO AO EXTERIOR DE ANIMAIS VIVOS PARA O ABATE. COMPROVADA OFENSA À ORDEM E ECONOMIA PÚBLICAS. TERMO FINAL DA SUSPENSÃO. AGRAVO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE.
– Impugnada a decisão liminar originária em agravos de instrumento nos quais não há provimento jurisdicional colegiado de órgão desta Corte. Inexistência de prejudicialidade no julgamento de agravo interno em suspensão de liminar.
[...]
– Agravo conhecido e provido em parte, a fim de que a suspensão dos efeitos deferida permaneça hígida até o momento em que a controvérsia seja julgada, de forma colegiada, e, no mérito, por órgão deste Tribunal Regional Federal”.
(TRF3, Órgão Especial, SLAT n.º 5001511-93.2018.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Presidente, 30.1.2019)
“CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO EM SUSPENSÃO DE LIMINAR. SUSTENTAÇÃO ORAL. IMPOSSIBILIDADE. AÇÃO ORDINÁRIA. PREJUDICIALIDADE. NÃO CARACTERIZAÇÃO. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. DECISÃO JUDICIAL. DETERMINAÇÃO DE FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO SOB PENA DE INDISTINTA INDISPONIBILIDADE DE RECURSOS DE MUNICÍPIO E DA UNIÃO FEDERAL. COMPROVADA OFENSA À ORDEM E ECONOMIA PÚBLICAS DA MUNICIPALIDADE. TERMO FINAL DA SUSPENSÃO. AGRAVO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE.
[...]
– Impugnada a decisão liminar originária em agravo de instrumento no qual não há provimento jurisdicional colegiado de órgão desta Corte. Inexistência de prejudicialidade no julgamento de agravo interno em suspensão de liminar.
[...]
– Agravo conhecido e provido em parte, a fim de que a suspensão dos efeitos deferida permaneça hígida até o momento em que a controvérsia seja julgada, de forma colegiada, e, no mérito, por órgão deste Tribunal Regional Federal”.
(TRF3, Órgão Especial, SLAT n.º 5020461-87.2017.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Presidente, 14.11.2018)
Portanto, não se ignora que a incidência do art. 1.008, do CPC implica que, proferida decisão a respeito da controvérsia pelo Tribunal Regional Federal da 3.ª Região, não há competência desta Presidência para a análise de pedidos de suspensão de liminar: uma vez que a decisão paradigma não mais é de primeiro grau de jurisdição, mas advém desta própria Corte Federal, que substituiu o anteriormente decidido, incumbe ao Superior Tribunal de Justiça ou ao Supremo Tribunal Federal conhecer de eventual renovação do pleito suspensivo a seu respeito (art. 15, caput, Lei nº 12.016/2009).
Acontece que, como acima demonstrado, o efeito substitutivo decorre do provimento colegiado: é o “julgamento” – entendido, em sentido estrito, como a análise colegiada do mérito – que substitui a “decisão impugnada” (art. 1.008, CPC), e não a verificação preliminar quanto aos requisitos para o deferimento do efeito suspensivo na apelação, realizado, como no caso destes autos, de forma monocrática. São evidências disso, inclusive, os precedentes mencionados pelos recorrentes – a exemplo do REsp n.º 529.069/PR, de ementa transcrita no recurso, em que a substituição do acórdão prolatado por Tribunal Regional Federal ocorreu pelo “acórdão do Superior Tribunal de Justiça”, ou seja, pela decisão colegiada prolatada na Corte.
Nesse sentido, e no particular caso da Reintegração de Posse n.º 0005471-63.2013.4.03.6000, tanto inexistia decisão colegiada quanto à tutela provisória no momento em que esta Suspensão de Liminar foi distribuída – razão pela qual, à época, a Presidência do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região tinha competência para conhece-la – quanto, atualmente, inexiste esse provimento, uma vez que a apelação ainda pende de análise por esta Corte – razão pela qual não há que se falar em perda de objeto.
Refira-se, por fim, que o precedente do Superior Tribunal de Justiça mencionado pelo agravante, o AgRg na Rcl n.º 1.542/TO, Relator Ministro Luiz Fux, foi julgado em 10.11.2004, tudo a indicar, portanto, que foi superado por julgados posteriores, a exemplo do AgRg na Rcl n.º 6.953/BA, Relator Ministro Raul Araújo, julgado em 11.12.2014 e acima citado.
Ante o exposto, ausente decisão colegiada desta Corte em que analisado, no mérito, o provimento liminar cujos efeitos são o objeto desta Suspensão de Liminar, não há incompetência desta Presidência, nem perda de objeto, razões pelas quais rejeito as preliminares apresentadas.
No mérito, a suspensão da eficácia de provimentos jurisdicionais por ato da Presidência do respectivo Tribunal é “prerrogativa legalmente disponibilizada ao Poder Público, dentre outros legitimados, em defesa do interesse público, toda vez que se vislumbre, concretamente, perigo de grave lesão aos valores atinentes à ordem, à economia, a saúde ou à segurança públicas”, objetivando “a suspensão da eficácia das liminares e das sentenças proferidas contra entidades públicas e privadas que desempenham de alguma forma função pública” (Elton Venturi, Suspensão de Liminares e Sentenças Contrárias ao Poder Público, Malheiros, 3ª ed., 2017, p. 35).
Trata-se de regime jurídico constituído a partir da subsistência de dispositivos legais que regulam as distintas situações nas quais o manejo do pedido de suspensão mostra-se cabível, sendo adequada a menção, a esse respeito, ao que dispõem os artigos 15, da Lei nº 12.016/09, 25, da Lei nº 8.038/1990, 4º, da Lei nº 8.437/1992, 12, da Lei nº 7.347/1985, 1º, da Lei nº 9.494/1997, e 16, da Lei nº 9.507/1997 – respectivamente aplicáveis ao mandado de segurança, em primeiro e segundo grau de jurisdição, às medidas cautelares contra o Poder Público, à ação civil pública, à tutela antecipada contra a Fazenda Pública e ao habeas data:
“Art. 15. Quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada ou do Ministério Público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, o presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso suspender, em decisão fundamentada, a execução da liminar e da sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de 5 (cinco) dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte à sua interposição.
§ 1o Indeferido o pedido de suspensão ou provido o agravo a que se refere o caput deste artigo, caberá novo pedido de suspensão ao presidente do tribunal competente para conhecer de eventual recurso especial ou extraordinário.
§ 2o É cabível também o pedido de suspensão a que se refere o § 1o deste artigo, quando negado provimento a agravo de instrumento interposto contra a liminar a que se refere este artigo.
§ 3o A interposição de agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações movidas contra o poder público e seus agentes não prejudica nem condiciona o julgamento do pedido de suspensão a que se refere este artigo.
§ 4o O presidente do tribunal poderá conferir ao pedido efeito suspensivo liminar se constatar, em juízo prévio, a plausibilidade do direito invocado e a urgência na concessão da medida.
§ 5o As liminares cujo objeto seja idêntico poderão ser suspensas em uma única decisão, podendo o presidente do tribunal estender os efeitos da suspensão a liminares supervenientes, mediante simples aditamento do pedido original”
“Art. 25 - Salvo quando a causa tiver por fundamento matéria constitucional, compete ao Presidente do Superior Tribunal de Justiça, a requerimento do Procurador-Geral da República ou da pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, suspender, em despacho fundamentado, a execução de liminar ou de decisão concessiva de mandado de segurança, proferida, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal.
§ 1º - O Presidente pode ouvir o impetrante, em cinco dias, e o Procurador-Geral quando não for o requerente, em igual prazo.
§ 2º - Do despacho que conceder a suspensão caberá agravo regimental.
§ 3º - A suspensão de segurança vigorará enquanto pender o recurso, ficando sem efeito, se a decisão concessiva for mantida pelo Superior Tribunal de Justiça ou transitar em julgado”
“Art. 4° Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.
§ 1° Aplica-se o disposto neste artigo à sentença proferida em processo de ação cautelar inominada, no processo de ação popular e na ação civil pública, enquanto não transitada em julgado.
§ 2o O Presidente do Tribunal poderá ouvir o autor e o Ministério Público, em setenta e duas horas. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001)
§ 3o Do despacho que conceder ou negar a suspensão, caberá agravo, no prazo de cinco dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte a sua interposição. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001)
§ 4o Se do julgamento do agravo de que trata o § 3o resultar a manutenção ou o restabelecimento da decisão que se pretende suspender, caberá novo pedido de suspensão ao Presidente do Tribunal competente para conhecer de eventual recurso especial ou extraordinário. (Incluído pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001)
§ 5o É cabível também o pedido de suspensão a que se refere o § 4o, quando negado provimento a agravo de instrumento interposto contra a liminar a que se refere este artigo. (Incluído pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001)
§ 6o A interposição do agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações movidas contra o Poder Público e seus agentes não prejudica nem condiciona o julgamento do pedido de suspensão a que se refere este artigo. (Incluído pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001)
§ 7o O Presidente do Tribunal poderá conferir ao pedido efeito suspensivo liminar, se constatar, em juízo prévio, a plausibilidade do direito invocado e a urgência na concessão da medida. (Incluído pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001)
§ 8o As liminares cujo objeto seja idêntico poderão ser suspensas em uma única decisão, podendo o Presidente do Tribunal estender os efeitos da suspensão a liminares supervenientes, mediante simples aditamento do pedido original. (Incluído pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001)
§ 9o A suspensão deferida pelo Presidente do Tribunal vigorará até o trânsito em julgado da decisão de mérito na ação principal. (Incluído pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001)”
“Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo.
§ 1º A requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, poderá o Presidente do Tribunal a que competir o conhecimento do respectivo recurso suspender a execução da liminar, em decisão fundamentada, da qual caberá agravo para uma das turmas julgadoras, no prazo de 5 (cinco) dias a partir da publicação do ato.
§ 2º A multa cominada liminarmente só será exigível do réu após o trânsito em julgado da decisão favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver configurado o descumprimento”
“Art. 1º Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil o disposto nos arts. 5º e seu parágrafo único e 7º da Lei nº 4.348, de 26 de junho de 1964, no art. 1º e seu § 4º da Lei nº 5.021, de 9 de junho de 1966, e nos arts. 1º, 3º e 4º da Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992.”
“Art. 16. Quando o habeas data for concedido e o Presidente do Tribunal ao qual competir o conhecimento do recurso ordenar ao juiz a suspensão da execução da sentença, desse seu ato caberá agravo para o Tribunal a que presida”
Sob a ótica da doutrina moderna, sem que se cogite existir “tratamento distinto dos regimes de suspensão dos provimentos das ações de mandado de segurança e das demais ações movidas contra o Poder Público”, vislumbra-se “indiscutível uniformidade procedimental quanto aos pedidos de suspensão de provimentos contrários ao interesse público”, “compreendida a existência de um verdadeiro microssistema legal que rege os pedidos de suspensão”, ausente “sentido em continuar a buscar distinção das hipóteses de cabimento a partir do tipo de processo em que incidem os pedidos, ou mesmo a partir da espécie de decisão cuja eficácia se deseja sustar” (Elton Venturi, Suspensão de Liminares e Sentenças Contrárias ao Poder Público, Malheiros, 3ª ed., 2017, pp. 35 e 373).
Nesse âmbito, exsurge comum às modalidades sob análise, consoante jurisprudência de há muito consolidada neste sentido, a constatação de que “o pedido de suspensão não possui natureza de recurso, ou seja, não propicia a devolução do conhecimento da matéria para eventual reforma”, tratando-se, assim, de “um instrumento processual de cunho eminentemente cautelar, que tem por finalidade a obtenção de providência absolutamente drástica, excepcional e provisória”, “restringindo-se à comprovação de seus pressupostos e sem adentrar no efetivo exame do mérito da causa principal, cuja competência cabe tão-somente às instâncias ordinárias” (STJ, Corte Especial, AgRg na SLS 201/MA, rel. Ministro Edson Vidigal, 10.4.2006).
Em síntese, e como acima relatado, os agravantes ajuizaram ação de reintegração na posse em face de indígenas que ocupam a denominada “Fazenda Boa Esperança”, no Mato Grosso do Sul.
No feito, foi deferida a tutela provisória para determinar a reintegração na posse dos autores, decisão cujos efeitos foram suspensos, primeiro, pela Presidência do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região e, em seguida, pela Presidência do Supremo Tribunal Federal.
Ocorre que, prolatada sentença de procedência, deferiu-se, pela segunda vez, a tutela provisória, para que houvesse a reintegração na posse dos proprietários, retirando-se os indígenas na área. Assim, detectada, pela Fundação Nacional do Índio – FUNAI, que a iminência do cumprimento da decisão, com os preparativos relativos à mobilização de força policial para a sua efetivação, ensejaram situação de tensão na região, que colocava em risco a integridade física tanto dos ocupantes, quanto das autoridades, foi ajuizada a suspensão de liminar, que, a partir desse contexto fático específico, foi acolhida por esta Presidência.
Sob discussão, portanto, conforme acima delimitado, se existem os motivos ensejadores da suspensão de eficácia de decisão de primeiro grau na hipótese em que se defere, liminarmente, a reintegração na posse de proprietários de área rural localizada no Mato Grosso do Sul, na qual permanecem assentados mais de 300 indígenas e, em relação à qual, há declaração do Ministério da Justiça no sentido de que se trata de região de ocupação tradicional, conforme Despacho n.º 77, de 12.8.2004 e relatório que lhe é anexo (Id. 38648040).
Referida delimitação é importante, uma vez que os agravantes sustentam, em seu recurso, que a decisão proferida na suspensão de liminar analisou o mérito do processo originário, o que é vedado na presente via.
Esclareça-se, nesse sentido, que o que se pede na inicial – e aquilo que foi deferido na decisão impugnada – não atine propriamente à correção da medida judicial em seu aspecto jurídico relativamente ao que consta nos autos subjacentes, isto é, quanto a se é o caso de se julgar procedentes ou não os pedidos ali deduzidos – mas, fundamentalmente, a se os impactos decorrentes do provimento liminar induzem a enquadramento que enseje a suspensão de sua eficácia por provimento jurisdicional tomado pela Presidência do Tribunal.
Não é, portanto, objeto desta suspensão de liminar – nem, por consequência, da decisão impugnada – definir se os agravantes são os legítimos proprietários da área em disputa; se têm ou não direito à posse; e, menos ainda, se referida área se configura como terra indígena para fins demarcatórios, aspectos que tanto atinem à ação reintegratória originária – e seus desdobramentos recursais – quanto ao âmbito administrativo-demarcatório.
Nesse ponto, ressalte-se, desde já, que a suspensão pleiteada foi embasada em sólida argumentação, referente justamente a referidos impactos, explicitamente posicionados na fundamentação como elementos que induzem a significativa afetação à ordem pública.
Isso porque a decisão liminar, ao deferir a reintegração na posse em propriedade inserida em contexto de retesamento do tensionamento social inerente às circunstâncias históricas presentes no Estado do Mato Grosso do Sul – marcado por divergências fundiárias entre, de um lado, indígenas, e, de outro, proprietários de terra –, gerou situação em que o cumprimento da ordem se traduziria em significativos riscos à integridade física tanto das pessoas que permanecem na área – em número significativo, mensurado, pela FUNAI, em mais de 300 pessoas –, dentre as quais crianças e idosos, distribuídos em 47 grupos familiares, quanto dos próprios agentes de segurança pública, hipótese a recomendar a suspensão de liminar, sobretudo à vista do uníssono entendimento do Supremo Tribunal Federal nesse sentido, inclusive a reverter, por mais de uma vez, posicionamentos anteriores deste Regional em casos idênticos, como, inclusive, aconteceu nestes mesmo autos, em provimento liminar anterior.
Veja-se, nesse sentido, excerto da determinação aqui recorrida (Id. 13228789):
“Nesse particular, com relação ao contexto fático trazido aos autos, o que se tem é situação de tensão mútua decorrente da questão fundiária indígena que, como se sabe, persiste no Mato Grosso do Sul, opondo produtores agropecuários e comunidades indígenas, em controvérsias quanto à posse de determinadas áreas localizadas ao longo do Estado.
Particulariza-se referido contexto nestes autos à vista de ordem judicial de retirada de comunidade indígena que compreende, segundo relatado, aproximadamente 300 pessoas, atualmente dispostas em propriedade denominada “Fazenda Esperança”.
Nos termos dos elementos trazidos à inicial, a propriedade – titularizada por Enio Alves Correa e Elvira Maira Alves Correa – fora ocupada em 31.5.2013 por indígenas que permanecem na localidade desde então, construindo, na área, residências e áreas para o cultivo agropecuário, consoante documentado em fotos juntadas aos autos (Id. 38648043).
A esse respeito, ressalte-se que, conforme Informação Técnica n.º 3/2019/Segat – CR-CGR/DIT – CR-CGR/CR-CGR-FUNAI (Id. 38648041), visita técnica realizada em 22.2.2019 constatou a existência de significativa estrutura na localidade, incluindo-se a “criação de gado de corte e leite, assim como a criação de pequenos animais como suínos e aves”, bem como o atendimento, da população local, por ônibus municipais que realizam o deslocamento de crianças para escolas da região:
“Atualmente a Prefeitura do município disponibiliza ônibus para transporte de crianças e adolescentes em idade escolar das áreas Fazendinha, Caçula e Esperança até as escolas indígenas da região. Estão regularmente matriculados 55 alunos na localidade nas séries da Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio. Há anos a comunidade reivindica, com prioridade, ao governo municipal, a construção de Escola própria para atender os alunos da Aldeia Esperança.
Os indígenas atualmente desenvolvem criação de gado de corte e leite, assim como a criação de pequenos animais como suínos e aves. Os cuidados sanitários como vacinas aos animais contra a febre-aftosa e outros são executados pelo Governo do Estado de MS, e estima-se que o rebanho de gado dos criadores indígenas na localidade conta com 2.000,00 (duas mil) cabeças. de mamando a caducando”.
Nesse sentido, independentemente de análises quanto ao direito da comunidade em ocupar a área em questão, fato é que, segundo relatado – sem prejuízo de eventual reapreciação do ponto, à vista de novos elementos que venham aos autos, e até mesmo pela via do agravo – subsiste na área comunidade de significativo porte, já assentada, e que construiu estrutura de permanência notadamente constituída por residências, áreas de cultivo e mesmo pertinente infraestrutura estatal, compreendendo, assim, “uma população de aproximadamente 300 (trezentos) moradores, organizados em 47 (quarenta e sete) grupos familiares na área em litígio, que estão distribuídas em três localidades: Esperança, Fazendinha e Retiro Caçula”.
Referida contextualização é fundamental, porque oferece indicativos claros de que o eventual cumprimento da ordem reintegratória se traduz, em síntese, na possibilidade de embate das forças policiais com referida comunidade, ressaltando-se que a disposição dos indígenas em permanecer na área – depreendida tanto da estrutura que lá constituíram, quanto de declarações no sentido de que “as lideranças reforçam a resolução comunitária de, se preciso for, resistir à força policial, caso seja acionada” (Id. 38648041) – somada ao histórico de violência decorrente de referidas determinações geram um contexto propício a conflitos que colocam em risco tanto a vida daqueles que ocupam a terra, quanto dos agentes encarregados de sua remoção.
A esse respeito, é importante perceber que a questão aqui colocada – em síntese, pleito suspensivo de ordem de reintegração de posse em casos envolvendo a ocupação de terras no Estado do Mato Grosso do Sul por grupos indígenas – não é nova, mas objeto de recorrente análise pelo Poder Judiciário, em específico pela via dos pedidos de suspensão de eficácia de decisões judiciais.
Confiram-se, a propósito, precedentes da Suprema Corte e do Órgão Especial deste Tribunal, nos termos abaixo ementados:
“SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. AÇÃO REINTEGRATÓRIA DE POSSE. IMÓVEL RURAL. OCUPAÇÃO INDÍGENA. ORDEM DE RETIRADA DA COMUNIDADE INDÍGENA. ESTUDO ANTROPOLÓGICO. FUNAI. PROCEDIMENTO DEMARCATÓRIO PENDENTE. FORÇA DE SEGURANÇA NACIONAL. RISCO DE LESÃO À ORDEM E À SEGURANÇA PÚBLICAS. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
I – Constatado o risco à segurança pública, deve ser mantida a suspensão da liminar que determinou a retirada de comunidade indígena das terras em litígio.
II – O imediato cumprimento da decisão que determinou a reintegração de posse, antes do trânsito em julgado, açulará os conflitos instaurados entre índios e não índios, determinando a retirada da comunidade indígena antes do pronunciamento do Ministro da Justiça sobre o processo demarcatório das terras indígenas, evidenciando-se o risco de grave lesão à segurança e à ordem públicas.
III – Assim, a presente medida busca mitigar os danos decorrentes do conflito instalado, evitando-se, desta forma, o risco de grave lesão ou o seu agravamento até que seja certificado o trânsito em julgado da decisão cujos efeitos foram suspensos.
IV – Agravo regimental a que se nega provimento”.
(STF, Plenário, Agravo Regimental na Suspensão de Segurança nº 5.049, rel. Ministra Presidente, 11.11.2015)
“AGRAVO REGIMENTAL. SUSPENSÃO DE EXECUÇÃO DE TUTELA ANTECIPADA. LEI Nº 8.437/92. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. INDÍGENAS GUARANI KAIOWÁ. FAZENDA SÃO LUIZ. GRAVE LESÃO À ORDEM E À SEGURANÇA. RELEVANTE INTERESSE SOCIAL. SUSPENSÃO MANTIDA ATÉ A PRODUÇÃO DA PROVA PERICIAL ANTROPOLÓGICA.
I - Os conflitos que envolvem terras de ocupação tradicional indígena - seja em ações possessórias, seja em procedimentos de demarcação - parecem ser sempre mais bem compreendidos e solucionados à luz do art. 231 e parágrafos, da Constituição Federal, pois, ali sim, se encontra o arcabouço normativo criado especificamente para regular as disputas que envolvem os povos indígenas, além de tratar-se de dispositivo constitucional cuja força normativa define e delimita a interpretação de qualquer outra norma infraconstitucional. Se o Código Civil representa a norma geral para a resolução de conflitos possessórios, o art. 231, da CF e o Estatuto do Índio (Lei nº 6.001/73) constituem as normas específicas que regulam o direito dos povos indígenas à posse de suas terras tradicionais.
II - A experiência prática vem demonstrando que, em casos como o presente - nos quais há, de um lado, os não índios, convictos de serem os proprietários da terra disputada, e de outro, os indígenas, firmemente dispostos a permanecer no território que acreditam ter ocupado tradicionalmente -, a melhor solução consiste em manter os indígenas em uma parte específica da fazenda ocupada, em local que seja distante da sede da fazenda, do gado, e das áreas onde são realizadas as atividades econômicas - para que os não-índios não sejam prejudicados -, ali permanecendo até que seja finalizado o processo administrativo de demarcação. Deve, ainda, consistir em área com espaço suficiente para preservar a dignidade e o modo habitual de vida dos índios, e em local com acesso às áreas externas da fazenda, no qual seja possível o contato com agentes da FUNAI e do MPF.
III - Os elementos existentes nos autos demonstram que, em 19/8/10, índios da etnia Guarani Kaiowá ocuparam a Fazenda São Luiz. A invasão foi precedida de outra tentativa de ocupação anterior, cujos resultados foram trágicos.
IV - Configuram-se os riscos de grave lesão à ordem e à segurança pública - e aqui, para não fazer uma invocação vazia do termo, a expressão "risco à ordem pública" encontra-se no sentido de distúrbio à organização normal da sociedade civil e à paz pública - diante do notório risco de enfrentamentos entre indígenas e não-indígenas, ou ainda, entre indígenas e a força policial que, caso ocorressem, colocariam em perigo a vida, a saúde e a incolumidade física dos envolvidos.
V - Seria altamente imprudente determinar a retirada dos indígenas no presente momento, antes de que a demarcação do território em disputa venha a ser concluída, tendo em vista que o momento inicial de maior tensão e hostilidade entre as partes já foi superado.
VI - Outrossim, a suspensão da decisão atende, objetivamente, ao interesse público, tendo em vista que a causa indígena constitui um sério e relevante problema social atual. Como amplamente noticiado, as aldeias indígenas do Mato Grosso do Sul estão superlotadas, condição que cria para os indígenas um estado de confinamento, impedindo o desenvolvimento de sua forma de vida tradicional, expondo-os a graves problemas, como o alcoolismo, a violência e o suicídio.
VII - A suspensão da decisão atende ao interesse social, por permitir que os indígenas possam permanecer em local com maior espaço, adequado às suas necessidades, onde encontrarão melhores condições de vida, impedindo que sejam mantidos em situação de penúria nos aldeamentos superlotados, respeitando-se a dignidade da pessoa humana - princípio fundamental da Constituição Federal. Além disso, a preservação das condições básicas de vida - o piso existencial - de qualquer grupo étnico ou social que se encontre dentro de suas fronteiras (art. 3º, IV, da CF e art. 2º da Lei nº 6.001/73), inegavelmente se insere entre os objetivos do Estado Brasileiro.
VIII - O processo de demarcação da região em disputa já está sendo realizado, de acordo com o determinado em Portarias expedidas pela FUNAI. Outrossim, os técnicos do GT Ñandéva Peguá elaboraram mapa da região em conflito, indicando que a área muito provavelmente se situa sobre o território indígena denominado Tekohá Ypoi e Triunfo.
IX - As circunstâncias demonstram a existência de risco à segurança pública, à saúde e à vida, de modo a atender ao exigido pelo art. 4º da Lei nº 8.437/92.
X - Mantida a decisão que deferiu o pedido de suspensão. Agravo improvido”.
(TRF3, Órgão Especial, Agravo em Suspensão de Liminar ou Antecipação de tutela nº 0035201-82.2010.4.03.0000/MS, rel. Desembargador Federal Presidente, 5.2.2013)
Na mesma linha:
“AGRAVO REGIMENTAL. SUSPENSÃO DE EXECUÇÃO DE SENTENÇA. LEI Nº 8.437/92. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. INDÍGENAS GUARANI NHANDEVA. FAZENDA REMANSO GUAÇU. GRAVE LESÃO À ORDEM E À SEGURANÇA. RELEVANTE INTERESSE SOCIAL. SUSPENSÃO MANTIDA ATÉ O TRÂNSITO EM JULGADO DA AÇÃO POSSESSÓRIA ORIGINÁRIA.
I - Os conflitos que envolvem terras de ocupação tradicional indígena - seja em ações possessórias, seja em procedimentos de demarcação - parecem ser sempre mais bem compreendidos e solucionados à luz do art. 231 e parágrafos, da Constituição Federal, pois, ali sim, se encontra o arcabouço normativo criado especificamente para regular as disputas que envolvem os povos indígenas, além de tratar-se de dispositivo constitucional cuja força normativa define e delimita a interpretação de qualquer outra norma infraconstitucional. Se o Código Civil representa a norma geral para a resolução de conflitos possessórios, o art. 231, da CF e o Estatuto do Índio (Lei nº 6.001/73) constituem as normas específicas que regulam o direito dos povos indígenas à posse de suas terras tradicionais.
II - A experiência prática vem demonstrando que, em casos como o presente - nos quais há, de um lado, os não índios, convictos de serem os proprietários da terra disputada, e de outro, os indígenas, firmemente dispostos a permanecer no território que acreditam ter ocupado tradicionalmente -, a melhor solução consiste em manter os indígenas em uma parte específica da fazenda ocupada, em local que seja distante da sede da fazenda, do gado, e das áreas onde são realizadas as atividades econômicas - para que os não-índios não sejam prejudicados -, ali permanecendo até que seja finalizado o processo administrativo de demarcação. Deve, ainda, consistir em área com espaço suficiente para preservar a dignidade e o modo habitual de vida dos índios, e em local com acesso às áreas externas da fazenda, no qual seja possível o contato com agentes da FUNAI e do MPF.
III - Os elementos existentes nos autos demonstram que, no início do ano de 2004, índios da etnia Guarani-Nhandeva ocuparam a Fazenda Remanso Guaçu. Decisão proferida no curso da ação subjacente determinou que os índios fossem alocados em área correspondente a 10% (dez por cento) da propriedade, em local distante da sede da fazenda.
IV - Configuram-se os riscos de grave lesão à ordem e à segurança pública - e aqui, para não fazer uma invocação vazia do termo, a expressão "risco à ordem pública" encontra-se no sentido de distúrbio à organização normal da sociedade civil e à paz pública - diante do notório risco de enfrentamentos entre indígenas e não-indígenas, ou ainda, entre indígenas e a força policial que, caso ocorressem, colocariam em perigo a vida, a saúde e a incolumidade física dos envolvidos. Além disso, os indígenas encontram-se estabelecidos há muitos anos nas terras em disputa, formando povoação continuadamente fixa, com meios próprios de subsistência, cuja remoção para outra região certamente ocasionaria a perda de alimentos plantados e de animais.
V - Seria altamente imprudente determinar a retirada dos indígenas no presente momento, antes de que a demarcação do território em disputa venha a ser concluída, tendo em vista que o momento inicial de maior tensão e hostilidade entre as partes já foi superado.
VI - Outrossim, a suspensão da decisão atende, objetivamente, ao interesse público, tendo em vista que a causa indígena constitui um sério e relevante problema social atual. Como amplamente noticiado, as aldeias indígenas do Mato Grosso do Sul estão superlotadas, condição que cria para os indígenas um estado de confinamento, impedindo o desenvolvimento de sua forma de vida tradicional, expondo-os a graves problemas, como o alcoolismo, a violência e o suicídio.
VII - A suspensão da decisão atende ao interesse social, por permitir que os indígenas possam permanecer em local com maior espaço, adequado às suas necessidades, onde encontrarão melhores condições de vida, impedindo que sejam mantidos em situação de penúria nos aldeamentos superlotados, respeitando-se a dignidade da pessoa humana - princípio fundamental da Constituição Federal. Além disso, a preservação das condições básicas de vida - o piso existencial - de qualquer grupo étnico ou social que se encontre dentro de suas fronteiras (art. 3º, IV, da CF e art. 2º da Lei nº 6.001/73), inegavelmente se insere entre os objetivos do Estado Brasileiro.
VIII - O processo de demarcação de terras na região encontra-se, como um todo, em estágio avançado, havendo até mesmo outras fazendas da mesma área que foram demarcadas. Ressalto que, após a realização de prova antropológica pela FUNAI, foi editada a Portaria nº 1.289, do Ministério da Justiça, que, entre outras medidas, declarou que a Fazenda Remanso Guaçu encontra-se situada em terras de ocupação tradicional indígena. Contudo, por força de decisão proferida pelo C. Superior Tribunal de Justiça no MS nº 10.985, o processo administrativo que resultou na edição da Portaria mencionada foi anulado por vício formal, decorrente da inobservância do princípio do contraditório.
IX - A decisão proferida no MS nº 10.985, entretanto, apenas abordou aspectos formais do processo administrativo, nada pronunciando acerca da questão que envolve saber se a Fazenda Remanso Guaçu encontra-se ou não sobre território de ocupação tradicional indígena. Vale dizer, não houve decisão judicial sobre o mérito do procedimento de demarcação das terras em que se situa a Fazenda Remanso Guaçu. Ao revés, a C. Corte Superior limitou-se a analisar a alegação de inobservância do contraditório no processo administrativo, consignando expressamente que poderá ser realizado novo procedimento de demarcação das terras, no qual seja suprida a falha formal constatada.
X - Idêntico é o teor da Portaria nº 496/10, do Ministro da Justiça (DOU de 17/03/10), mencionada pelo agravante (fls. 739), que anula o processo administrativo que resultou na Portaria nº 1.289/05 "tão-somente no que se refere à Fazenda Remanso Guaçu, devendo outro ser formalizado com respeito aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório". Além disso, em 03/08/12 - quando já em curso o presente incidente - foi editada pela Presidência da FUNAI a Portaria nº 986 (DOU de 06/08/12), na qual se determinou a formação de Grupo Técnico com a finalidade de realizar estudo antropológico na Fazenda Remanso Guaçu. Nota-se, assim, que o processo de demarcação da Fazenda Remanso Guaçu já se encontra em curso, o qual, após observar devidamente o princípio do contraditório - conforme determinado no MS nº 10.985 -, fornecerá elementos conclusivos para que se saiba se o território disputado constitui ou não terra de ocupação tradicional indígena.
XI - As circunstâncias indicadas demonstram a existência de risco à segurança pública, à saúde e à vida, de modo a atender ao exigido pelo art. 4º da Lei nº 8.437/92.
XII - Mantida a decisão que deferiu o pedido de suspensão. Agravo improvido”.
(TRF3, Órgão Especial, Agravo em Suspensão de Sentença nº 0000072-45.2012.4.03.0000/MS, rel. Desembargador Federal Presidente, 5.2.2013)
Nesse sentido, situação análoga à presente, inclusive referente ao mesmo Estado – porque diz respeito à região de Caarapó, também localizada no Mato Grosso do Sul – foi enfrentada pela Presidência do Supremo Tribunal Federal, nos autos da Suspensão de Liminar nº 1.037, sobrevindo decreto que suspendeu a liminar reintegratória concedida nos autos nº 0002396-05.2016.4.03.6002, outrora mantida neste Tribunal Regional no bojo da SLAT nº 0015216-20.2016.4.03.0000, valendo menção aos seguintes excertos de decisão, datada de 16.12.2016:
“Se, de um lado, parece haver precipitação na promoção de ocupação de imóveis particulares a partir da conclusão de estudos antropológicos levados a efeito pela Funai, sem se aguardar a homologação do resultado desse estudo com a consequente declaração formal da tradicionalidade da ocupação indígena na região pela autoridade competente e, principalmente, sem que se apresse a conclusão do processo administrativo de demarcação, de outra parte não há como se subestimar que a demora na conclusão do processo administrativo competente, muitas vezes interceptado com excessiva judicialização de demandas sobre cada caso, incentiva a autotutela de interesses, o que resulta no aprofundamento do conflito fundiário na região e no emprego crescente da violência.
Não obstante seja de se reconhecer que a reintegração do possuidor direto na posse do imóvel rural restabelece a ordem fática instabilizada pelo esbulho judicialmente reconhecido, não é de desprezar que o exercício da força para a prática deste ato constitui mais um elemento desestabilizador do quadro social, colocando em risco a segurança de todos.
Nessa linha é que se revela a plausibilidade da argumentação traçada pela Funai ao afirmar haver “grande número de indígenas estão envolvidos na operação de retomada, dentre crianças, adultos e idosos, cuja retirada compulsória, e com o uso da força policial, poderá ensejar enfrentamentos entre os indígenas e fazendeiros, ou entre indígenas e os próprios policiais, colocando em risco a vida, a saúde e a incolumidade física de todos os envolvidos” (fl. 13).
As informações apresentadas e devidamente comprovadas pelos documentos que acompanham a presente suspensão de liminar dão conta do acirramento do conflito envolvendo a disputa pela Terra Indígena Dourados Amambaipequá I, localizada em Caarapó/MS, demonstrando grave risco de perda de vidas humanas de lado a lado do conflito se não se encontrar forma de evitar a execução forçada da ordem judicial de reintegração de posse.
Os fatos noticiados nos autos e nos boletins de ocorrência policial que instruem a presente medida de contracautela fornecem a dimensão e a gravidade do conflito fundiário havido no Mato Grosso do Sul e que tem ceifado vidas de índios e não-índios ao longos destes últimos anos.
Qualquer que seja o lado sob o qual se analise o conflito narrado nos autos, é de se observar que o exercício indiscriminado da autotutela de direitos, seja pelas retomadas pelos indígenas das terras reivindicadas como ocupação tradicional indígena, seja pelo exercício de desforço próprio para a proteção do direito à propriedade legalmente constituída, tem nutrido atos de antijurídica, inaceitável e desmedida violência, com níveis críticos de beligerância a justificar o envio mesmo de unidades da Força Nacional para garantir a ordem e a segurança e para preservação de vidas humanas.
Na esteira da observação posta na inicial da presente suspensão de liminar e nos documentos a ela acostados há fundado risco de que as condições de violência na localidade se acirrem com o imediato cumprimento da ordem de reintegração na forma e no prazo determinados, o que potencializa o risco à integridade física de índios e não índios que ocupam a área sem o prévio cuidado a ser adotado para que tal medida se execute sem gravames.
Comprovada está ameaça à segurança das pessoas que estejam na área, evidenciando-se iminente e grave risco para todos, a justificar o uso excepcional da atribuição cautelar do juízo questionado”.
Quanto ao ponto, cabe notar que o Supremo Tribunal Federal, por meio de sua Presidência, reiterou referido entendimento, ao deferir nesse mesmo feito – em 14.2.2017 –, a extensão dos efeitos da suspensão anteriormente concedida, destarte abarcando o feito de registro nº 0003036-08.2016.4.03.6002 – cujo pleito suspensivo também tinha sido indeferido pela Presidência desta Corte Federal, desta feita na Suspensão de Liminar nº 5000069-29.2017.4.03.0000.
Vejam-se, a esse respeito, excertos da decisão acautelatória ainda mais recente proferida no âmbito da Presidência da Suprema Corte:
“6. No § 8º do art. 4º da Lei n. 8.437/1992, autoriza-se o aditamento do pedido original e o deferimento de extensão em situações nas quais haja coincidência de objeto entre as liminares que se pretende suspender, como se tem na espécie. O Sítio Bom Jesus, propriedade objeto da Ação de Reintegração de Posse n. 0002396.05.2016.403.6002, invadido pela Comunidade Indígena Tey Kuê, também está localizado em área identificada e delimitada pela Funai como de ocupação tradicional Guarani-Kaiowá pelo Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação – RCID da Terra Indígena Dourados-Amambaipeguá
I. Os fundamentos que ensejaram a suspensão da liminar na Ação de Reintegração de Posse n. 0002396.05.2016.403.6002, a qual tinha por objeto a Fazenda Yvun, tomada pela Comunidade Kunumi Poty-Verá, aplicam-se ao presente pedido de extensão.
Como ressaltei na decisão proferida em 16.12.2016, se, de um lado, parece haver precipitação na promoção de ocupação de imóveis particulares a partir da conclusão de estudos antropológicos levados a efeito pela Funai, sem se aguardar a homologação do resultado desse estudo com a consequente declaração formal da tradicionalidade da ocupação indígena na região pela autoridade competente e, principalmente, sem que se apresse a conclusão do processo administrativo de demarcação; de outro, não há como se subestimar que a demora na conclusão do processo administrativo competente, muitas vezes interceptado com excessiva judicialização de demandas sobre cada caso, incentiva a autotutela de interesses, o que resulta no aprofundamento do conflito fundiário na região e no emprego crescente da violência.
Não obstante seja de se reconhecer que a reintegração do possuidor direto na posse do imóvel rural restabelece a ordem fática instabilizada pelo esbulho judicialmente reconhecido, não é de se desprezar que o exercício da força para a prática deste ato constitui mais um elemento desestabilizador do quadro social, colocando em risco a segurança de todos.
Os graves conflitos na região, envolvendo a disputa pela Terra Indígena Dourados Amambaipequá I, localizada em Caarapó/MS, estão comprovados pelos documentos trazidos aos autos (doc. 87) e demonstram grave risco de perda de vidas humanas se não se encontrar forma de evitar a execução forçada da ordem judicial de reintegração de posse.
Comprovada está a ameaça à segurança, com iminente e grave risco para as pessoas daquela área a justificar o uso excepcional da atribuição cautelar do juízo questionado”.
Circunstância outra que merece destaque é o fato de que, em recentíssimo evento, a Presidência do Supremo Tribunal Federal novamente reafirmou sua jurisprudência acerca da questão, ao enfrentar contexto semelhante ao destes autos.
Com efeito, na SLAT n.º 5001325-70.2018.4.03.0000, pleiteou a FUNAI – ainda no âmbito Presidência do Tribunal Regional Federal da 3ª Região – a suspensão de ordem de reintegração relativa à Subseção Judiciária de Dourados, que, à semelhança do presente caso, dizia respeito a determinação proferida no bojo de sentenciamento do processo, ali relativamente à área denominada Sítio Santa Helena.
Uma vez mais, à vista de provimento jurisdicional emanado desta Corte, aqui ainda em sede liminar, indeferindo a suspensão – Decisão de Id. 1647340, pelo qual se compreendeu que “não se encontram presentes os requisitos necessários para se determinar a suspensão do decisum” – decidiu a Presidência do Supremo Tribunal Federal, via Medida Cautelar na Suspensão de Liminar nº 1.151, deferir a “medida liminar para suspender os efeitos da decisão proferida pelo juízo da Primeira Vara Federal de Dourados/MS na Ação de Reintegração de Posse n. 0002975-50.2016.403.6002/MS, e confirmada pelo Tribunal Regional Federal da Terceira Região no Pedido de Efeito Suspensivo à Apelação n. 5024642-34.2017.403.0000 e na Suspensão de Sentença n. 5001325-70.2018.4.03.0000 (art. 297 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, art. 25 da Lei n. 8.038/1990), todas com eficácia suspensa pelo presente provimento”.
Em referido pleito, anote-se, já consta, no âmbito do STF, parecer da Procuradoria Geral da República, também na direção de que, sob o “O objetivo [...] [de] evitar lesão ainda mais grave à ordem e à segurança públicas na região”, é caso de “acolhimento do pedido de suspensão”.
Soma-se, a esse histórico, a situação que se tem no próprio processo que originou esta suspensão de liminar, no qual, ante, por um lado, o deferimento de tutela provisória para que houvesse a reintegração da posse e, por outro, o provimento de agravo, no Órgão Especial, na Suspensão de Liminar n.º 0016216-60.2013.4.03.0000 – revertendo, assim, decisão anterior, e viabilizando a reintegração – decidiu o Supremo Tribunal Federal por impedi-la, calcando sua decisão nos seguintes elementos fáticos:
“11. Ao analisar caso análogo ao presente, no qual se apontava que a execução de ordem de reintegração de posse de imóvel ocupado por indígenas, mediante o uso de força policial, colocaria em risco à ordem e à segurança pública, em razão do acirramento do conflito fundiário envolvendo índios e não-índios no Mato Grosso do Sul, destaquei:
12. Se, de um lado, parece haver precipitação na promoção de ocupação de imóveis particulares a partir da conclusão de estudos antropológicos levados a efeito pela Funai, sem se aguardar a homologação do resultado desse estudo com a consequente declaração formal da tradicionalidade da ocupação indígena na região pela autoridade competente e, principalmente, sem que se apresse a conclusão do processo administrativo de demarcação, de outra parte não há como se subestimar que a demora na conclusão do processo administrativo competente, muitas vezes interceptado com excessiva judicialização de demandas sobre cada caso, incentiva a autotutela de interesses, o que resulta no aprofundamento do conflito fundiário na região e no emprego crescente da violência. Não obstante seja de se reconhecer que a reintegração do possuidor direto na posse do imóvel rural restabelece a ordem fática instabilizada pelo esbulho judicialmente reconhecido, não é de desprezar que o exercício da força para a prática deste ato constitui mais um elemento desestabilizador do quadro social, colocando em risco a segurança de todos. Nessa linha é que se revela a plausibilidade da argumentação traçada pela Funai ao afirmar haver “grande número de indígenas estão envolvidos na operação de retomada, dentre crianças, adultos e idosos, cuja retirada compulsória, e com o uso da força policial, poderá ensejar enfrentamentos entre os indígenas e fazendeiros, ou entre indígenas e os próprios policiais, colocando em risco a vida, a saúde e a incolumidade física de todos os envolvidos” (fl. 13). As informações apresentadas e devidamente comprovadas pelos documentos que acompanham a presente suspensão de liminar dão conta do acirramento do conflito envolvendo a disputa pela Terra Indígena Dourados Amambaipequá I, localizada em Caarapó/MS, demonstrando grave risco de perda de vidas humanas de lado a lado do conflito se não se encontrar forma de evitar a execução forçada da ordem judicial de reintegração de posse. Os fatos noticiados nos autos e nos boletins de ocorrência policial que instruem a presente medida de contracautela fornecem a dimensão e a gravidade do conflito fundiário havido no Mato Grosso do Sul e que tem ceifado vidas de índios e não-índios ao longos destes últimos anos. Qualquer que seja o lado sob o qual se analise o conflito narrado nos autos, é de se observar que o exercício indiscriminado da autotutela de direitos, seja pelas retomadas pelos indígenas das terras reivindicadas como ocupação tradicional indígena, seja pelo exercício de desforço próprio para a proteção do direito à propriedade legalmente constituída, tem nutrido atos de antijurídica, inaceitável e desmedida violência, com níveis críticos de beligerância a justificar o envio mesmo de unidades da Força Nacional para garantir a ordem e a segurança e para preservação de vidas humanas. 13. Na esteira da observação posta na inicial da presente suspensão de liminar e nos documentos a ela acostados há fundado risco de que as condições de violência na localidade se acirrem com o imediato cumprimento da ordem de reintegração na forma e no prazo determinados, o que potencializa o risco à integridade física de índios e não índios que ocupam a área sem o prévio cuidado a ser adotado para que tal medida se execute sem gravames. Comprovada está ameaça à segurança das pessoas que estejam na área, evidenciando-se iminente e grave risco para todos, a justificar o uso excepcional da atribuição cautelar do juízo questionado.” (SL 1037, aguarda publicação).
12. Essa mesma compreensão há de ser empregada no presente caso, pois a reintegração dos autores da ação possessória na posse do imóvel em questão, do qual estão afastados há mais de três anos, aliada à recente expedição da Portaria n. 497, de 29.4.2016, na qual o Ministro da Justiça declara a área do imóvel em foco (Terra Indígena Taunay-Ipéque) como de posse permanente do grupo indígena do Terena, pode se traduzir em elemento encorajador da resistência pelos indígenas, potencializando o clima de hostilidade e tornando inevitável o uso da força para o cumprimento da ordem judicial, do que poderiam redundar consequências nefastas socialmente.
O contexto parece demonstrar risco de acirramento dos ânimos das partes em conflito e consequente agravamento do quadro de violência, o que me conduz a reconhecer a plausibilidade do alegado risco à ordem e à segurança pública”.
Referido histórico é de relevo, porque, por um lado, bem demonstra fundamentalmente que, nada obstante a existência de divergência anterior a respeito tanto na Presidência desta Corte, quanto em seu próprio Órgão Especial, fato é que a análise do Supremo Tribunal Federal, relativamente a hipóteses em que iminente reintegração de posse coloca risco à integridade física de membros de comunidade indígena, em específico no âmbito do Mato Grosso do Sul, enseja afetação à ordem e à segurança pública, em patamar que recomenda o deferimento liminar da suspensão.
Nesse âmbito, independentemente da conclusão que se venha a tirar acerca da superação da compreensão deste Tribunal nas SLATs nº 0015216-20.2016.4.03.0000 e 5000069-29.2017.4.03.0000, ali fundamentados com o precedente colegiado que, como dito, também ensejou o indeferimento dos autos nº 0016216-60.2013.4.03.0000, extraem-se, do decidido pela Presidência do Supremo Tribunal Federal, indicativos de que a posição deste Regional porventura se encontre suplantada, estando, portanto, em eventual desalinho com o decidido pela Corte Suprema quanto à controvérsia sob análise.
Por outro, o relato acima – no ponto específico em que pormenorizado relativamente à decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal quanto ao caso destes autos –, associado com os elementos aqui trazidos pela FUNAI, indicam que não subsistiram quaisquer alterações fáticas de relevo entre o momento em que proferida a decisão anterior, pela Presidência do STF, e a circunstância que se tem aqui presente.
Com efeito, à semelhança do que se tinha antes, a comunidade permanece assentada na região – agora há quase seis anos, e não três, como na época do decidido –, subsistindo hígidos os efeitos da Portaria n.º 497/2016, do Ministério da Justiça, que declarou a tradicionalidade da terra indígena em questão – elementos que, como pontuado pelo Supremo Tribunal Federal “pode[m] se traduzir em elemento[s] encorajador[es] da resistência pelos indígenas, potencializando o clima de hostilidade e tornando inevitável o uso da força para o cumprimento da ordem judicial, do que poderiam redundar consequências nefastas socialmente”.
Evidência mesmo dessa atualidade é a circunstância de que restou juntado na Suspensão de Liminar n.º 1.076 – em razão de agravo regimental interposto no Supremo Tribunal Federal – parecer da Procuradoria-Geral da República datado de 16.10.2018 – há menos de seis meses, portanto – em que expressamente corroborada a visão de que, persistente o contexto de tensão na localidade, não há outra providência cabível que não a suspensão dos efeitos da ordem reintegratória:
“Reafirmando o que já externado em anteriores manifestações deste órgão de atuação ministerial, quando se está a tratar do direito previsto no art. 231 da Constituição, a ponderação dos valores em discussão deve ser cuidadosa. É preciso, de pronto, abandonar a ideia de que a posse do direito civil merece prestígio absoluto, considerando que há muito mais em jogo do que a simples disputa pontual por território específico, tal como a concebemos. Há sempre uma história, longa, de anos ou séculos, por trás da contenda. O custo da desconsideração do direito dos indígenas é muito alto.
Precisamente neste ponto entra a demonstração do risco de grave lesão não só à ordem e à segurança públicas, como também a “interesse superior legalmente protegido” .
Ainda não há, nas instâncias ordinárias, pronunciamento definitivo acerca do domínio do imóvel ocupado pelo grupo indígena, de modo que é prudente se buscar uma forma mais pacífica de conduzir toda essa situação, de modo a proteger a integridade física, não só dos índios, mas dos particulares e de todos os demais interessados na solução do conflito.
O fato é que o ciclo de invasões e retomadas de terras somente terá fim com a correta delimitação e demarcação da Terra Indígena de que tratam os autos.
Não se está aqui, repisa-se, antecipando futura conclusão judicial acerca do mérito em debate no juízo a quo sobre a natureza do imóvel – se de ocupação tradicional indígena ou não. Apenas está se buscando resguardar os valores mais caros à ordem jurídica, dentre eles, o próprio direito à vida e à paz social, evitando sacrifícios desnecessários decorrentes de eventuais condutas precipitadas.
O objetivo, portanto, é evitar lesão ainda mais grave à ordem e à segurança públicas na região. Para tanto, e por todos os motivos expostos, o mais prudente é que se mantenha inalterado o estado atual dos fatos, garantindo-se, por ora, a permanência dos indígenas nos locais em que se encontram, suspendendo-se a decisão que determinou a desocupação imediata da área”.
Não se desconhece, a esse respeito, que o feito em epígrafe, ainda em trâmite no STF, diz respeito à realidade processual anterior – porque relativa a feito ainda não sentenciado. Cabe, entretanto, ressaltar, que a circunstância de que fora prolatada sentença no feito subjacente, por mais consequências jurídicas que gere, não muda, essencialmente, a configuração fática da área em que instalada a comunidade e, nesse sentido, a situação de conflituosidade a partir da qual se reconheceu a necessidade de suspensão dos efeitos da liminar.
Dito de outra forma: se a sentença inova no mundo jurídico, não o faz necessariamente no dos fatos, que, ao que tudo indica, permanece com configuração muito semelhante, se não de maior gravidade, à que existia na época em que a decisão do Órgão Especial deste Regional foi, mesmo que de modo indireto – via medida cautelar em nova suspensão de liminar –, reformada pelo Supremo Tribunal Federal.
O fato é que o tema é por demais complexo e a adoção de providência a cargo desta Presidência para o momento, considerando a natureza dos interesses primários envolvidos, impõe-se de rigor, à vista da sensibilidade do contexto apontado pela FUNAI e de sua compatibilidade com o anteriormente decidido pelo Supremo Tribunal Federal, na direção de que a via suspensiva melhor se afeiçoa a esse tipo de situação.
Tudo isso considerado, e tendo-se em conta, por fim, que o debate relativamente à área em questão já remonta, pelo menos, ao ano de 2013, instante em que iniciado o processo originário, vê-se afastada urgência no imediato atendimento do pleito reintegratório, à luz, remarque-se, do decidido pelo Supremo Tribunal Federal à vista de contexto semelhante ao que se tem por ora nos autos; bem como em razão dos riscos que se veem postos no acirramento de quadro fático que, à vista de recente decisão, parece ter sido agravado nos últimos dias, sobretudo em razão da prolação de sentença em que delimitado estreito prazo para desocupação.
Oportuno registrar apenas, tendo-se em conta a extensão do pleito aqui formulado, almejando que a suspensão perdure “até o trânsito em julgado da ação”, a pertinência do parcial acolhimento do pedido em tela, para que persista a sustação apenas até a análise, no mérito, por Turma julgadora no âmbito deste Tribunal, da questão subjacente a esta suspensão, momento em que, em razão da substitutividade recursal (art. 1.008, CPC), resta esvaziada a competência desta Presidência para conhecer de eventual pleito de teor semelhante – se a decisão paradigma não mais é de primeiro grau de jurisdição, mas advém desta própria Corte Federal, caberia ao Superior Tribunal de Justiça ou ao Supremo Tribunal Federal conhecer de eventual renovação do pleito suspensivo.
Ante o exposto, defiro o pedido inicial, fazendo-o para determinar, até que sobrevenha a análise da questão, no mérito recursal, por órgão julgador deste Tribunal Regional Federal, a suspensão dos efeitos da tutela provisória que, proferida pelo juízo da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Campo Grande ao sentenciar o feito de reg. n.º 0005471-63.2013.4.03.6000, determinou a retirada dos indígenas que ocupam o imóvel denominado “Fazenda Esperança”, no Município de Aquidauana/MS”.
Retomada a fundamentação da decisão impugnada e ausentes novos desenvolvimentos fáticos a infirmá-la, o agravo interno se baseia, essencialmente, nos argumentos trazidos pelos recorrentes.
De início, cabe rejeitar o sustentado pelos agravantes, no sentido de que seriam extensíveis à suspensão de liminar os argumentos utilizados em decisões monocráticas anteriormente proferidas em agravos de instrumento interpostos no decorrer do processamento do feito originário.
Para além da circunstância de que referidas decisões serem anteriores à prolação da sentença – que é a determinação cujos efeitos são o objeto desta suspensão de liminar –, a via recursal ordinária não se confunde com a da suspensão de liminar.
Com efeito, o agravo de instrumento e a suspensão de liminar são instrumentos processuais distintos, razão pela qual, inclusive, a interposição do primeiro não impede o ajuizamento da segunda.
Nesse sentido, o agravo é um recurso ordinário, destinado à reversão do mérito de decisão interlocutória proferida no curso de processo judicial, atacando-se, precipuamente, os fundamentos jurídicos que sustentam a conclusão jurisdicional. Ele se destina, portanto, à mudança de um entendimento jurisdicional que se mostra contrário ao interesse da parte.
A suspensão de liminar, por sua vez, é uma ação em separado, com rito próprio e excepcionalmente concebida não para a impugnação dos fundamentos jurídicos de uma decisão judicial – os quais são tratados pela via recursal ordinária –, mas para a análise dos efeitos concretos do determinado a bens legislativamente tutelados – a exemplo da ordem e economia públicas. A ela, por isso, não pertine a correição jurídica do decidido, mas sim os seus impactos no mundo da vida.
Por isso, “enquanto o pedido de suspensão tem o específico objeto de retirar a eficácia da decisão judicial, o recurso visa à cassação ou substituição da decisão recorrida, de maneira que não há que se aludir à carência de interesse processual na dedução do incidente de suspensão pela mera interposição do recurso cabível” (Elton Venturi, Suspensão de Liminares e Sentenças Contrárias ao Poder Público, Malheiros, 3ª ed., 2017, p. 151).
Dessa forma, inaplicáveis os argumentos do curso jurisdicional ordinário à suspensão de liminar, ante a natureza distinta da cognição processual que se tem em cada um desses instrumentos, é o caso de se rejeitar o argumento apresentado pelos recorrentes nesse sentido.
Em prosseguimento, também não impactam na decisão proferida os argumentos trazidos no sentido de que “ao albergar o pedido da FUNAI, V.Exa. feriu de morte inúmeras razões, jurídicas ou não, e que certamente trará descomunal inquietude, e porque não dizer, atos de repulsa de várias entidades de classe, em especial à dos produtores rurais do Estado de Mato Grosso do Sul, reconhecidamente um dos principais responsáveis em fomentar este País, seja com grãos ou, principalmente, o abate de bovinos”; que “O Estado de Mato Grosso do Sul vive hoje refém dos povos indígenas, que acobertados por uma entidade ociosa, despreparada, parcial, leia-se FUNAI, nada fez e nada tem feito para emprestar uma solução definitiva ao imbróglio que ela mesma causou” e que “Avançam os indígenas com facões, foices, flechas, paus, pedras e armas de fogo, atropelando leis, decisões jurídicas e até mesmo a Constituição, pois carregam consigo a mais temida das armas: a certeza de que a impunidade está ao seu lado!”, dentre outros de semelhante teor.
Referidas alegações são genéricas, no sentido de que não dialogam com a situação concreta que se tem nos autos – relativa às tensões decorrentes do iminente cumprimento do mandado reintegratório na “Fazenda Boa Esperança” e aos danos que podem decorrer de sua efetivação para a população local e para os agentes responsáveis pela tarefa – e, por isso, não são capazes de reverter o entendimento fundamentado, na decisão impugnada, exatamente nas particularidades suficientemente evidenciadas na inicial a esse respeito – notadamente no que toca ao relativamente alto número de indígenas no local, bem como à da perspectiva de resistência e conflito na hipótese de cumprimento da reintegração.
Por sua vez, também não cabe acolher o argumento dos recorrentes, de que a “desocupação na Fazenda invadida não se dará, de imediato, com o uso da força policial, mas pela FUNAI, que reconhecidamente tem autoridade sobre os povos indígenas, e deles obediência, em especial a comunidade indígena Taunay-Ypegue”, uma vez que sobreveio determinação nesse sentido pelo juízo de origem.
Colocando-se sob perspectiva todo o histórico de conflitos fundiários na localidade, bem como, concretamente, a situação que se tem na área – com expressa manifestação da comunidade na direção de que irá resistir à reintegração (Id. 38648047) – vê-se como extremamente improvável que a intermediação da FUNAI, que, como afirmado pelos próprios recorrentes, têm enfrentado limitações em sua atuação, possa, por si só, evitar o conflito. Nessa direção, o ajuizamento da suspensão de liminar pela própria Fundação Nacional do Índio – não apenas neste caso, mas nos demais que têm sido trazidos à análise desta Corte, a exemplo da SLAT n.º 5032130-06.2018.4.03.0000 – é uma evidência de que o órgão não vê como seria possível controlar a situação, na hipótese de reintegração na posse da área atualmente ocupada pelos indígenas.
No mais, permanecem hígidos os argumentos da decisão impugnada, em particular o de que, a despeito da existência de posicionamentos anteriores do Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região, em que revertido o deferimento anterior da suspensão de liminar, o fato é que referidos entendimentos foram sistematicamente superados pelo Supremo Tribunal Federal, ao ponto em que, ao cabo, o próprio colegiado decidiu por mudar o seu posicionamento, mantendo-se integralmente decisão proferida por esta Presidência em caso análogo ao destes autos.
Com efeito, e como mencionado na decisão, este caso é particular porque bem demonstra esse movimento de reversão jurisprudencial. Isso porque, em momento anterior do processamento da Reintegração de Posse n.º 0005471-63.2013.4.03.6000, a Presidência do TRF3 suspendeu tutela provisória ali deferida, via SLAT n.º 0016216-60.2013.4.03.0000, posicionamento que veio a ser revertido pelo Órgão Especial, que, à época, deu provimento ao agravo, restabelecendo a eficácia da decisão de primeiro grau de jurisdição. Ato seguinte, os requerentes foram ao Supremo Tribunal Federal, que, via SLAT n.º 1.076, reverteram a posição desta Corte, mantendo-se hígida a suspensão de liminar no caso e evitando-se, assim, a reintegração na posse.
Referida situação foi indiretamente trazida à análise do Órgão Especial que, em julgamento recente – e de acórdão ainda não publicado –, decidiu mudar o seu entendimento, justamente com fundamento na superação jurisprudencial em epígrafe, negando provimento a agravo regimental interposto contra decisão que deferiu a suspensão de liminar em caso análogo, no qual discutida desapropriação em terra indígena do Mato Grosso do Sul.
Veja-se, a esse respeito, excerto e conclusão do voto-condutor, acolhido pelo colegiado na sessão de 14.8.2019 e relativo à SLAT n.º 5032130-06.2018.4.03.0000:
“Em síntese, e como acima relatado, os agravantes ajuizaram ação de reintegração na posse em face de indígenas que ocupavam área localizada no Mato Grosso do Sul.
Regularmente processado o feito, sobreveio sentença de improcedência, sob o fundamento de que ali se teria configurada hipótese de renitente esbulho por parte dos indígenas, circunstância que inviabiliza a reintegração na posse, nos seguintes termos (Id. 12984691):
“[...] verifico que a comunidade Laranjeira anderú, mesmo expulsa de suas terras, continuou reivindicando seus direitos originários durante todas essas décadas. Não há qualquer evidência nos autos de que a comunidade indígena tenha sido retirada de suas terras espontaneamente, nem mesmo qualquer informação de que tenha sido realocada de forma definitiva em uma reserva indígena. A comunidade indígena Laranjeira anderú nunca se conformou com a expulsão de suas terras originárias. Os trechos transcritos nesta decisão evidenciam que a comunidade indígena procurou os órgãos estatais de proteção ao índio para assegurar seus direitos originários a terra, que abrange a Fazenda Santo Antônio. Contudo, por desídia exclusivamente estatal, o pleito da comunidade nunca foi levado a sério, seja por questões políticas locais e regionais, seja por falta de estrutura técnica dos órgãos de proteção ao índio. Por certo, a conduta omissiva do Estado não pode ser desconsiderada neste presente caso. O renitente esbulho resta configurado, uma vez que a comunidade indígena Laranjeira anderú, diversamente de outras comunidades indígenas locais, não desistiu de seu pleito de voltar as suas terras de origem”.
Ocorre que, nada obstante o resultado jurisdicional do processo, constou na sentença ordem para que os indígenas se restringissem aos limites da reserva legal da propriedade, sob pena de multa diária.
Realizado auto de constatação e verificado que parte da comunidade não havia se adstrito à referida área, sobreveio decisão pela reintegração da posse em favor dos autores, impugnada pelo Agravo de Instrumento n.º 5029327-50.2018.4.03.0000.
Ante a iminência do cumprimento da determinação, a FUNAI ajuizou a presente suspensão, em que sustados os efeitos do provimento originário, sobrevindo, ato contínuo, o regimental, interposto pelos autores da reintegratória e cujo mérito é objeto da análise que segue.
[...]
Dessa forma, ausente notícia de mudança no contexto fático presente à época em que deferida a suspensão de liminar – depreendendo-se, nesse sentido, a manutenção do grave contexto de conflitos fundiários subsistente na propriedade rural em questão –, e rejeitados os argumentos apresentados pelos recorrentes – seja porque sem correspondência com os elementos que constam nos autos, seja porque alinhada a decisão proferida com a jurisprudência monocrática e colegiada do Supremo Tribunal Federal a respeito –, a manutenção do decidido impõe-se de rigor.
Ante o exposto, conheço do agravo, rejeito a preliminar arguida e, no mérito, nego provimento ao regimental”.
A isso adicione-se que sobreveio, após a decisão recorrida, determinação de lavra da Presidência do Supremo Tribunal Federal e exarada na Suspensão de Liminar n.º 1.200 em 22.4.2019, na qual reafirmou-se, mais uma vez, o entendimento predominante na Suprema Corte.
Nesse âmbito, à semelhança dos precedentes anteriores, vislumbrando-se o acirramento dos conflitos fundiários em decorrência do deferimento da ordem reintegratória, de modo que a sua execução poderia significar, concretamente, a ocorrência de embate entre índios e agentes de segurança pública, constatou-se ser o caso de se suspenderem os efeitos da ordem judicial, inclusive ante a viabilidade de, no decorrer do processo, ter-se solução consensual:
“Nesse momento, é preciso ter em conta a característica reivindicatória das ocupações realizadas por indígenas, com contornos ainda mais acentuados quando se considera sua cultura, marcada, em regra, pela valorização da bravura (que não deve ser confundida com violência) e que evidencia fortemente o ânimo desses povos em permanecer em luta pela sobrevivência coletiva através de seus movimentos de resistência.
[...]
A demonstração de resistência, portanto, é mesmo elemento cultural de boa parte das tribos indígenas, e vem sendo utilizada, dentro do contexto contemporâneo, entre outras formas, por meio das ocupações de faixas de terra nas áreas sob disputa.
Nesse momento, a retomada da área por particulares, com a possibilidade do uso de força policial no caso de não atendimento voluntário da medida pela comunidade indígena, tem o potencial de causar grave lesão ao interesse primário na manutenção da segurança pública na região em que sediada a Fazenda Tamarana, a fim de viabilizar estudos técnicos necessários à solução da questão, bem como resguardar o estado de normalidade que permita o gozo de direitos e o cumprimento de deveres na região.
Por outro lado, importa desde já consignar, por se tratar de manifestações de um movimento, tais ocupações devem ser postas a termo tão logo se observe a possibilidade de atendimento do pleito ou o excesso em sua utilização.
Há que se buscar, especialmente em tais casos, a identificação dos benefícios mútuos, para formação de uma decisão tanto quanto possível consensual, por meio de mecanismos de negociação que se baseie em princípios e em padrões justos, aptos a assegurar a mais extensa satisfação dos interesses de ambas as partes.
Pondero, entretanto, no sentido da necessidade de se envidar esforços, de todas as partes, para a busca da célere e categórica solução da celeuma, a fim de não se constituir definitiva uma situação que por essência deve ser transitória. [...]
Sob todas essas considerações, entendo pertinente instar as partes envolvidas, para manifestação quanto ao interesse na realização de audiência de conciliação perante esta Suprema Corte, nos autos da presente suspensão.
Assim, a fim de resguardar a medida indicada, defiro parcialmente a medida cautelar requerida, para suspensão das decisões de origem proferidas nos autos da Ação de Reintegração de Posse nº 5013355- 93.2017.4.04.7001, até nova manifestação deste juízo.”.
Por fim, refira-se – como se fez na SLAT n.º 5032130-06.2018.4.03.0000 – que tanto os precedentes colegiados, quanto os monocráticos acima transcritos advieram de lapso temporal distendido, abarcando a atividade de distintos Ministros na Presidência do Supremo Tribunal Federal, de modo que, mesmo que parte deles não tenham sido, por ora, levados ao colegiado, é de se depreender que, mantida a linha argumentativa posicionada, seriam eles provavelmente mantidos em tal seara, a exemplo do que ocorreu na Suspensão de Liminar n.º 1.096 e na Suspensão de Segurança n.º 5.049.
Dessa forma, ausente notícia de mudança no contexto fático presente à época em que deferida a suspensão de liminar – depreendendo-se, nesse sentido, o retesamento do grave contexto de conflitos fundiários subsistente na propriedade rural em questão –, e rejeitados tanto os argumentos preliminares, quanto os de mérito, a manutenção do decidido impõe-se de rigor.
Ante o exposto, conheço do agravo, rejeito as preliminares arguidas e, no mérito, nego provimento ao regimental.
É o voto.
Desembargadora Federal Therezinha Cazerta
Presidente do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região
SUSPENSÃO DE SEGURANÇA CÍVEL (11556) Nº 5005398-51.2019.4.03.0000
RELATOR: Gab. Presidência
REQUERENTE: FUNDACAO NACIONAL DO INDIO
PROCURADOR: MAURICIO MAIA
REQUERIDO: MIRIAM ALVES CORREA, MONICA ALVES CORREA CARVALHO DA SILVA, NILTON CARVALHO DA SILVA FILHO, ESPÓLIO DE ÊNIO ALVES CORRÊA, SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CAMPO GRANDE/MS - 1ª VARA FEDERAL
Advogados do(a) REQUERIDO: SERGIO SILVA MURITIBA - MS8423-A, NIUTOM RIBEIRO CHAVES JUNIOR - MS8575-A
Advogados do(a) REQUERIDO: SERGIO SILVA MURITIBA - MS8423-A, NIUTOM RIBEIRO CHAVES JUNIOR - MS8575-A
Advogados do(a) REQUERIDO: SERGIO SILVA MURITIBA - MS8423-A, NIUTOM RIBEIRO CHAVES JUNIOR - MS8575-A
Advogados do(a) REQUERIDO: SERGIO SILVA MURITIBA - MS8423-A, NIUTOM RIBEIRO CHAVES JUNIOR - MS8575-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O- V I S T A
O Senhor Desembargador Federal Fábio Prieto:
Trata-se de suspensão de sentença.
No 1º grau de jurisdição, foi ajuizada ação de reintegração de posse do imóvel rural denominado Fazenda Esperança, de 8.345 hectares, localizado em Aquidauana, interior do Estado do Mato Grosso do Sul.
Em 31 de maio de 2013, indígenas invadiram toda a propriedade rural.
Veio o pedido liminar de reintegração de posse.
O Juízo Federal deferiu a medida liminar.
A 1ª Turma deste Tribunal manteve a medida liminar.
A Presidência deste Tribunal suspendeu a medida liminar.
Em recurso de agravo, este Órgão Especial restabeleceu a medida liminar.
A Presidência do Supremo Tribunal Federal suspendeu a decisão deste Órgão Especial.
A sentença determinou a reintegração de posse.
Na 1ª Turma, o Relator não conferiu efeito suspensivo à apelação.
A Presidência do Tribunal suspendeu os efeitos da sentença.
Há, ora em julgamento, o presente recurso contra a decisão suspensiva da Presidência do Tribunal.
A Presidente do Tribunal, a Desembargadora Federal Therezinha Cazerta, rejeitou as preliminares e, no mérito, negou provimento ao recurso, no que foi acompanhada pelos Desembargadores Federais Diva Malerbi, André Nabarrete, Newton de Lucca, e, em antecipação, pelos Desembargadores Federais Nery Júnior, Paulo Fontes, André Nekatschalow, Carlos Muta, Hélio Nogueira, Consuelo Yoshida e Souza Ribeiro.
Pedi vista dos autos.
Registro, agora, o meu voto.
Rejeito as preliminares, com a maioria.
No mérito, peço licença para a divergência.
Os fundamentos de fato e de direito contrários à pretensão dos recorrentes foram deduzidos com clareza pela Funai e pela Desembargadora Federal Therezinha Cazerta, Presidente do TRF3.
Diz a Funai, na petição inicial desta suspensão de sentença:
“É preciso esclarecer que a situação posta, ou seja, o cumprimento de uma ordem de reintegração de posse em desfavor de indígenas no contexto do Estado do Mato Grosso do Sul vai além do “risco criado pelo próprio invasor”.
A análise da questão não pode ser dissociada da situação de vulnerabilidade e violência vivenciada pelas comunidades indígenas da região. O fato é notório e não pode ser afastado, especialmente em sede de pedido de contracautela, pois preenchido o requisito do risco de lesão à ordem e à segurança pública.
A situação do Estado do Mato Grosso Sul foi objeto de estudo feito pela Relatora Especial das Nações Unidas sobre direitos dos povos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, que visitou o Brasil em março de 2016. Ao visitar o Estado, a Relatora demonstrou grande preocupação com a situação de vulnerabilidade dos povos indígenas da região (...).
(...)
Nesse passo, é preciso lembrar, antes de levar o caso à aplicação seca da lei, que para a escorreita análise da situação é importante olhar atentamente o contexto social e econômico peculiar em que se insere a Comunidade Indígena.
E a esse olhar atento que se busca, deve ser somada a necessidade de trazer ao julgamento do presente pedido a visão do “Novo Judiciário”, que se despiu do papel de mero executor de comandos legais para se transformar em executor da Justiça efetiva, especialmente da justiça esculpida através da teoria da ponderação dos valores e pautada numa interpretação constitucional das normas, em sua máxima extensão e profundidade”.
A Desembargadora Terezinha Cazerta, Presidente do TRF3:
A esse respeito, ressalte-se que, conforme Informação Técnica n.º 3/2019/Segat – CR-CGR/DIT – CR-CGR/CR-CGR-FUNAI (Id. 38648041), visita técnica realizada em 22.2.2019 constatou a existência de significativa estrutura na localidade, incluindo-se a “criação de gado de corte e leite, assim como a criação de pequenos animais como suínos e aves”, bem como o atendimento, da população local, por ônibus municipais que realizam o deslocamento de crianças para escolas da região:
“Atualmente a Prefeitura do município disponibiliza ônibus para transporte de crianças e adolescentes em idade escolar das áreas Fazendinha, Caçula e Esperança até as escolas indígenas da região. Estão regularmente matriculados 55 alunos na localidade nas séries da Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio. Há anos a comunidade reivindica, com prioridade, ao governo municipal, a construção de Escola própria para atender os alunos da Aldeia Esperança.
Os indígenas atualmente desenvolvem criação de gado de corte e leite, assim como a criação de pequenos animais como suínos e aves. Os cuidados sanitários como vacinas aos animais contra a febre-aftosa e outros são executados pelo Governo do Estado de MS, e estima-se que o rebanho de gado dos criadores indígenas na localidade conta com 2.000,00 (duas mil) cabeças, de mamando a caducando”.
Nesse sentido, independentemente de análises quanto ao direito da comunidade em ocupar a área em questão, fato é que, segundo relatado – sem prejuízo de eventual reapreciação do ponto, à vista de novos elementos que venham aos autos, e até mesmo pela via do agravo – subsiste na área comunidade de significativo porte, já assentada, e que construiu estrutura de permanência notadamente constituída por residências, áreas de cultivo e mesmo pertinente infraestrutura estatal, compreendendo, assim, “uma população de aproximadamente 300 (trezentos) moradores, organizados em 47 (quarenta e sete) grupos familiares na área em litígio, que estão distribuídas em três localidades: Esperança, Fazendinha e Retiro Caçula”.
Referida contextualização é fundamental, porque oferece indicativos claros de que o eventual cumprimento da ordem reintegratória se traduz, em síntese, na possibilidade de embate das forças policiais com referida comunidade, ressaltando-se que a disposição dos indígenas em permanecer na área – depreendida tanto da estrutura que lá constituíram, quanto de declarações no sentido de que “as lideranças reforçam a resolução comunitária de, se preciso for, resistir à força policial, caso seja acionada” (Id. 38648041) – somada ao histórico de violência decorrente de referidas determinações geram um contexto propício a conflitos que colocam em risco tanto a vida daqueles que ocupam a terra, quanto dos agentes encarregados de sua remoção”.
Divirjo desta argumentação e de suas consequências legais, com a devida vênia.
Segundo a Funai, Victoria Tauli-Corpuz é Relatora Especial das Nações Unidas sobre direitos dos povos indígenas, visitou o Brasil e realizou estudo sobre o conflito fundiário no Estado do Mato Grosso Sul.
O fato público e notório é que Victoria Tauli-Corpuz pertence à etnia Kankanaey Igorot, oriunda da região montanhosa das Filipinas. É combativa ativista da causa indigenista mundial, posição legítima e elogiável.
Se, porém, além da condição de militante da causa indigenista, tem estudo consistente sobre a questão fundiária no Estado do Mato Grosso do Sul, o documento não foi apresentado nos autos. E é só isto o que interessa ao Poder Judiciário do Brasil.
As causas - dos proprietários rurais, dos indígenas e tantas outras - são respeitáveis e o trabalho de defesa retórica de cada uma delas tem relevância social e proveito comunitário. O contraditório político entre as facções é fundamental para fazer avançar o processo social.
Mas são outras as exigências de validade e eficácia da prova no processo judicial. A narrativa meramente discursiva da representante da ONU - legítima e de grande utilidade na arena política - não tem expressão jurídica nos tribunais.
A ONU, como qualquer parte ou terceiro interessado na causa, está sujeita aos protocolos de produção de prova da jurisdição brasileira.
De outro lado, a Funai, para “além do “risco criado pelo próprio invasor”, “antes de levar o caso à aplicação seca da lei”, invocou uma certa “visão do “Novo Judiciário”, que se despiu do papel de mero executor de comandos legais para se transformar em executor da Justiça efetiva, especialmente da justiça esculpida através da teoria da ponderação dos valores e pautada numa interpretação constitucional das normas, em sua máxima extensão e profundidade”.
Não há como contestar a Funai: na América Latina, está de volta o velho e sempre “Novo Judiciário” fora da lei.
Não os sistemas de justiça como um todo, mas alguns de seus setores estratégicos.
Juízes bolivianos não fraudaram o plebiscito popular, nem rasgaram a Constituição; não abriram caminho para o atual conflito no País. Quem o fez, no “Novo Judiciário”, foram esbirros adornados com mortalhas negras, algo distinto da magistratura de toga.
Abandonada a norma jurídica sempre imperfeita -insuficiente, mas expressão das possibilidades disponíveis -, da qual, como regra, o juiz civilizado deve ser “mero executor”, regrediu-se ao paradigma da “justiça efetiva”, imprudência que é a fonte de sacrifícios humanos incontáveis, como demonstra a História.
Recusei - e recuso -, como magistrado, nos limites da Constituição, desde o primeiro instante, o horizonte hermenêutico deste velho e sempre “Novo Judiciário”.
No caso concreto, a invasão violenta da propriedade é incontroversa.
Os recorrentes e os seus familiares foram vítimas de violência - é incontroverso, repita-se.
Diante desta violência incontroversa – repita-se, à exaustão -, a Presidente do Tribunal invoca, como fundamento teórico, certa decisão do Ministro Dias Toffoli, na Presidência do STF.
Registrou o Ministro Dias Toffoli, na SL/MC 1200:
“Nesse momento, é preciso ter em conta a característica reivindicatória das ocupações realizadas por indígenas, com contornos ainda mais acentuados quando se considera sua cultura, marcada, em regra, pela valorização da bravura (que não deve ser confundida com violência) e que evidencia fortemente o ânimo desses povos em permanecer em luta pela sobrevivência coletiva através de seus movimentos de resistência. Em comentário sobre o impacto causado às populações indígenas com a chamada “pacificação” de suas tribos, Darcy Ribeiro apresenta uma firme descrição do quanto o virtuosismo e o valor simbólico do guerreiro são apreciados pelas comunidades indígenas. São suas esclarecedoras palavras: “A simples confraternização é prenhe de consequências desorganizativas da vida tribal. Ela vem quebrar uma ordem que prevalecera durante séculos, estruturando a tribo como uma entidade autônoma que dedicava grande parte, quando não a maior parte, de suas atividades ao preparo e ao exercício da guerra. Desde cedo, as crianças eram orientadas neste sentido: aprendiam a assumir atitudes viris, a odiar todo estranho como inimigo e, à medida que amadureciam, iam compreendendo que a guerra é o destino dos homens e a mais alta fonte de prestígio. Para muitos grupos, só o heroísmo guerreiro dá acesso a uma vida desejável no além-túmulo. Neste caso as concepções do após-morte os estimulam duplamente no desempenho de papéis que lhes são atribuídos, porque fazem projetar para além da vida todas as vitórias alcançadas nela, isto é, todo o prestígio adquirido e, principalmente, o prestígio guerreiro. Nesses grupos, em geral, os valores que movem os homens aos esforços mais árduos, que os motivam às atividades mais penosas, estão ligados à guerra. Para eles a pacificação não significa apenas abstraírem-se de combater. É muito mais - ela exige toda uma revisão do seu sistema social”. A demonstração de resistência, portanto, é mesmo elemento cultural de boa parte das tribos indígenas, e vem sendo utilizada, dentro do contexto contemporâneo, entre outras formas, por meio das ocupações de faixas de terra nas áreas sob disputa. Nesse momento, a retomada da área por particulares, com a possibilidade do uso de força policial no caso de não atendimento voluntário da medida pela comunidade indígena, tem o potencial de causar grave lesão ao interesse primário na manutenção da segurança pública na região em que sediada a Fazenda Tamarana, a fim de viabilizar estudos técnicos necessários à solução da questão, bem como resguardar o estado de normalidade que permita o gozo de direitos e o cumprimento de deveres na região. Por outro lado, importa desde já consignar, por se tratar de manifestações de um movimento, tais ocupações devem ser postas a termo tão logo se observe a possibilidade de atendimento do pleito ou o excesso em sua utilização. Há que se buscar, especialmente em tais casos, a identificação dos benefícios mútuos, para formação de uma decisão tanto quanto possível consensual, por meio de mecanismos de negociação que se baseie em princípios e em padrões justos, aptos a assegurar a mais extensa satisfação dos interesses de ambas as partes. Pondero, entretanto, no sentido da necessidade de se envidar esforços, de todas as partes, para a busca da célere e categórica solução da celeuma, a fim de não se constituir definitiva uma situação que por essência deve ser transitória. Há que se envidar esforços, assim, de todas as partes, para a busca da célere e categórica solução da celeuma, a fim de não se constituir definitiva uma situação que por essência deve ser transitória. Sob todas essas considerações, entendo pertinente instar as partes envolvidas, para manifestação quanto ao interesse na realização de audiência de conciliação perante esta Suprema Corte, nos autos da presente suspensão. Assim, a fim de resguardar a medida indicada, defiro parcialmente a medida cautelar requerida, para suspensão das decisões de origem proferidas nos autos da Ação de Reintegração de Posse nº 5013355-93.2017.4.04.7001, até nova manifestação deste juízo”.
Em linha com a Presidência do STF, cumpre subscrever o argumento relacionado à bravura das comunidades indígenas; e ir além: registrar, por igual, a coragem das famílias pioneiras – ou das que lhes seguiram -, desbravadoras de terra bruta e inóspita, hoje, pelas forças do capital e do trabalho, o próspero Estado do Mato do Grosso do Sul, território do conflito fundiário.
Sem embargo deste amplo reconhecimento, no processo está sendo tratado assunto diferente: a violência sem cerimônia, confessada, incontroversa.
O fato é que os recorrentes não contaram, como deveriam, com a proteção da aplicação da lei.
Agora, a Presidência do TRF3 enfatiza que os invasores já administram mais de 2.000 cabeças de gado e pretendem “resistir à força policial”.
Para a Presidência do Tribunal, como é “relativamente alto o número de indígenas no local” e há “perspectiva de resistência e conflito na hipótese de cumprimento da reintegração”, a situação de violência deve continuar intocável.
Concordo com as premissas de fato, divirjo da solução, porém.
De há muito, o Plenário do STF deixou claro que a retórica ou a prática da violência não pode ser admitida nos conflitos fundiários. Confira-se:
"DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL. AÇÃO CAUTELAR PREPARATÓRIA. TERRA INDÍGENA RAPOSA SERRA DO SOL. PEDIDO DE SUSPENSÃO DA OPERAÇÃO DE RETIRADA DOS POSSEIROS. AMEAÇA DE CONFLITO ARMADO ENTRE ELES E OS ÍNDIOS.
(...)
3. A ameaça de conflito entre as partes interessadas diz respeito à segurança pública, matéria que se constitui em "dever do Estado", a ser exercido pelos órgãos próprios "para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio" (art. 144 da Carta Magna).
4. Medida cautelar deferida até o julgamento de mérito da controvérsia, em qualquer das ações principais."(AC 2009 MC, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 09/04/2008, DJe-167 DIVULG 03-09-2009 PUBLIC 04-09-2009 EMENT VOL-02372-01 PP-00039).
Na perspectiva do Plenário do STF, o que pode ocorrer aqui é a negação de prestação de justiça. O conjunto incontroverso de violações de direitos deve levar ao exercício da jurisdição protetiva, não à capitulação da lei.
Afrontar a parte adversa com a mensagem explícita e reiterada de violência - depois de sua desabrida prática - não pode configurar causa de negação de prestação de justiça.
Isto seria a substituição dos Tribunais pelo “Novo Judiciário”; o abandono da norma jurídica pela força bruta da “Justiça efetiva”; a leitura enviesada da jurisprudência plenária do STF, no sentido de que a violência deve ser interditada para alguns, mas proclamada, para outros, como causa garantidora de direito extravagante.
E que ninguém se iluda com a desvantagem que, cedo ou tarde, isto trará para as comunidades indígenas.
O poder de organização dos produtores rurais é significativo – no Brasil ou no exterior.
Com a escalada da violência em mais de cem propriedades rurais invadidas no Estado do Mato Grosso do Sul, não é improvável que, em algum momento, as famílias de produtores rurais possam ser tentadas a usar a lei nenhuma da “Justiça efetiva”.
O que nós, os juízes, diremos, então, às comunidades indígenas? Que “além do “risco criado pelo próprio invasor”, “antes de levar o caso à aplicação seca da lei”, há uma certa “visão do “Novo Judiciário”, que se despiu do papel de mero executor de comandos legais para se transformar em executor da Justiça efetiva, especialmente da justiça esculpida através da teoria da ponderação dos valores e pautada numa interpretação constitucional das normas, em sua máxima extensão e profundidade”?
Os porretes, os facões, os arcos, as flechas e as lanças – ou as armas de fogo – dos produtores rurais não constituirão inaceitável violência?
Não se argumente com a falácia de que faltam, ao Estado Brasileiro, instrumentos legítimos para contemplar o eventual direito das comunidades indígenas ou dos produtores rurais.
Em nome desta falsa premissa, os juízes não podem recorrer à subversão seletiva da lei.
Outro dia, grupo hostil e agressivo foi desestimulado a invadir a sede do STF, com a receita universal das tropas, escudos, cassetetes e bombas de dissuasão.
A sede deste Tribunal Federal acaba de receber obra suntuosa de contenção arquitetônica das multidões da Avenida Paulista.
Tudo isto deve ser lembrado, para destacar que há, sim, lei para a contenção da violência e recursos orçamentários para as questões públicas.
O que parece não figurar no catálogo de prioridades da despesa pública é o dispêndio com o direito das comunidades indígenas ou dos produtores rurais ou a noção elementar de que a receita com os tributos expropriados da atividade empresarial é finita.
Neste contexto, alocado o gasto público em outras direções, sempre será mais fácil indenizar o infortúnio de um grupo social com o patrimônio privado de outro.
No caso concreto, o Órgão Especial cassou a decisão da Presidência do TRF3, que havia decretado a suspensão da medida liminar.
Agora, veio a sentença.
Os fatos e o agravo aos direitos dos recorrentes só se acentuaram.
Por estes fundamentos, rejeito as preliminares e, no mérito, dou provimento ao recurso, para autorizar o cumprimento imediato da sentença de reintegração de posse.
É o meu voto.
E M E N T A
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO EM SUSPENSÃO DE LIMINAR. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. PRELIMINARES DE INCOMPETÊNCIA E PREJUDICIALIDADE. DECISÃO JUDICIAL. REINTEGRAÇÃO NA POSSE DE PROPRIETÁRIOS DE ÁREA RURAL NO MATO GROSSO DO SUL. RISCOS À INTEGRIDADE FÍSICA DAS PESSOAS QUE PERMANECEM NA ÁREA E DOS AGENTES DE SEGURANÇA PÚBLICA. COMPROVADA OFENSA À ORDEM E À SEGURANÇA PÚBLICAS. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO CONHECIDO E DESPROVIDO.
– Impugnada a decisão liminar originária em apelações nas quais não há provimento jurisdicional colegiado de órgão desta Corte. Inexistência de prejudicialidade ou de deslocamento de competência que obstem o julgamento de agravo interno em suspensão de liminar. Preliminares que se afastam.
– A suspensão da eficácia de provimentos jurisdicionais por ato da Presidência do respectivo Tribunal é “prerrogativa legalmente disponibilizada ao Poder Público, dentre outros legitimados, em defesa do interesse público, toda vez que se vislumbre, concretamente, perigo de grave lesão aos valores atinentes à ordem, à economia, a saúde ou à segurança públicas”, objetivando “a suspensão da eficácia das liminares e das sentenças proferidas contra entidades públicas e privadas que desempenham de alguma forma função pública” (Elton Venturi, Suspensão de Liminares e Sentenças Contrárias ao Poder Público, Malheiros, 3ª ed., 2017, p. 35).
– Sob análise, decisão que suspendeu os efeitos de capítulo da sentença que concedeu a tutela provisória em ação de reintegração na posse de proprietários de área rural localizada no Mato Grosso do Sul, na qual permanecem assentados mais de 300 indígenas e em relação à qual há declaração do Ministério da Justiça afirmando se tratar de região de ocupação tradicional.
– Cumprimento da ordem de reintegração de posse que se traduziria em significativos riscos à integridade física tanto das pessoas que permanecem na área quanto dos próprios agentes de segurança pública, hipótese a recomendar a suspensão de liminar. Precedentes do Supremo Tribunal Federal que constituem linha jurisprudencial recentemente reafirmada em decisão suspensiva da Presidência da Corte.
– Rejeição do sustentado pelo agravante, uma vez que agravo de instrumento e suspensão de liminar são instrumentos processuais distintos, tornando inaplicáveis os argumentos do curso jurisdicional ordinário à via suspensiva, ante a natureza distinta da cognição processual; e porque dissociados da situação concreta que se tem nos autos, atinente às tensões decorrentes do iminente cumprimento do mandado reintegratório.
– Ofensas à ordem e segurança públicas caracterizadas. Necessidade de manutenção da suspensão anteriormente deferida, em sede monocrática, que se depreende dos autos.
– Agravo conhecido e desprovido.
Desembargadora Federal Therezinha Cazerta
Presidente do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região