Art. 118. As informações obtidas pelo INSS dos bancos de dados disponibilizados por órgãos do poder público estão sendo utilizadas para a construção do cadastro do segurado especial, para fins de reconhecimento dessa atividade.
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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001854-31.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. MARISA SANTOS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: CINARA PEREIRA ALFREDO
Advogado do(a) APELADO: THIAGO LESCANO GUERRA - MS12848-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001854-31.2019.4.03.9999 RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. MARISA SANTOS APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: CINARA PEREIRA ALFREDO Advogado do(a) APELADO: THIAGO LESCANO GUERRA - MS12848-A OUTROS PARTICIPANTES:
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
R E L A T Ó R I O
O INSS apela de sentença que, nos autos de ação ajuizada por CINARA PEREIRA ALFREDO (indígena), concedeu o benefício de salário-maternidade à autora, pelo nascimento de sua filha Ana Laura, em 20/08/2015.
Sentença proferida em audiência de 27/11/2018, onde ouvidas a autora e duas testemunhas. As prestações em atraso deverão ser pagas de uma só vez e calculadas de acordo com o manual de cálculos da Justiça Federal.
Sentença não sujeita a reexame necessário, eis que o valor da causa é inferior a 1.000 salários mínimos.
Condenado o INSS ao pagamento de honorários advocatícios de 10% do valor das prestações em atraso.
Sustenta a autarquia que não há nos autos início de prova material de exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, no período de 10 (dez) meses imediatamente anteriores ao parto. Não foi demonstrada a qualidade de segurada especial à época do nascimento informado, nem o efetivo exercício de atividade rural durante a carência exigida pela Lei de Benefícios. Os documentos juntados com a inicial (certidões de nascimento da autora e da filha e comprovante do requerimento administrativo) não comprovam a atividade rural. Além disso, a autora completou 16 anos no dia 15/10/2015, ou seja, menos de 2 meses após o parto. Desta forma, como a legislação só permite o trabalho para maiores de 16 anos, não teria a autora carência de 10 meses para pleitear o salário-maternidade.
Com contrarrazões, subiram os autos.
O MPF opinou pela manutenção da sentença.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001854-31.2019.4.03.9999 RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. MARISA SANTOS APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: CINARA PEREIRA ALFREDO Advogado do(a) APELADO: THIAGO LESCANO GUERRA - MS12848-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A autora é capaz para a vida civil. Possui documentos pessoais como Carteira de Identidade, CPF e Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), o que serve para indicar sua integração, nos termos do art. 4º, III, da Lei n. 6.001 , de 15-12-1973 (Estatuto do Índio), segundo o qual os índios são considerados integrados "Quando incorporados à comunhão nacional e reconhecidos no pleno exercício dos direitos civis, ainda que conservem usos, costumes e tradições característicos da sua cultura". Logo, pleiteada a concessão de salário-maternidade, por conta da condição de segurada especial da autora, à espécie é de ser aplicada a norma do art. 8º, par. único, do Estatuto do Índio: Art. 8º São nulos os atos praticados entre o índio não integrado e qualquer pessoa estranha à comunidade indígena quando não tenha havido assistência do órgão tutelar competente. Parágrafo único. Não se aplica a regra deste artigo no caso em que o índio revele consciência e conhecimento do ato praticado, desde que não lhe seja prejudicial, e da extensão dos seus efeitos. De qualquer modo, com a participação do Ministério Público Federal em todos os atos do processo, obrigatória por conta do que dispõe o art. 232, parte final, da CF, consideram-se resguardados os interesses da autora contra a prática de eventual ato a lhe causar potencial prejuízo. Assim entende este Tribunal: PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. AÇÃO PROPOSTA POR INDÍGENA. INDEFERIMENTO DE INICIAL POR INCAPACIDADE PROCESSUAL DA AUTORA. AUSÊNCIA DE INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. I - A sentença é nula, considerando que não houve, em primeiro grau, manifestação do Ministério Público, em nenhum dos atos do processo, contrariando expressa previsão Constitucional (art. 232). II - Não há que se falar em ausência de capacidade para estar em juízo, à vista de que o parágrafo único, do art. 8º, da Lei nº 6.001/73 (Estatuto do Índio), prevê que as regras do caput não se aplicam quando o indígena revela consciência e conhecimento do ato praticado e este não lhe é prejudicial. III - Requerente trouxe aos autos documentos que demonstram que tem consciência plena de seus atos e pleiteia benefício (salário-maternidade) que não lhe pode ser prejudicial. IV - Necessidade de reconhecimento da capacidade postulatória da apelante. V - Recurso da autora provido para julgar anular a sentença e determinar o retorno dos autos à origem, para regular prosseguimento do feito, com a intervenção do Ministério Público." (AC nº 2004.03.99.030063-0/MS, Rel. Des. Fed. Marianina Galante, DJU 21-7-2005). Assim, legitimada a autora para pleitear o benefício. Os arts. 7º, XVIII, e 201, II, da Constituição, asseguram proteção à gestante. A proteção constitucional está regulada pelos arts. 71 a 73 da Lei 8.213/91. A carência para a concessão do benefício está prevista nos arts. 25 e 26 da mesma lei, com a redação dada pela Lei 9.876/99, sendo necessário o correto enquadramento da segurada - empregada, contribuinte individual ou segurada especial: Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência, ressalvado o disposto no art. 26: III - salário-maternidade para as seguradas de que tratam os incisos V e VII do art. 11 e o art. 13: dez contribuições mensais, respeitado o disposto no § único do art. 39 desta Lei. Parágrafo único. Em caso de parto antecipado, o período de carência a que se refere o inciso III será reduzido em número de contribuições equivalente ao número de meses em que o parto foi antecipado." Art. 26. Independe de carência a concessão das seguintes prestações: VI - salário-maternidade para as seguradas empregada, trabalhadora avulsa e empregada doméstica. As alterações introduzidas pela Lei 9.876/99 em relação à carência para as seguradas contribuinte individual, facultativa e especial são objeto das ADIs 2.110/DF e 2.111/DF, ao fundamento da violação ao princípio da isonomia, cuja liminar foi negada pelo STF. A autora sustenta que exerce sua atividade como segurada especial, em regime de economia familiar, em aldeia indígena. Também o índio tutelado é considerado segurado especial, mediante declaração da FUNAI. A matéria é pacificada na jurisprudência do STJ e dos demais Tribunais. A certidão de nascimento nada refere quanto à condição de indígena da autora e do pai da criança. A autora traz, como início de prova material, certidão de nascimento (RANI), comprovando sua condição de indígena. A sentença assim analisou o início de prova material, quando da concessão do benefício: No presente caso verifico o início de prova material consubstanciado na cópia do RANI de f. 11, atestando sua origem indígena, o que foi corroborado pela prova oral produzida nesta audiência. Aliás, a própria ausência de informações no CNIS é evidência de que a requerente, indígena que é, não possui qualquer outro vínculo empregatício e, tal como afirmado, realmente trabalha em regime de economia familiar na aldeia em que nasceu e vive até hoje. No processo administrativo que indeferiu o benefício, a autora trouxe declaração de Ramiro Luiz Mendes, Cacique da Aldeia Ipegue, informando a condição de indígena da autora, e que exerce atividade rural. A declaração é datada de 14/07/2017, não sendo contemporânea ao nascimento da filha. Foi expedida certidão de exercício de atividade rural, datada de 13/07/2017, assinada pelo Chefe da Coordenação Técnica Local da Funai em Aquidauana/MS (onde situada a aldeia Ipegue), comprovando o trabalho da autora como segurada especial de 15/08/2015 a 19/08/2015. Assim, o que se verifica é que o próprio INSS, no processo administrativo, considerou comprovada a condição de rurícola da autora. O indeferimento do benefício ocorreu não pela ausência de comprovação da condição de segurada especial, mas pelo não cumprimento da carência necessária para o recebimento do benefício. Considerou comprovado o tempo de contribuição de 5 dias em atividade rural, e para fins de carência, um mês, segundo o resumo de cálculos efetuados administrativamente. Portanto, especificamente neste caso, considero existir início de prova material, apto a comprovar a atividade rural da autora, indígena da aldeia Ipegue. A Instrução Normativa n. 77/2015 do INSS, em vigor na data do parto, no art. 39 enquadra o indígena reconhecido pela Funai que trabalhe como artesão e utilize matéria-prima proveniente de extrativismo vegetal, ou o que exerça atividade rural individualmente ou em regime de economia familiar e faça dessas atividades o seu principal meio de vida e de sustento, independentemente do local onde resida ou exerça suas atividades, sendo irrelevante a definição de indígena aldeado, indígena não-aldeado, índio em vias de integração, índio isolado ou índio integrado. O art. 110 de referida IN é expresso, no inciso IV, no sentido de que a certidão fornecida pela FUNAI, atestando a condição de segurado especial do indígena, será submetida à homologação somente quanto à forma (não quanto ao conteúdo). O art. 118, § 2º, e seguintes, por sua vez, estabelecem: Art. 118. As informações obtidas pelo INSS dos bancos de dados disponibilizados por órgãos do poder público estão sendo utilizadas para a construção do cadastro do segurado especial, para fins de reconhecimento dessa atividade. ... §2º Os dados da Fundação Nacional do Índio - FUNAI são obtidos por meio de inscrição e certificação dos períodos de exercício de atividade do indígena na condição de segurado especial, que são realizadas por servidores públicos desta Fundação, mediante sistema informatizado disponibilizado no sítio da Previdência Social, nos termos do Acordo de Cooperação Técnica celebrado entre o Ministério da Previdência Social e Ministério da Justiça, INSS e FUNAI. § 3º A FUNAI deverá manter sob sua guarda e responsabilidade os documentos que serviram de base para a inscrição e certificação dos períodos de exercício da atividade, podendo o INSS solicitá-los a qualquer momento. Art. 119. Os períodos de atividades do cadastro do segurado especial serão submetidos a cruzamento com outros bancos de dados a que o INSS tenha acesso, para fins da validação prevista no art.329-B do RPS. § 1º Do cruzamento das informações, referidas no caput, poderá resultar na consideração ou desconsideração do período de atividade, caracterizando ou não a condição de segurado especial, respeitado o disposto na Seção VI do Capítulo I. No caso concreto, porém, o cômputo de atividade rural em 5 dias já caracteriza a aceitação da referida certidão pelo INSS. A TNU já decidiu pela flexibilização do início de prova material para concessão do salário-maternidade: PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO NACIONAL. PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. SEGURADO ESPECIAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. CONTEMPORANEIDADE FLEXIBILIZADA. PERÍODO DE CARÊNCIA EXÍGUO. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. Acórdão mantém sentença de procedência de concessão do benefício de Salário-Maternidade para segurada especial, a considerar como válidos, a título de início de prova material, não só o registro de nascimento de sua filha (2007), datado dez dias após o parto, ensejador do pedido, mas também de seus irmãos, nascidos em data anterior (2001 e 2003), além da Carteira de Sindicato rural, com data de associação posterior ao parto. 2. Nesta hipótese, de reduzidíssimo prazo de carência (12 meses para o Segurado Especial), a dificultar sobremodo a localização de documento com datação no período, a título de início de prova material, admite-se a flexibilização da sua contemporaneidade, sob pena de se inviabilizar a concessão do benefício em questão. Dado o seu caráter meramente indiciário, o acolhimento do pedido dependerá ainda da produção de outras provas, especialmente a testemunhal, para ampliar a sua força probante para o período de carência que se quer demonstrar. 3. Some-se a isso que esta Turma Nacional já consolidou entendimento de que os registros públicos (nascimento, casamento e óbito), por ostentarem de fé pública, podem ser aceitos como início de prova material, independentemente da sua contemporaneidade ao período de carência que se quer demonstrar. Precedentes: PEDILEFs nºs 200770520018172, 200932007044100 e 200670950141890). 4. Pedido de Uniformização conhecido e não provido. 5. Devolvam-se às Turmas Recursais de origem os autos de processos distribuídos a esta TNU que tratem de questão semelhante, atinente ao benefício de Salário-Maternidade, para a devida readequação. (Pedilef 2009.32.00704394-5/AM, Relator Juiz federal Paulo Ricardo Arena Filho, publicação em 28/10/2011). No caso dos segurados especiais indígenas e também rurícolas, o trabalho no período de carência é comprovado por início de prova material e prova testemunhal que abranja o período necessário à concessão do benefício. Segue acórdão do TRF da 4ª Região, AC 5013589-68.2018.4.04.9999, Relator Desembargador Luiz Fernando Wowk Penteado, estendendo o tratamento dado aos boias-frias/diaristas na lide rural ao segurado indígena. Julgamento em 06/12/2018, por unanimidade: PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. ATIVIDADE RURAL. TRABALHADOR INDÍGENA. PROVA MATERIAL. CERTIDÃO EMITIDA PELA FUNAI. IDADE MÍNIMA. PRESSUPOSTOS PREENCHIDOS. CONSECTÁRIOS LEGAIS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CUSTAS PROCESSUAIS. 1. A parte autora faz jus à concessão do salário-maternidade quando demonstradas a maternidade, a atividade rural e a qualidade de segurada especial durante o período de carência. 2. A comprovação da atividade rural do segurado especial de etnia indígena é feita mediante certidão fornecida pela FUNAI, atestando a condição do índio como trabalhador rural. (TRF4, REOAC 0003435-18.2014.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relator PAULO PAIM DA SILVA, D.E. 17/10/2014) 3. Os trabalhadores rurais indígenas devem ter, para fins previdenciários, o mesmo tratamento dado aos chamados boias-frias, diaristas ou volantes, que têm a necessidade de comprovação documental de suas atividades rurais minimizadas diante da dificuldade para obtenção de provas materiais. (TRF4, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0015575-21.2013.404.9999, 6ª TURMA, Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, POR UNANIMIDADE, D.E. 30/10/2013, PUBLICAÇÃO EM 04/11/2013). 4. Quanto à idade mínima, a limitação constitucional ao labor do menor de dezesseis anos de idade deve ser interpretada em favor do protegido, não lhe impedindo o reconhecimento de direitos trabalhistas/previdenciários quando tenha prova de que efetivamente desenvolveu tal atividade (AC nº 5018877-65.2016.404.9999, 6ª Turma, Relator Des. Federal João Batista Pinto Silveira, publicado em 16-06-2017; AC nº 5002835-30.2011.404.7213, 5ª Turma, Relator Juiz Federal Loraci Flores De Lima, publicado em 23-03-2017). 5. Preenchidos os pressupostos, maternidade e a qualidade de segurada no período de carência legalmente exigido. 6. Difere-se para a fase de cumprimento de sentença a forma de cálculo dos consectários legais, adotando-se inicialmente o índice da Lei nº 11.960/09. 7. Honorários advocatícios, fixados em um salário mínimo, atendendo, assim, o disposto no art. 85, § 2º c/c §§ 3º e 8º do novo CPC. 8. O INSS é isento do pagamento de custas processuais quando demandado no Foro Federal (art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96). Contudo, essa isenção não se aplica quando se tratar de demanda ajuizada perante a Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF4). As testemunhas foram unânimes quanto ao trabalho rural da autora, no interregno em que necessário à concessão do benefício. Não houve impugnação específica do INSS em apelação quanto à validade da prova testemunhal. O INSS não discorda de que o índio é segurado especial, mas sustenta que o alcança a proibição do trabalho aos menores de 16 (dezesseis) anos. A Lei n. 8.213/91 dispõe: Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas: VII - como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de: c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo. A legislação ordinária também não distinguiu entre indígenas e não indígenas. É certo que a Constituição reconhece aos índios "sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens" (art. 231). A pergunta que se coloca, então, é: a proteção constitucional garantida à cultura indígena pode fazer concluir que o salário-maternidade deve ser concedido à mulher índia, segurada especial, antes de completar 16 (dezesseis) anos de idade? A resposta não é simples e, por isso, entendo que não existe a exigida verossimilhança do direito invocado, até porque não há precedente jurisprudencial que tenha decidido o mérito da questão. Não se pode negar que os índios, ainda crianças, participam da cultura da terra com seus pais e demais familiares. Mas também não se pode negar que isso acontece também com as crianças não-índias. A história constitucional brasileira demonstra que o trabalho já foi permitido a partir dos 12 (doze) anos, depois a partir dos 14 (catorze) anos, e, após a EC n. 20/1998, a partir dos 16 (dezesseis) anos, salvo a partir dos 14 (catorze), na condição de aprendiz. Penso que as normas constitucionais anteriores à EC n. 20/1998 reconheciam a realidade do trabalhador brasileiro, principalmente das áreas rurais, que desde cedo labutam na lavoura ao lado de seus pais. Embora a idade mínima para o trabalho tenha sido alterada pela Constituição, é público e notório que a realidade pouco mudou, apesar dos avanços socioeconômicos do país. Por isso, entendo que reconhecer à mulher indígena o direito ao salário-maternidade antes dos 16 (dezesseis) anos de idade, ao fundamento do respeito à sua cultura, implicaria em afrontar o direito de tantos que muito antes dessa idade trabalham na lavoura e não têm, a partir da EC n. 20, o reconhecimento da condição de segurados da previdência social. Tal procedimento seria causa de acentuação das desigualdades sociais, em franca contrariedade aos objetivos do Estado Democrático de Direito. Contudo, no julgamento do RE 1.086.351, em 24/04/2019, o Relator, Ministro Gilmar Mendes, em decisão monocrática, reconhece o direito ao salário-maternidade de trabalhadora indígena, ressaltando que “ estabelecer uma idade mínima para permitir o trabalho de menores é uma garantia constitucional em favor do menor. Essa garantia, portanto, não poderá ser utilizada contra o menor, no caso de verificarmos que, por razões culturais, como no caso dos povos indígenas, esse trabalho ocorre em idade anterior à permitida. Logo, ocorrendo o trabalho, há que se reconhecer o direito ao salário-maternidade". Portanto, reformulado o posicionamento anterior, mantenho a concessão do benefício de salário-maternidade à autora. As parcelas vencidas serão acrescidas de juros moratórios a partir da citação. As parcelas vencidas a partir da citação serão acrescidas de juros moratórios a partir dos respectivos vencimentos. A correção monetária será aplicada em conformidade com a Lei n. 6.899/81 e legislação superveniente, de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, observados os termos do julgamento final proferido na Repercussão Geral no RE 870.947, em 20/09/2017, ressalvada a possibilidade de, em fase de execução do julgado, operar-se a modulação de efeitos, por força de decisão a ser proferida pelo STF. Os juros moratórios serão calculados de forma global para as parcelas vencidas antes da citação, e incidirão a partir dos respectivos vencimentos para as parcelas vencidas após a citação. E serão de 0,5% (meio por cento) ao mês, na forma dos arts. 1.062 do antigo CC e 219 do CPC/1973, até a vigência do CC/2002, a partir de quando serão de 1% (um por cento) ao mês, na forma dos arts. 406 do CC/2002 e 161, § 1º, do CTN. A partir de julho de 2.009, os juros moratórios serão de 0,5% (meio por cento) ao mês, observado o disposto no art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, alterado pelo art. 5º da Lei n. 11.960/2009, pela MP n. 567, de 13.05.2012, convertida na Lei n. 12.703, de 07.08.2012, e legislação superveniente, bem como Resolução 458/2017 do Conselho da Justiça Federal. NEGO PROVIMENTO à apelação. Correção monetária nos termos da fundamentação. É o voto.
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
EMENTA
SALÁRIO-MATERNIDADE. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL. INDÍGENA. SEGURADA ESPECIAL. EQUIPARAÇÃO AOS BOIAS-FRIAS/DIARISTAS. COMPROVAÇÃO DO TRABALHO RURAL NO PERÍODO DE CARÊNCIA. INÍCIO DE PROVA MATERIAL VÁLIDO. CERTIDÃO EXPEDIDA PELA FUNAI. TRABALHADORA RURAL. ENQUADRAMENTO DA BOIA-FRIA/DIARISTA COMO SEGURADA EMPREGADA. EXTENSÃO DE TAL ENQUADRAMENTO AO SEGURADO INDÍGENA. PRECEDENTE. PROVA TESTEMUNHAL APTA A CORROBORAR O TRABALHO RURAL DURANTE O PERÍODO DE CARÊNCIA. INDÍGENA MENOR DE 16 ANOS DE IDADE. LEGITIMIDADE ATIVA. BENEFÍCIO CONCEDIDO. STF. RE 1.086.351. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. APELO IMPROVIDO.
- Autora capaz para a vida civil. Aplicação dos arts. 4º, III, e 8º, da Lei n. 6.001 (Estatuto do Índio), de 15-12-1973. Resguardados os interesses pela participação do MPF.
- A CF/88 assegura proteção à gestante (arts. 7º, XVIII, e 201, II), com a respectiva regulamentação nos arts. 71 a 73 da Lei 8.213/91.
- Com a criação do PRORURAL, os trabalhadores rurais tiveram acesso à proteção social (Lei Complementar 11/1971).
- O direito ao salário-maternidade Somente foi assegurado às trabalhadoras rurais com a CF/88, regulamentado na Lei 8.213/91.
- Apesar da ausência de enquadramento previdenciário expresso em lei para o trabalhador rural diarista/boia-fria, as características da atividade exercida por esses trabalhadores, com subordinação e salário, comprovam que devem ser enquadrados como empregados, entendimento sufragado pela jurisprudência. O INSS, na IN 78/2002 e seguintes, reconheceu o enquadramento do boia-fria/diarista como segurado empregado.
- Tratando-se de segurada empregada, não há carência.
- O art. 71 da Lei 8.213/91, com a redação vigente na data do parto, prevê a comprovação do efetivo trabalho como diarista/boia-fria, por meio de início de prova material, que deve ser corroborado por prova testemunhal.
- Índio tutelado considerado segurado especial, mediante declaração da FUNAI. Jurisprudência do STJ e dos demais Tribunais.
- O processo administrativo que indeferiu o benefício contém declaração de Ramiro Luiz Mendes, Cacique da Aldeia Ipegue, informando a condição de indígena da autora, e que exerce atividade rural. A declaração é datada de 14/07/2017, não sendo contemporânea ao parto.
- Expedida certidão de exercício de atividade rural, datada de 13/07/2017, assinada pelo Chefe da Coordenação Técnica Local da Funai em Aquidauana/MS (onde situada a aldeia Ipegue), comprovando o trabalho da autora como segurada especial de 15/08/2015 a 19/08/2015.
- O próprio INSS, no processo administrativo, considerou comprovada a condição de rurícola da autora pela certidão expedida pela FUNAI. O indeferimento do benefício ocorreu não pela ausência de comprovação da condição de segurada especial, mas pelo não cumprimento da carência necessária para o recebimento do benefício. Considerou comprovado o tempo de contribuição de 5 dias em atividade rural, e para fins de carência, um mês, segundo o resumo de cálculos efetuados administrativamente.
- A TNU já decidiu pela flexibilização do início de prova material para concessão do salário-maternidade (Pedilef 2009.32.00704394-5/AM, Rel. Juiz Federal Paulo Ricardo Arena Filho, p. 28/10/2011).
- Com o julgamento do REsp n. 1.348.633/SP, representativo de controvérsia, de relatoria do Ministro Arnaldo Esteves Lima, o STJ admitiu o reconhecimento de tempo de serviço rural em período anterior ao documento mais antigo, desde que corroborado por prova testemunhal firme e coesa.
- No caso dos segurados especiais indígenas e também rurícolas, o trabalho no período de carência é comprovado por início de prova material e prova testemunhal que abranja o período necessário à concessão do benefício. Extensão do tratamento dado aos boias-frias/diaristas aos indígenas (TRF 4ª Região, AC 5013589-68.2018.4.04.9999, Rel. Des. Fed. Luiz Fernando Wowk Penteado, j. 06/12/2018).
- As testemunhas unânimes quanto ao trabalho rural da autora no período necessário à concessão do benefício.
- No julgamento do RE 1.086.351, em 24/04/2019, foi reconhecido o direito ao salário-maternidade de trabalhadora indígena menor de 16 anos de idade. Reformulado posicionamento anterior da Relatora.
- Parcelas vencidas acrescidas de juros moratórios a partir da citação. As parcelas vencidas a partir da citação serão acrescidas de juros moratórios a partir dos respectivos vencimentos.
- Correção monetária aplicada em conformidade com a Lei n. 6.899/81 e legislação superveniente, de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, observados os termos do julgamento final proferido na Repercussão Geral no RE 870.947, em 20/09/2017, ressalvada a possibilidade de, em fase de execução do julgado, operar-se a modulação de efeitos, por força de decisão a ser proferida pelo STF.
- Juros moratórios calculados de forma global para as parcelas vencidas antes da citação, incidindo a partir dos respectivos vencimentos para as parcelas vencidas após a citação. E serão de 0,5% (meio por cento) ao mês, na forma dos arts. 1.062 do antigo CC e 219 do CPC/1973, até a vigência do CC/2002, a partir de quando serão de 1% (um por cento) ao mês, na forma dos arts. 406 do CC/2002 e 161, § 1º, do CTN. A partir de julho de 2.009, os juros moratórios serão de 0,5% (meio por cento) ao mês, observado o disposto no art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, alterado pelo art. 5º da Lei n. 11.960/2009, pela MP n. 567, de 13.05.2012, convertida na Lei n. 12.703, de 07.08.2012, e legislação superveniente, bem como Resolução 458/2017 do Conselho da Justiça Federal.
- Apelação improvida. Correção monetária nos termos da fundamentação.