APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 0008242-42.2003.4.03.6104
RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. ANTONIO CEDENHO
APELANTE: UNIAO FEDERAL, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS
Advogado do(a) APELANTE: VERIDIANA BERTOGNA - SP210268
APELADO: MUNICIPIO DE SAO VICENTE, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
Advogado do(a) APELADO: FLAVIA DA CUNHA LIMA - SP134557
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 0008242-42.2003.4.03.6104 RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. ANTONIO CEDENHO APELANTE: UNIAO FEDERAL, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS Advogado do(a) APELANTE: VERIDIANA BERTOGNA - SP210268 APELADO: MUNICIPIO DE SAO VICENTE, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP Advogado do(a) APELADO: FLAVIA DA CUNHA LIMA - SP134557 OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal em face da União Federal e do Ibama, visando, em síntese, que os réus sejam impedidos de edificar ou autorizar edificações, de quaisquer espécies, sem a prévia aprovação do estudo de impacto ambiental (EIA/RIMA); que realizem vistorias no espaço compreendido pela praia e pelo mar dos municípios abrangidos pela jurisdição da 4ª Subseção Judiciária da 3ª Região; que declarem serem bens de uso comum do povo todas as áreas ocupadas pelas praias que tenham sido descaracterizadas artificial e ilegalmente; que a União seja impedida de ceder espaços no mar e nas praias sem a exigência da destinação prevista no artigo 18 da Lei n.º 9.636/98. O Ministério Público aduz, resumidamente, que o IBAMA está adotando conduta omissiva no desempenho de suas atribuições, uma vez que deixa de exigir estudo de impacto ambiental (EIA/RIMA), consoante a Lei n.° 7.661/88, no tocante às edificações realizadas na orla da praia, notadamente na Praia do Itararé, no Município de São Vicente, e na Plataforma do Emissário Submarino, no Município de Santos. Destaca o "parquet" que a União Federal está permitindo a ocupação da orla da praia, sem observância dos dispostos na Lei n.° 9.636/98 e na Lei n.° 7.661/88. Assim como, que o IBAMA é competente para o licenciamento de empreendimentos na Zona Costeira e a sua omissão ofende a defesa ao meio ambiente, de acordo com a Lei n.° 6.938/81. O IBAMA apresentou contestação, às fls. 193/208, ressaltando que "a escolha do tipo de estudo que irá embasar o licenciamento ambiental é atividade discricionária da Administração, discricionariedade esta conferida pela lei. Segundo a doutrina administrativa dominante, não cabe ao Poder Judiciário analisar o mérito do ato administrativo, sob pena de ofensa ao princípio da separação dos poderes." A União Federal ofereceu contestação, às fls. 210/223, alegando, preliminarmente, a ilegitimidade passiva "ad causam", falta de interesse de agir e impossibilidade jurídica do pedido e, no mérito, salientou que a parte autora não alegou validamente qualquer lesão concreta ao patrimônio público da União ou ao meio ambiente. A r. sentença, às fls. 360/393, julgou parcialmente procedentes os pedidos, para determinar que os réus sejam impedidos de edificarem ou autorizarem edificações, obras ou atividades, de quaisquer espécies, sem a prévia autorização do EIA/RIMA; que realizem vistoria no espaço compreendido pela praia e no mar de todos os municípios litorâneos daquela Subseção Judiciária de Santos; a declaração de serem bens de uso comum do povo todas as áreas ocupadas pelo mar e pelas praias dos municípios litorâneos da 4ª Subseção Judiciária da 3ª Região, impedindo a União Federal de nelas ceder espaços. A União apresentou recurso de apelação, às fls. 431/443, aduzindo, preliminarmente, a falta de interesse processual e a impossibilidade jurídica do pedido, e, no mérito, destaca que é inaceitável a análise do Poder Judiciário quanto ao mérito do ato administrativo discricionário, sob pena de ofensa ao princípio da separação dos poderes. O IBAMA ofereceu recurso de apelação, às fls. 445/469, argumentando, preliminarmente, a inépcia da petição inicial, tendo em vista a ausência de conexão lógica entre os fatos narrados na inicial e o pedido veiculado; a impossibilidade jurídica do pedido, ilegitimidade do IBAMA e, no mérito, sustenta que o EIA é reservado aos casos de significativa degradação ambiental e que o prazo determinado para as vistorias representa invasão no mérito de ato administrativo. O Ministério Público Federal apresentou contrarrazões, às fls. 473/493. A Prefeitura Municipal de São Vicente, como assistente litisconsorcial, interpôs recurso de apelação, às fls. 499/512, em 22/10/2004, contra sentença publicada em 28/06/2004, à fl. 394, com a decisão dos embargos de declaração publicada em 27/08/2004, à fl. 416. A juntada do último aviso de recebimento de intimação das decisões foi em 21/09/2004, à fl. 423. O Ministério Público Federal ofereceu impugnação, à fl. 558, ao ingresso da Prefeitura Municipal de São Vicente no polo passivo da demanda, destacando que não há interesse jurídico pertinente, bem como que o recurso de apelação interposto é intempestivo, consoante certidão de fl. 548. O "parquet" apresentou parecer, às fls. 727/753, e opinou pelo não conhecimento do recurso interposto pela Prefeitura do Município de São Vicente/SP e pelo não provimento dos recursos de apelação interpostos pelo Ibama e pela União Federal. Às fls. 758/771, a Colenda Terceira Turma do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, deu provimento à remessa oficial e às apelações da União Federal e do Ibama para extinguir o feito, sem a resolução do mérito, sob o fundamento da impossibilidade jurídica do pedido. Ademais, não foi conhecido o recurso de apelação da Prefeitura Municipal de São Vicente, salientando que "não sendo parte no presente feito, poderia ingressar na demanda como terceiro interessado, como entendeu a MM. Juíza "a quo" hipótese em que recebe-se o feito no estado em que se encontra vez que não representa hipótese de litisconsórcio necessário". O Ministério Público Federal apresentou embargos de declaração, às fls. 778/784, a fim de sanar a contradição, obscuridade e omissão apontadas, julgando-se improcedentes os recursos interpostos e a remessa necessária, a fim de manter a r. sentença de 1° grau. Às fls. 787/791, os embargos de declaração foram rejeitados. O "parquet" ofereceu recurso especial, às fls. 810/829, requerendo a reforma do v. acórdão que julgou extinto o feito, sem resolução do mérito, e determinando o retorno dos autos à origem para que sejam supridas as falhas apontadas. O Superior Tribunal de Justiça, à fl. 949, atestou que "em se tratando de ação civil pública que envolve direitos difusos, verifico que a questão referente ao disposto na legislação infraconstitucional invocada como violada, principalmente quanto ao tema da distinção dos pedidos cumulativos elencados na inicial, não foi suficientemente analisada no acórdão questionado." Nesse panorama, o Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso especial para anular o acórdão dos embargos de declaração, determinando o retorno dos autos à Corte de origem, a fim de que se manifeste, expressamente, a respeito do quanto alegado em declaratória. À fl. 970, foi aberto prazo para que as partes se manifestassem, em consonância com os princípios do contraditório e da ampla defesa, diante da possibilidade, em tese, de serem concedidos efeitos infringentes aos embargos de declaração. À fl. 973, a Procuradoria Regional da União tomou ciência do r. despacho e nada requereu, além de nova intimação após o julgamento dos embargos de declaração. O IBAMA, às fls. 987/990, alegou que "o v. acórdão que negou provimento ao recurso do autor e deu provimento à remessa oficial e ao recurso da União Federal e do Ibama deve ser mantido, pois lavrado em consonância com a legislação federal e a jurisprudência pátria." À fl. 991, foi certificado que não houve manifestação do Município de São Vicente/SP, acerca do r. despacho de fl. 970. É o breve relatório.
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 0008242-42.2003.4.03.6104 RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. ANTONIO CEDENHO APELANTE: UNIAO FEDERAL, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS Advogado do(a) APELANTE: VERIDIANA BERTOGNA - SP210268 APELADO: MUNICIPIO DE SAO VICENTE, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP Advogado do(a) APELADO: FLAVIA DA CUNHA LIMA - SP134557 OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O presente julgamento realiza-se em decorrência do quanto decidido pelo Superior Tribunal de Justiça que, dando provimento ao recurso especial, anulou o v. acórdão dos embargos de declaração, determinando o retorno dos autos à Corte de origem, a fim de que se manifeste, expressamente, a respeito do quanto alegado em declaratória. Cumpre ressaltar que a r. sentença foi prolatada na vigência do Código de Processo Civil de 1973 e, nos termos do art. 535 do referido diploma legal, cabem embargos de declaração quando houver, na sentença ou no acórdão, obscuridade ou contradição ou, ainda, quando for omitido ponto sobre o qual o juiz ou o tribunal tinham o dever de se pronunciar. O caráter infringente dos embargos de declaração somente é admitido a título excepcional, quando a eliminação da contradição, obscuridade ou omissão decorrer, logicamente, a modificação do julgamento embargado. No caso em comento, realmente a questão merece esclarecimento. PRELIMINARES DA ILEGITIMIDADE PASSIVA DO IBAMA O IBAMA argumenta que possui competência supletiva para licenciamento de estabelecimentos e atividades considerados potencialmente poluidores, consoante o artigo 10 da Lei n.° 6.938/81, e que só deve atuar em situações de omissão estadual. Requer o Ibama a extinção do processo sem julgamento de mérito em relação a ela, nos termos do art. 267, VI, do Código de Processo Civil de 1973, em virtude da ausência de legitimidade da parte. No entanto, necessário transcrever a Lei n.º 7.735/89, com redação dada pela Lei n.º 11.516/2007, que criou o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, com a finalidade de exercer o poder de polícia ambiental e executar ações das políticas nacionais de meio ambiente: Art. 2o É criado o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, autarquia federal dotada de personalidade jurídica de direito público, autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, com a finalidade de: I - exercer o poder de polícia ambiental; II - executar ações das políticas nacionais de meio ambiente, referentes às atribuições federais, relativas ao licenciamento ambiental, ao controle da qualidade ambiental, à autorização de uso dos recursos naturais e à fiscalização, monitoramento e controle ambiental, observadas as diretrizes emanadas do Ministério do Meio Ambiente; e III - executar as ações supletivas de competência da União, de conformidade com a legislação ambiental vigente. (Destacamos) Vale mencionar ainda a Lei n.º 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, no tocante aos órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental: Art 6º - Os órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental, constituirão o Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, assim estruturado: (...) IV - órgãos executores: o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - Instituto Chico Mendes, com a finalidade de executar e fazer executar a política e as diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente, de acordo com as respectivas competências; (Destacamos) Justifica-se, destarte, que remanesce ao IBAMA, como órgão executor do Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, a atribuição de promover os licenciamentos ambientais no âmbito da União, tendo como finalidade precípua a execução da política e das diretrizes governamentais para o meio ambiente. Deve a autarquia agir a fim de evitar e reprimir a degradação ambiental, podendo ser demandada na hipótese de omissão na fiscalização ambiental ou atuação deficiente, pois o art. 3º, IV, da Lei n.º 6.938/81 define poluidor como sendo a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, pela atividade de degradação ambiental. Assim, considerando que o IBAMA tem a atribuição de gestão, fiscalização e licenciamento ambiental de áreas federais, merece ser rejeitada a preliminar de ilegitimidade passiva da autarquia federal, sendo indispensável a sua integração no polo passivo da demanda. DA INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL O Ibama alega que houve ausência de conexão lógica entre os fatos narrados na inicial e o pedido nela veiculado, uma vez que o "parquet" não apontou quais as obras que o IBAMA deixou de exigir estudo de impacto ambiental, para a implantação de edificações e alterações na orla da praia de Itararé e na plataforma do emissário de esgotos de Santos. Todavia, não há que se falar em inépcia da inicial no caso em comento, uma vez que a exordial se encontra fundamentada e instruída com documentos necessários para o prosseguimento regular da ação. De acordo com a informação técnica do Ibama, às fls. 46/47, verifica-se que o Ibama justificou a dispensa do EIA/RIMA em algumas edificações, salientando que "não participamos de nenhum processo de exigência de EIA/RIMA nas intervenções e/ou obras realizadas entre as Avenidas das Orlas e a chamada linha do jundú (delimitação máxima imposta às Prefeituras Municipais, evitando-se a intervenção de qualquer forma, na faixa de areia das praias)." Cabe transcrever o parecer do Ministério Público Federal, às fls. 727/753: Na petição inicial está descrita a causa de pedir, qual seja, reiterada conduta omissiva potencialmente danosa do IBAMA, que devidamente fundamenta o pedido, que é, em apertada síntese, impedir o IBAMA e a União Federal de edificarem ou autorizarem edificações de quaisquer espécies, permanentes ou sazonais, sem a prévia aprovação de EIA/RIMA, ou seja, impedir os apelantes de manterem-se omissos. Conclui-se, desta forma, que a petição inicial preenche todos os requisitos, não devendo ser acolhida a tese do apelante. (Destacamos) Ademais, como bem asseverou o juízo "a quo", às fls. 360/393: Inicialmente, afasto a preliminar de inépcia da inicial suscitada pelo Ibama. A causa de pedir restou corretamente indicada, qual seja, a contínua falta de observação às prescrições legais atinentes à exigência de prévio estudo de impacto ambiental para as edificações e construções efetuadas na orla marítima das praias relativas aos municípios integrantes desta Subseção Judiciária. (Destacamos) Portanto, deve ser rejeitada a preliminar aduzida pelo Ibama de inépcia da petição inicial. DA FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL A União alega que inexiste interesse processual a justificar a participação do ente federativo no polo passivo da demanda, devendo ser decretada a carência da ação em relação a ela, uma vez que a Carta Magna atribui responsabilidade pela defesa do meio ambiente a todos os entes políticos. Destaca a União que a Lei n.° 6.938/81, que trata da Política Nacional do Meio Ambiente, delimitou as competências em consonância com o interesse de cada ente político, destacando que há áreas de especial proteção para cada ente federativo. Todavia, observa-se que há interesse de agir da União, uma vez que deve ser analisado no caso em tela se houve omissão do ente federativo, no tocante à proteção do meio ambiente, bem como na observância dos requisitos da Lei n.° 9.636/98 e da Lei n.° 7.661/98. Vale transcrever o parecer do Ministério Público Federal, às fls. 727/753: Restou comprovada nos autos a omissão da União Federal na correta administração e proteção dos bens, cuja tutela foi-lhe atribuída pela Constituição Federal e também no zelo pela finalidade e destinação de tais bens, tendo a União permitido a ocupação privada nas faixas de orla da praia, em desobediência à determinação legal. (...) Verifica-se, desta forma, que é obrigação da União Federal zelar pelos bens de uso comum do povo, logo, verificada sua omissão, surge a necessidade de buscar-se a sua atuação por meio da tutela do Poder Judiciário. (Destacamos) Nesse panorama, tendo em vista a responsabilidade da União na defesa do meio ambiente, o cumprimento da Lei n.° 9.636/98 e da Lei n.° 7.661/98 e as construções e obras em áreas de patrimônio do ente federativo, constata-se o interesse processual a justificar a participação da União no polo passivo da demanda. DA IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO A União Federal e o IBAMA alegam a impossibilidade jurídica do pedido, em virtude do Ministério Público Federal buscar uma sentença normativa, com característica de função regulamentar, interferindo na esfera administrativa e com violação das regras constitucionais de separação dos poderes. Alega o Ibama que, em outras ações ajuizadas pelo Ministério Público Federal, ataca-se especificamente um empreendimento potencialmente poluidor. Porém, no presente caso a sentença vale como norma proibitiva para as presentes e futuras edificações de quaisquer espécies, permanentes ou sazonais, na área objeto do litígio. A União ressalta ainda que a sentença possui condão de norma proibitiva para quaisquer obras ou edificações, mesmo para aquelas que, em tese, podem ser realizadas em áreas desafetadas, ocasionando violação ao princípio da separação dos poderes. Sobreleva consignar, no entanto, que a matéria preliminar de impossibilidade jurídica do pedido se confunde com o mérito e como tal será analisada. DO RECURSO DE APELAÇÃO DA PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO VICENTE Nota-se que a publicação da sentença ocorreu em 28/06/2004, à fl. 394, com a decisão dos embargos de declaração publicada em 27/08/2004, à fl. 416. A juntada do último aviso de recebimento de intimação das decisões foi em 21/09/2004, à fl. 423. A Prefeitura Municipal de São Vicente, como assistente litisconsorcial, interpôs recurso de apelação, às fls. 499/512, em 22/10/2004. Porém, consoante à fl. 547, o recurso de apelação é intempestivo, pois o prazo para interposição do recurso de apelação terminou em 21/10/2004. Como bem destacou a Colenda Terceira Turma do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, às fls. 758/771: Preliminarmente, não conheço da apelação da Prefeitura Municipal de São Vicente, pois não sendo parte no presente feito, poderia ingressar na demanda como terceiro interessado, como entendeu a MM. Juíza " a quo" hipótese em que recebe-se o feito no estado em que se encontra vez que não representa hipótese de litisconsórcio necessário muito embora seja claro o interesse patrimonial da Municipalidade na solução da presente demanda. Ora, o prazo para apresentação da apelação já havia expirado quando da apresentação por ela, das respectivas razões. (Destacamos) 2. MÉRITO Necessário mencionar que a manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado consiste em direito fundamental de terceira geração, sendo dever do Poder Público e da coletividade defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, conforme determina o artigo 225 da Constituição Federal: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (...) § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. Portanto, o dever de preservar o meio ambiente, bem como recuperá-lo em caso de degradação, encontra previsão constitucional, norma de observância cogente à qual todos devem se submeter. Além disso, o artigo 7º da Lei Complementar n.º 140 de 2011 estipula que é ação administrativa da União promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades, localizados ou desenvolvidos no mar territorial, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva: Art. 7o São ações administrativas da União: XIV - promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades: a) localizados ou desenvolvidos conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; b) localizados ou desenvolvidos no mar territorial, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva; c) localizados ou desenvolvidos em terras indígenas; d) localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pela União, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); (Destacamos) Cabe salientar que o princípio da prevenção ambiental, extraído do art. 225 da Constituição Federal, impõe a realização do EIA/RIMA como condicionante ao licenciamento de todas atividades que potencialmente venham a acarretar danos ambientais. Observa-se que o estudo de impacto ambiental é um instrumento basilar na defesa do meio ambiente, considerando os aspectos e repercussões antes da realização de obra potencialmente degradadora, seguindo as diretrizes fixadas na Lei n.° 6.938/81. No tocante às atividades e obras com significativo impacto ambiental, vale transcrever ainda a Lei n.° 7.661/88, que institui o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro e dá outras providências: Art. 6º. O licenciamento para parcelamento e remembramento do solo, construção, instalação, funcionamento e ampliação de atividades, com alterações das características naturais da Zona Costeira, deverá observar, além do disposto nesta Lei, as demais normas específicas federais, estaduais e municipais, respeitando as diretrizes dos Planos de Gerenciamento Costeiro. § 1º. A falta ou o descumprimento, mesmo parcial, das condições do licenciamento previsto neste artigo serão sancionados com interdição, embargo ou demolição, sem prejuízo da cominação de outras penalidades previstas em lei. § 2º Para o licenciamento, o órgão competente solicitará ao responsável pela atividade a elaboração do estudo de impacto ambiental e a apresentação do respectivo Relatório de Impacto Ambiental - RIMA, devidamente aprovado, na forma da lei. Art. 42. Serão reservadas, na forma do regulamento, áreas necessárias à gestão ambiental, à implantação de projetos demonstrativos de uso sustentável de recursos naturais e dos ecossistemas costeiros, de compensação por impactos ambientais, relacionados com instalações portuárias, marinas, complexos navais e outros complexos náuticos, desenvolvimento do turismo, de atividades pesqueiras, da aqüicultura, da exploração de petróleo e gás natural, de recursos hídricos e minerais, aproveitamento de energia hidráulica e outros empreendimentos considerados de interesse nacional. (Destacamos) Conforme a informação técnica do Ibama, às fls. 46/47, o Ibama alegou que houve projetos de reurbanização das orlas das praias, todavia, por não haver intervenção de corte e/ou retirada de vegetação, em área considerada de preservação permanente, houve a dispensa de EIA/RIMA: Quando começamos a atuar na Baixada Santista, todo o processo de ocupação humana e expansão habitacional já estava praticamente consumado de forma exacerbada. A maioria das cidades de nossa baixada já se encontrava totalmente urbanizadas, e, suas praias e orlas, principalmente Santos, São Vicente e Guarujá encontravam-se já totalmente consumadas; onde, as vegetações pertencentes à Mata Atlântica e seus ecossistemas associados, principalmente a Restinga, outrora significativa e abundante, já haviam sido totalmente detonadas; As Prefeituras de São Vicente, Bertioga, Itanhaém e Peruíbe apresentaram em nossa Representação Regional, projetos de reurbanização de suas orlas de praia (ou parte delas), onde estava preconizada a construção de avenidas, ciclovias, quiosques de praia, postos de salva-vidas, banheiros públicos, equipamentos de lazer etc; porém, por não haver intervenção (corte e/ou retirada de vegetação) em área considerada de preservação permanente, aliada à fortíssima antropização imposta a essas locais, não houve solicitação de EIA/RIMA. (Destacamos) Some-se a isso o fato de que o Ibama não participou de nenhum processo de exigência de EIA/RIMA nas intervenções realizadas entre as avenidas das orlas e a chamada linha do Jundú, às fls. 46/47: Todo o exposto, é para colocarmos que não participamos de nenhum processo de exigência de EIA/RIMA nas intervenções e/ou obras realizadas entre as Avenidas das Orlas e a chamada linha do jundú (delimitação máxima imposta às Prefeituras Municipais, evitando-se a intervenção de qualquer forma, na faixa de areia das praias). Outrossim, reiteramos que, a maioria dessas obras já se encontrava consumadas, sem qualquer pedido de anuência ao IBAMA, e hoje, qualquer intervenção pretendida é tratada como um processo de reurbanização (muitas vezes não apreciados pelo órgão estadual competente, principalmente pela vigência da Portaria 237/99, a qual remete às Prefeituras a análise e aprovação desses empreendimentos, pois os considera impactos localizados e de baixa intensidade. (Destacamos) Nesse panorama, às fls. 48/55, o Ministério Público Federal ofereceu a Informação Técnica PRSP/MPF N.° 037/2007, no tocante às justificativas técnicas e legais que demonstram a necessidade de uma avaliação completa dos impactos, causados pelas obras e atividades na zona costeira do município de São Vicente, às fls. 48/55: Analisando de forma expedita os documentos disponibilizados é possível verificar que a ocupação da orla de Itararé vêm (sic) ocorrendo de forma desordenada, sem o suporte de um projeto de urbanização detalhado e aprovado pelos órgãos competentes, onde conste todas as obras e equipamentos públicos previstos para implantação a curto, médio e longo prazos. Essa ocupação desordenada, permeada por autorizações pontuais ou mesmo pela ausência de autorizações, em especial daquelas emitidas pelos órgãos ambientais licenciadores, causa impactos sobre os meios físico e biótico e sobre a paisagem que somente poderiam ser qualificados e quantificados mediante a elaboração de um estudo de impacto ambiental, considerando a situação atual (ocupações permanentes e sazonais) e principalmente analisando os eventuais impactos no âmbito de um projeto de urbanização da orla, ordenando o uso e a ocupação do solo nessa área reconhecida por seus atributos como Patrimônio Nacional. (Destacamos) Além disso, na Informação Técnica PRSP/MPF N.° 037/2007, às fls. 48/55, o "parquet" destaca o descaso na defesa do meio ambiente na área em comento e a importância da participação da sociedade, mediante a publicidade do EIA e a realização de audiências públicas, no processo de licenciamento: Alegações sobre o grau de antropização da área, buscando descaracterizar sua importância no contexto da zona costeira, reforçam na verdade o descaso do ponto de vista ambiental, com que a mesma foi tratada ao longo de décadas, demonstrando a importância da paralisação do processo de degradação e do início imediato da avaliação dos impactos já causados, associada à recuperação de áreas eventualmente degradadas e ao uso racional e viável do ponto de vista urbanístico, paisagístico e ambiental. Outro aspecto fundamental do processo de licenciamento é a participação da sociedade mediante a publicidade do EIA e a realização de audiências públicas. Da forma como a área vem sendo ocupada, a sociedade, que deve ser beneficiária desse espaço, fica alijada do processo e somente alguns interessados em obter benefícios econômicos passam a decidir como esse espaço deve ser utilizado. Dentro desse contexto, em uma interpretação sistemática, a análise do caso em comento deve ser no sentido de favorecer a proteção ao meio ambiente, fim perseguido pelo legislador constituinte, que é de interesse de toda a coletividade. A ação civil pública intentada almeja justamente que seja cumprida os deveres legalmente preceituados e impostos aos corréus, cada um na medida de sua responsabilidade, em relação à realização do EIA/RIMA, como condicionante ao licenciamento das atividades que podem ocasionar danos ambientais. No que tange a exigência do EIA/RIMA, vale trazer à baila precedentes desta E. Corte: PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - QUEIMA DE PALHA DA CANA-DE-AÇÚCAR - EXIGÊNCIA DE EIA/RIMA - POSSIBILIDADE - AUSÊNCIA DE PLAUSIBILIDADE E DE PERIGO DE DANO - RECURSO IMPROVIDO. I - A Constituição da República exige que para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente seja realizado estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade (art. 225, § 1º, IV). Trata-se do EIA/RIMA, o primeiro, estudos que compreendem levantamento da literatura científica e legal, trabalhos de campo, análises de laboratório, enquanto o segundo se cuida do relatório que esclarece as vantagens e consequências do empreendimento e/ou atividade, dando publicidade àquele. II - É inquestionável que a queima da palha da cana-de-açúcar configura atividade causadora de degradação ao meio ambiente, à saúde humana e à fauna local. Sendo evidente e conhecidos os efeitos nocivos da prática da queima da palha da cana-de-açúcar, há que se reconhecer que, ao menos em tese, o direito postulado em caráter de urgência na ação civil pública é plausível e se encontra presente o perigo de dano, previstos no artigo 300 do CPC. III - Precedentes desta Corte. IV - A Lei nº 12.651/12 revogou expressamente o anterior Código Florestal (Lei nº 4.771/65). Com isso, o Decreto nº 2.661/98, que regulamentava o parágrafo único do artigo 27 desta lei, perdeu seu suporte normativo. V - Agravo de instrumento improvido. (TRF 3ª Região, 3ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5003179-65.2019.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal CECILIA MARIA PIEDRA MARCONDES, julgado em 08/08/2019, Intimação via sistema DATA: 12/08/2019) (Destacamos) AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APELAÇÕES E REEXAME NECESSÁRIO. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. LEGITIMIDADE PASSIVA DO IBAMA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. CONTROLE INCIDENTAL DE CONSTITUCIONALIDADE SOBRE LEGISLAÇÃO ESTADUAL. POSSIBILIDADE. MÉRITO. QUEIMA CONTROLADA DA PALHA DE CANA DE AÇÚCAR. LICENÇA AMBIENTAL PELO ÓRGÃO ESTADUAL. ATIVIDADE DOTADA DE RISCOS À SAÚDE E AO MEIO AMBIENTE. PRÉVIA ELABORAÇÃO DE EIA/RIMA. NECESSIDADE. RESPEITO À NORMATIZAÇÃO IMPOSTA PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE. ATRIBUIÇÃO SUPLETIVA DO IBAMA. RECONHECIMENTO. PRECEDENTES DA E. SEXTA TURMA. (...) - O IBAMA detém atribuição supletiva em matéria de licenciamento ambiental, nos termos da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), razão pela qual, se lhe é imputada omissão ou desídia em relação às licenças concedidas pelos Estados-membros, exsurge a respectiva legitimidade passiva ad causam para figurar nas ações em que essas condutas são discutidas. (...) - Mesmo que não houvesse prova cabal desses riscos ou danos, o princípio da prevenção, extraível da proteção integral que constitucionalmente recai sobre o meio ambiente (art. 225 CFR), impõe a realização de EIA/RIMA como condicionante ao licenciamento de todas atividades que potencialmente venham a acarretar danos ambientais, ainda que a constatação dessa lesividade advenha de probabilidade e não seja certa a sua ocorrência. - Tratando-se de atividade com significante impacto ambiental, com potencial de extrapolar os limites da localidade em que praticada, se mostra correta e afinada com os ditames da Carta Magna e da Política Nacional do Meio Ambiente a condenação da CETESB e do Estado de São Paulo para que se abstenham a conceder novas licenças de queima controlada da palha de cana-de-açúcar na área compreendida pela Subseção Judiciária de Araraquara, sem prévio EIA/RIMA. Nessa esteira, impõe-se reconhecer, na mesma medida, o acerto da condenação do IBAMA para que fiscalize a exigência de licenciamento e prévio EIA/RIMA para as atividades da espécie desenvolvidas no território da referida Subseção. - Os danos morais difusos, segundo a jurisprudência da E. Corte Superior de Justiça, têm como pressupostos (1) a conduta antijurídica (ação ou omissão) do agente, pessoa física ou jurídica; (2) a ofensa a interesses jurídicos fundamentais, de natureza extrapatrimonial, titularizados por uma determinada coletividade (comunidade, grupo, categoria ou classe de pessoas); (3) a intolerabilidade da ilicitude, diante da realidade apreendida e da sua repercussão social; (4) o nexo causal observado entre a conduta e o dano correspondente à violação do interesse coletivo ("lato sensu"). - Patente a conduta antijurídica dos órgãos públicos que, atrelados às correspondentes atribuições, deveriam zelar pela preservação do meio ambiente e, especificamente, exigirem a elaboração do EIA/RIMA para que, eventualmente, fosse concedida licença para a atividade de queima da cana, sendo que a violação a esses deveres configurou afronta direta ao art. 225, caput, § 1º, incisos IV e V, da Constituição da República. (...) (TRF 3ª Região, SEXTA TURMA, ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 1625987 - 0011027-50.2008.4.03.6120, Rel. JUIZA CONVOCADA LEILA PAIVA, julgado em 21/07/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:02/08/2016 ) (Destacamos) Ressalta-se que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é cristalina no sentido de que não há competência exclusiva de um ente da federação para promover medidas protetivas ao meio ambiental, tendo em vista que se trata de competência comum, prevista constitucionalmente: ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. LEGITIMIDADE PASSIVA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. IBAMA. DEVER DE FISCALIZAÇÃO. OMISSÃO CARACTERIZADA. 1. Tratando-se de proteção ao meio ambiente, não há falar em competência exclusiva de um ente da federação para promover medidas protetivas. Impõe-se amplo aparato de fiscalização a ser exercido pelos quatro entes federados, independentemente do local onde a ameaça ou o dano estejam ocorrendo. 2. O Poder de Polícia Ambiental pode - e deve - ser exercido por todos os entes da Federação, pois se trata de competência comum, prevista constitucionalmente. Portanto, a competência material para o trato das questões ambiental é comum a todos os entes. Diante de uma infração ambiental, os agentes de fiscalização ambiental federal, estadual ou municipal terão o dever de agir imediatamente, obstando a perpetuação da infração. 3. Nos termos da jurisprudência pacífica do STJ, a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, logo responderá pelos danos ambientais causados aquele que tenha contribuído apenas que indiretamente para a ocorrência da lesão. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1417023/PR, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/08/2015, DJe 25/08/2015) (Destacamos) O Superior Tribunal de Justiça reconhece ainda que o dever-poder de controle e fiscalização ambiental, além de inerente ao exercício do poder de polícia do Estado, provém diretamente do marco constitucional de garantia dos processos ecológicos essenciais, conforme o seguinte precedente: AMBIENTAL. UNIDADE DE CONSERVAÇÃO DE PROTEÇÃO INTEGRAL (LEI 9.985/00). OCUPAÇÃO E CONSTRUÇÃO ILEGAL POR PARTICULAR NO PARQUE ESTADUAL DE JACUPIRANGA. TURBAÇÃO E ESBULHO DE BEM PÚBLICO. DEVER-PODER DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL DO ESTADO. OMISSÃO. ART. 70, § 1º, DA LEI 9.605/1998. DESFORÇO IMEDIATO. ART. 1.210, § 1º, DO CÓDIGO CIVIL. ARTIGOS 2º, I E V, 3º, IV, 6º E 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981 (LEI DA POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE). CONCEITO DE POLUIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DE NATUREZA SOLIDÁRIA, OBJETIVA, ILIMITADA E DE EXECUÇÃO SUBSIDIÁRIA. LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO. 1. Já não se duvida, sobretudo à luz da Constituição Federal de 1988, que ao Estado a ordem jurídica abona, mais na fórmula de dever do que de direito ou faculdade, a função de implementar a letra e o espírito das determinações legais, inclusive contra si próprio ou interesses imediatos ou pessoais do Administrador. Seria mesmo um despropósito que o ordenamento constrangesse os particulares a cumprir a lei e atribuísse ao servidor a possibilidade, conforme a conveniência ou oportunidade do momento, de por ela zelar ou abandoná-la à própria sorte, de nela se inspirar ou, frontal ou indiretamente, contradizê-la, de buscar realizar as suas finalidades públicas ou ignorá-las em prol de interesses outros. 2. Na sua missão de proteger o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações, como patrono que é da preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais, incumbe ao Estado "definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção" (Constituição Federal, art. 225, § 1º, III). 3. A criação de Unidades de Conservação não é um fim em si mesmo, vinculada que se encontra a claros objetivos constitucionais e legais de proteção da Natureza. Por isso, em nada resolve, freia ou mitiga a crise da biodiversidade - diretamente associada à insustentável e veloz destruição de habitat natural -, se não vier acompanhada do compromisso estatal de, sincera e eficazmente, zelar pela sua integridade físico-ecológica e providenciar os meios para sua gestão técnica, transparente e democrática. A ser diferente, nada além de um "sistema de áreas protegidas de papel ou de fachada" existirá, espaços de ninguém, onde a omissão das autoridades é compreendida pelos degradadores de plantão como autorização implícita para o desmatamento, a exploração predatória e a ocupação ilícita. (...) 6. O dever-poder de controle e fiscalização ambiental (= dever-poder de implementação), além de inerente ao exercício do poder de polícia do Estado, provém diretamente do marco constitucional de garantia dos processos ecológicos essenciais (em especial os arts. 225, 23, VI e VII, e 170, VI) e da legislação, sobretudo da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981, arts. 2º, I e V, e 6º) e da Lei 9.605/1998 (Lei dos Crimes e Ilícitos Administrativos contra o Meio Ambiente). 7. Nos termos do art. 70, § 1º, da Lei 9.605/1998, são titulares do dever-poder de implementação "os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente - SISNAMA, designados para as atividades de fiscalização", além de outros a que se confira tal atribuição. 8. Quando a autoridade ambiental "tiver conhecimento de infração ambiental é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante processo administrativo próprio, sob pena de co-responsabilidade" (art. 70, § 3°, da Lei 9.605/1998, grifo acrescentado). (...) 14. No caso de omissão de dever de controle e fiscalização, a responsabilidade ambiental solidária da Administração é de execução subsidiária (ou com ordem de preferência). 15. A responsabilidade solidária e de execução subsidiária significa que o Estado integra o título executivo sob a condição de, como devedor-reserva, só ser convocado a quitar a dívida se o degradador original, direto ou material (= devedor principal) não o fizer, seja por total ou parcial exaurimento patrimonial ou insolvência, seja por impossibilidade ou incapacidade, inclusive técnica, de cumprimento da prestação judicialmente imposta, assegurado, sempre, o direito de regresso (art. 934 do Código Civil), com a desconsideração da personalidade jurídica (art. 50 do Código Civil). 16. Ao acautelar a plena solvabilidade financeira e técnica do crédito ambiental, não se insere entre as aspirações da responsabilidade solidária e de execução subsidiária do Estado - sob pena de onerar duplamente a sociedade, romper a equação do princípio poluidor-pagador e inviabilizar a internalização das externalidades ambientais negativas - substituir, mitigar, postergar ou dificultar o dever, a cargo do degradador material ou principal, de recuperação integral do meio ambiente afetado e de indenização pelos prejuízos causados. 17. Como consequência da solidariedade e por se tratar de litisconsórcio facultativo, cabe ao autor da Ação optar por incluir ou não o ente público na petição inicial. 18. Recurso Especial provido. (REsp 1071741/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/03/2009, DJe 16/12/2010) (Destacamos) A mesma orientação é perfilhada por esta E. Corte: AMBIENTAL. MANDADO DE SEGURANÇA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OCUPAÇÃO IRREGULAR EM TERRENOS DE MARINHA. VISTORIA JUDICIAL. ATRIBUIÇÕES DO IBAMA. CONVERGÊNCIA. ORDEM DENEGADA. 1. O IBAMA, na qualidade de órgão executor do SISNAMA, possui a finalidade de executar e fazer executar a política e as diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente, de acordo com as respectivas competências, nos termos do artigo 6º, IV, da Lei nº 6.938/81. 2. Ausência de impossibilidade absoluta do IBAMA realizar vistorias, notadamente em razão do disposto no artigo 91, §1º, do Código de Processo Civil: "§1o As perícias requeridas pela Fazenda Pública, pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública poderão ser realizadas por entidade pública ou, havendo previsão orçamentária, ter os valores adiantados por aquele que requerer a prova.". 3. Muito embora a autarquia federal não esteja incluída em nenhum dos polos da demanda, não há nenhuma ilegalidade na determinação do Juízo a quo, mormente porque eventual provimento jurisdicional que acolha a pretensão inicial do Ministério Público visará cessar, reduzir ou mitigar os danos ambientais alegados na inicial, coadunando-se com as finalidades precípuas do IBAMA. 4. A determinação do Juízo para que o IBAMA, CETESB e SPU prestassem informações, a partir de vistorias, sobre a situação em geral da ocupação dos quiosques objetos daqueles autos, bem como sobre a possibilidade ou não de sua efetiva regularização, com o fornecimento de informações sobre os requisitos, prazos e eventuais propostas quanto à forma de regularização, volta-se, principalmente, a subsidiar o magistrado a optar pela melhor maneira de tutelar o meio ambiente ecológico. 5. A vistoria determinada nos moldes da decisão atacada converge com suas finalidades legais, não havendo se falar em violação do princípio da legalidade. 6. Segurança denegada. (TRF 3ª Região, 3ª Turma, MS - MANDADO DE SEGURANÇA - 5012525-11.2017.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal ANTONIO CARLOS CEDENHO, julgado em 06/12/2017, Intimação via sistema DATA: 12/12/2017) (Destacamos) PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IBAMA. DETERMINAÇÃO DE REALIZAÇÃO DE VISTORIA. CONDUTA OMISSIVA. 1. Como é cediço, compete ao IBAMA, enquanto órgão executor da Política Nacional do Meio Ambiente, promover a preservação, conservação e uso racional, fiscalização, controle e fomento dos recursos ambientais (Lei 6.938/81, art. 6º, III). 2. O agravante, pela omissão no exercício de suas atribuições, contribuiu para a degradação da área de preservação permanente ora analisada, e, por isso, foi incluído no pólo passivo nos autos originários. 3. As determinações preliminares da r. decisão agravada ao IBAMA, inserem-se no âmbito de suas atribuições, enquanto órgão ambiental, quais sejam, delimitar, no prazo de 60 (sessenta) dias, a área de 100 (cem) metros de preservação permanente, e, em conjunto com o Município, proceder a vistoria e elaboração de laudo preliminar da área ocupada e utilizada pelos co-réus, bem como fiscalizar o cumprimento das providências a eles determinadas. 4. Agravo de instrumento improvido. (TRF 3ª Região, SEXTA TURMA, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 386498 - 0034559-46.2009.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL CONSUELO YOSHIDA, julgado em 01/09/2011, e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/09/2011 PÁGINA: 683) (Destacamos) Com efeito, necessário acolher a pretensão do Ministério Público de impedir os réus de edificarem ou autorizarem edificações, de obras ou atividades que potencialmente venham a acarretar danos ambientais, permanente ou sazonal, sem a prévia aprovação do EIA/RIMA, nos termos da Lei n.° 7.661/88. Noutro dizer, o Ministério Público Federal requer a declaração de que todas as áreas originalmente ocupadas pelas praias, e que tenham sido descaracterizadas artificial e ilegalmente, permanecem como bens de uso comum do povo, merecendo a tutela relativa ao EIA/RIMA, ao livre e franco acesso e à restrição para destinação prevista na Lei n.° 9.636/98. Cabe mencionar que o artigo 20, incisos IV e VII, da Carta Magna, e artigo 1° do Decreto-lei n.° 9.760/46 mencionam os bens da União: Art. 20. São bens da União: (...) IV as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 46, de 2005) Art. 1º Incluem-se entre os bens imóveis da União: a) os terrenos de marinha e seus acréscidos ; Além do artigo 20 da Carta Magna estabelecer que as praias marítimas são bens da União, destaca-se o artigo 10 da Lei n.° 7.661/98, que dispõe que as praias são bens públicos de uso comum do povo: Art. 10. As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica. § 1º. Não será permitida a urbanização ou qualquer forma de utilização do solo na Zona Costeira que impeça ou dificulte o acesso assegurado no caput deste artigo. § 2º. A regulamentação desta lei determinará as características e as modalidades de acesso que garantam o uso público das praias e do mar. § 3º. Entende-se por praia a área coberta e descoberta periodicamente pelas águas, acrescida da faixa subseqüente de material detrítico, tal como areias, cascalhos, seixos e pedregulhos, até o limite onde se inicie a vegetação natural, ou, em sua ausência, onde comece um outro ecossistema. (Destacamos) A esse respeito, a r. sentença, às fls. 360/393, ressaltou ainda que as áreas do caso em tela constituem praias, em consonância com o artigo 10, parágrafo 3°, da Lei n.° 7.661/98. De outra parte, também a União Federal não vem se conduzindo de forma como se espera em relação ao mar e à praia objetos desta ação, pois constata-se a sua conduta omissiva quanto à cessão de espaços de uso comum do povo sem observância aos respectivos dispositivos legais. (...) Diferente do que alega a União Federal nestes autos, as aludidas áreas constituem praias, nos termos do artigo 10, parágrafo 3°, da Lei n. 7.661/98. (Destacamos) Por conseguinte, de acordo com o artigo 20, incisos IV e VII, da Carta Magna, artigo 1° do Decreto-lei n.° 9.760/46 e artigo 10 da Lei n.° 7.661/98, observa-se, no caso em tela, que as áreas originalmente ocupadas pelas praias, e que tenham sido descaracterizadas artificial e ilegalmente, permanecem como bens de uso comum do povo. O "parquet" requer ainda que a União seja impedida de ceder espaços no mar e nas praias sem exigir a destinação estritamente prevista no artigo 18 da Lei n.° 9.636/98, que dispõe sobre a regularização, administração, aforamento e alienação de bens imóveis de domínio da União: Art. 18. A critério do Poder Executivo poderão ser cedidos, gratuitamente ou em condições especiais, sob qualquer dos regimes previstos no Decreto-Lei no 9.760, de 1946, imóveis da União a: I - Estados, Distrito Federal, Municípios e entidades sem fins lucrativos das áreas de educação, cultura, assistência social ou saúde; (Redação dada pela Lei nº 11.481, de 2007) II - pessoas físicas ou jurídicas, em se tratando de interesse público ou social ou de aproveitamento econômico de interesse nacional. (...) § 5º Na hipótese de destinação à execução de empreendimento de fim lucrativo, a cessão será onerosa e, sempre que houver condições de competitividade, serão observados os procedimentos licitatórios previstos em lei e o disposto no art. 18-B desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 13.813, de 2019) Cumpre transcrever ainda o art. 4° da Lei n.° 9.636/98, que trata explicitamente do valor de mercado dos imóveis: Art. 4o Os Estados, Municípios e a iniciativa privada, a juízo e a critério do Ministério da Fazenda, observadas as instruções que expedir sobre a matéria, poderão ser habilitados, mediante convênios ou contratos a serem celebrados com a SPU, para executar a identificação, demarcação, cadastramento e fiscalização de áreas do patrimônio da União, assim como o planejamento e a execução do parcelamento e da urbanização de áreas vagas, com base em projetos elaborados na forma da legislação pertinente. (...) § 3o A participação nas receitas de que trata o parágrafo anterior será ajustada nos respectivos convênios ou contratos, observados os limites previstos em regulamento e as instruções a serem baixadas pelo Ministro de Estado da Fazenda, que considerarão a complexidade, o volume e o custo dos trabalhos de identificação, demarcação, cadastramento, recadastramento e fiscalização das áreas vagas existentes, bem como de elaboração e execução dos projetos de parcelamento e urbanização e, ainda, o valor de mercado dos imóveis na região e, quando for o caso, a densidade de ocupação local. (Destacamos) Tendo em vista os artigos retro aduzidos da Lei n.° 9.636/98, cumpre julgar procedente o pedido de impedir a União Federal de ceder espaços no mar e nas praias sem observar a destinação prevista no artigo 18 da Lei n.° 9.636/98, em consonância com o valor de mercado, em razão de eventual exploração econômica. Como bem asseverou o "parquet", nas contrarrazões às apelações interpostas pela União e pelo Ibama, às fls. 473/493: Consoante se depreende do dispositivo acima citado, a cessão da União de áreas localizadas na zona costeira, quando destinada a empreendimentos de fins lucrativos, condiciona-se à contraprestação do cessionário e a realização de prévio procedimento licitatório, a fim de assegurar a todos os interessados que preencherem os requisitos constantes de instrumento convocatório o direito de participar do processo de seleção para a implantação da obra ou empreendimento. (...) Ademais, em eventuais edificações aprovadas para exploração ou benefício particular, o valor de mercado dos imóveis da região deve ser também um dos parâmetros a ser considerado para a cessão. Isto porque, ainda que sob o prisma de desenvolvimento do turismo, em áreas de uso comum do povo, inclusive em bens dominicais, as exigências da Lei 7.661/88 e da Lei 9.636/98 devem ser respeitadas, em razão da indisponibilidade do direito em questão. (Destacamos) Por outro lado, a pretensão do Ministério Público Federal de compelir a União e o Ibama a realizarem vistorias, no espaço compreendido pela praia e no mar de todos os municípios litorâneos da 4ª Subseção Judiciária da 3ª Região, com apresentação de documentos e informações, deve ser julgado improcedente. Indubitável que há limitação imposta pelo ordenamento jurídico ao pedido deduzido. Ao estabelecer o pedido de realização de vistorias em todo o espaço compreendido pela praia e no mar de todos os municípios litorâneos da 4ª Subseção Judiciária da 3ª Região, com prazo e modos determinados, o Ministério Público Federal busca realizar a própria atividade do IBAMA e da União. Importa ressaltar que os danos ambientais não podem ser presumidos ou hipotéticos para todo o espaço compreendido pela praia e no mar de todos os municípios litorâneos da 4ª Subseção Judiciária da 3ª Região, razão pela qual necessitam de indícios para embasar a pretensão e delimitar a área de realização das vistorias. Nesse panorama, chega-se à conclusão de que, além de tornar excessivamente incerto o objeto da ação, acarreta evidente embaraço ao exercício do direito de defesa pelo Ibama e pela União, sendo inviável rebater, precisamente, a pretensão do "parquet", conforme o art. 300 do CPC/73. Acerca do pedido de realização de vistorias, o juízo "a quo" reconheceu, às fls. 360/393, que "a complexidade na execução denota-se pelos anos e anos de ocupação irregular, não se sabendo, ao certo, por quem nem por quantos; ademais, sem sujeição a qualquer fiscalização". Ademais, o pedido de realização de vistorias em todo o espaço compreendido pela praia e no mar de todos os municípios litorâneos da 4ª Subseção Judiciária da 3ª Região, no período de 36 (trinta e seis) meses, interfere nos próprios recursos financeiros do Ibama. Cabe transcrever a sustentação do Ibama, às fls. 445/469: Em atenção ao princípio da eventualidade, caso este Egrégio Tribunal decidisse condenar o Ibama a proceder a vistoria requerida em prazo estipulado consistiria em patente invasão no mérito do ato administrativo, uma vez que compete à Administração decidir o momento oportuno e adequado para a realização de referido ato, inclusive em razão da necessidade de recursos financeiros. (Destacamos) Assim, tendo em vista que o Ministério Público Federal requereu a realização de vistorias sem especificações mínimas para o Ibama e a União identificarem a pretensão, considerando a extensão da praia e do mar de todos os municípios litorâneos da 4ª Subseção Judiciária da 3ª Região, ocasionando embaraço ao exercício do direito de defesa, cumpre atestar a improcedência do pedido. O Superior Tribunal de Justiça leciona a respeito da impossibilidade de pedido genérico e inespecífico: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. CONTRATO BANCÁRIO. SÚMULA 259/STJ. PEDIDO GENÉRICO E INESPECÍFICO. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE DELIMITAÇÃO DO PERÍODO E EXPOSIÇÃO DOS MOTIVOS PARA A DÚVIDA. 1. Conquanto a jurisprudência desta Corte tenha-se firmado no sentido de que a ação de prestação de contas pode ser proposta pelo titular de conta-corrente bancária" (Súmula 259/STJ), independentemente do prévio fornecimento de extratos, é imprescindível que, na petição inicial, sejam indicados motivos consistentes acerca de ocorrências duvidosas na conta-corrente, bem como o período determinado sobre o qual se buscam esclarecimentos, não se admitindo, para tal fim, a afirmação genérica de que se busca prestação de contas desde a sua abertura até os dias atuais. 2. Negado provimento ao agravo interno no recurso especial. (AgInt no REsp 1568121/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/05/2017, DJe 08/05/2017) Outrossim, deve ser julgado improcedente o pedido do "parquet" no sentido do Ibama e da União serem compelidos a lavrar autos de infração, em relação às edificações que tenham sido implantadas sem o prévio conhecimento da União e/ou do Ibama. Há de se ter em mente a indevida interferência do Ministério Público Federal e do Poder Judiciário na discricionariedade administrativa, afrontando o princípio da separação dos poderes. Importante registrar que a administração necessita de uma certa margem discricionária no exercício de suas funções e na adequação dos casos concretos aos interesses administrativos. Isto é, o juízo de discricionariedade é meio de exteriorização da vontade administrativa, correspondendo à liberdade para, diante da situação concreta, optar por uma solução possível, desde que amparada na legislação correlata. Inclusive, a atividade discricionária da Administração encontra respaldo na impossibilidade de o legislador prever e estabelecer todos os atos e procedimentos que a prática administrativa exige. Entretanto, o controle judicial dos atos de gestão administrativa é restrito aos aspectos de legalidade, a fim de verificar se houve excesso aos limites discricionários. A intervenção do Poder Judiciário visando à condenação do Ibama para aplicar autos de infrações viola a discricionariedade administrativa, exercida nos limites da legalidade e sob influxo de conveniência e oportunidade. Nesse sentido: ADMINISTRATIVO. IBAMA. INFRAÇÃO AMBIENTAL. MANTER EM CATIVEIRO PASSERIFORMES SEM AUTORIZAÇÃO. CONVERSÃO DA MULTA EM PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. A autora foi autuada pelo IBAMA por manter em cativeiro passeriforme e psitacídeo sem autorização do órgão competente, com fulcro nos artigos 29, § 1º, III e 70 da Lei n. 9.605/98 e nos artigos 2º, II e IV e 11, II, do Decreto n. 3.179/99. 2. Conquanto a aplicação de penalidade administrativa pelo IBAMA situe-se na esfera do poder discricionário da Administração Pública, decorrente do exercício do poder de polícia, a autarquia federal deve observar a correspondência entre a conduta e a sanção, bem como outras circunstâncias para imposição e gradação da pena, de acordo com o disposto no art. 6º da Lei n. 9.605/98. 3. Nesse sentido, embora a legislação ambiental faculte a conversão da multa simples em prestação de serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente ao IBAMA, a discricionariedade do agente administrativo deve se pautar nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Precedentes. 4. In casu, o valor da multa de R$ 4.500,00 (quatro mil e quinhentos reais) é excessivo diante da conduta praticada pela autora e das demais circunstâncias (hipossuficiência, baixa escolaridade, primariedade, colaboração com os agentes administrativos e o não acarretamento de consequências graves à saúde pública ou ao meio ambiente), sendo de rigor a conversão da multa em prestação de serviços. 5. Sentença mantida. 6. Apelação desprovida. (TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1547819 - 0008505-98.2008.4.03.6104, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NELTON DOS SANTOS, julgado em 15/12/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:18/01/2017 ) (Destacamos) Noutro dizer, requer o Ibama que o recurso de apelação seja recebido nos efeitos devolutivo e suspensivo, em virtude da ação ser contra a União Federal e o Ibama, sendo sujeita ao reexame necessário, de acordo com o artigo 475 do Código de Processo Civil de 1973. Todavia, convém mencionar que o duplo grau de jurisdição não impede os efeitos da antecipação da tutela, confirmada pela sentença, mesmo que sujeita ao reexame necessário, conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. PENSÃO POR MORTE DE COMPANHEIRA. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. FAZENDA PÚBLICA. REQUISITOS. REEXAME DE PROVA. REGIME DE PRECATÓRIOS. CUMPRIMENTO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. BENEFÍCIO. IMPLANTAÇÃO. EXCEÇÃO ÀS HIPÓTESES DO ART. 1º DA LEI 9.494/97. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. I - A ausência de prequestionamento quanto à impossibilidade de se conceder a antecipação da tutela contra a Fazenda Pública em face do regime de precatórios impossibilita a apreciação do presente recurso nobre, conforme dicção da Súmula nº 282 do STF. II - Não se conhece do recurso especial por ofensa ao art. 273, do CPC, porquanto a constatação dos requisitos legais para a concessão da tutela antecipada demanda necessariamente o reexame do conjunto fático-probatório (Súmula nº 07/STJ). III - O reexame necessário não pode obstar os efeitos da antecipação de tutela, porquanto a decisão liminar, além de objetivar a garantia da efetiva execução de sentença, não se trata de sentença definitiva, conforme dicção do art. 475 do CPC. Ainda assim, a medida antecipatória não impede a sua confirmação por meio da sentença de mérito, posteriormente sujeita ao duplo grau de jurisdição. Precedentes. IV - A antecipação de tutela em face da Fazenda Pública pode ser concedida nas situações que não se encontrem inseridas nas hipóteses impeditivas da Lei 9.494/97. Precedentes. Recurso não conhecido. (REsp 638.919/RS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 23/06/2004, DJ 09/08/2004, p. 289) (Destacamos) Além do mais, a parte apelante não traz nenhum argumento concreto que justifique a concessão do efeito suspensivo. Isto é, trata-se de alegações genéricas, que não são suficientes a justificar a aplicação da excepcionalidade do efeito suspensivo ao recurso de apelação, conforme o artigo 14 da Lei n.° 7.347/85. Nesse sentido: AGRAVO LEGAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APELAÇÃO. EFEITO SUSPENSIVO. 1. O artigo 14 da Lei 7.347/85 é claro ao dispor que "O juiz poderá conferir efeito suspensivo aos recursos, para evitar dano irreparável à parte." 2. A regra é de que a apelação será recebida apenas no efeito devolutivo, podendo também ser conferido o efeito suspensivo em casos excepcionais, quando a execução provisória da sentença puder resultar dano irreparável. 3. A agravante, contudo, não traz nenhum argumento concreto que justifique a concessão do efeito suspensivo, limitando-se a alegar que não causou o dano ambiental que resultou a aplicação da multa e que esta configura valor milionário, além de que a restrição de benefícios e incentivos fiscais e a suspensão do financiamento de crédito oficial poderão causar prejuízos absolutamente irreparáveis. 4. Como se vê, portanto, trata-se de alegações genéricas, que não são suficientes a justificar a aplicação da excepcionalidade da norma. 5. Note-se que os efeitos decorrentes da sentença têm, a princípio, caráter provisório, sendo plenamente reversíveis em caso de eventual mudança do decisum. 6. Agravo legal desprovido. (TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 490684 - 0032228-86.2012.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO, julgado em 19/11/2015, e-DJF3 Judicial 1 DATA:27/11/2015 ) O IBAMA insurge-se ainda contra a multa diária de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), caso não cumpra o preceito condenatório de impedir edificações de qualquer espécie, permanentes ou sazonais, na zona costeira dos municípios, abrangidos pela jurisdição desta Subseção Judiciária, sem a realização de prévio Estudo de Impacto Ambiental e do respectivo Relatório de Impacto Ambiental. Alega o Ibama que a multa diária fixada pelo juízo "a quo" contraria o princípio da razoabilidade e que a jurisprudência já se manifestou acerca da impossibilidade de multa diária ao Poder Público. Entretanto, ao contrário das alegações da parte apelante, a jurisprudência leciona a possibilidade da multa pecuniária ao Poder Público, conforme orientação do Superior Tribunal de Justiça: RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. MULTA PECUNIÁRIA (ART. 644, CPC). APLICAÇÃO AO PODER PÚBLICO. POSSIBILIDADE. PRAZO DE 90 DIAS. RAZOABILIDADE. O disposto no art. 644 do CPC não exime o Poder Público de tal sanção. O prazo de 90 dias para o cumprimento foi bastante razoável. Violação não caracterizada. Recurso desprovido. (REsp 276.783/SP, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 13/02/2001, DJ 26/03/2001, p. 456) (Destacamos) Colaciono abaixo precedente desta E. Corte, no sentido da imposição de multa diária no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) aplicada ao Ibama, salientando que a fixação de multa diária em valor baixo ou irrisório pode procrastinar ainda mais a solução do impasse. CONSTITUCIONAL. AMBIENTAL. APELAÇÕES. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRESENÇA DE CAPIVARAS EM ÁREAS URBANAS. DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO. RISCO À SAÚDE E SEGURANÇA PÚBLICAS. CONFLITO APARENTE DE DIREITOS FUNDAMENTAIS. JUÍZO DE PONDERAÇÃO. MANEJO DE ANIMAIS SILVESTRES. SOLUÇÃO ADEQUADA. RECURSOS IMPROVIDOS. 1. A manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado consiste em direito fundamental de terceira geração, sendo dever do Poder Público e da coletividade defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, conforme determina o artigo 225 da Constituição Federal. (...) 9. A saúde e segurança públicas serão preservadas sem que os animais sejam abatidos, haja vista que serão apenas capturados e encaminhados para um local ambientalmente adequado. 10. Multa diária no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) aplicada ao IBAMA revela-se adequada e razoável em face da gravidade da manutenção dos animais silvestres em áreas urbanas, de modo que fixá-la em valor baixo ou irrisório poderia procrastinar ainda mais a solução do impasse. 11. Apelações improvidas. (TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA, ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 1743008 - 0002216-24.2010.4.03.6123, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO, julgado em 10/11/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/11/2016 ) (Destacamos) Por fim, ressalta-se que a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça é consolidada no sentido da não condenação ao pagamento de honorários advocatícios em ação civil pública, salvo em caso de litigância de má-fé do Ministério Público Federal, consoante arestos ora transcritos: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VIOLAÇÃO AO ART. 535, II DO CPC NÃO CONFIGURADA. ART. 18 DA LEI 7.347/85. ISENÇÃO DO ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA PREVISTA NA LEI DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA QUE TAMBÉM SE APLICA À AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. RECURSO ESPECIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL PROVIDO PARA EXCLUIR A CONDENAÇÃO DO MUNICÍPIO DE ITAMBACURI/MG EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. No tocante ao art. 535, II do CPC, inexiste a violação apontada, tendo em vista que a Corte de origem apreciou fundamentadamente a controvérsia, não padecendo o acórdão recorrido de qualquer omissão, contradição ou obscuridade. 2. Este Tribunal Superior, por força do art. 5o., LXXIII e LXXXVII da Constituição Federal e do art. 18 da Lei 7.347/85, tem aplicado a isenção da sucumbência tanto na Ação Civil Pública como na Ação de Improbidade Administrativa. Precedente: REsp. 577.804/RS, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, DJU 14.02.2006). 3. Parecer do MPF pelo provimento do Recurso Especial. 4. Recurso Especial do MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS provido para excluir a condenação do Município de Itambacuri/MG em honorários advocatícios." (RESP 201100914965, NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE 07/02/2014) (Destacamos) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CUMULAÇÃO ILÍCITA DE FUNÇÕES PÚBLICAS. ASSESSOR JURÍDICO EM DOIS MUNICÍPIOS. IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO POR ATO DE IMPROBIDADE. PEDIDO INICIAL. RESSARCIMENTO. DESCABIMENTO. COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS. CONTRAPRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MÁ-FÉ NÃO DEMONSTRADA. IMPOSSIBILIDADE. 1. Inviável o acolhimento de pedido formulado pelo Ministério Público em recurso especial, pela condenação por ato de improbidade tipificado no art. 11 da LIA, não constante da exordial, sob pena de ofensa ao art. 460 do CPC (decisão extra petita). (Destacamos) Com efeito, cumpre determinar que a União Federal e o Ibama sejam impedidos de edificarem ou autorizarem edificações de quaisquer espécies, permanentes ou sazonais, de obras ou atividades que potencialmente venham a acarretar danos ambientais, sem a prévia aprovação do EIA/RIMA, nos termos da Lei n.° 7.661/88, bem como que a União seja impedida de ceder espaços no mar e nas praias, sem observar os parâmetros do artigo 18 da Lei n.° 9.636/98, exigindo também o valor de mercado, em razão de eventual exploração econômica, conforme o artigo 4° do mesmo diploma legal, sob pena de multa diária no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Ante todo o exposto, acolho os embargos de declaração para fins de sanar as omissões, contradições e obscuridades apontadas e, atribuindo-lhes efeitos infringentes, superando todas as preliminares, não conhecer do recurso interposto pela Prefeitura do Município de São Vicente/SP e dar parcial provimento à remessa oficial e aos recursos de apelação da União e do Ibama.
E M E N T A
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RETORNO DOS AUTOS DO C. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DETERMINAÇÃO DE NOVO JULGAMENTO. EFEITOS INFRINGENTES. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. ATRIBUIÇÕES DO IBAMA. EXIGÊNCIA DE EIA/RIMA. PEDIDO DE VISTORIAS EM TODO ESPAÇO COMPREENDIDO PELA PRAIA E PELO MAR DOS MUNICÍPIOS LITORÂNEOS DA 4ª SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DA 3ª REGIÃO. EXTENSÃO DA ÁREA. RECURSOS FINANCEIROS DO IBAMA. EMBARAÇO AO DIREITO DE DEFESA. DETERMINAÇÃO DE AUTO DE INFRAÇÃO. DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS COM EFEITO MODIFICATIVO.
1. Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal em face da União Federal e do Ibama, visando, resumidamente, que os réus sejam impedidos de edificar ou autorizar edificações, de quaisquer espécies, sem a prévia aprovação do estudo de impacto ambiental (EIA/RIMA) e que realizem vistorias no espaço compreendido pela praia e pelo mar dos municípios abrangidos pela jurisdição da 4ª Subseção Judiciária da 3ª Região.
2. Aduz o Ministério Público Federal que o IBAMA está adotando conduta omissiva no desempenho de suas atribuições, uma vez que deixa de exigir estudo de impacto ambiental (EIA/RIMA), consoante a Lei n.° 7.661/88, no tocante às edificações realizadas na orla da praia, notadamente na Praia do Itararé, no Município de São Vicente, e na Plataforma do Emissário Submarino, no Município de Santos.
3. A r. sentença julgou parcialmente procedentes os pedidos, para determinar, em síntese, que os réus sejam impedidos de edificarem ou autorizarem edificações, obras ou atividades, de quais espécies, sem a prévia autorização do EIA/RIMA, e que realizem vistorias no espaço compreendido pela praia e no mar de todos os municípios litorâneos da 4ª Subseção Judiciária.
4. A Colenda Terceira Turma do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, deu provimento à remessa oficial e às apelações da União Federal e do Ibama para extinguir o feito, sem a resolução do mérito, sob o fundamento de impossibilidade jurídica do pedido.
5. O Ministério Público Federal apresentou embargos de declaração, a fim de sanar as contradições, obscuridades e omissões apontadas, julgando-se improcedentes os recursos interpostos e a remessa necessária para manter a r. sentença de 1° grau.
6. Ademais, o "parquet" ofereceu recurso especial, requerendo a reforma do v. acórdão que julgou extinto o feito, sem a resolução do mérito, e determinando o retorno dos autos à origem para que sejam supridas as falhas apontadas.
7. O Colendo Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso especial e determinou a devolução dos autos a esta Corte, para novo julgamento dos embargos de declaração, a fim de sanar as omissões, contradições e obscuridades apontadas pelo Ministério Público Federal.
8. O Superior Tribunal de Justiça atestou que "em se tratando de ação civil pública que envolve direitos difusos, verifico que a questão referente ao disposto na legislação infraconstitucional invocada como violada, principalmente quanto ao tema da distinção dos pedidos cumulativos elencados na inicial, não foi suficientemente analisada no acórdão questionado."
9. O caráter infringente dos embargos somente é admitido a título excepcional, quando a eliminação da contradição ou da omissão decorrer, logicamente, a modificação do julgamento embargado. No caso em comento, realmente a questão merece esclarecimento.
10. Deve o IBAMA agir a fim de evitar e reprimir a degradação ambiental, podendo ser demandado na hipótese de omissão na fiscalização ambiental ou atuação deficiente, pois o art. 3º, IV, da Lei n.º 6.938/81 define poluidor como sendo a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, pela atividade de degradação ambiental.
11. O princípio da prevenção ambiental, extraído do art. 225 da Constituição Federal, impõe a realização do EIA/RIMA como condicionante ao licenciamento de todas atividades que potencialmente venham a acarretar danos ambientais.
12. O estudo de impacto ambiental é um instrumento basilar na defesa do meio ambiental, considerando os aspectos e repercussões antes da realização da obra potencialmente degradadora, seguindo as diretrizes fixadas na Lei n.° 6.938/81.
13. Necessário acolher a pretensão do Ministério Público de impedir os réus de edificarem ou autorizarem edificações, de obras ou atividades que potencialmente venham a acarretar danos ambientais, permanente ou sazonal, sem a prévia aprovação do EIA/RIMA, nos termos da Lei n.° 7.661/88.
14. No caso em comento, o Ministério Público Federal pede a declaração de que as áreas originalmente ocupadas pelas praias, e que tenham sido descaracterizadas artificial e ilegalmente, permanecem como bens de uso comum do povo, merecendo a tutela relativa ao EIA/RIMA, ao livre e franco acesso e à restrição para destinação prevista na Lei n.° 9.636/98.
15. O artigo 20, inciso IV, da Carta Magna menciona que as praias marítimas são bens da União e o artigo 10 da Lei n.° 7.661/98 dispõe que as praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar.
16. De acordo com o artigo 20, incisos IV e VII, da Carta Magna, artigo 1° do Decreto-lei n.° 9.760/46 e artigo 10 da Lei n.° 7.661/98, observa-se, no caso em tela, que as áreas originalmente ocupadas pelas praias, e que tenham sido descaracterizadas artificial e ilegalmente, permanecem como bens de uso comum do povo.
17. O artigo 18 da Lei n.° 9.636/98 dispõe que, na destinação à execução de empreendimento de fim lucrativo, a cessão será onerosa e, sempre que houver condições de competitividade, serão observados os procedimentos licitatórios previstos em lei, em consonância com o valor de mercado, em razão de eventual exploração econômica.
18. Por outro lado, a pretensão do Ministério Público Federal de compelir a União e o Ibama a realizarem vistorias, no espaço compreendido pela praia e pelo mar de todos os municípios litorâneos da 4ª Subseção Judiciária da 3ª Região, com apresentação de documentos e informações, deve ser julgado improcedente.
19. Ao estabelecer o pedido de realização de vistorias em todo o espaço compreendido pela praia e pelo mar de todos os municípios litorâneos da 4ª Subseção Judiciária da 3ª Região, com prazo e modos determinados, o Ministério Público Federal busca realizar a própria atividade do IBAMA e da União.
20. Importa ressaltar que os danos ambientais não podem ser presumidos ou hipotéticos para todo o espaço compreendido pela praia e pelo mar de todos os municípios litorâneos da 4ª Subseção Judiciária da 3ª Região, razão pela qual necessitam de indícios para embasar a pretensão e delimitar a área de realização das vistorias.
21. Chega-se à conclusão de que, além de tornar excessivamente incerto o objeto da ação, acarreta evidente embaraço ao exercício do direito de defesa pelo Ibama e pela União, sendo inviável rebater, precisamente, a pretensão do "parquet", conforme o art. 300 do CPC/73.
22. Acerca do pedido de realização de vistorias, o juízo "a quo" reconheceu que "a complexidade na execução denota-se pelos anos e anos de ocupação irregular, não se sabendo, ao certo, por quem nem por quantos; ademais, sem sujeição a qualquer fiscalização".
23. Além disso, o pedido de realização de vistorias em todo o espaço compreendido pela praia e no mar de todos os municípios litorâneos da 4ª Subseção Judiciária da 3ª Região, no período de 36 (trinta e seis) meses, interfere nos próprios recursos financeiros do Ibama.
24. Tendo em vista que o Ministério Público Federal requereu a realização de vistorias sem especificações mínimas para o Ibama e a União identificarem a pretensão, considerando a extensão da praia e do mar de todos os municípios litorâneos da 4ª Subseção Judiciária da 3ª Região, ocasionando embaraço ao exercício do direito de defesa, cumpre atestar a improcedência do pedido.
25. Outrossim, deve ser julgado improcedente o pedido do "parquet" no sentido do Ibama e da União serem compelidos a lavrar autos de infração, em relação às edificações que tenham sido implantadas sem o prévio conhecimento da União e/ou do Ibama.
26. Há de se ter em mente a indevida interferência do Ministério Público Federal e do Poder Judiciário na discricionariedade administrativa, afrontando o princípio da separação dos poderes.
27. Importante registrar que a administração necessita de uma certa margem discricionária no exercício de suas funções e na adequação dos casos concretos aos interesses administrativos. O juízo de discricionariedade é meio de exteriorização da vontade administrativa, correspondendo à liberdade para, diante da situação concreta, optar por uma solução possível, desde que amparada na legislação correlata.
28. Convém mencionar que o duplo grau de jurisdição não impede os efeitos da antecipação da tutela, confirmada pela sentença, mesmo que sujeita ao reexame necessário, conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
29. Além do mais, a parte apelante não traz nenhum argumento concreto que justifique a concessão do efeito suspensivo. Isto é, trata-se de alegações genéricas, que não são suficientes a justificar a aplicação da excepcionalidade do efeito suspensivo ao recurso de apelação, consoante o artigo 14 da Lei n.° 7.347/85.
30. Ressalta-se que a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça é consolidada no sentido da não condenação ao pagamento de honorários advocatícios em ação civil pública, salvo em caso de litigância de má-fé do Ministério Público Federal.
31. Com efeito, cumpre determinar que a União Federal e o Ibama sejam impedidos de edificarem ou autorizarem edificações de quaisquer espécies, permanentes ou sazonais, de obras ou atividades que potencialmente venham a acarretar danos ambientais, sem a prévia aprovação do EIA/RIMA, nos termos da Lei n.° 7.661/88, bem como que a União seja impedida de ceder espaços no mar e nas praias, sem observar os parâmetros do artigo 18 da Lei n.° 9.636/98, exigindo também o valor de mercado, em razão de eventual exploração econômica, conforme o artigo 4° do mesmo diploma legal, sob pena de multa diária no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
32. Ante todo o exposto, acolho os embargos de declaração para fins de sanar as omissões, contradições e obscuridades apontadas e, atribuindo-lhes efeitos infringentes, superando todas as preliminares, não conhecer do recurso interposto pela Prefeitura do Município de São Vicente/SP e dar parcial provimento à remessa oficial e aos recursos de apelação da União e do Ibama.
33. Embargos de declaração acolhidos, com efeito modificativo, para não conhecer do recurso interposto pela Prefeitura do Município de São Vicente/SP e para dar parcial provimento à remessa oficial e aos recursos de apelação da União e do Ibama.