Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002800-42.2015.4.03.6115

RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

APELANTE: UNIAO FEDERAL

APELADO: GABRIEL CARLOS DA SILVA

Advogados do(a) APELADO: JOSE SIDNEI ROSADA - SP68226-A, CLAUDIONOR SCAGGION ROSA - SP89011-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 

 

 

 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002800-42.2015.4.03.6115

RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

APELANTE: UNIAO FEDERAL

 

APELADO: GABRIEL CARLOS DA SILVA

Advogados do(a) APELADO: JOSE SIDNEI ROSADA - SP68226-A, CLAUDIONOR SCAGGION ROSA - SP89011-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL HELIO NOGUEIRA (RELATOR):

Trata-se de Apelação interposta pela UNIÃO contra sentença de fls. 356/365 (ID 28506840 e 28506842), proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal de São Carlos, que julgou  parcialmente procedente o pedido de nulidade do ato de desligamento com reintegração ao serviço militar e posterior reforma, cumulada com pagamento das verbas remuneratórias em atraso e de indenização por dano moral. Condenado a UNIÃO ao pagamento de honorários advocatícios no valor de R$ 3.000,00, nos termos do art. 85, §§2ºe 8º do CPC, nos termos seguintes:

 

(...) JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido vertido na inicial para o fim de:a) declarar a nulidade e assim desconstituir o ato administrativo que anulou a incorporação do autor ao serviço militar, por vício quanto ao objeto;b) declarar o direito do autor de, após ser desincorporado, por motivo de incapacidade temporária de longo prazo, permanecer na condição de "encostamento" para fins de tratamento de saúde, até seu total restabelecimento, nos termos do art. 3º, 14, c/c art. 149 c/c art. 140, 6, 2º e 6º, do Decreto nº 57.654/66;c) condenar a União ao cumprimento do determinado no item "b", com os consectários financeiros pertinentes, os quais deverão ser devidamente corrigidos e acrescidos de juros em conformidade com os itens 4.2.1 e 4.2.2 do Capítulo IV, do Manual de Cálculos da Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 134/2010 c/c 267/2013 do CJF;d) alterar a tutela antecipada anteriormente deferida, para o fim de substituí-la, a partir da presente data, para que a União passe a cumprir o disposto no item "b" do dispositivo, adotando-se as providências administrativas necessárias para tanto;e) condenar a União ao pagamento de honorários advocatícios que fixo em R$ 3.000,00 (três mil reais), nos termos do art. 85, 2º e 8º, do CPC. P.R.I.C. (...)

 

Em suas razões recursais (fls. 370/376 – ID28506842), a UNIÃO pretende a reforma da sentença e aduz:

-  a anulação da incorporação do autor decorre do poder de autotutela da administração ao verificar que o autor estava inapto para prestar serviço militar, anulando, por conseguinte, ato administrativo anterior que havia passado o autor a situação de adido para fins de tratamento médico;

- em observância ao princípio da legalidade, constatada a irregularidade na incorporação do autor, por este portador de enfermidade pre-existente e incapaz (B2 e C) o excluiu dos quadros do Exército;

- com a anulação do ato de incorporação, jamais poderia a sentença ter determinado o “encostamento” do autor, pois sob o aspecto legal nunca houve incorporação porquanto anulada;

- o ato administrativo que reconheceu nula a incorporação deve ser sua validade reconhecida;

- por fim, requer a inversão do ônus de sucumbência.

Com as contrarrazões de fls. 421/423 (ID 28506850) subiram os autos a esta Corte Federal.

Manifestou-se a Procuradoria Regional da República no sentido da manutenção da sentença (ID 46643050).

Recurso recebido apenas no efeito devolutivo ( ID 47624014).

Dispensada a revisão, nos termos regimentais.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002800-42.2015.4.03.6115

RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

APELANTE: UNIAO FEDERAL

 

APELADO: GABRIEL CARLOS DA SILVA

Advogados do(a) APELADO: JOSE SIDNEI ROSADA - SP68226-A, CLAUDIONOR SCAGGION ROSA - SP89011-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL HELIO NOGUEIRA (RELATOR):

 

Da reintegração e do ato de anulação da incorporação

O conjunto probatório coligido  revela que o autor foi incorporado às fileiras do Exército Brasileiro em  01.03.2012, 13º Regimento de Cavalaria Mecanizada localizado na cidade de Pirassununga/SP, e que em 02.03.2015, após instauração de sindicância, restou anulada a incorporação pela conclusão de que a doença (ortopédica) preexistia à incorporação, nos termos do art. 139, §4º, do Decreto n. 57.654/66.

 Na inicial, relata que lesionou a coluna  vertebral em decorrência  de uma queda em atividade de luta, durante a prestação de serviço militar, alguns meses após sua incorporação, mas que em sindicância instaurada para verificação da incapacidade temporária, houve a conclusão de que a doença preexistia à incorporação.

 Relata que passou a situação de adido e foi submetido a cirurgia com colocação de parafusos metálicos e espaçador discal, o que lhe acarretou sequelas cirúrgicas, com dificuldade para locomoção e incapacidade permanente para  atividade laboral.

 Não obstante, foi excluído do serviço ativo do exército em 2015.

Acrescenta que a sindicância realizou-se sem contraditório e ampla defesa, uma vez que não foi assistido por advogado.

Vejamos.

À Administração Militar incumbe avaliar a manutenção ou não dos militares temporários, procedendo ao desligamento por anulação de incorporação, autorizada pelo art. 96, VI c.c. art. 124, Lei 6880/80.

Art. 124. A anulação de incorporação e a desincorporação da praça resultam na interrupção do serviço militar com a conseqüente exclusão do serviço ativo.

Parágrafo único. A legislação que trata do serviço militar estabelece os casos em que haverá anulação de incorporação ou desincorporação da praça.

 

O Regulamento da Lei do Serviço Militar (Decreto nº 57.654/66) prevê:

 

Art. 138. O serviço ativo das Forças Armadas, será interrompido:

1) pela anulação da incorporação;

(...)

Art. 139. A anulação da incorporação ocorrerá, em qualquer época, nos casos em que tenham sido verificadas irregularidades no recrutamento, inclusive relacionadas com a seleção.

§ 1º Caberá à autoridade competente, Comandantes de Organizações Militares, RM, DN ou ZA é, mandar apurar, por sindicância ou IPM, se a irregularidade preexistia ou não, à data da incorporação, e a quem cabe a responsabilidade correspondente.

§ 2° Se ficar apurado que a causa ou irregularidade preexistia à data da incorporação, esta será anulada e nenhum amparo do Estado caberá ao incorporado. Além disso:

[...]

§ 3º São competentes para determinar a anulação a autoridade que efetuou a incorporação, desde que não lhe caiba responsabilidade no caso, e as autoridades superiores àquela.

§ 4º Os brasileiros que tiverem a incorporação anulada, na forma do § 2º dêste artigo, terão a sua situação militar assim definida:

1) em se tratando de incapacidade moral ou de lesão, doença ou defeito físico, que os tornem definitivamente incapazes (Incapaz C"), serão considerados isentos do Serviço Militar;

2) os julgados "Incapaz B-2", farão jus, desde logo, ao Certificado de Dispensa de Incorporação, sendo previamente incluídos no excesso do contingente. A sua reabilitação poderá ser feita na forma prevista no parágrafo único do art. 57, dêste Regulamento;(...)

Conforme se verifica em Solução de Sindicância (fl. 59 - ID 28506769), constatou-se que o problema de coluna que  acomete o autor (degeneração discal, com hérnia e migração discal), considerado Incapaz B-2, preexistia à data da incorporação e que não possuía relação de causa e efeito com a atividade militar.

 No Relatório da Sindicância (ID 7465795)  consta, porém, que não houve irregularidade na incorporação, porquanto o exame de ressonância capaz de detectar o problema não faz parte dos solicitados na seleção, assim como não houve má-fé do então militar, pois não havia até então passado por esforços físicos capazes de ocasionar-lhe dores. Tal sindicância acarretou a passagem do autor a situação de adido em 03.2013.

Para melhor contextualização, pertinente a descrição dos eventos em ordem cronológica:

- 17.02.2012 – em seleção complementar foi considerado apto do ponto de vista médico e incorporado em 03.2012– fl.  45 – ID 28506767;

- 02.04.2012: participação em marcha de 12 km;

-22.06.2012: parecer médico indica dispensa de TFM, marchas, formaturas e escalas de  serviços por 08 dias;

- 08.2012: Inspeção de saúde para fins de verificação de capacidade laborativa recebeu parecer: “Incapaz B2”. OB: O parecer “incapaz B2” significa que o inspecionado encontra-se temporariamente incapaz, podendo ser recuperado, mas sua recuperação exige longo prazo (mais de um ano) e as lesões, defeitos ou doenças de que é portador, desaconselham sua incorporação ou matrícula. O parecer de incapacidade temporária refere-se única e exclusivamente aos requisitos para prestação de serviço militar, sem implicar a aptidão ou incapacidade para exercício das atividades laborativas civis. A doença ou defeito físico preexistia à data da incorporação. (...)

- 27.08.2012 instauração de sindicância para verificação da incapacidade laborativa. Em Solução de Sindicância concluiu-se que: (fl. 63 – ID 28506771):

(...) a doença preexistia à época da incorporação do soldado Gabriel carlos da silva,  de acordo com o constante em inspeção de verificação de capacidade laborativa, sessão n. 101/2012, não há indícios de irregularidade na incorporação do Sd GABRIEL CARLOS DA SILVA, não cabendo responsabilidade ao sindicado, visto que, ainda não havia passado por esforços físicos que viessem a causar as dores em questão e nem tõ pouco a comissão de seleção complementar, uma vez que a patologia em questão só poderia ser diagnosticada pela comissão com realização de exame específico (ressonância magnética), que não é previsto de ser realizado durante a seleção complementar (...)

Isto posto, determino a adoção das seguintes medidas administrativas: a) seja mantido incorporado para fins de tratamento médico adequado a sua patologia de acordo com Conferência Médica (...)

- 03.2013 – passagem à situação de adido para fins de alimentação, alterações e vencimentos ( fl. 66 - ID 28506771) a contar de 01.03.2013;

- 11.11.2014,- inspeção de saúde para verificação de capacidade laborativa. Parecer: “incapaz C”. Não é inválido” Diagnóstico: Z98.1 – Artrodese. Observação: O parecer de incapacidade definitiva refere=-se única e exclusivamente aos requisitos para prestação do serviço militar, sem implicação quanto à aptidão ou incapacidade para exercício de atividades laborativas civis (não é inválido). “ (...)  O parecer “Incapaz C” significa que o inspecionado é incapaz definitivamente (irrecuperável), por apresentar lesão, doença ou defeito físico considerado incurável e incompatível com o serviço militar. O inspecionado não é portador de documento que registre a ocorrência, durante a prestação do serviço militar, de acidente ou doença contraídos em atividade militar” (fl. 72– ID 28506771);

- 03.2015: Anulação de Incorporação  de acordo com na alínea a do caput e §1º do art. 131 da LSM c.c art. 138 e art. 139 de Regulamento da Lei do Serviço Militar (RSML),por ter sido considerado “INCAPAZ B2” (n. 2 do art. 562 do RSML) em inspeção de saúde realizada pelo MPOMii, a contar de 24.02.2015 (fl.75- – ID 28506771).

A prova pericial produzida em Juízo confirmou ser a doença preexistente à incorporação e que o mesmo encontrava-se incapaz temporariamente para as atividades militares (fls. 338/348 – IDS 28506840):

(...) Concluindo, pelas informações colhidas neste exame de perícia médica, oportunidade em que forma observados relatórios médicos, exames complementares e foi realizado exame físico do pericando, foi possível observar que o periciando teve importante comprometimento em coluna lombar, agora persiste com cervicalgia e lombalgia, mas observando os dados da anamnese e a evolução clinica do periciando conclui-se que já tinha acometimentos na coluna lombra antes de seu ingresso no exército e após ter iniciado suas atividades cono soldado, surgiram sintomatologia específica e a necessidade de intervenção cirúrgica..(...)

A respostas aos quesitos são esclarecedoras quanto a incapacidade do autor para o serviço militar, sem invalidez social. O perito reafirma que a incapacidade é temporária, mas com necessidade de reavaliação e de se manter em repouso e com tratamento específico, bem como que o periciando tinha acometimentos em coluna lombar e "imediatamente após ingressar no Exército iniciou com repercussão clínica”.

Perguntado se o autor possuía condições de exercer atividades laborativas e ou concorrer no mercado de trabalho com outras pessoas totalmente sadias, diante da cirurgia a que foi submetido, o expert respondeu negativamente naquele momento..

Curial destacar, ainda, o acerto da decisão do MM Juiz de primeira instância ao registrar que não houve comprovação de que o comprometimento na coluna lombar do autor decorreu da queda em atividade de luta por ele referenciada, (fl. 360. ID 28506840):

(...) Com efeito, ao que se extrai dos autos, o autor já possuía a doença antes de ingressar na corporação militar, mas esta somente manifestou-se em sua forma incapacitante após o desempenho das atividades militares. Vale ressaltar que o autor não comprovou nos autos que sofreu acidente ou que a eclosão da incapacidade ou dos sintomas da doença preexistente ocorreu em virtude da alegada queda no treinamento de lutas. Tal versão encontra-se apenas referenciada pelo próprio autor nos autos, mas inexiste documento comprobatório de sua ocorrência. (...)

Desta forma, verifica-se que os fatos amoldam-se a seguinte situação jurídica: incapacidade para o serviço militar em decorrência de doença preexistente, cujo sintomas foram desencadeados ao tempo da prestação do serviço militar, sem nexo com as atividades da caserna.

Curial destacar, também, que o autor foi mantido como adido a contar de 03.2013, em face de apresentar incapacidade temporária e em razão de ter sido indicada cirurgia e que apenas em 03.2015, diante da constatação que a doença preexistia a Administração entendeu por bem anular o ato de incorporação, sob o argumento de que o autor não poderia sequer ter sido incorporado.

 De outro turno, repisa-se que à data da incorporação ao autor foi considerado apto  e que não houve constatação de irregularidade no processo seletivo.

 De tudo quanto exposto e nos limites do quanto devolvido a este Tribunal,   entendo por escorreita a solução dada pelo magistrado de primeira instância que tornou insubsistente a anulação do ato de incorporação, ao argumento que a situação jurídica não a permitia, bem como  determinou fosse  garantido ao autor tratamento médico ao ex-militar,  mesmo desincorporado, com fulcro nos artigos 140 e 149 do Decreto n. 57.654/66,  nos termos seguintes:

(...)  Não se afigura correto, portanto, afirmar que, por inaptidão originária a incorporação do autor deva ser anulada, uma vez que não era inapto fisicamente ao ingressar no serviço militar, vindo a ostentar tal quadro após o ingresso e em virtude do desempenho de atividades militares. É dizer, em que pese existir motivo (doença preexistente), é o objeto do ato administrativo - nulidade da incorporação - que se afigura viciado, uma vez que alteração almejada no mundo jurídico não poderia afetar a incorporação, mas resultar em outro tratamento dispensado à situação jurídica do autor, porquanto, repise-se, não estava inapto fisicamente quando ingressou no Exército. No caso dos autos, o autor foi considerado incapaz temporariamente para o serviço militar, sendo a incapacidade de longo prazo. Nestes termos, deve ser realizada sua desincorporação, por força do disposto no art. 140, 6, 2º e 6º, do Decreto nº 57.654/66, porém ser-lhe-á garantido o tratamento médico adequado pela organização militar na condição de encostamento, prevista no art. 3º, 14, c/c art. 149 do referido Decreto. A propósito, confiram-se as disposições regulamentares pertinentes à espécie: Decreto nº 57.654/66:Art. 3 Para os efeitos dêste Regulamento são estabelecidos os seguintes conceitos e definições:[...]14) encostamento (ou depósito) - Ato de manutenção do convocado, voluntário, reservista, desincorporado, insubmisso ou desertor na Organização Militar, para fins específicos, declarados no ato (alimentação, pousada, justiça etc.).Art. 140. A desincorporação ocorrerá:[...]6) por moléstia ou acidente, que torne o incorporado temporariamente incapaz para o Serviço Militar, só podendo ser recuperado a longo prazo.[...] 2 No caso do n 2, dêste artigo, quer durante, quer depois da prestação do Serviço Militar inicial, o incapacitado será desincorporado, excluído e considerado isento do Serviço Militar, por incapacidade física definitiva. Quando baixado a hospital ou enfermaria, nêles será mantido até a efetivação da alta, embora já excluído; se necessário, será entregue à família ou encaminhado a estabelecimento hospitalar civil, mediante entendimentos prévios. Caso tenha direito ao amparo do Estado, não será desincorporado; após a exclusão, será mantido adido, aguardando reforma.[...] 6º No caso do número 6 deste artigo em que o incorporado fôr julgado "Incapaz B-2", será êle desincorporado e excluído, fazendo jus ao Certificado de Dispensa de Incorporação, com inclusão prévia no excesso do contingente, ou ao Certificado de Reservista, de acôrdo com o grau de instrução alcançado. Terá aplicação, no que fôr cabível, o disposto no parágrafo 2, dêste artigo.Art. 149. As praças que se encontrarem baixadas a enfermaria ou hospital, ao término do tempo de serviço, serão inspecionadas de saúde, e mesmo depois de licenciadas, desincorporadas, desligadas ou reformadas, continuarão em tratamento, até a efetivação da alta, por restabelecimento ou a pedido. Podem ser encaminhadas a organização hospitalar civil, mediante entendimentos prévios por parte da autoridade militar. Não é demais lembrar, outrossim, que, por força do disposto no art. 50, IV, "e", da Lei nº 6.880/80, o militar tem direito "a assistência médico-hospitalar para si e seus dependentes, assim entendida como o conjunto de atividades relacionadas com a prevenção, conservação ou recuperação da saúde, abrangendo serviços profissionais médicos, farmacêuticos e odontológicos, bem como o fornecimento, a aplicação de meios e os cuidados e demais atos médicos e paramédicos necessários". A propósito, já decidiu o E. Tribunal Regional Federal da 4ª Região: ADMINISTRATIVO. MILITAR. REINTEGRAÇÃO. LESÃO DECORRENTE DE ACIDENTE EM SERVIÇO. INCAPACIDADE TEMPORÁRIA. DOENÇA CONGÊNITA. CIRURGIA. ENCOSTAMENTO. DANO MATERIAL. DANO MORAL. INOCORRÊNCIA. 1. Reconhecida a incapacidade parcial e temporária do militar, decorrente de lesão relacionada a acidente ocorrido em serviço, impõe-se a anulação do ato de licenciamento, com a sua reintegração às Forças Armadas, para fins de tratamento de saúde e percepção de remuneração, até o pleno restabelecimento da capacidade laborativa, cumulada com indenização por danos materiais relativamente às despesas efetuadas nesse tocante. 2. No que tange à doença preexistente à incorporação, isto é, sem relação de causa e efeito com o serviço, mas em relação à qual haja indicação de procedimento cirúrgico, diagnosticada durante a prestação do serviço militar, há direito ao tratamento de saúde, na situação de encostamento, nos termos dos artigos 50 da Lei nº 6.880/80 e 149 do Decreto nº 57.654/66. 3. Não tendo sido preenchidos os requisitos legais, é indevido o pagamento de indenização por danos morais. O simples fato de a Administração Militar ter procedido de forma inadequada, ao excluir o autor das Forças Armadas, não constitui, de per si, suporte fático para a reparação civil pretendida. (TRF 4ª R.; AC 5002088-77.2015.404.7007; PR; Quarta Turma; Relª Desª Fed. Vivian Josete Pantaleão Caminha; Julg. 25/10/2017; DEJF 31/10/2017) Destarte, há vício do ato administrativo porquanto o objeto revela-se em desconformidade com a lei de regência e, portanto, é ilícito. (...)

 Frise-se que jurisprudência já se manifestou quanto a possibilidade de desincorporação do militar não estável incapaz para o serviço do Exército portador de moléstia sem relação de causa e efeito com o serviço militar:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL. MILITAR TEMPORÁRIO E SEM ESTABILIDADE ASSEGURADA. INCAPACIDADE APENAS PARA AS ATIVIDADES MILITARES E SEM RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO COM O SERVIÇO MILITAR. AUSÊNCIA DE INVALIDEZ. INEXISTÊNCIA DE DIREITO À REFORMA EX OFFICIO. CABIMENTO DA DESINCORPORAÇÃO. PRECEDENTES. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS.
1. Cinge-se a controvérsia em debate acerca da necessidade ou não do militar temporário acometido de moléstia incapacitante apenas o serviço militar de comprovar a existência do nexo de causalidade entre a moléstia/doença e o serviço castrense a fim de fazer jus à reforma ex officio.
2. O militar temporário é aquele que permanece na ativa por prazo determinado e enquanto for da conveniência do Administrador, destinando-se a completar as Armas e Quadros de Oficiais e as diversas Qualificações Militares de Praças, nos moldes do art. 3º, II, da Lei 6.391/1976, de sorte que, o término do tempo de serviço implica no seu licenciamento quando, a critério da Administração, não houver conveniência na permanência daquele servidor nos quadros das Forças Armadas (ex vi do art. 121, II e § 3º, da Lei 6.880/1980), a evidenciar um ato discricionário da Administração Militar, que, contudo, encontra-se adstrito a determinados limites, entre eles a existência de higidez física do militar a ser desligado, não sendo cabível o término do vínculo, por iniciativa da Administração, quando o militar se encontrar incapacitado para o exercício das atividades relacionadas ao serviço militar, hipótese em que deve ser mantido nas fileiras castrenses até sua recuperação ou, não sendo possível, eventual reforma.
3. No caso do militar temporário contar com mais de 10 (dez) anos de efetivo serviço e preencher os demais requisitos legais autorizadores, ele adquirirá a estabilidade no serviço militar (art. 50, IV, "a", da Lei 6.880/1980), não podendo ser livremente licenciado ex offício. No entanto, antes de alcançada a estabilidade, o militar não estável poderá ser licenciado ex officio, sem direito a qualquer remuneração posterior.
4. A reforma e o licenciamento são duas formas de exclusão do serviço ativo das Forças Armadas que constam do art. 94 da Lei 6.880/1980, podendo ambos ocorrer a pedido ou ex officio (arts. 104 e 121 da Lei 6.880/1980). O licenciamento ex officio é ato que se inclui no âmbito do poder discricionário da Administração Militar e pode ocorrer por conclusão de tempo de serviço, por conveniência do serviço ou a bem da disciplina, nos termos do art. 121, § 3º, da Lei 6.880/1980. A reforma, por sua vez, será concedida ex officio se o militar alcançar a idade prevista em lei ou se enquadrar em uma daquelas hipóteses consignadas no art. 106 da Lei 6.880/1980, entre as quais, for julgado incapaz, definitivamente, para o serviço ativo das Forças Armadas (inciso II), entre as seguintes causas possíveis previstas nos incisos do art. 108 da Lei 6.880/1980 ("I - ferimento recebido em campanha ou na manutenção da ordem pública; II - enfermidade contraída em campanha ou na manutenção da ordem pública, ou enfermidade cuja causa eficiente decorra de uma dessas situações;III - acidente em serviço; IV - doença, moléstia ou enfermidade adquirida em tempo de paz, COM RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO A CONDIÇÕES INERENTES AO SERVIÇO; V - tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, lepra, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, mal de Parkinson, pênfigo, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave e outras moléstias que a lei indicar com base nas conclusões da medicina especializada; e VI - acidente ou doença, moléstia ou enfermidade, SEM RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO COM O SERVIÇO").
5. Desse modo, a incapacidade definitiva para o serviço militar pode sobrevir, entre outras causas, de doença, moléstia ou enfermidade adquirida em tempo de paz, com relação de causa e efeito a condições inerentes ao serviço, conforme inciso IV do art. 108 da Lei 6.880/1980. Outrossim, quando o acidente ou doença, moléstia ou enfermidade não tiver relação de causa e efeito com o serviço (art.108, IV, da Lei 6.880/1980), a Lei faz distinção entre o militar com estabilidade assegurada e o militar temporário, sem estabilidade.
6. Portanto, os militares com estabilidade assegurada terão direito à reforma ex officio ainda que o resultado do acidente ou moléstia seja meramente incapacitante. Já os militares temporários e sem estabilidade, apenas se forem considerados INVÁLIDOS tanto para o serviço do Exército como para as demais atividades laborativas civis.
7. Assim, a legislação de regência faz distinção entre incapacidade definitiva para o serviço ativo do Exército (conceito que não abrange incapacidade para todas as demais atividades laborais civis) e invalidez (conceito que abrange a incapacidade para o serviço ativo do Exército e para todas as demais atividades laborais civis).É o que se extrai da interpretação conjunta dos arts. 108, VI, 109, 110 e 111, I e II, da Lei 6.880/1980.
8. A reforma do militar temporário não estável é devida nos casos de incapacidade adquirida em função dos motivos constantes dos incisos I a V do art. 108 da Lei 6.880/1980, que o incapacite apenas para o serviço militar e independentemente da comprovação do nexo de causalidade com o serviço militar, bem como quando a incapacidade decorre de acidente ou doença, moléstia ou enfermidade, sem relação de causa e efeito com o serviço militar, que impossibilite o militar, total e permanentemente, de exercer qualquer trabalho (invalidez total). 9. Precedentes: AgRg no AREsp 833.930/PE, Rel.
Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/03/2016, DJe 08/03/2016; AgRg no REsp 1331404/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 01/09/2015, DJe 14/09/2015; AgRg no REsp 1.384.817/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/10/2014, DJe 14/10/2014; AgRg no AREsp 608.427/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/11/2014, DJe 25/11/2014; AgRg no Ag 1300497/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/08/2010, DJe 14/09/2010.
10. Haverá nexo de causalidade nos casos de ferimento recebido em campanha ou na manutenção da ordem pública (inc. I do art. 108, da Lei 6.880/1980); b) enfermidade contraída em campanha ou na manutenção da ordem pública, ou enfermidade cuja causa eficiente decorra de uma dessas situações (inciso II do art. 108, da Lei 6.880/1980 ); c) acidente em serviço (inciso III do art. 108, da Lei 6.880/1980 ), e; d) doença, moléstia ou enfermidade adquirida em tempo de paz, com relação de causa e efeito a condições inerentes ao serviço (inciso IV, do art. 108, da Lei 6.880/1980).
11. Portanto, nos casos em que não há nexo de causalidade entre a moléstia sofrida e a prestação do serviço militar e o militar temporário não estável é considerado incapaz somente para as atividades próprias do Exército, é cabível a desincorporação, nos termos do art. 94 da Lei 6.880/1980 c/c o art. 31 da Lei de Serviço Militar e o art. 140 do seu Regulamento - Decreto n.º 57.654/1966.
12. Embargos de Divergência providos.
(EREsp 1123371/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, Rel. p/ Acórdão Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, CORTE ESPECIAL, julgado em 19/09/2018, DJe 12/03/2019)

Logo,  de rigor a manutenção da sentença.

Verbas sucumbenciais

Tendo em vista que a sentença foi publicada sob a égide do novo CPC, é aplicável quanto à sucumbência este regramento.

Mantida a sentença, impõe-se a majoração dos honorários a serem pagos pela parte ré por incidência do disposto no §11º do artigo 85 do NCPC.

Assim, com base no art. 85 e parágrafos do CPC, devem ser majorados os honorários advocatícios a serem pagos pela UNIÃO levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, os quais majoro em R$ 1.000,00 (um mil reais).

Dispositivo

Ante o exposto, nego provimento à apelação.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. MILITAR. ANULAÇÃO DE INCORPORAÇÃO. ART. 139 DO DECRETO Nº 57.654/66.  SINDICÂNCIA. DOENÇA PRÉ-EXISTENTE.AUSÊNCIA DE IRREGULARIDADE NO PROCESSO DE SELEÇÃO.  INCAPACIDADE PARA O SERVIÇO DO EXÉRCITO. DESINCORPORAÇÃO. TRATAMENTO MÉDICO. APELAÇÃO DESPROVIDA.

1. Apelação interposta pela UNIÃO contra sentença de fls. 356/365 (ID 28506840 e 28506842), proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal de São Carlos, que julgou  parcialmente procedente o pedido de nulidade do ato de desligamento com reintegração ao serviço militar e posterior reforma, cumulada com pagamento das verbas remuneratórias em atraso e de indenização por dano moral. Condenado a UNIÃO ao pagamento de honorários advocatícios no valor de R$ 3.000,00, nos termos do art. 85, §§2ºe 8º do CPC.

2. O conjunto probatório coligido  revela que o autor foi incorporado às fileiras do Exército Brasileiro em  01.03.2012, 13º Regimento de Cavalaria Mecanizada localizado na cidade de Pirassununga/SP, e que em 02.03.2015, após instauração de sindicância, restou anulada a incorporação pela conclusão de que a doença (ortopédica) preexistia à incorporação, nos termos do art. 139, §4º, do Decreto n. 57.654/66..

3. À Administração militar incumbe avaliar a manutenção ou não dos militares temporários, procedendo ao desligamento por anulação de incorporação, autorizada pelo art. 96, VI c.c. art. 124, Lei 6.880/80.

4. Sindicância atestou que: “a doença preexistia à época da incorporação do soldado GABRIEL CARLOS DA SILVA,,  de acordo com o constante em inspeção de verificação de capacidade laborativa, sessão n. 101/2012, não há indícios de irregularidade na incorporação do Sd GABRIEL CARLOS DA SILVA, não cabendo responsabilidade ao sindicado, visto que, ainda não havia passado por esforços físicos que viessem a causar as dores em questão e nem tão pouco a comissão de seleção complementar, uma vez que a patologia em questão só poderia ser diagnosticada pela comissão com realização de exame específico (ressonância magnética), que não é previsto de ser realizado durante a seleção complementar

4. A prova pericial produzida em Juízo confirmou ser a doença preexistente à incorporação e que o mesmo encontrava-se incapaz temporariamente para as atividades militares. A respostas aos quesitos são esclarecedoras quanto a incapacidade temporária do autor. O perito reafirma que a incapacidade é temporária, mas com necessidade de reavaliação e de se manter em repouso e com tratamento específico, bem como que o periciando tinha acometimentos em coluna lombar e imediatamente após ingressar no Exército iniciou com repercussão. De outro turno, repisa-se que à data da incorporação ao autor foi considerado apto  e que não houve constatação de irregularidade no processo seletivo.

 5. Nos limites do quanto devolvido a este Tribunal, escorreita a solução dada pelo magistrado de primeira instância que tornou insubsistente a anulação do ato de incorporação, ao argumento que a situação jurídica não a permitia, bem como  determinou fosse  garantido ao autor tratamento médico ao ex-militar,  mesmo desincorporado, com fulcro nos artigos 140 e 149 do Decreto n. 57.654/66.

6. Apelação desprovida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, por unanimidade, negou provimento à apelação , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.