Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001285-86.1993.4.03.6100

RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA

APELANTE: ALBERTO WILLIAM LOPES, UNIAO FEDERAL

Advogado do(a) APELANTE: IVAN DANTAS - SP130453

APELADO: CRISTIANE CISCATO

Advogado do(a) APELADO: JOSE ARMANDO DA SILVA - SP76463

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001285-86.1993.4.03.6100

RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA

APELANTE: ALBERTO WILLIAM LOPES, UNIAO FEDERAL

Advogado do(a) APELANTE: IVAN DANTAS - SP130453

APELADO: CRISTIANE CISCATO

Advogado do(a) APELADO: JOSE ARMANDO DA SILVA - SP76463

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

Trata-se de Ação Ordinária, proposta por Cristiane Ciscato em face Da União Federal, objetivando a condenação da ré a reparar os danos causados em acidente de veículo.

Alega que seu carro, Fiat Uno S, de placas SO 2220-SP, foi utilizado em 21.10.1992 por sua irmã, Gisele Ciscato, a qual estacionou o veículo na esquina da Rua Nilo Peçanha, por volta das 15h40min. Momentos depois, um caminhão de propriedade do Exército Brasileiro - 4º Batalhão de Infantaria Blindada do 2º Exército - colidiu contra seu automóvel, provocando estragos na parte traseira esquerda; informou que o oficial que conduzia o caminhão comprometeu-se a arcar com os prejuízos causados tão logo fosse realizado orçamento e procurado em sua residência; no entanto, uma vez contatado, o militar recusou-se a efetuar o pagamento e, em ocasião posterior, limitou-se a entregar uma lanterna usada e um cheque no valor de Cr$360.000,00, o qual não foi descontado; que foi buscada uma solução junto das autoridades da unidade militar mencionada, as quais alegaram não serem responsáveis pelo ocorrido. Por fim, alega ter o direito de ser ressarcida pelos danos sofridos, dada a imprudência do motorista. Juntou documentos (fls. 8 a 23).

A ação foi ajuizada originariamente contra o Exército da 2ª Região, tendo a autora retificado o polo passivo para fazer constar a União Federal como ré (fls. 25 a 34).

A União Federal, em sua contestação (fls. 37 a 39), requereu a denunciação à lide do Soldado Alberto Willian Lopes e do Cabo Edilson Luiz da Silva, por serem estes o condutor do caminhão que provocou o acidente narrado e a pessoa que participou das tratativas do caso, respectivamente. Quanto ao mérito, sustentou que nada haveria por ressarcir, uma vez que a condutora do veículo, irmã da autora, teria feito acordo com o causador do acidente que lhe pagou CR$ 360.000,00, além da lanterna esquerda traseira, dando-lhe plena quitação; que houve culpa concorrente da condutora do veículo, uma vez que estacionou a menos de 3 metros da esquina. Juntou documentos (fls. 40, 41).

Réplica pela autora (fls. 44 a 46).

Deferida a denunciação à lide do ex-Soldado Alberto Willian Lopes, condutor do caminhão (fls. 49).

Alberto Willian Lopes, em sua contestação (fls. 75 a 78), alegou preliminarmente sua ilegitimidade passiva ad causam, tratando-se, na hipótese, de responsabilidade do Estado, resguardado o direito de regresso contra o agente público. Quanto ao mérito, sustenta que as tratativas de acordo extrajudicial foram realizadas entre a condutora do veículo e o Cabo Edilson Luiz da Silva, o que evidencia inexistir sua responsabilidade; que houve culpa concorrente por parte da autora.

Réplica pela autora (fls. 83, 84), pela qual expressou concordância em relação à preliminar de ilegitimidade passiva ad causam.

Na sentença (fls. 136 a 142, 149 e 150), o MM Juízo a quo julgou parcialmente procedente o pedido, afastou a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam arguida por Alberto Willian Lopes, uma vez que conduzia o caminhão no momento da colisão; quanto ao mérito, consignou que a União é responsável, a teor do previsto pelo art. 37, §6º, da Constituição Federal; que estão comprovados a conduta, o dano e o nexo causal; que eventual culpa concorrente não afasta a responsabilidade estatal; que o valor do cheque sequer se aproxima do efetivo valor do dano causado; que deve ser acolhido o orçamento que mensurou os danos em Cr$1.200.000,00 (fls. 23), descontando o valor da lanterna, bem como o valor do cheque de Cr$360.000,00, restando por indenizar Cr$840.000,00; que, considerada a culpa concorrente da condutora do veículo atingido, deve a União ser condenada a pagar à autora Cr$540.000,00. Atualização monetária a partir da data do orçamento (novembro/1992); juros moratórios a partir da data do evento lesivo, de 0,5% ao mês até a entrada em vigor do atual Código Civil, e 1% ao mês a partir de então. Declarada a sucumbência recíproca. Em razão da denunciação à lide, condenado Alberto Willian Lopes a ressarcir a União os danos por ele causados, por culpa no exercício de sua função, até o montante da condenação a ela imposta, além de custas e honorários advocatícios fixados em 10% do valor da condenação.

Alberto Willian Lopes, em suas razões de Apelação (fls. 162 a 165), argumenta que sua denunciação à lide ocorreu nove anos depois de demandada a União, configurando-se a prescrição, nos termos do art. 178 do antigo Código Civil; que não foi o causador do dano, não se sustentando sua responsabilização.

A União Federal, em suas contrarrazões (fls. 170 a 172), alega não haver que se falar em prescrição do direito de regresso, pois não se manteve inerte, requerendo a denunciação à lide ainda quando de sua contestação, além de o prazo iniciar de fato apenas com o advento da condenação.

A União Federal, em suas razões de Apelação (fls. 173 a 178), sustenta se verificar culpa exclusiva da vítima, pois o automóvel estava estacionado na esquina, em desacordo com o previsto pelo art. 181 da Lei 9.503/97; alternativamente, que o valor indenizatório pelo qual foi condenada a União deve ser reduzido à metade do montante total, isto é, dos Cr$840.000,00 deve ser condenada a pagar apenas Cr$420.000,00, haja vista a culpa concorrente da condutora do veículo; que os juros devem incidir nos moldes determinados pelo art. 1º-F da Lei 9.494/97, em sua redação dada pela Lei 11.960/09.

Sem contrarrazões pela parte autora ou por Alberto Willian Lopes.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001285-86.1993.4.03.6100

RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA

APELANTE: ALBERTO WILLIAM LOPES, UNIAO FEDERAL

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APELADO: CRISTIANE CISCATO

Advogado do(a) APELADO: JOSE ARMANDO DA SILVA - SP76463

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

Inicialmente, cumpre afastar a prescrição do direito de regresso arguida por Alberto Willian Lopes.

O prazo prescricional apenas se inicia por ocasião do cumprimento da obrigação principal, ou seja, da efetiva lesão ao direito material. Desse modo, a partir do trânsito em julgado da decisão condenatória contra a União Federal é que se iniciaria o prazo prescricional que, no caso em tela, sequer fluiu.

Nesse sentido:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESSARCIMENTO DE DANOS. DIREITO DE REGRESSO. MARCO

INAUGURAL DO CURSO DO PRAZO PRESCRICIONAL. PRINCÍPIO DA ACTIO NATA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. O entendimento exposto no acórdão recorrido se amolda à jurisprudência deste Superior Tribunal, firmada no sentido de que "o prazo prescricional está submetido ao princípio da actio nata, segundo o qual a prescrição se inicia quando possível ao titular do direito reclamar contra a situação antijurídica" (AgRg no REsp 1.348.756/RN, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 28/5/2013, DJe 4/6/2013).

2. O lapso prescricional da ação regressiva começou a fluir a partir da efetiva lesão ao direito material que, na espécie, correspondeu ao trânsito em julgado da decisão pela qual, em ação indenizatória anterior, a empresa ora agravada fora condenada a indenizar passageiro de ônibus de sua frota vitimado em acidente causado por veículo locado pelo Município agravante.

3. Agravo regimental a que se nega provimento.

(STJ, AgRg no REsp 1014923/GO, Rel. Min. Sérgio Kukina, 1ª Turma, DJ 25.11.2014)

 

PROCESSO CIVIL - DENUNCIAÇÃO DA LIDE E PRESCRIÇÃO - ATO ADMINISTRATIVO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA.

1. A jurisprudência tem entendido ser dispensável a denunciação da lide dos prepostos das pessoas jurídicas.

2. A inadmissão da litisdenunciação, além de harmonizar-se com o princípio da celeridade processual, não impede que exerça o denunciante o direito de regresso.

3. Obrigatoriedade prevista no art. 70 do CPC, que se dirige ao denunciado, impedido de recusar, se chamado a juízo.

4. Prescrição cujo prazo somente teve início após as tratativas administrativas, não havendo interrupção que enseja aplicação do art. 9º do Decreto 20.910/32.

5. Recurso especial improvido.

(STJ, REsp 228964/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, 2ª Turma, DJ 21.08.2001)

Quanto à legitimidade passiva ad causam em relação ao litisdenunciado, entendo tratar-se de questão que se confunde com o mérito, merecendo análise conjunta.

São elementos da responsabilidade civil em geral: a ação ou omissão do agente, a culpa, o nexo causal e o dano, do qual surge o dever de indenizar.

A Constituição Federal, em seu art. 37, §6º, consagra a responsabilidade do Estado de indenizar os danos causados por atos, omissivos ou comissivos, praticados pelos seus agentes a terceiros, independentemente de dolo ou culpa, in verbis:

"Art. 37. (...)

(...)

§ 6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável no caso de dolo ou culpa.

O aspecto característico da responsabilidade civil objetiva do Estado reside na desnecessidade da prova de dolo ou culpa do agente público ou do serviço, a qual fica restrita à hipótese de direito de regresso contra o responsável (responsabilidade civil subjetiva dos agentes).

Assim, para que o ente público responda objetivamente, suficiente que se comprovem a conduta da Administração - o ato comissivo, o resultado danoso e o nexo causal entre ambos, porém com possibilidade de exclusão da responsabilidade na hipótese de caso fortuito/força maior ou culpa exclusiva da vítima. Trata-se da adoção, pelo ordenamento jurídico brasileiro, da teoria do risco administrativo.

Por sua vez, a conduta omissiva requer, necessariamente, a comprovação do dolo ou da culpa, bem como do nexo de causalidade. Desse modo, a situação posta nos autos deve ser elucidada sob a égide da responsabilidade civil subjetiva, de modo que, para que fique caracterizada a responsabilidade omissiva dos réus e, consequentemente, o seu dever de indenizar, de rigor a presença dos elementos que a configuram.

A propósito, colaciono aresto do Colendo Superior Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANOS MORAIS. "CASO MALATHION". PRESCRIÇÃO. NEXO DE CAUSALIDADE. NORMAS TÉCNICAS DE SEGURANÇA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. IMPUGNAÇÃO GENÉRICA. REVISÃO DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 7/STJ. QUANTIFICAÇÃO DOS DANOS MORAIS NÃO EXCESSIVA OU IRRISÓRIA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. RECURSO NÃO CONHECIDO.

Omissis

4. Na responsabilidade objetiva, como é óbvio, desnecessária a prova de dolo ou culpa na conduta do agente. Longa e minuciosa instrução probatória indica participação determinante de preposto da Funasa no evento danoso, com ampla fundamentação da sentença e do acórdão recorrido a respeito.

Omissis

11. Recurso Especial não conhecido.

(STJ, REsp 1236863/ES, Rel. Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, DJe 27/02/2012)

A Doutrina e a Jurisprudência não são unânimes quanto ao trato da natureza da responsabilidade do Estado em caso de omissão. Embora assente ser objetiva a responsabilidade estatal por ato comissivo, relevante divergência tem sido levantada quando se trata de ato omissivo, para a qual exigida a comprovação do nexo de causalidade e do dolo ou da culpa, elementos atrelados à responsabilidade subjetiva. Conforme julgados abaixo colacionados, prevalece, no âmbito do c. Supremo Tribunal Federal, o entendimento de que o referido princípio constitucional se refere tanto à ação quanto à omissão.

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS PESSOAS PÚBLICAS. ATO OMISSIVO DO PODER PÚBLICO: LATROCÍNIO PRATICADO POR APENADO FUGITIVO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA : CULPA PUBLICIZADA: FALTA DO SERVIÇO. C.F., art. 37, § 6º.

I. - Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, esta numa de suas três vertentes, a negligência, a imperícia ou a imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a falta do serviço.

II. - A falta do serviço - faute du service dos franceses - não dispensa o requisito da causalidade, vale dizer, do nexo de causalidade entre a ação omissiva atribuída ao poder público e o dano causado a terceiro.

III. - Latrocínio praticado por quadrilha da qual participava um apenado que fugira da prisão tempos antes: neste caso, não há falar em nexo de causalidade entre a fuga do apenado e o latrocínio. Precedentes do STF: RE 172.025/RJ, Ministro Ilmar Galvão, "D.J." de 19.12.96; RE 130.764/PR, Relator Ministro Moreira Alves, RTJ 143/270.

IV. - RE conhecido e provido.

(STF, RE 369820/RS, Rel. Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, DJ 27/02/2004).

 

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. QUEDA DE ÁRVORE. DANO EM VEÍCULO ESTACIONADO NA VIA PÚBLICA. NOTIFICAÇÃO DA PREFEITURA ACERCA DO RISCO. INÉRCIA. NEGLIGÊNCIA ADMINISTRATIVA COMPROVADA. DEVER DE INDENIZAR MANTIDO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA ENTRE OS ARESTOS CONFRONTADOS.

1. A jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de ser subjetiva a responsabilidade civil do Estado nas hipóteses de omissão, devendo ser demonstrada a presença concomitante do dano, da negligência administrativa e do nexo de causalidade entre o evento danoso e o comportamento ilícito do Poder Público. Precedentes.

...

4. Recurso especial conhecido em parte e não provido.

(STJ - REsp 1230155/PR, Rel. Ministra Eliana Calmon, 2ª Turma, DJe 17/09/2013)

 

RECURSO ESPECIAL. DNER. RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE CAUSADO

EM RODOVIA FEDERAL. LEGITIMIDADE PASSIVA. OMISSÃO DO ESTADO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA . MÁ CONSERVAÇÃO DA RODOVIA FEDERAL. CULPA DA AUTARQUIA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. REDUÇÃO. 300 SALÁRIOS MÍNIMOS. PRECEDENTES.

(...)

No campo da responsabilidade civil do Estado, se o prejuízo adveio de uma omissão do Estado, invoca-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Como leciona Celso Antonio Bandeira de Mello, "se o Estado não agiu, não pode logicamente, ser ele o autor do dano. E, se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo" ("Curso de direito administrativo", Malheiros Editores, São Paulo, 2002, p. 855).

(...)

(STJ, REsp 549812/CE, Rel. Min. Franciulli Neto, 2ª Turma, DJ 06.05.2004)

Em suma, para se configurar a responsabilidade subjetiva do Estado pela falta do serviço, basta a demonstração do dano, da negligência administrativa e do nexo de causalidade entre o evento danoso e o comportamento ilícito do Poder Público.

Conforme relatado e do Boletim de Ocorrência, lavrado em 05.11.1992 (fls. 9 a 12), o veículo militar transitava pela Av. Antônio Costa e ao fazer a curva à direita, para adentrar na Rua Nilo Peçanha, colidiu com o automóvel da autora, que estava estacionado próximo da esquina, gerando avarias na lataria e lanterna esquerda traseiras, conforme fotos juntadas às fls. 13/ 15.

É bem de ver que o dano material restou comprovado, bem com o nexo causal quanto ao fato do caminhão do Exército Brasileiro, conduzido por oficial deste ter atingido o veículo da autora; no entanto, do relatado na inicial, no Boletim de Ocorrência e na contestação da União Federal não se sabe quem estaria conduzindo o veículo quando da colisão.

A autora relata no Boletim de Ocorrência (fls.09) que o motorista do veículo oficial é o Cabo Edilson Luiz da Silva que se comprometeu a pagar os danos sofridos no automóvel, por sua vez, a União Federal na contestação menciona que a "irmã da autora celebrou acordo com o causador do acidente", mas que o veículo militar foi conduzido "pelo Soldado Alberto Willian da Silva".

As duas declarações idênticas, juntadas aos autos às fls. 41, assinadas por Antonio Marcos de Faria, o terceiro ocupante do caminhão, e o litisdenunciado Alberto Willian Lopes (fls.41) não indicam o condutor do veículo oficial. Assim, nada mais constando dos autos, entendo não se justificar a presença de Alberto Willian Lopes na presente demanda, vez que não comprovada a responsabilidade individual pela conduta danosa.

Consoante bem apontado na sentença, a culpa concorrente da vítima - isto é, a conduta da vítima que, inadvertidamente, contribui para a ocorrência do evento danoso - atenua, mas não exclui a responsabilidade estatal.

Neste sentido, oportuno o ensinamento de HELY LOPES MEIRELLES:

"A teoria do risco administrativo faz surgir a obrigação de indenizar o dano do só ato lesivo e injusto causado à vítima pela Administração. No se exige qualquer falta do serviço público, nem culpa de seus agentes. Basta a lesão, sem o concurso do lesado. (...)

Cabe ainda observar que, segundo MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, "sendo a existência do nexo de causalidade o fundamento da responsabilidade civil do Estado, esta deixará de existir ou incidirá de forma atenuada quando o serviço público não for a causa do dano ou quando estiver aliado a outras circunstâncias, ou seja, quando não for a causa única".

Restou incontroverso que a condutora do veículo o estacionou próximo à esquina, em infração ao disposto pelo art. 89, XXXIX, "a", da Lei 5.108/66, que instituiu o Código Nacional de Trânsito, vigente à época dos fatos e revogado com a entrada em vigor da Lei 9.503/97, cujo art. 181, I, possui previsão similar; porém, não há que se falar na incidência do art. 945 do atual Código Civil, vigente apenas anos depois do ato danoso, mas deve ser levada em conta a justa valoração da responsabilidade do responsável pelo ato comissivo, mitigada por determinada conduta da vítima, questões há muito consideradas pela Doutrina.

Nesse sentido, a pertinente explanação de Sérgio Cavalieri Filho:

"Fala-se em culpa concorrente quando, paralelamente à conduta do agente causador do dano, há também conduta culposa da vítima, de modo que o evento danoso decorre do comportamento culposo de ambos. A doutrina atual tem preferido falar, em lugar de concorrência de culpas, em concorrência de causas ou de responsabilidade, porque a questão (...) é mais de concorrência de causas do que de culpa. A vítima também concorre para o evento, e não apenas aquele que é apontado como único causador do dano. (...) Havendo culpa concorrente, a doutrina e a jurisprudência recomendam dividir a indenização, não necessariamente pela metade, como querem alguns, mas proporcionalmente ao grau de culpabilidade de cada um dos envolvidos." (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 9 ed. São Paulo: Malheiros, 2014, pp. 58/59)

Colaciono, ainda, os dispositivos citados:

Lei 5.108/66

Art. 89. É proibido a todo o condutor de veículos:            (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 912, de 1969)

(...)

XXXIX - Estacionar o veículo:

a) nas esquinas, a menos de três metros do alinhamento de construção da via transversal quando se tratar de automóvel de passageiros, e a menos de dez metros para os demais veículos.

 

Lei 9.503/97

CAPÍTULOXV - DAS INFRAÇÕES

Art. 161. Constitui infração de trânsito a inobservância de qualquer preceito deste Código, da legislação complementar ou das resoluções do CONTRAN, sendo o infrator sujeito às penalidades e medidas administrativas indicadas em cada artigo, além das punições previstas no Capítulo XIX.

(...)

Art. 181. Estacionar o veículo:

I - nas esquinas e a menos de cinco metros do bordo do alinhamento da via transversal:

No caso concreto, hão de ser consideradas tanto a posição ocupada pelo veículo abalroado quanto a conduta do motorista do caminhão militar. Se por um lado o automóvel foi estacionado em local inadequado, constata-se que a colisão ocorreu durante o período diurno, em local que permitia razoável visibilidade e em via ampla. Desse modo, ainda que não se trate de presumir conduta imprudente por parte do motorista militar, é possível entender que o acidente era evitável. Portanto, ainda que incontroversa a existência de culpa concorrente por parte da vítima, entendo não se justificar a responsabilização pelo dano em partes iguais e, consequentemente, pelo montante apurado para conserto, como quer a União Federal.

No tocante aos juros moratórios, assiste razão à União Federal.

Há que se aplicar os critérios insculpidos no Manual de Orientação para os Cálculos na Justiça Federal, em vigor por ocasião do julgado - especificamente, a Resolução 134/2010-CJF, com as modificações introduzidas pela Resolução 267/2013-CJF, ou seja, 0,5% simples ao mês até dezembro de 2002, nos termos dos art. 1.062, 1.063 e 1.064, todos do Código Civil de 1916; de janeiro de 2003 a junho de 2009, a Taxa SELIC, conforme art. 406 do Código Civil de 2002; de julho de 2009 a abril de 2012, aplica-se a taxa de 0,5% ao mês (Art. 1º-F da Lei n. 9.494, de 10 de setembro de 1997, com a redação dada pela Lei n. 11.960, de 29 de junho de 2009, combinado com a Lei n. 8.177, de 1º de março de 1991); a partir de maio de 2012, o mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança, capitalizados de forma simples, correspondentes a 0,5% ao mês, caso a Taxa SELIC ao ano seja superior a 8,5% ou, caso a SELIC ao ano seja igual ou inferior a 8,5%, 70% da Taxa SELIC, de maneira mensalisada, nos termos do art. 1º-F da Lei n. 9.494, de 10 de setembro de 1997, com a redação dada pela Lei n. 11.960, de 29 de junho de 2009, combinado com a Lei n. 8.177, de 1º de março de 1991, com alterações da MP n. 567, de 03 de maio de 2012, convertida na Lei n. 12.703, de 07 de agosto de 2012.

Face ao exposto, dou provimento à Apelação do litisdenunciado Alberto Willian Lopes para reconhecer a ilegitimidade passiva ad causam e dou parcial provimento à Apelação da União Federal, tão somente para determinar a incidência de juros moratórios nos critérios expostos, nos termos da fundamentação.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Apelações da União Federal e de Alberto Willian Lopes contra sentença que afastou preliminar de ilegitimidade passiva, condenou a primeira apelante a indenizar o autor no montante de Cr$840.000,00 e o segundo a ressarci-la.

Quanto ao recurso do litisdenunciado, o eminente Des. Federal Marcelo Saraiva, primeiramente, afastou a prescrição. Na sequência, entendeu que a questão ilegitimidade passiva confundia-se com o mérito e reconheceu-a, razão pela qual deu provimento ao apelo. No que se refere à insurgência da União, deu-lhe parcial provimento para explicitar a forma de incidência dos juros moratórios. Concordo com desfecho dado pelo Relator aos recursos, todavia, no que toca ao do ex-soldado Alberto Willian Lopes, por razões distintas que ora deixo consignadas.

O referido agente público não tem legitimidade para participar do polo passivo da denunciação da lide em razão da incompatibilidade com o disposto no § 6º do artigo 37 da Constituição Federal, o qual determina que nos casos como o em apreço a responsabilidade recai sobre a pessoa jurídica de direito público ou de direito privado prestadora de serviço público. É certo que a norma constitucional resguarda o direito de regresso contra o agente, desde que comprovado o dolo ou a culpa, mas diante da incoerência da persecução da responsabilidade objetiva, a qual demanda apenas a demonstração de causa e efeito, em relação a da responsabilidade subjetiva, que exige comprovação de dolo ou culpa, entende-se que o órgão estatal deve buscar seu eventual direito em ação própria. Nesse sentido é a doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello, a qual defende que o artigo 70, inciso III, do CPC não é aplicável, no que toca ao tema da responsabilidade do Estado:

 

Revendo posição anteriormente assumida, estamos em que tem razão Weida Zancaner ao sustentar o descabimento de tal denunciação. Ela implicaria, como diz a citada autora, mesclar-se o tema de uma responsabilidade objetiva - a do Estado - com elementos peculiares à responsabilidade subjetiva - a do funcionário. Procede sua assertiva de que, ademais, haveria prejuízos para o autor, porquanto " procrastinar o reconhecimento de um legítimo direito da vítima, fazendo com que este dependa da solução de um outro conflito intersubjetivo de interesses (entre o estado e o funcionário), constitui um retardamento injustificado do direito do lesado, considerando-se que este conflito é estranho ao direito da vítima, não necessário para a efetivação do ressarcimento a que tem direito. (Curso de Direito Administrativo, São Paulo, Ed. Malheiros, 2010, 27ª ed., pp. 1041/1042)

 

Confira-se, também:

 

RESPONSABILIDADE - SEARA PÚBLICA - ATO DE SERVIÇO - LEGITIMAÇÃO PASSIVA. Consoante dispõe o § 6º do artigo 37 da Carta Federal, respondem as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, descabendo concluir pela legitimação passiva concorrente do agente, inconfundível e incompatível com a previsão constitucional de ressarcimento - direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (RE 344133, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 09/09/2008, DJe-216 DIVULG 13-11-2008 PUBLIC 14-11-2008 EMENT VOL-02341-05 PP-00901 RTJ VOL-00207-03 PP-01203)

 

 Ante o exposto, acompanho o Relator pelas razões explicitadas.


E M E N T A

 

CONSTITUCIONAL. CIVIL. ADMINISTRATIVO. PROCSSUAL CIVIL. DANO MATERIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA E SUBJETIVA DO ESTADO. UNIÃO.  DIREITO DE REGRESSO. PRESCRIÇÃO. CULPA CONCORRENTE. JUROS MORATÓRIOS.

1. Em se tratando do direito de regresso, o prazo prescricional apenas se inicia por ocasião do cumprimento da obrigação principal, ou seja, da efetiva lesão ao direito material. Desse modo, a partir do trânsito em julgado de decisão condenatória contra a União é que se iniciaria o prazo prescricional que, no caso em tela, sequer fluiu.

2. O art. 37, §6º, da Constituição Federal consagra a responsabilidade do Estado de indenizar os danos causados por atos, omissivos ou comissivos, praticados pelos seus agentes a terceiros, independentemente de dolo ou culpa.

3. O aspecto característico da responsabilidade civil objetiva do Estado reside na desnecessidade da prova de dolo ou culpa do agente público ou do serviço, a qual fica restrita à hipótese de direito de regresso contra o responsável (responsabilidade civil subjetiva dos agentes), não abordada nestes autos.

4. Para que o ente público responda objetivamente, suficiente que se comprovem a conduta da Administração - o ato comissivo, o resultado danoso e o nexo causal entre ambos, porém com possibilidade de exclusão da responsabilidade na hipótese de caso fortuito/força maior ou culpa exclusiva da vítima. Trata-se da adoção, pelo ordenamento jurídico brasileiro, da teoria do risco administrativo.

5. Por sua vez, a conduta omissiva requer, necessariamente, a comprovação do dolo ou da culpa, bem como do nexo de causalidade. Desse modo, a situação posta nos autos deve ser elucidada sob a égide da responsabilidade civil subjetiva, de modo que, para que fique caracterizada a responsabilidade omissiva dos réus e, consequentemente, o seu dever de indenizar, de rigor a presença dos elementos que a configuram.

6. A Doutrina e a Jurisprudência não são unânimes quanto ao trato da natureza da responsabilidade do Estado em caso de omissão. Embora assente que é objetiva a responsabilidade estatal por ato comissivo, relevante divergência tem sido levantada quando se trata de ato omissivo, para a qual exigida comprovação de dolo ou culpa, elementos atrelados à responsabilidade subjetiva. Conforme julgado abaixo colacionado, prevalece no Supremo Tribunal Federal o entendimento de que o referido princípio constitucional se refere tanto à ação quanto à omissão. Precedentes.

7. Em suma, para se configurar a responsabilidade subjetiva do Estado pela falta de serviço, basta a demonstração do dano, da negligência administrativa e do nexo de causalidade entre o evento danoso e o comportamento ilícito do Poder Público.

8. Conforme relatado e do Boletim de Ocorrência, lavrado em 05.11.1992 (fls. 9 a 12), o veículo militar transitava pela Av. Antônio Costa e ao fazer a curva à direita, para adentrar na Rua Nilo Peçanha, colidiu com o automóvel da autora, que estava estacionado próximo da esquina, gerando avarias na lataria e lanterna esquerda traseiras, conforme fotos juntadas às fls. 13/ 15.

 

9. É bem de ver que o dano material restou comprovado, bem com o nexo causal quanto ao fato do caminhão do Exército Brasileiro, conduzido por oficial deste ter atingido o veículo da autora, no entanto, do relatado na inicial, no Boletim de Ocorrência e na contestação da União Federal não se sabe quem estaria conduzindo o veículo quando da colisão.

A autora relata no Boletim de Ocorrência (fls.09) que o motorista do veículo oficial é o Cabo Edilson Luiz da Silva que se comprometeu a pagar os danos sofridos no automóvel, por sua vez, a União Federal na contestação menciona que a "irmã da autora celebrou acordo com o causador do acidente", mas que o veículo militar foi conduzido "pelo Soldado Alberto Willian da Silva".

As duas declarações idênticas, juntadas aos autos às fls. 41, assinadas por Antonio Marcos de Faria, o terceiro ocupante do caminhão, e o litisdenunciado Alberto Willian Lopes (fls.41) não indicam o condutor do veículo oficial. Assim, nada mais constando dos autos, entendo não se justificar a presença de Alberto Willian Lopes na presente demanda, vez que não comprovada a responsabilidade individual pela conduta danosa.

 

10. A culpa concorrente da vítima - isto é, a conduta da vítima que, inadvertidamente, contribui para a ocorrência do evento danoso - atenua, mas não exclui a responsabilidade estatal.

11. Incontroverso que a condutora do veículo o estacionou próximo à esquina, em infração ao disposto pelo art. 89, XXXIX, "a", da Lei 5.108/66, que instituiu o Código Nacional de Trânsito, vigente à época dos fatos e revogado com a entrada em vigor da Lei 9.503/97, cujo art. 181, I, possui previsão similar; porém, não há que se falar na incidência do art. 945 do atual Código Civil, vigente apenas anos depois do ato danoso, mas deve ser levada em conta a justa valoração da responsabilidade do responsável pelo ato comissivo, mitigada por determinada conduta da vítima, questões há muito consideradas pela Doutrina.

12. No caso concreto, hão de ser levadas em conta tanto a posição ocupada pelo veículo abalroado quanto a conduta do motorista do caminhão militar. Se por um lado o automóvel foi estacionado em local inadequado, constata-se que a colisão ocorreu durante o período diurno, em local que permitia razoável visibilidade e em via ampla. Desse modo, ainda que não se trate de presumir conduta imprudente por parte do motorista militar, é possível entender que o acidente era evitável. Portanto, ainda que incontroversa a existência de culpa concorrente por parte da vítima, entendo não se justificar a responsabilização pelo dano em partes iguais e, consequentemente, pelo montante apurado para conserto, como quer a União Federal, nesse tocante se impondo a manutenção da sentença.

13.  No tocante aos juros moratórios, assiste razão à União. Há que se aplicar os critérios insculpidos no Manual de Orientação para os Cálculos na Justiça Federal, em vigor por ocasião do julgado - especificamente, a Resolução 134/2010-CJF, com as modificações introduzidas pela Resolução 267/2013-CJF, ou seja, 0,5% simples ao mês até dezembro de 2002, nos termos dos art. 1.062, 1.063 e 1.064, todos do Código Civil de 1916; de janeiro de 2003 a junho de 2009, a Taxa SELIC, conforme art. 406 do Código Civil de 2002; de julho de 2009 a abril de 2012, aplica-se a taxa de 0,5% ao mês (Art. 1º-F da Lei n. 9.494, de 10 de setembro de 1997, com a redação dada pela Lei n. 11.960, de 29 de junho de 2009, combinado com a Lei n. 8.177, de 1º de março de 1991); a partir de maio de 2012, o mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança, capitalizados de forma simples, correspondentes a 0,5% ao mês, caso a Taxa SELIC ao ano seja superior a 8,5% ou, caso a SELIC ao ano seja igual ou inferior a 8,5%, 70% da Taxa SELIC, de maneira mensalizada, nos termos do art. 1º-F da Lei n. 9.494, de 10 de setembro de 1997, com a redação dada pela Lei n. 11.960, de 29 de junho de 2009, combinado com a Lei n. 8.177, de 1º de março de 1991, com alterações da MP n. 567, de 03 de maio de 2012, convertida na Lei n. 12.703, de 07 de agosto de 2012.

14. Apelo de Alberto Willian Lopes provido.

15. Apelo da União Federal parcialmente provido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Quarta Turma, à unanimidade, decidiu dar provimento à Apelação do litisdenunciado Alberto Willian Lopes para reconhecer a ilegitimidade passiva ad causam e dar parcial provimento à Apelação da União Federal, tão somente para determinar a incidência de juros moratórios nos critérios expostos, nos termos do voto do Des. Fed. MARCELO SARAIVA (Relator), com quem votaram os Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE e MARLI FERREIRA. Fará declaração de voto o Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE. , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.