Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

SUSPENSÃO DE LIMINAR OU ANTECIPAÇÃO DE TUTELA (144) Nº 5021251-37.2018.4.03.0000

RELATOR: Gab. Presidência

REQUERENTE: UNIAO FEDERAL

 

REQUERIDO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CAMPINAS/SP - 6ª VARA FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 


 

  

 

 

 

 

SUSPENSÃO DE LIMINAR OU ANTECIPAÇÃO DE TUTELA (144) Nº 5021251-37.2018.4.03.0000

RELATOR: Gab. Presidência

REQUERENTE: UNIAO FEDERAL

 

REQUERIDO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CAMPINAS/SP - 6ª VARA FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

A Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA, Presidente do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (Relatora). Agravo interposto pelo Ministério Público Federal contra “decisão monocrática [...] que deferiu em parte o pedido de suspensão de tutela de urgência, apresentado pela União Federal com o objetivo de sustar a eficácia de decisão proferida pelo juízo da 6ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Campinas, nos autos da Ação Civil Pública de registro nº 5008138-68.2017.4.03.610[5]”.

Na origem, refere-se o pedido de suspensão à Ação Civil Pública n.º 5008138-68.2017.4.03.6105, proposta pelo Ministério Público Federal em face da União Federal e na qual se sustenta, em síntese, o manejo irregular dos recursos depositados no Fundo de Defesa de Direitos Difusos, porque parte do numerário é contingenciado para o cumprimento da meta do resultado primário das contas públicas e, por isso, não é aplicado aos fins para os quais inicialmente destinado.

Por tal razão, e uma vez que os recursos não estariam sujeitos à discricionariedade administrativa, argumenta-se que a União deveria ser obrigada a aplicá-los, integralmente, por meio de proposta na Lei Orçamentária, abstendo-se tanto de contingenciá-los quanto de utilizá-los como reserva financeira.

A tutela provisória foi deferida, determinando-se (Id. 4979266):

“a) obrigação de fazer, no sentido de que, doravante e até o trânsito em julgado da sentença prolatada nesta Ação Civil Pública, passe a apresentar, na proposta de Lei Orçamentária anual, disposição no sentido de destinar a integralidade dos recursos do Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD) aos fins a que foram arrecadados, quais sejam, a reparação de direitos transindividuais lesados, na forma das normas de regência, o que se aplica já na proposta orçamentária para o exercício de 2019, a ser apresentada pela UNIÃO, por meio do Governo Federal, no ano de 2018;

b) obrigação de não fazer, no sentido de não promover novos contingenciamentos dos recursos do FDD, de modo que todos os valores arrecadados pelo Fundo sejam orçados e disponibilizados para aplicação no exercício subsequente ao que foram arrecadados;

c) obrigação de fazer no sentido de criar conta-corrente específica para segregar financeiramente os recursos destinados ao FDD, de modo a impedir que eles continuem compondo reserva financeira da UNIÃO e passem a atender a finalidade para a qual se destinam.”

Daí o pedido de suspensão de liminar (Id. 5074711), ajuizado pela União Federal e no qual se requer a suspensão dos efeitos decorrentes do deferido na Ação Civil Pública n.º 5008138-68.2017.4.03.6105, argumentando-se, para tanto, que “o cumprimento da ordem implicará em grave lesão à ordem público-administrativa e à economia pública”, uma vez que “afeta o Projeto de Lei Orçamentária Anual de 2019, pois desconsidera as diretrizes fixadas no Plano Plurianual (PPA) e na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)”, fazendo-o “sem qualquer tempo hábil para uma definição segura no PLOA de 2019, envolvendo a cifra de R$ 700 milhões de reais”, “impede a reserva de aproximadamente R$ 700 milhões de reais, com lesão grave e evidente ao orçamento público, nos termos do art. 4° da Lei 8.437/92”, porque “no PLOA de 2018 foram alocados R$ 3,4 milhões em despesas finalísticas do FDD, sendo alocados R$ 798,7 milhões em reserva de recursos financeiros, respeitando a vinculação da receita que impede sua alocação para outra finalidade de Tutela” e “confere, sem amparo normativo, caráter obrigatório às despesas referentes ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDD)”, sendo que “A criação de outra verba com essa natureza engessará ainda mais a execução orçamentária da pequena parte discricionária do orçamento, tornando a margem de manobra do Poder Executivo, no caso de frustração de receitas, consideravelmente reduzida”, observando-se que “cabe ao Presidente da República, após a análise e o assessoramento dos órgãos técnicos do Poder Executivo, inicialmente decidir quais despesas deverão ser objeto de contingenciamento, dentro de um universo de serviços públicos da mais alta relevância e da notória limitação de recursos para atender a todos”, motivo pelo qual “a decisão de contingenciamento é atividade eminentemente político-administrativa”.

Ainda, sustenta-se que “Se a tutela de urgência for concretizada, para o orçamento de 2019, o valor das despesas primárias a serem alocadas no FDD atingiriam cerca de R$ 714,2 milhões, significando uma ampliação de mais de 20.000% de um exercício para o outro”, sendo que “a considerável variação comprometerá, de maneira abrupta, a qualidade do gasto público à medida que obriga a alocação de recursos públicos sem prévia análise da necessidade das despesas e da capacidade de execução do órgão”; que “o incremento nas despesas primárias determinado pela tutela antecipada é de grande monta (de 3,4 mi para 714,2 mi só para o exercício de 2019)”, de modo que “para compatibilizar o cumprimento da ordem judicial, em razão da Emenda Constitucional n.º 95/2016, haverá uma consequente redução do orçamento destinado a outras áreas do Ministério da Justiça ou até mesmo de outros órgãos federais, o que exalta a lesão à ordem administrativa e à economia pública”; e que haveria “grave lesão à administração pública com a criação de conta corrente diversa da conta única do tesouro nacional”.

Proferida a decisão ora recorrida (Id. 5163783) pela qual deferido, em parte, o pedido inicial, “fazendo-o para determinar, até que sobrevenha a análise da questão, no mérito recursal, por órgão julgador deste Tribunal Regional Federal, a suspensão da decisão proferida nos autos de reg. nº 5008138-68.2017.4.03.6105”.

No agravo (Id. 6708459) objeto deste julgamento, sustenta o Ministério Público Federal que “há precedente obrigatório do E. Supremo Tribunal Federal consubstanciado na Medida Cautelar na ADPF 347/DF, a ser observado no caso vertente e servir como justificativa de contingenciamento de recursos do FDD”, porque “O fundamento utilizado pelo E. Supremo Tribunal Federal para determinar o descontingenciamento e efetiva aplicação dos recursos do FUNPEN se assemelha ao caso em questão”; que “A destinação de recursos dada pela Lei Orçamentária ao FDD não está compatível com a arrecadação desde 2006, ou seja, a União não aplica os recursos aos fins a que foram angariados, deixando o excedente contingenciado como forma de estabelecer um superávit”; que “Na moldura fática não há, por parte da União Federal, a análise de conveniência e oportunidade que compõem o mérito ou a discricionariedade do ato administrativo, mas ao contrário, trata-se de ato vinculado, definido em lei, e deve ser cumprido”; e que “suspender a decisão objeto do presente pedido e permitir que a União continue a promover o contingenciamento dos recursos do FDD, criando uma conta-corrente para segregar financeiramente esses recursos, sem atender a finalidade para a qual se destinam, mostra indubitável, na espécie, o chamado perigo de dano inverso, a demonstrar a elevada plausibilidade da pretensão veiculada na ação civil, minando, em contrapartida, data maxima venia, a razoabilidade da suspensão concedida”.

Argumentos postos, requer-se “a reconsideração da decisão agravada ou, se assim não entender Vossa Excelência, a submissão do presente recurso ao E. Órgão Especial e o provimento do presente agravo, reformando-se a r. decisão combatida” e, subsidiariamente, “caso o E. Órgão Especial entenda pela manutenção da suspensão da liminar ora em tela, pugna-se pela modulação do julgamento, pela qual a r. suspensão fique restrita às verbas já contingenciadas, mantendo-se eficaz a decisão a quo quanto às verbas futuras e ordenando-se à União que não mais trate as verbas do Fundo de Direitos Difusos (FDD) como orçamentárias, repassando-as imediata e integralmente para uso do Fundo”.

Juntadas contrarrazões pela União Federal (Id. 8364260), nas quais, reiterando-se os argumentos apresentados na inicial, sustenta-se, ainda, que “qualquer mudança em relação ao FDD seria melhor absorvida e estruturada na fase do Plano Plurianual (PPA) e da Lei Diretrizes Orçamentárias-LDO, pois possibilitaria a elaboração e adequada projeção da Lei Orçamentária Anual, regularmente com fulcro no PPA e na LDO”; que “no que tange a ADPF 347/DF, cabe ressaltar que se trata de medida cautelar, sem julgamento de mérito e sem eficácia contra todos e efeito vinculante, nos termos do art. 10, §3°, da Lei n° 9.882/1999”, e, ainda, que “mesmo se em tese existisse o efeito vinculante da medida cautelar deferida na ADPF 347/DF, que evidentemente não é o caso, não se aplicaria ao Fundo de Direitos Difusos/FDD”, afirmando-se, também, que “não há nenhum fato superveniente que ocasione a perda de interesse da União na presente Suspensão de Tutela, pois subsiste o risco de lesão grave à execução orçamentária e à ordem administrativa”.

Petição (Id. 9989717) do Ministério Público Federal, em que “se manifesta pela ausência de interesse na continuidade deste feito, porquanto ocorreu a perda do objeto da presente Suspensão de Liminar, em razão da União ter protocolado, aos 30 de novembro do ano em curso, petição de desistência da ação nos autos do Agravo de Instrumento n.° 5018837-66.2018.4.03.0000”.

Determinada a oitiva da União Federal a esse respeito (Id. 9998000), sobreveio Petição (Id. 29501722), na qual se manifesta “no sentido da manutenção de seu interesse jurídico na presente Suspensão de Liminar e pugna, com a mantença da decisão liminar, pelo seu regular processamento e julgamento pelo nobre Órgão Colegiado, tendo em vista a inexistência de perda do objeto”.

É o relatório.

 

Desembargadora Federal Therezinha Cazerta

Presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

SUSPENSÃO DE LIMINAR OU ANTECIPAÇÃO DE TUTELA (144) Nº 5021251-37.2018.4.03.0000

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V O T O

 

 

A Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA, Presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (Relatora). Preliminarmente, cumpre analisar, sob dois aspectos diversos, a viabilidade de se prosseguir, no mérito, à análise do recurso interposto pelo Ministério Público Federal em face da decisão que suspendeu, nestes autos, os efeitos da tutela provisória concedida na Ação Civil Pública n.º 5008138-68.2017.4.03.6105 (Id. 5163783).

O primeiro aspecto a ser analisado diz respeito ao fato de que, após interposto o recurso (Id. 6708459), em 1.10.2018, o Ministério Público Federal apresentou petição, juntada em 10.12.2018, na qual se manifestou pela “ausência de interesse na continuidade deste feito, porquanto ocorreu a perda do objeto da presente Suspensão de Liminar, em razão da União ter protocolado, aos 30 de novembro do ano em curso, petição de desistência da ação nos autos do Agravo de Instrumento n.° 5018837-66.2018.4.03.0000” (Id. 9989717).

Sem, por ora, perscrutar-se quanto aos efeitos da desistência do agravo nestes autos, cabe, de início, firmar o impacto que referida petição tem no recurso manejado pelo MPF. Em específico, é preciso aferir se ela se traduz em eventual desistência quanto à sua interposição ou, então, se o integra, devendo, por isso, também ser trazida à análise do colegiado.

Nesse âmbito, e a despeito de o parquet não ter expressamente ratificado seu recurso após a decisão que apreciou os embargos de declaração (Id. 7216175), ressalte-se, por um lado, que se negou provimento aos aclaratórios, o que torna desnecessária referida confirmação, nos termos do art. 1.024, § 5.º, do Código de Processo Civil, conclusão corroborada pela circunstância de que, ausente integração pela via dos embargos, a decisão à época recorrida é exatamente a mesma que se traz, nesta oportunidade, ao crivo deste órgão julgador.

Por outro lado, o Ministério Público Federal não apresentou, nestes autos, petição de desistência do recurso anteriormente interposto, mas manifestação em que exarou entendimento pela perda do objeto subjacente ao presente feito, fazendo-o quanto a fato superveniente à interposição de seu agravo, cuja incumbência para apreciação, desde o momento em que juntado aos autos, recai sobre o Órgão Especial.

Da manifestação pela ausência de interesse da continuidade do feito, portanto, não se pode extrair conclusão no sentido da desistência do recurso que fora interposto, mas sim a necessidade de se submeter a julgamento, conjuntamente, tanto a irresignação apresentada na via do agravo regimental (Id. 6708459) quanto a manifestação seguinte (Id. 9989717), fazendo-o, sob viés integrativo, como se um só recurso fossem, mesmo porque, no momento da insurgência originária, não poderia tê-lo feito de uma só vez o parquet, já que o fato que ensejou a última – o pedido de desistência do Agravo de Instrumento n.º 5018837-66.2018.4.03.0000 – ocorreu apenas em 30.11.2019, quase dois meses depois da interposição.

O segundo aspecto a ser analisado diz respeito à existência de fatos que, supervenientes ao ajuizamento desta Suspensão de Liminar, resultariam, tal como argumentado pelo Ministério Público Federal na Petição de Id. 9989717, na perda de seu objeto.

A esse propósito, o parquet argumenta que a União Federal teria desistido do Agravo de Instrumento n.º 5018837-66.2018.4.03.0000, circunstância que, ao esvaziar o objeto da suspensão de liminar, ensejaria a extinção deste feito; ao que se opõe a recorrida, argumentando, em síntese, que “estamos diante de dois institutos processuais distintos, ou seja, a Suspensão de Liminar perante a Presidência do Tribunal Regional Federal da 3ª Região e o recurso de Agravo de Instrumento, com natureza jurídica e objeto diferentes e independentes”, caso contrário se “criaria indevidamente um requisito de admissibilidade ou manutenção do SLAT, o qual não encontra amparo legal, na doutrina ou na jurisprudência” (Id. 29501722).

De início e conforme consulta no sistema de tramitação processual deste Tribunal Regional Federal, constata-se que a União Federal interpôs, em 8.8.2018, o Agravo de Instrumento n.º 5018837-66.2018.4.03.0000 para impugnar a tutela provisória deferida na Ação Civil Pública n.º 5008138-68.2017.4.03.6105 (Id. 3919540). Indeferida a liminar (Id. 4979093), a recorrente apresentou petição pela qual desistia do recurso interposto (Id. 8178618), o que ensejou decisão extintiva (Id. 9981382), já objeto de trânsito em julgado (Id. 40639586).

Fatos postos, faz-se necessário avaliar qual é a relação que existe entre agravo de instrumento e suspensão de liminar na hipótese em que se impugna, pelo primeiro, decisão cujos efeitos constituem o objeto da segunda.

A esse respeito, vê-se que a sistemática das suspensões de provimentos jurisdicionais detém, no ordenamento jurídico brasileiro, contornos próprios que a particularizam em relação às vias jurisdicionais ordinárias, notadamente a do agravo de instrumento.

Consiste a suspensão de liminar, com efeito, em mecanismo à parte, situação que se manifesta, como posto, por exemplo, no art. 12, § 1.º, da Lei n.º 7.347/1985, que o regula no âmbito da Ação Civil Pública, na competência para a sua apreciação – vinculada, ao menos no âmbito monocrático, à Presidência dos Tribunais; na sua legitimidade – restrita via de regra, à “pessoa jurídica de direito público interessada”; e mesmo em seu objeto, que se constitui não a partir das razões jurídicas que sustentaram o provimento liminar sob análise, mas sim nos efeitos que dele decorrem aos bens legislativamente tutelados, isto é, “à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública”.

Assim, considerando-se as particularidades que afastam a suspensão de provimentos jurisdicionais do âmbito ordinário recursal, faz-se necessário demonstrar, a partir do caso concreto, as razões pelas quais uma circunstância processual ocorrida em uma dessas vias é capaz de afetar a outra, sobretudo ante a independência que vigora entre ambas, perceptível mesmo no fato de que não é pressuposto processual para o pedido de suspensão a interposição do recurso jurisdicional correspondente.

Desse modo, e tomando-se como exemplo o ponderado na decisão impugnada – cujos efeitos devem vigorar “até a análise, no mérito, por Turma julgadora no âmbito deste Tribunal, da questão subjacente a esta suspensão, momento em que, em razão da substitutividade recursal (art. 1.008, CPC), resta esvaziada a competência desta Presidência para conhecer de eventual pleito de teor semelhante – se a decisão paradigma não mais é de primeiro grau de jurisdição, mas advém desta própria Corte Federal, caberia ao Superior Tribunal de Justiça ou ao Supremo Tribunal Federal conhecer de eventual renovação do pleito suspensivo” – é possível que aquilo que ocorre na via processual ordinária impacte na suspensão de liminar. Isso depende, entretanto, de argumentação específica, porquanto o que se pressupõe é a independência – que, in casu, viu-se atenuada ante a disposição normativa, presente nas legislações que regulam a presente via, no sentido de que incumbe ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal a análise de pedido de suspensão de liminar apresentado em face de tutela provisória deferida por Corte de Justiça.

Referidas circunstâncias, aliás, já se encontravam inicialmente mencionadas mesmo na decisão aqui impugnada, na qual se pontuou que “a tutela jurisdicional atinente à suspensão de liminar é distinta daquela posta à disposição das partes na via recursal própria, já que aqui, consoante acima aludido, não se analisa a correição de mérito da decisão liminar, mas sim o impacto que decorre de sua eficácia a certos valores legislativamente tutelados, salvaguardando-se interesse público primário envolvido em cada caso concreto”, motivo pelo qual “a decisão tirada no agravo de instrumento interposto pela ora requerente com o intuito de impugnar a decisão a quo, neste Tribunal autuado sob nº 5018837-66.2018.4.03.0000, em que o pedido de efeito suspensivo restou indeferido em 29/08/2018 (Id. 3633516), não impacta no exame agora levado a efeito” (Id. 5163783).

Nesse preciso sentido, depreende-se dos autos que a União optou por ajuizar tanto o pedido de suspensão de liminar quanto o agravo de instrumento – em que, após o indeferimento da liminar, apresentou pedido de desistência, em relação ao qual descabe perquirir sua motivação subjacente, mesmo que seja, in casu, eventual perspectiva de negativa de provimento ao recurso jurisdicional, o que poderia ensejar a perda de eficácia desta suspensão de liminar.

Nesse âmbito, e independente da intervenção da União Federal em recurso por ela interposto – e cujo interesse na continuidade, portanto, a ela cabe avaliar –, fato é que a tutela provisória deferida pelo juízo a quo atualmente vige, tendo seus efeitos suspensos unicamente em razão da liminar aqui deferida – a qual, portanto, persiste gerando consequências no mundo jurídico; e que não há, nesta Corte, decisão de mérito a respeito que seja capaz de deslocar a competência da análise da questão para Tribunal Superior, pelo que é de rigor que se reconheça, neste momento, que não houve perda de objeto.

Ante o exposto, conheço da manifestação de Id. 9989717 como preliminar ao agravo regimental interposto pelo parquet, rejeitando-a nos termos da fundamentação acima.

No mérito, a suspensão da eficácia de provimentos jurisdicionais por ato da Presidência do respectivo Tribunal é “prerrogativa legalmente disponibilizada ao Poder Público, dentre outros legitimados, em defesa do interesse público, toda vez que se vislumbre, concretamente, perigo de grave lesão aos valores atinentes à ordem, à economia, a saúde ou à segurança públicas”, objetivando “a suspensão da eficácia das liminares e das sentenças proferidas contra entidades públicas e privadas que desempenham de alguma forma função pública” (Elton Venturi, Suspensão de Liminares e Sentenças Contrárias ao Poder Público, Malheiros, 3ª ed., 2017, p. 35).

Trata-se de regime jurídico constituído a partir da subsistência de dispositivos legais que regulam as distintas situações nas quais o manejo do pedido de suspensão mostra-se cabível, sendo adequada a menção, a esse respeito, ao que dispõem os artigos 15, da Lei nº 12.016/09, 25, da Lei nº 8.038/1990, 4º, da Lei nº 8.437/1992, 12, da Lei nº 7.347/1985, 1º, da Lei nº 9.494/1997, e 16, da Lei nº 9.507/1997 – respectivamente aplicáveis ao mandado de segurança, em primeiro e segundo grau de jurisdição, às medidas cautelares contra o Poder Público, à ação civil pública, à tutela antecipada contra a Fazenda Pública e ao habeas data:

 

“Art. 15.  Quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada ou do Ministério Público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, o presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso suspender, em decisão fundamentada, a execução da liminar e da sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de 5 (cinco) dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte à sua interposição.  

§ 1o  Indeferido o pedido de suspensão ou provido o agravo a que se refere o caput deste artigo, caberá novo pedido de suspensão ao presidente do tribunal competente para conhecer de eventual recurso especial ou extraordinário.  

§ 2o  É cabível também o pedido de suspensão a que se refere o § 1o deste artigo, quando negado provimento a agravo de instrumento interposto contra a liminar a que se refere este artigo.  

§ 3o  A interposição de agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações movidas contra o poder público e seus agentes não prejudica nem condiciona o julgamento do pedido de suspensão a que se refere este artigo.  

§ 4o  O presidente do tribunal poderá conferir ao pedido efeito suspensivo liminar se constatar, em juízo prévio, a plausibilidade do direito invocado e a urgência na concessão da medida.  

§ 5o  As liminares cujo objeto seja idêntico poderão ser suspensas em uma única decisão, podendo o presidente do tribunal estender os efeitos da suspensão a liminares supervenientes, mediante simples aditamento do pedido original” 

  

“Art. 25 - Salvo quando a causa tiver por fundamento matéria constitucional, compete ao Presidente do Superior Tribunal de Justiça, a requerimento do Procurador-Geral da República ou da pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, suspender, em despacho fundamentado, a execução de liminar ou de decisão concessiva de mandado de segurança, proferida, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal. 

§ 1º - O Presidente pode ouvir o impetrante, em cinco dias, e o Procurador-Geral quando não for o requerente, em igual prazo. 

§ 2º - Do despacho que conceder a suspensão caberá agravo regimental. 

§ 3º - A suspensão de segurança vigorará enquanto pender o recurso, ficando sem efeito, se a decisão concessiva for mantida pelo Superior Tribunal de Justiça ou transitar em julgado” 

  

“Art. 4° Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. 

§ 1° Aplica-se o disposto neste artigo à sentença proferida em processo de ação cautelar inominada, no processo de ação popular e na ação civil pública, enquanto não transitada em julgado. 

§ 2o  O Presidente do Tribunal poderá ouvir o autor e o Ministério Público, em setenta e duas horas.        (Redação dada pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001)  

§ 3o  Do despacho que conceder ou negar a suspensão, caberá agravo, no prazo de cinco dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte a sua interposição.        (Redação dada pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001)  

§ 4o  Se do julgamento do agravo de que trata o § 3o resultar a manutenção ou o restabelecimento da decisão que se pretende suspender, caberá novo pedido de suspensão ao Presidente do Tribunal competente para conhecer de eventual recurso especial ou extraordinário.        (Incluído pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001)  

§ 5o  É cabível também o pedido de suspensão a que se refere o § 4o, quando negado provimento a agravo de instrumento interposto contra a liminar a que se refere este artigo.       (Incluído pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001)  

§ 6o  A interposição do agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações movidas contra o Poder Público e seus agentes não prejudica nem condiciona o julgamento do pedido de suspensão a que se refere este artigo.        (Incluído pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001)  

§ 7o  O Presidente do Tribunal poderá conferir ao pedido efeito suspensivo liminar, se constatar, em juízo prévio, a plausibilidade do direito invocado e a urgência na concessão da medida.        (Incluído pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001)  

§ 8o  As liminares cujo objeto seja idêntico poderão ser suspensas em uma única decisão, podendo o Presidente do Tribunal estender os efeitos da suspensão a liminares supervenientes, mediante simples aditamento do pedido original.       (Incluído pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001)  

§ 9o  A suspensão deferida pelo Presidente do Tribunal vigorará até o trânsito em julgado da decisão de mérito na ação principal.       (Incluído pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001) 

  

“Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo. 

§ 1º A requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, poderá o Presidente do Tribunal a que competir o conhecimento do respectivo recurso suspender a execução da liminar, em decisão fundamentada, da qual caberá agravo para uma das turmas julgadoras, no prazo de 5 (cinco) dias a partir da publicação do ato.

§ 2º A multa cominada liminarmente só será exigível do réu após o trânsito em julgado da decisão favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver configurado o descumprimento”

 

“Art. 1º Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 461 do Código de Processo Civil o disposto nos arts. 5º e seu parágrafo único e 7º da Lei nº 4.348, de 26 de junho de 1964, no art. 1º e seu § 4º da Lei nº 5.021, de 9 de junho de 1966, e nos arts. 1º e 4º da Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992.”

 

“Art. 16. Quando o habeas data for concedido e o Presidente do Tribunal ao qual competir o conhecimento do recurso ordenar ao juiz a suspensão da execução da sentença, desse seu ato caberá agravo para o Tribunal a que presida”

 

Sob a ótica da doutrina moderna, sem que se cogite existir “tratamento distinto dos regimes de suspensão dos provimentos das ações de mandado de segurança e das demais ações movidas contra o Poder Público”, vislumbra-se “indiscutível uniformidade procedimental quanto aos pedidos de suspensão de provimentos contrários ao interesse público”, “compreendida a existência de um verdadeiro microssistema legal que rege os pedidos de suspensão”, ausente “sentido em continuar a buscar distinção das hipóteses de cabimento a partir do tipo de processo em que incidem os pedidos, ou mesmo a partir da espécie de decisão cuja eficácia se deseja sustar” (Elton Venturi, Suspensão de Liminares e Sentenças Contrárias ao Poder Público, Malheiros, 3ª ed., 2017, pp. 35 e 373).

Nesse âmbito, exsurge comum às modalidades sob análise, consoante jurisprudência de há muito consolidada neste sentido, a constatação de que “o pedido de suspensão não possui natureza de recurso, ou seja, não propicia a devolução do conhecimento da matéria para eventual reforma”, tratando-se, assim, de “um instrumento processual de cunho eminentemente cautelar, que tem por finalidade a obtenção de providência absolutamente drástica, excepcional e provisória”, “restringindo-se à comprovação de seus pressupostos e sem adentrar no efetivo exame do mérito da causa principal, cuja competência cabe tão-somente às instâncias ordinárias” (STJ, Corte Especial, AgRg na SLS 201/MA, rel. Ministro Edson Vidigal, 10.4.2006).

Em síntese, e como acima relatado, o Ministério Público Federal ajuizou, em primeiro grau de jurisdição, Ação Civil Pública na qual pleiteou, liminarmente, a imediata destinação dos valores do Fundo de Defesa de Direitos Difusos aos fins para os quais arrecadados via inclusão na proposta orçamentária para o exercício de 2019; a abstenção, por parte da União Federal, de contingenciamentos no numerário; e a criação de conta-corrente específica que segregue os recursos destinados ao FDD.

Deferida a tutela provisória e apresentada a presente suspensão de liminar pela União Federal, em que sustados os efeitos do provimento originário, sobreveio o regimental, interposto pelo Ministério Público Federal e cujo mérito é objeto da análise que segue.

Sob discussão, conforme acima delimitado, se existem os motivos ensejadores da suspensão de eficácia de decisão de primeiro grau na hipótese em que se defere, em sede liminar, provimento jurisdicional que determina o dispêndio de numerário acautelado no Fundo de Defesa de Direitos Difusos, fazendo-o de modo a não contingenciá-lo e via conta-corrente à parte.

Dessa forma, o que aqui se questiona não é propriamente a correção da medida judicial em seu aspecto jurídico relativamente ao que consta nos autos subjacentes, ou, ainda, se é o caso de se julgar procedentes ou não os pedidos ali deduzidos – mas, fundamentalmente, se os impactos decorrentes do provimento liminar induzem a enquadramento que enseje a suspensão de sua eficácia por provimento jurisdicional tomado pela Presidência do Tribunal.

Não é, portanto, objeto de consideração desta suspensão de liminar definir se a União Federal dispende, contingencia ou acautela os recursos reservados no Fundo de Defesa de Direitos Difusos de forma adequada, nem, portanto, se atende aos preceitos legais no modo e volume com os quais os mobiliza para as atividades aos quais destinados.

Nesse ponto, ressalte-se, desde já, que a suspensão pleiteada foi embasada em sólida argumentação, referente justamente a referidos impactos, explicitamente posicionados na fundamentação como elementos que induzem a significativa afetação à ordem pública e econômica.

Isso porque a decisão liminar, ao exigir da União Federal a disponibilização de significativo numerário – estimado em 700 milhões de reais – a área cuja capacidade de execução põe-se em dúvida, gerou elevado risco de esterilização orçamentária, circunstância especialmente grave no atual cenário de restrições, no qual é inviável se cogitar o desperdício de recursos públicos que comportariam aplicação discricionária – isto é, não vinculada – em outras áreas com maior prioridade e estrutura para administrá-los:

“De início, aponta-se que a tutela jurisdicional atinente à suspensão de liminar é distinta daquela posta à disposição das partes na via recursal própria, já que aqui, consoante acima aludido, não se analisa a correição de mérito da decisão liminar, mas sim o impacto que decorre de sua eficácia a certos valores legislativamente tutelados, salvaguardando-se interesse público primário envolvido em cada caso concreto.

Daí que a decisão tirada no agravo de instrumento interposto pela ora requerente com o intuito de impugnar a decisão a quo, neste Tribunal autuado sob nº 5018837-66.2018.4.03.0000, em que o pedido de efeito suspensivo restou indeferido em 29/08/2018 (Id. 3633516), não impacta no exame agora levado a efeito.

Isso porque, remarque-se, distinta a tutela jurisdicional aqui perseguida daquela posta à disposição das partes na via recursal própria – e daí a inexistência de óbice à concomitância.

Na análise do mérito propriamente dito, cumpre verificar se o ato jurisdicional que deferiu a medida liminar incorreu em ofensa à ordem pública e à ordem econômica, conforme alegado pela Advocacia-Geral da União na extensa peça processual que deu origem ao presente feito, acima relatada, respaldada ainda em esclarecimentos fornecidos pelo Ministério da Fazenda a partir de nota técnica preparada pela Gerência de Relacionamento com o Sistema Financeiro Nacional.

No que atine em específico à ordem pública, “através de clássico julgamento de pedido de suspensão de segurança no âmbito do extinto TFR, o ex-Ministro do STF Nery da Silveira fixou entendimento paradigmático quando se trata de definir ordem pública”  (Elton Venturi, Suspensão de Liminares e Sentenças Contrárias ao Poder Público, Malheiros, 3ª ed., 2017, p. 207), a saber:

 

[...] no juízo de ordem pública está compreendida, também, a ordem administrativa em geral, ou seja, a normal execução do serviço público, o regular andamento das obras públicas, o devido exercício das funções da administração, pelas autoridades constituídas.”

 

A seu turno, “quando se alude à ordem econômica se requer uma necessária mas nem sempre fácil harmonização de princípios, aparentemente conflitantes, como, v.g., os da propriedade privada e de sua função social, da livre concorrência e do tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte. A adequação de tais vetores, contudo, é exigência do regime democrático” (Elton Venturi, obra citada, pp. 212-213).

É nesse sentido que se vislumbra, no caso concreto, efetivo risco de dano advindo da decisão do juízo a quo, que, nos termos em que posta, determinou que a União apresentasse, na proposta de Lei Orçamentária anual, disposição no sentido de destinar a integralidade dos recursos do Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD) aos fins a que foram arrecadados; que não promovesse novos contingenciamentos de tais recursos, de modo que todos os valores arrecadados pelo Fundo sejam orçados e disponibilizados para aplicação no exercício subsequente ao que foram arrecadados; e ainda que criasse conta-corrente específica para segregar financeiramente os recursos destinados ao fundo em questão, de modo a impedir que eles continuem compondo reserva financeira própria.

Cotejados os elementos todos amealhados, e sobretudo a partir do que se tem exteriorizado no requerimento formulado pelo ente público, em sede de tutela de urgência o montante destinado do Projeto de Lei Orçamentária Anual de 2019 atinge significativa quantia, em torno de R$ 700.000.000,00 (setecentos milhões de reais).

Isso tudo, sem a existência, ao que se permite inferir, de projetos específicos que pudessem assimilar os recursos todos direcionados, na forma da decisão aqui atacada, ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, em relação ao qual, ao que se depreende dos indicativos constantes deste processado, há dúvida se se encontra aparelhado à realização de tamanha parcela orçamentária, já que historicamente habituado a administrar rubricas significativamente inferiores a esses valores.

À efetiva capacidade de o Fundo de Defesa de Direitos Difusos executar o expressivo montante alocado por força da tutela de urgência deferida, válido repisar o quanto esclarecido na inicial deste pedido de suspensão, na linha de que “o Fundo de Defesa de Direitos Difusos-FDD foi regulamentado pelo Decreto n° 1.306/94, ou seja, no período aproximado de 13 (treze) anos tem observado as diretrizes e restrições apresentadas pelo Governo na elaboração da Lei Orçamentária Anual”; e também a informação igualmente trazida pela Advocacia-Geral da União, no sentido de que “a tutela de urgência determinará um acréscimo das despesas primárias da ordem de 20.000% (vinte mil por cento) para o exercício de 2019”, ao passo que “os recursos primários alocados atualmente para o FDD são da ordem de R$ 3,4 milhões”.

Sob outras palavras, como assentado na Nota Informativa nº 11188/2018-MP, que acompanha o pedido de suspensão, elaborada no âmbito da Secretaria de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, “importa registar que em razão da determinação judicial, no PLOA 2019 para o FDD, consta o valor global de R$ 714,2 milhões. Diante da incerteza sobre o potencial de execução do Fundo frente aos recursos nele alocados, há risco de ‘esterilização’ de recursos orçamentários, podendo prejudicar outras pastas e políticas públicas”.

E ainda: “Adicionalmente, é importante ressaltar que o valor a ser destinado ao FDD em 2019, será superior ao orçamento global de despesas discricionárias de diversos órgãos, como por exemplo: a Advocacia-Geral da União, Ministérios da Cultura, Direitos Humanos, Esportes, Trabalho e Emprego, Transparência e Controladoria-Geral da União e Turismo”.

E, nesse quadro atual, caracterizado por severas restrições orçamentárias, cenário em que grande parte das despesas primárias refere-se às despesas obrigatórias, impossível, sob pena de repercussões desastrosas, administrar-se eventual não execução do montante disponibilizado para tanto, com o risco da conversão em despesa e consequente inscrição em restos a pagar, acarretando desperdício de recursos públicos que comportariam aplicação em áreas com prioridade.

É que, com o Novo Regime Fiscal introduzido pela Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016, impôs-se teto aos gastos públicos, limitando-se as despesas e investimentos aos valores consumidos no ano anterior, corrigidos tão-somente pelo índice inflacionário correspondente. Decorrência lógica disso é a obrigatoriedade de utilização, para dar cumprimento à medida judicial questionada, de recursos que seriam empregados em outras áreas necessitadas.

Dito de outra forma, nos exatos termos da Nota Técnica SEI nº 18/2018/GESFI/COFIN/SUGEF/STN-MF, elaborada pela Secretaria do Tesouro Nacional a partir de consulta proveniente do Ministério da Justiça, “tendo em vista a elevada rigidez orçamentária brasileira, estabelecer caráter obrigatório mediante decisão judicial liminar a determinada despesa pública compromete ainda mais a já apertada margem discricionária do orçamento para atuação do Poder Executivo frente ao cumprimento legal das metas de resultados primário e nominal estabelecidas na LDO”.

Ao Poder Judiciário não cabe a confecção de políticas, mas tão-somente a tutela de direitos, o que significa que não é de sua alçada determinar as formas de atuação estatal, em específico no que diz respeito a questão relacionada à execução orçamentária, em desconsideração, inclusive, consoante apontado pela AGU, isso bem importando, às balizas postas no Plano Plurianual e na Lei de Diretrizes Orçamentárias.

Trata-se, à toda evidência, de tema cujo manejo cumpre ao âmbito do Poder Executivo, a que compete encaminhar a proposta orçamentária para o ano seguinte ao Congresso Nacional até 31 de agosto de cada ano.

À suspensão de provimentos jurisdicionais, assim, advém o papel de contrabalançar a intervenção estritamente judiciária a partir de determinado aspecto político-jurídico, reestabelecendo-se o ajuste de forças e reservas inerentes à forma como constitucionalmente dividido o poder no país, sustando-se ingerência entendida como indevida nos espectros de atuação atinente, no caso, ao Executivo.

A esse respeito, confira-se precedente do Superior Tribunal de Justiça, abaixo ementado:

 “AGRAVO REGIMENTAL. SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA. REPASSE DE VERBA. FUNDO NACIONAL DE SEGURANÇA E EDUCAÇÃO NO TRÂNSITO. BLOQUEIO DE DESPESAS. CONTINGENCIAMENTO PELA UNIÃO. PEDIDO DE SUSPENSÃO DEFERIDO. DECISÃO MANTIDA.

– A determinação judicial para que a União repasse imediatamente ao Fundo Nacional de Segurança e Educação no Trânsito receita decorrente de reserva de contingência para superávit primário, em valor que ultrapassa um R$ 1 bilhão, tem grave potencial lesivo à economia pública.

Agravo regimental improvido.”

(AgRg na SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA Nº 1.120 – SP, Relator MINISTRO PRESIDENTE DO STJ ARI PARGENDLER, DJe 10/09/2010)

A liminar que suspendeu a sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 2005.61.11.003868-9, que tramitou perante a 1ª Vara Federal da 11ª Subseção Judiciária de Marília, teve os seguintes fundamentos incorporados:

 

“Cuida-se de pedido de suspensão de sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública n. 2005.61.11.003868-9, da 1ª Vara Federal da 11ª Subseção Judiciária de Marília – SP, apresentado após um primeiro pedido de suspensão indeferido pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

A sentença ora impugnada condenou a União "a repassar ao FUNDO NACIONAL DE SEGURANÇA E EDUCAÇÃO NO TRÂNSITO e ao COORDENADOR DO SISTEMA NACIONAL DE TRÂNSITO, em um prazo máximo de 30 (trinta) dias a contar do respectivo recebimento, todas as importâncias arrecadadas de recursos nominados nos artigos 78 e 320 do Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1.997) e artigo 6º da Lei nº 9.602, de 21 de janeiro de 1.998; assim como a repassar, atualizado monetariamente, o saldo total de recursos da mesma natureza que reteve antes da propositura ou durante o processamento desta ação, conforme apuração em liquidação de sentença; bem como aplicar efetivamente os referidos recursos em programas de prevenção de acidentes e projetos de educação e segurança no trânsito" (fl. 88).

Houve apelação, recebida apenas no efeito devolutivo (fls. 90-93).

A requerente sustenta a ocorrência de grave lesão à ordem e à economia públicas, na medida em que a decisão privilegiou as normas contidas no Código de Trânsito em detrimento do "nefasto impacto da decisão nas contas públicas" (fl. 4).

Argumenta quanto à "importância da política de superávit primário" (fl. 4), e quanto à necessidade de contingenciamento de recursos vinculados para o cumprimento da citada política.

Afirma que "o montante de recurso sobre o qual a União detém a

discricionariedade de aplicar livremente no atendimento das mais diversas demandas de seus órgãos e entidades normalmente é diminuto, se considerado o montante total da despesa" (fl. 14).

Sustenta "a ausência de prejuízo para o DENATRAN, destinatário legal dos recursos, pois o contingenciamento não desfaz a vinculação da receita para o órgão, podendo, no futuro, ser utilizada nos projetos definidos na lei (art. 8º da LRF)" (fl. 4).

Por fim, aduz sobre a possibilidade de ocorrência do efeito multiplicador, devido a outras ações judiciais movidas contra a União cuja matéria seja semelhante à da ação civil pública em questão.

Passo a decidir.

Entendo presentes os requisitos necessários ao deferimento do pedido, cabendo assinalar, desde logo, que a inicial demonstra, suficientemente, a possibilidade de grave lesão à economia, referindo-se à necessidade e à legalidade do contingenciamento de despesas com o propósito de sustentar projetos indispensáveis ao equilíbrio das contas públicas.

Em primeiro lugar, observo que, segundo a requerente, "a sentença determinou o repasse imediato do acumulado, em virtude da reserva de contingência para superávit (o que totaliza hoje, aproximadamente R$ 1,65 bilhão), além da transferência dos recursos dos anos a partir da sentença" (fl. 26).

De fato, os antigos valores referidos nos autos originários, conforme extraio da documentação juntada, são muito elevados. Nesse caso, o contingenciamento de despesas serve como controle de gastos e de manutenção de metas econômicas por parte da União, viabilizando despesas outras, indispensáveis à sociedade e à solidez da economia pública. Daí que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC n. 101, de 4.5.2000), no seu art. 9º, dispõe:

"Art. 9º Se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias subseqüentes, limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias."

Tenho, assim, como pertinente e relevante, para efeito de suspensão da tutela antecipada, a seguinte conclusão, adotada pela requerente:

"Isso posto, fica patente que a programação de uma parcela expressiva das receitas vinculadas em reservas de contingências concorre significativamente para o cumprimento da meta anual de superávit primário, estabelecida pelas Lei de Diretrizes Orçamentárias. Em outros termos, caso tal prática não seja mais permitida, à União restará a alternativa de reduzir a meta de superávit ou inviabilizar a execução de outros programas, a exemplo dos relativos às políticas sociais, ou ainda a combinação de ambas as alternativas. Em quaisquer situações, não restam dúvidas quanto aos efeitos nefastos delas decorrentes" (fl. 18).

Por outro lado, além de os valores aqui discutidos serem elevados, há, sem qualquer dúvida, a possibilidade de efeito multiplicador, tornando-se comuns demandas propostas com o objetivo de evitar indispensável contingenciamento de despesas por parte da União.

Ante o exposto, defiro o pedido para suspender a execução da sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública n. 2005.61.11.003868-9, em trâmite na 1ª Vara Federal da 11ª Subseção Judiciária de Marília.

Comunique-se com urgência ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região e ao Juízo de 1º grau.

Publique-se.

Brasília, 06 de outubro de 2009.

MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA

Presidente”

Nesse âmbito, a despeito das particularidades existentes no julgado mencionado, os mesmos fundamentos ali expostos quanto à necessidade do contingenciamento de despesas para o “controle de gastos e de manutenção de metas econômicas por parte da União, viabilizando despesas outras, indispensáveis à sociedade e à solidez da economia pública”, acabam se aplicando à hipótese dos autos.

Isso fica claro, aqui, ao se verificar que o juízo a quo impôs a previsão de imediato destino de aproximadamente R$ 700.000.000,00 (setecentos milhões de reais) ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD), circunstância que traz evidente risco de desequilíbrio econômico orçamentário, uma vez que, a toda evidência, reduzirá o orçamento destinado a outras áreas do Ministério da Justiça ou, até mesmo, como afirmado pela União, de outros órgãos federais.

Da mesma forma, a previsão de imediato destino desses valores ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD) impedirá que a Administração execute outras políticas públicas, em evidente e grave lesão à ordem pública.

Some-se, ainda, na hipótese, a possibilidade de grave lesão à administração com a criação de conta-corrente diversa da Conta Única do Tesouro Nacional, o que, como assentado na Nota Informativa nº 11188/2018-MP a que se fez menção, “fere, no entendimento desta Secretaria, o Princípio Orçamentário da Unidade de caixa ou da unidade de tesouraria, extraído do que dispõe os artigos 164, § 3º, da Constituição da República e 56 da Lei nº 4.320/1964, que estipula que a realização da receita e da despesa da União deve ser feita por via bancária, devendo o produto da arrecadação de todas as receitas ser, obrigatoriamente, recolhido a uma conta única”.

E do que consta na Nota Técnica SEI nº 18/2018/GESFI/COFIN/SUGEF/STN-MF, igualmente referenciada acima: “decisões judiciais que contrariem o princípio de unicidade de caixa causam insegurança jurídica, bem como o risco de perda da rastreabilidade dos recursos públicos, além de efeito multiplicativo, tendo em vista a criação de precedentes a serem usados em outras ações semelhantes”.

De fato, o que se teve foi determinação jurisdicional tomada em cognição não exauriente, cuja eficácia se traduziu no rompimento de equilíbrio econômico orçamentário, substituindo-se o Estado-Juiz, portanto, à atividade administrativa executiva, ensejando evidente perigo às ordens pública e econômica e gerando, por decorrência, a necessidade de providência jurisdicional que a resguarde.

Em conclusão, tudo avaliado acima está a indicar que a decisão proferida pelo juízo a quo constitui-se de potencial lesivo à ordem e economia públicas, na medida em que, ao conferir caráter obrigatório às despesas referentes ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, destinando-lhe 700.000.000,00 (setecentos milhões de reais), tem o condão de restringir “ainda mais a execução orçamentária da pequena parte discricionária do orçamento, tornando a margem de manobra do Poder Executivo, no caso de frustração de receitas, consideravelmente reduzidas”, aspecto que “não só compromete o resultado fiscal, mas também a implementação de outras políticas públicas relevantes”, e, por consequência, enseja o deferimento do pedido suspensivo apresentado.

Do contrário, estar-se-ia a tolher o poder de decisão a esse respeito da esfera própria, verdadeiramente competente para a elaboração de política orçamentária.

Oportuno registrar apenas, tendo-se em conta a extensão do pleito aqui formulado, almejando que a suspensão perdure “até o final e definitivo julgamento da referida ação civil pública, sob de pena de restar configurada lesão grave à ordem pública e à economia pública”, a pertinência do parcial acolhimento do pedido em tela, para que persista a sustação apenas até a análise, no mérito, por Turma julgadora no âmbito deste Tribunal, da questão subjacente a esta suspensão, momento em que, em razão da substitutividade recursal (art. 1.008, CPC), resta esvaziada a competência desta Presidência para conhecer de eventual pleito de teor semelhante – se a decisão paradigma não mais é de primeiro grau de jurisdição, mas advém desta própria Corte Federal, caberia ao Superior Tribunal de Justiça ou ao Supremo Tribunal Federal conhecer de eventual renovação do pleito suspensivo.

Ante o exposto, defiro em parte o pedido inicial, fazendo-o para determinar, até que sobrevenha a análise da questão, no mérito recursal, por órgão julgador deste Tribunal Regional Federal, a suspensão da decisão proferida nos autos de reg. nº 5008138-68.2017.4.03.6105 que determinou à União Federal “obrigação de fazer, no sentido de que, doravante e até o trânsito em julgado da sentença prolatada nesta Ação Civil Pública, passe a apresentar, na proposta de Lei Orçamentária anual, disposição no sentido de destinar a integralidade dos recursos do Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD) aos fins a que foram arrecadados, quais sejam, a reparação de direitos transindividuais lesados, na forma das normas de regência, o que se aplica já na proposta orçamentária para o exercício de 2019, a ser apresentada pela UNIÃO, por meio do Governo Federal, no ano de 2018; b) obrigação de não fazer, no sentido de não promover novos contingenciamentos dos recursos do FDD, de modo que todos os valores arrecadados pelo Fundo sejam orçados e disponibilizados para aplicação no exercício subsequente ao que foram arrecadados; c) obrigação de fazer no sentido de criar conta-corrente específica para segregar financeiramente os recursos destinados ao FDD, de modo a impedir que eles continuem compondo reserva financeira da UNIÃO e passem a atender a finalidade para a qual se destinam””.

Retomada a fundamentação da decisão impugnada, o agravo interno se baseia, essencialmente, nos argumentos de que o determinado teria incorrido em “flagrante violação da legalidade” e ofendido o que “já foi decidido em caso similar (FUNPEN) pelo E. Supremo Tribunal Federal na ADPF n. 347” (Id. 6708459).

Tomados em conjunto, os argumentos apresentados pelo parquet dizem respeito, fundamentalmente, a questões afetas ao mérito da ação civil pública – isto é, ao fim, se a União Federal pode ou não continuar com a prática orçamentária que tem adotado relativamente ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos –, não versando, entretanto, com o cerne desta suspensão de liminar, que, repise-se, não debate referida questão, mas sim em que medida a solução provisória conferida pelo juízo a quo – o deferimento da liminar nos exatos termos propostos pelo parquet – mostra-se prejudicial à ordem e à economia públicas.

Para compreender tal ponto, é essencial que se retome o argumento desenvolvido na decisão impugnada, baseado na constatação de que o acréscimo dos recursos alocados para o FDD, de R$ 3,4 milhões, para, estima-se, 700 milhões, poderia se traduzir em situação administrativa-orçamentária caótica, porque a entidade não detém, a princípio, capacidade de executar esse montante.

Referida situação se reveste de efetiva gravidade porquanto, como disposto em nota técnica anexada à inicial (Id. 5108155), a alocação de recursos significativos a instâncias incapazes de mobilizá-los e os dispender adequadamente, nos termos da legislação financeira aplicável, enseja a esterilização orçamentária, circunstância que se mostra especialmente indesejável caso se tenha em conta, primeiro, o significativo patamar de engessamento orçamentário ao qual sujeito o Poder Executivo Federal, e, segundo, o cenário de restrições que amplifica quaisquer perdas no direcionamento dos escassos recursos disponibilizados para a execução de políticas públicas, à parte, portanto, do volume constitucionalmente vinculado.

É da especificidade desse cenário caótico que se extraiu a afetação às ordens pública e econômica, e não da conclusão do juízo a quo no sentido de que, ao menos em sede liminar, incumbe à União administrar de modo diferente os recursos do FDD.

Nesse âmbito, é precisamente por não estar esse último ponto em discussão que não há que se falar em impacto ao aqui argumentado pelo regimental, nos específicos pontos nos quais sustenta que União Federal violaria o art. 13 da Lei n.º 7.347/85 pelo modo como contingencia o FDD; ou que o Supremo Tribunal Federal, na ADPF n.º 347/DF, teria decidido pela ilegalidade desse procedimento.

O que se discute, sim, é que o formato adotado pelo juízo a quo para por termo à suposta ilegalidade, consubstanciado no deferimento liminar dos pedidos da inicial – determinando-se, por consequência, a imediata inclusão de 700 milhões de reais na Lei Orçamentária –, mostrou-se capaz de gerar cenário financeiro suficientemente caótico no país a ativar a via da suspensão de liminar para evitá-lo.

Inexistem, nesse sentido, quaisquer argumentos na decisão impugnada que sejam propriamente contrários ou favoráveis à questão de fundo posta na Ação Civil Pública n.º 5008138-68.2017.4.03.6105, razão pela qual mesmo que se reconheça a similitude este caso e o discutido na Arguição de Descumprimento Fundamental n.º 347/DF, disso não decorre argumento capaz de inviabilizar o deferimento da suspensão de liminar, nem, por isso, apto a reverter a decisão que aqui se ataca, mas, tão-somente, questão a ser discutida nos autos subjacentes, pela via própria, que detém, inclusive, os meios processuais adequados para melhor aferir a eventual semelhança fática entre os casos.

Nada obstante, ante a menção feita no agravo quanto a trecho específico do julgado, qual seja, o deferimento do pedido “h” da inicial – pelo qual, de fato, operado o descontingenciamento das verbas existentes no FUNPEN – ressalte-se que o contexto que se tinha, à época, sob discussão na ADPF n.º 347, é substancialmente distinto destes autos, porque ali referido deferimento se deu no âmbito do absoluto caos vigente no sistema penitenciário nacional, motivo pelo qual, inclusive, foi-lhe aposta a situação de um “estado de coisas inconstitucional”.

Veja-se, a esse respeito, excerto específico do voto condutor – em que a liberação dos recursos do FUNPEN é contextualizada com a situação emergencial de sistemática violação de direitos humanos que constantemente ocorre nos presídios do país, linha condutora que permeia todo o precedente e que o particulariza, tornando inviáveis interpretações que tomem referida deliberação sem o pertinente contexto que a circundou – e do acórdão:

“Já em relação ao pedido contido na alínea “h”, verifica-se que o Fundo Penitenciário Nacional- FUNPEN, criado pela Lei Complementar 79, de 07 de janeiro de 1994, regulamentada pelo Decreto 1.093, de 03 de março de 1994, tem por finalidade proporcionar recursos e meios para financiar e apoiar as atividades e programas de modernização e aprimoramento do Sistema Penitenciário Brasileiro. Seus recursos encontram-se previstos no disposto no art. 2º, da Lei Complementar 79, bem como art. 45, § 3º e art. 49, ambos do Código Penal, ao passo que a aplicação deve observar o disposto no art. 3º, da Lei Complementar 79, e art. 2º, do Decreto 1.093/94, mediante convênio, acordos ou ajustes, nos termos do disposto no art. 3º, § 1º, da Lei Complementar 79, e art. 6º, do Decreto 1.093. Observa-se uma tentativa de racionalizar o uso dos recursos em detrimento da efetivação dos direitos fundamentais.

Um ponto, todavia, merece esclarecimento. É que, ao estabelecer o repasse de recursos mediante instrumentos de cooperação, o art. 3º, § 1º, da Lei Complementar nº 79, deixa a iniciativa dos projetos a qualquer ente federado, isto é, tanto os Estados quanto a União podem propor projetos para utilização dos recursos do Fundo, tendo em vista a competência concorrente para legislar sobre direito penitenciário (art. 24, I, da Constituição Federal). Disto decorre que o interesse na matéria é repartido entre a União e os Estados. Nesta perspectiva, é interessante que alguns projetos sejam previstos e executados nacionalmente, como, a título ilustrativo, de implementação da monitoração eletrônica. A atuação nacional na hipótese poderia diminuir o valor da licitação no tocante à aquisição da tecnologia ou das próprias tornozeleiras. Contudo, a realidade é diversa:

‘Destaca-se como principal instrumento financeiro o Funpen (Fundo Penitenciário Nacional), criado pela Lei Complementar 79, de 7 de janeiro de 1994[5], fundo de natureza contábil que integra o orçamento fiscal da União, e principal fonte de recursos para as ações governamentais de grande parte dos entes federados, por meio de transferências voluntárias, via convênios e, no caso de obras pública, por contratos de repasse[6]. Faz dos fundos e transferências intergovernamentais voluntárias os instrumentos por excelência que permitem operacionalizar o financiamento desta política pública de forma mais eficiente em nosso federalismo cooperativo. Chama a atenção saber que boa parte do orçamento deste fundo não é executada. Ante a atual situação de precariedade do nosso sistema prisional, não há como se admitir que, havendo recursos disponíveis, não sejam utilizados, o que se constata pelo frequente contingenciamento das dotações orçamentárias do Funpen, que já vem de longa data[7]. Põe por terra eventuais argumentações pela aplicação da teoria da reserva do possível como justificativa para o não atendimento das necessidades do setor, não somente em razão da evidente prioridade ante as situações de flagrante violação do princípio da dignidade humana, como também pela impossibilidade de se alegar falta de recursos que estão contemplados no orçamento público.’[14]” (g. n.)

“CUSTODIADO – INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL – SISTEMA PENITENCIÁRIO – ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL – ADEQUAÇÃO.

Cabível é a arguição de descumprimento de preceito fundamental considerada a situação degradante das penitenciárias no Brasil.

SISTEMA PENITENCIÁRIO NACIONAL – SUPERLOTAÇÃO CARCERÁRIA – CONDIÇÕES DESUMANAS DE CUSTÓDIA – VIOLAÇÃO MASSIVA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS – FALHAS ESTRUTURAIS – ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL – CONFIGURAÇÃO.

Presente quadro de violação massiva e persistente de direitos fundamentais, decorrente de falhas estruturais e falência de políticas públicas e cuja modificação depende de medidas abrangentes de natureza normativa, administrativa e orçamentária, deve o sistema penitenciário nacional ser caraterizado como “estado de coisas inconstitucional”.

FUNDO PENITENCIÁRIO NACIONAL – VERBAS – CONTINGENCIAMENTO.

Ante a situação precária das penitenciárias, o interesse público direciona à liberação das verbas do Fundo Penitenciário Nacional.

AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA – OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA.

Estão obrigados juízes e tribunais, observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, a realizarem, em até noventa dias, audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contado do momento da prisão”.

(STF, Plenário, ADPF n.º 347 MC, Relator Min. Marco Aurélio, 19.2.2016).

Assim, quer seja a ausência de pertinência do argumentado quanto à especificidade dessa via suspensiva, quer seja a distinção fática subjacente ao precedente, vê-se inviável a sua utilização como meio capaz de afetar o anteriormente decidido.

No mais, quanto ao pedido subsidiário apresentado pelo Ministério Público Federal, para que haja a “modulação do julgamento, pela qual a r. suspensão fique restrita às verbas já contingenciadas, mantendo-se eficaz a decisão a quo quanto às verbas futuras e ordenando-se à União que não mais trate as verbas do Fundo de Direitos Difusos (FDD) como orçamentárias, repassando-as imediata e integralmente para uso do Fundo”, ressalte-se que a suspensão de liminar não é o instrumento adequado para restringir ou ampliar o alcance do determinado pelo juízo a quo, mesmo porque a presente via, que, como dito acima, é de cognição restrita, sequer detém dos meios processuais instrutórios adequados a se aferir as consequências do deferimento do pleito subsidiário.

Dessa forma, retomados e mantidos hígidos os argumentos da decisão impugnada, e porquanto afastado o sustentado pelo agravante no recurso por ele interposto, a manutenção do decidido impõe-se de rigor.

Ante o exposto, conheço do agravo e do pedido que o seguiu para, conjuntamente, afastar a preliminar apresentada e, no mérito, negar provimento ao regimental.

É o voto.

 

Desembargadora Federal Therezinha Cazerta

Presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região

 

 

 


SUSPENSÃO DE LIMINAR OU ANTECIPAÇÃO DE TUTELA (144) Nº 5021251-37.2018.4.03.0000

RELATOR: Gab. Presidência

REQUERENTE: UNIAO FEDERAL

 

REQUERIDO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CAMPINAS/SP - 6ª VARA FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

D E C L A R A Ç Ã O  DE  V O T O

 

 

A Excelentíssima Senhora Desembargadora Federal MARLI FERREIRA

Em que pese os judiciosos fundamentos da e. Desembargadora Federal Relatora, ouso divergir de S. Excelência, para dar provimento ao agravo interposto pelo Ministério Público Federal contra a suspensão da tutela de urgência determinada pela Presidência deste Tribunal.

Pois bem.

Primeiramente quanto à invocada “GRAVE LESÃO À ORDEM ECONÔMICA E FINANCEIRA”.

A decisão judicial não invadiu seara política de conveniência e oportunidade para a concessão da liminar, de molde a impor lesão grave à ordem econômica e financeira.

A alegação da recorrente beira o absurdo. Primeiramente juiz não cria lei. Juiz não vota lei e juiz não sanciona a lei. O magistrado apenas fez valer no ordenamento jurídico a letra expressa da lei e seu regulamento de resto incumprido de forma imoral e inconstitucional pela União Federal.

O fundo veio expresso no art. 13 da Lei nº 4347/85, que assim se contém:

 

“Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um Fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados a reconstituição dos bens lesados.

§ 1º Enquanto o fundo não for regulamentado, o dinheiro ficará  depositado em estabelecimento oficial de crédito, em conta de correção monetária.”

 

Ora, evidente que não poderiam esses valores ingressarem para o orçamento geral do Ministério da Justiça., nada obstante a edição da Lei nº 9.008/95 que instituiu o Conselho Federal junto ao Ministério da Justiça.

A aplicação do percentual mínimo contingenciado fere de morte a norma legal a que todos estão obrigados.

A Lei de Responsabilidade Fiscal LC 101/2000, aliás é expressa no paragrafo único do art. 8º:

 

“Paragrafo único- Os recursos legalmente vinculados a finalidade específica será utilizados exclusivamente para atender ao objeto de sua vinculação, ainda que em exercício diverso daquele em que ocorrer o ingresso.”

 

Essa autorização da Lei Complementar, não significa contingenciamento. Pelo contrário. Não podendo ser aplicado o valor recebido no mesmo exercício, pois depende de apresentação de projetos e necessidades legais pertinentes, deverá ser o recurso alocado em outro exercício jamais contingenciado e desviado para finalidade que nada tenha a ver com direitos difusos.

Aliás, examinando o site do Ministério da Justiça e do Conselho, várias propostas aprovadas, não guardam qualquer relação com direitos difusos e algumas voltadas para comunidades específicas, o que já é, em si um desvio insustentável.

Também o argumento invocado pela União Federal sobre a aplicação do art. 2º-B da Lei nº 9.494/97, objeto de julgamento quanto ao art. 1º na ADC 4, não se aplica como precedente ao caso concreto.

Basta ler, para descobrir, sem qualquer necessidade de interpretação que o espírito da lei, e o que gramaticalmente se contem expressa o seguinte sentido: quando for proferida uma sentença referente a servidor público, concedendo-lhe vantagens, inclusão em folha de pagamento, reclassificação, equiparação a outros servidores, aumento ou extensão de vantagens, essa sentença proferida em face dos entes politicamente parificados, suas autarquias e fundações, somente serão ao final executadas – após o trânsito em julgado. Evidentemente não é o caso dos autos.

Outra alegação que não se sustenta dentre muitas: vinculação de receita. O FDD não compõe receita de nenhum ente político. São recursos autônomos, e não importa nem mesmo importou ao legislador discriminar o grau de importância estratégica de certos órgãos, como por exemplo, a Polícia Federal etc. A lei criou esse Fundo não para compor orçamento do Poder Executivo, mas sim para atendimento única e exclusivamente dos direitos difusos.

Quanto à determinação da criação da conta em apartado, apesar que no início a determinação legal era de que assim se procedesse, o certo é o dinheiro enquanto não regulamentado o fundo, ficou depositado, ou deveria ter sido, em estabelecimento oficial de crédito em conta com correção monetária, o que retira da decisão judicial qualquer intromissão na forma de alocação do referido recurso.

Demais disso, o Decreto 1306/94, que regulamenta o FDD dispõe:

 

“Art. 10. Os recursos destinados ao fundo serão centralizados em conta especial mantida no Banco do Brasil S.A., em Brasília, DF, denominada “Ministério da Justiça - CFDD – Fundo.

Parágrafo único. Nos termos do Regimento Interno do CFDD, os recursos destinados ao fundo provenientes de condenações judiciais de aplicação de multas administrativas deverão ser identificados segundo a natureza da infração ou do dano causado, de modo a permitir o cumprimento do disposto no art. 7º deste Decreto.”

 

Grave lesão à ordem jurídica e econômica é o que está sendo alcançado pela inaplicabilidade dos valores aos fins a que se destina, como de resto tem feito a União Federal com outros fundos: Fundo Nacional do Meio Ambiente; Fundo Nacional de Segurança Pública; Fundo Nacional da Criança e do Adolescente; Fundo Nacional dos Direitos da Mulher; Fundo Nacional Anti-Drogas, onde os vultosos valores nunca são legalmente alocados.

Ante o exposto, vênia devida à e. Presidente desta Corte, dou provimento ao agravo.

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SUSPENSÃO DE LIMINAR OU ANTECIPAÇÃO DE TUTELA (144) Nº 5021251-37.2018.4.03.0000

RELATOR: Gab. Presidência

REQUERENTE: UNIAO FEDERAL

 

REQUERIDO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CAMPINAS/SP - 6ª VARA FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

 

O voto do Desembargador Federal Fábio Prieto:

 

Trata-se de recurso interposto pelo Ministério Público Federal, por iniciativa da Procuradoria Regional da República, contra suspensão de tutela de urgência determinada pela Presidência deste Tribunal.

 

No primeiro grau de jurisdição, o Ministério Público Federal, representado pela Procuradoria da República de Campinas, ajuizou ação civil pública, para viabilizar intervenção judiciária sobre a direção político-financeira da gestão do orçamento do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos – FDDD, até então sob a competência constitucional do Poder Executivo.

 

O Juízo Federal de Campinas concedeu tutela de urgência, para determinar, liminarmente, ao Poder Executivo:

 

“a) obrigação de fazer, no sentido de que, doravante e até o trânsito em julgado da sentença prolatada nesta Ação Civil Pública, passe a apresentar, na proposta de Lei Orçamentária anual, disposição no sentido de destinar a integralidade dos recursos do Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD) aos fins a que foram arrecadados, quais sejam, a reparação de direitos transindividuais lesados, na forma das normas de regência, o que se aplica já na proposta orçamentária para o exercício de 2019, a ser apresentada pela UNIÃO, por meio do Governo Federal, no ano de 2018;

b) obrigação de não fazer, no sentido de não promover novos contingenciamentos dos recursos do FDD, de modo que todos os valores arrecadados pelo Fundo sejam orçados e disponibilizados para aplicação no exercício subsequente ao que foram arrecadados;

c) obrigação de fazer no sentido de criar conta-corrente específica para segregar financeiramente os recursos destinados ao FDD, de modo a impedir que eles continuem compondo reserva financeira da UNIÃO e passem a atender a finalidade para a qual se destinam”.

 

 

Com a medida liminar, a verba disponível para um ano de gestão e distribuição no FDDD foi elevada em mais de 20.000%: de R$ 3,4 milhões de reais, para mais de R$ 700 milhões de reais.

 

 

A União apresentou pedido de suspensão da medida cautelar, até o final e definitivo julgamento da referida ação civil pública”.

 

A Presidência do Tribunal acatou o pedido, em parte. Suspendeu a medida liminar, mas “até que sobrevenha a análise da questão, no mérito recursal, por órgão julgador deste Tribunal Regional Federal”.

 

Pedi vista dos autos e, agora, apresento o meu voto.

 

A ação civil pública foi ajuizada em Campinas, no interior do Estado de São Paulo.

 

O FDDD tem abrangência nacional.

 

Recebe recursos de toda parte do território nacional.

 

Aplica recursos em toda parte do território nacional.

 

Se há dano com o contingenciamento do orçamento do FDDD, a extensão é nacional.

 

O fato é incontroverso.

 

Diz a própria petição inicial da ação civil pública: “É indubitável que a matéria versada na petição inicial não se consubstancia em dano local, mas sim nacional (os destaques não são originais) ”.

 

A ação civil pública só poderia ter sido ajuizada no Distrito Federal ou em uma das Capitais dos Estados, segundo a lei e a jurisprudência pacífica.

 

A Lei da Ação Civil Pública: “As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa” (artigo 2º).

 

A escolha do foro do local do dano deve levar em conta o artigo 93, da Lei de Defesa do Consumidor, norma de caráter geral, aplicável às ações civis públicas, cujo teor é o seguinte:

 

“Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local:

        I - no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local;

       II - no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente”.

 

A jurisprudência está consolidada neste sentido – STJ: CC 126601, CC 112235 e REsp 712006.

 

O precedente mais recente:

 

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ART. 535 DO CPC/1973. VIOLAÇÃO. INEXISTÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO DE ÂMBITO NACIONAL. FORO COMPETENTE.

1. O Plenário do STJ decidiu que "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça"(Enunciado Administrativo n. 2).

2. Inexiste violação do art. 535 do CPC/1973 quando o Tribunal de origem aprecia fundamentadamente a controvérsia, apontando as razões de seu convencimento, ainda que de forma contrária aos interesses da parte, como constatado na hipótese.

3. De acordo com a jurisprudência do STJ, a teor do 93, II, do Código de Defesa do Consumidor, "sendo o suposto dano nacional, a competência será concorrente da capital do Estado ou do Distrito Federal, a critério do autor" (CC 126.601/MG, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 27/11/2013, DJe 05/12/2013).

4. Na hipótese, em ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal, visando à condenação da ré, ora agravante, ao pagamento de indenização por danos morais coletivos, em razão do descumprimento das regras de qualidade do Sistema de Atendimento ao Cliente - SAC, o Tribunal a quo entendeu que "o dano objeto da ação ultrapassa o âmbito local (Rio de Janeiro), acarretando prejuízos de âmbito nacional", razão por que a demanda seria de competência de uma das varas do Distrito Federal ou da capital de um dos estados, à escolha do autor.

5. Agravo interno desprovido.

(STJ - AgInt no AREsp 944.829/DF, 1ª TURMA).

 

 

A escolha livre do foro para o ajuizamento da ação, fora da lei de competência, permitiria que integrantes do Poder Judiciário e do Ministério Público ampliassem o exercício do poder jurisdicional até o limite sempre incerto e temerário do voluntarismo pessoal, com a possibilidade do retorno aos superados justiçamentos.

 

A própria concepção constitucional de exercício da jurisdição, no Estado Democrático de Direito, é antagônica com o conceito de justiça de mão própria.

 

Na evolução histórica, o Estado Liberal surgiu para proclamar e ritualizar o monopólio da justiça, em face dos que a vinham exercendo por iniciativa pessoal e sem medida.

 

Na vida institucional contemporânea, a fiscalização contra o justiçamento volta-se, principalmente, para dentro do aparato judiciário.

 

Os agentes políticos do Estado – integrantes do Poder Judiciário e do Ministério Público - qualificados com direitos e prerrogativas relevantes, para o exercício e a fiscalização do monopólio da justiça, devem ficar circunscritos ao poder que lhes conferiu a lei.

 

O critério legal de distribuição da competência dá a medida da jurisdição.

 

A Magistratura - também o Ministério Público - não está constitucionalmente autorizada a abrir mão do alto grau de civilidade representado pela institucionalização do Poder Judiciário, nos limites do Estado Democrático de Direito, cujo modelo de responsabilidade é incompatível com o bonapartismo, o messianismo, o sebastianismo, o "xerifismo" dos fronteiriços e outros delírios de poder oportunista, autoritário, jactancioso ou de manicômio.

 

Este Tribunal Federal, reiteradamente, sempre por unanimidade, tem vetado o ilegal processamento de ações civis públicas direcionadas a juízos manifestamente incompetentes - inclusive quando ato de afronta contra decisão vinculante do Supremo Tribunal Federal, que o Ministério Público Federal de São Paulo considerou “mais política que jurídica”.

 

 

PRECEDENTEAPAGÃO”:

DIREITO CONSTITUCIONAL - "APAGÃO" - ENCARGOS TARIFÁRIOS - MEDIDAS PROVISÓRIAS Nº 2148-1 E 14/01, COM A LEI DE CONVERSÃO Nº 10.438/02 - JULGAMENTO DAS QUESTÕES NO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: ADC 9, COM EFICÁCIA VINCULANTE, E RE 576189, NO SISTEMA DA REPERCUSSÃO GERAL - AJUIZAMENTO SUCESSIVO DE AÇÕES CIVIS PÚBLICAS, COM FUNDAMENTAÇÃO CONTRÁRIA AO ENTENDIMENTO DO STF - EFICÁCIA VINCULANTE TRANSCENDENTE DA MOTIVAÇÃO NO CONTROLE DA CONSTITUCIONALIDADE PELO STF - TERCEIRA AÇÃO CIVIL PÚBLICA, CUJO OBJETO EMBARAÇA OU DIFICULTA A EXECUÇÃO DAS DECISÕES DO STF - EXTINÇÃO, DE OFÍCIO, PELO RELATOR, NO TRIBUNAL, POR FORÇA DO EFEITO TRANSLATIVO DE RECURSO.

1. As decisões do Plenário do Supremo Tribunal Federal, com eficácia vinculante e repercussão geral, não podem ser embaraçadas ou dificultadas pelo ajuizamento sucessivo de ações civis públicas.

2. É de nenhuma relevância, para tal efeito, que os fundamentos aceitos, no Plenário do Supremo Tribunal Federal, constituam, para a Procuradoria da República, "decisão mais política que jurídica", avaliação operada, em uma das três ações civis públicas, em nota de rodapé.

3. A fundamentação exposta em decisão adotada no âmbito do controle de constitucionalidade, no Supremo Tribunal Federal, tem eficácia vinculante. Precedentes do STF.

4. Extinção sumária da terceira ação civil pública, diretamente no Tribunal, por decisão monocrática do Relator, de ofício, no âmbito do efeito translativo de recurso, cujo exame fica prejudicado.

5. Agravo improvido pelo Colegiado.

(TRF 3ª Região, QUARTA TURMA, AI 0004747-22.2010.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL FÁBIO PRIETO, julgado em 04/08/2011).

 

 

 

PRECEDENTECAOS AÉREO”:

MEDIDA CAUTELAR DE BUSCA E APREENSÃO DE DOCUMENTOS RELACIONADOS AO CONTROLE DO TRÁFEGO AÉREO - CONCESSÃO E EXECUÇÃO DE MEDIDA LIMINAR, PELO JUÍZO FEDERAL DE GUARULHOS, NAS UNIDADES AEROPORTUÁRIAS DE CUMBICA (GUARULHOS - SP), CONGONHAS (SÃO PAULO - SP) E CINDACTA 1 (BRASÍLIA - DF): INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA - PROVIDÊNCIA REQUERIDA PARA A INSTRUÇÃO DE INQUÉRITO CIVIL INSTAURADO SOB ALEGAÇÕES INVÁLIDAS, EM PARTE, E, NO MAIS, CONTRARIADAS PELA PROVA DOCUMENTAL, COM OBJETO ILÍCITO - REVOGAÇÃO DA MEDIDA LIMINAR.

1. No juízo incidental e provisório, próprio ao exame de medida liminar, em Medida Cautelar, cumpre anotar que, ao Juízo Federal local, de Guarulhos (SP), parece faltar competência para a busca e apreensão liminar de documentos, nas unidades aeroportuárias de Cumbica (Guarulhos - SP), Congonhas (São Paulo - SP) e CINDACTA 1 (Brasília - DF).

2. Se é nacional a projeção do suposto dano, é absoluta a incompetência do juízo local. Circunstância que, em se tratando de tema sujeito ao regime da ação civil pública, pode impedir, inclusive, a remessa dos autos ao juízo competente, pois a subscrição de petição inicial, neste assunto, por Membro do Ministério Público desprovido de atribuição legal, é ato ilegal, cuja gravidade, na perspectiva da Procuradoria-Geral da República (cf. Proc. PGR nº 1.00.000.007452/2004-07), pode configurar, em tese, infração funcional.

3. Medida cautelar destinada à instrução de inquérito civil, cuja ilicitude é representada pelo objeto vago, largo e indeterminado, defeitos demonstrativos da potencial operacionalização de instrumento genérico de supervisão geral de atribuições imputadas a órgãos e entidades estranhos ao Ministério Público Federal.

4. Os Ministérios Públicos, ciosos da responsabilidade própria ao manuseio das ações civis públicas, têm zelado pela exigência da especificação do fato determinado, como medida necessária para a legitimação do inquérito civil. Entre outros: Ato Normativo nº. 484-CPJ, de 5 de outubro de 2006, do Colégio de Procuradores do Ministério Público do Estado de São Paulo.

5. A invocação de fundamento fático relacionado à "omissão de informações claras", por parte da Aeronáutica, não guarda simetria com a verdade documentada, pois, provocado pela Procuradoria da República de Guarulhos, o Comandante da Força, pessoalmente, apresentou esclarecimentos objetivos e circunstanciados - documento de fls. 81/84.

6. Em nome da Nação - ausente uma única reclamação documentada por algum de seus milhões de cidadãos -, a invocação de genérica situação caótica - como simples expressão do discurso de pânico, de emergência, de terror psicológico ou de intimidação coletiva -, não autoriza qualquer agente político, nos Poderes da República - inclusive no Judiciário, com a coadjuvação, ou não, de partes estatais, privadas ou públicas, como é o caso dos Ministérios Públicos -, a fazer intervenção ilegítima - declarada ou dissimulada -, sem limites, nas atividades circunscritas à competência constitucional de outrem.

7. É de nenhuma relevância jurídica, se o suposto "caos aéreo" encontra ressonância nos noticiosos - ainda quando não sejam patrocinados por setores interessados na difusão da própria informação, nem sempre coincidente com o fato certo e documentado.

8. Ciente da grave realidade representada pela "plantação de fatos", nos meios de comunicação - e de sua reiteração -, o Supremo Tribunal Federal foi ao patamar da solução radical do veto à instauração de procedimento de investigação fundado em matéria noticiosa - ou publicada em noticiosos. STF, Plenário, PET 2805-Agr, Ministro Nelson Jobim: "Estamos sendo instrumento político. Precisamos colocar os pés no chão, isto é um jogo político. E não podemos nos submeter a ele".

9. A Magistratura não está constitucionalmente autorizada a abrir mão do alto grau de civilidade representado pela institucionalização do Poder Judiciário, nos limites do Estado Democrático de Direito, cujo modelo de responsabilidade é incompatível com o bonapartismo, o messianismo, o sebastianismo, o "xerifismo" dos fronteiriços e outros delírios de poder oportunista, autoritário, jactancioso ou de manicômio.

10. Agravo de instrumento provido.

(TRF 3ª Região, QUARTA TURMA, AI 0021751-43.2008.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL FABIO PRIETO, julgado em 05/05/2011).

 

 

Também podem ser citados os precedentes relacionados à paralisação das atividades da Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira (SLAT nº 2014.03.00.021214-0) e à proibição ao uso do volume técnico, nos reservatórios do sistema de abastecimento de água Cantareira, (SLAT nº 0026249-75.2014.4.03.0000), decisões prolatadas por juízos manifestamente incompetentes, ambas suspensas pela Presidência deste Tribunal Federal, quando sob minha titularidade e Relatoria.

 

Tratando-se, ademais, de ação civil pública, é preciso refletir sobre o magistério do Supremo Tribunal Federal, na censura ao que caracterizou como “ações espetaculares” (Reclamação nº 2138):

 

 

"O sistema constitucional brasileiro distingue o regime de responsabilidade dos agentes políticos dos demais agentes públicos.

O próprio texto constitucional refere-se especialmente aos agentes políticos, conferindo-lhes tratamento distinto dos demais agentes públicos.

Está em HELY LOPES MEIRELLES:

 

 

"......................

Agentes políticos: são os componentes do Governo nos seus primeiros escalões, investidos em cargos, funções, mandatos ou comissões, por nomeação, eleição, designação ou delegação para o exercício de atribuições constitucionais. Esses agentes atuam com plena liberdade funcional, desempenhando suas atribuições com prerrogativas e responsabilidades próprias, estabelecidas na Constituição e em leis especiais.

Os agentes políticos exercem funções governamentais, judiciais e quase-judiciais, elaborando normas legais, conduzindo os negócios públicos, decidindo e atuando com independência nos assuntos de sua competência. São as autoridades públicas supremas do Governo e da Administração, na área de sua atuação, pois não são hierarquizadas, sujeitando-se apenas aos graus e limites constitucionais e legais da jurisdição. Em doutrina, os agentes políticos têm plena liberdade funcional, equiparável à independência dos juízes nos seus julgamentos, e, para tanto, ficam a salvo de responsabilização civil por seus eventuais erros de atuação, a menos que tenham agido com culpa grosseira, má-fé ou abuso de poder.

................."(DAB, 26ª. ed., 2001, p. 71/2).

HELY observa, ainda, que essas prerrogativas são outorgadas com objetivo de garantir o livre exercício da função política.

"......................

Realmente, a situação dos que governam e decidem é bem diversa da dos que simplesmente administram e executam encargos técnicos e profissionais, sem responsabilidade de decisão e opções políticas. Daí por que os agentes políticos precisam de ampla liberdade funcional e maior resguardo para o desempenho de suas funções. As prerrogativas que se concedem aos agentes políticos não são privilégios pessoais; são garantias necessárias ao pleno exercício de suas altas e complexas funções governamentais e decisórias. Sem essas prerrogativas funcionais os agentes políticos ficariam tolhidos na sua liberdade de opção e decisão, ante o temor de responsabilização pelos padrões comuns da culpa civil e do erro técnico a que ficam sujeitos os funcionários profissionalizados.

............................." (ob. cit., p. 73).

Não tenho dúvida de que esses agentes políticos estão regidos por normas próprias. Tudo decorre da peculiaridade do seu afazer político. Todos aqueles que têm alguma experiência da vida política conhecem os riscos e as complexidades que envolvem as decisões que rotineiramente são tomadas pelos agentes políticos. Submeter essas decisões aos paradigmas comuns e burocráticos que imperam na vida administrativa de rotina é cometer uma grotesca subversão. São muitas as razões que levam não poucos agentes incumbidos da persecução a se esforçar para obter um resultado positivo no julgamento contra autoridade de maior representatividade política. É bom que se o diga. Uns, na busca de notoriedade fácil. Vê-se, muito, nos jornais. Outros, no propósito de participar, por outros meios, de debate político. O inadequado conhecimento da complexa prática institucional no âmbito da Administração tem levado à propositura de ações espetaculares. A maioria delas destituídas de qualquer fundamento. O propósito notório é de dar ao perseguidor uma aura de coragem e notoriedade e impor ao atingido o maior constrangimento possível. Dá-se ampla divulgação aos meios de comunicação".

 

 

No primeiro instante, com o ajuizamento da ação civil pública, cabia ao Poder Judiciário, em Campinas, recusar-lhe, de plano, qualquer tipo de validade e eficácia, pois o ato manifestamente ilegal, praticado pelo representante do Ministério Público Federal, não poderia ter curso só aparentemente legal, perante juízo absolutamente incompetente.

 

José Carlos Barbosa Moreira aponta, entre as "disfunções do mecanismo judiciário", "no tocante à condução do processo", "a sobrevivência de feitos manifestamente inviáveis até etapas avançadas do iter processual, em vez do respectivo trancamento no próprio nascedouro (pelo indeferimento da petição inicial) ou em ponto tão próximo daquele quanto possível" ("Sobre a "participação" do Juiz no processo civil", em "Participação e Processo", pág. 383, Edit. RT, edição 1.988).

Se o integrante do Ministério Público toma contato com atos passíveis de ensejar a propositura de ação civil pública, fora do campo de suas atribuições legais, tem o dever de remessa das peças de informação e dos documentos ao colega oficiante no juízo competente.

 

 

Trata-se de dever funcional.

 

 

Diante do descumprimento manifesto deste dever funcional, com o ajuizamento de ação civil pública, por quem não tinha atribuição legal e, ainda, perante juízo absolutamente incompetente, o Procurador-Geral da República reputou cabível a comunicação da ocorrência à Corregedoria-Geral do Ministério Público Federal, órgão disciplinar da instituição, "para as providências cabíveis".

 

 

Confira-se o inteiro teor do procedimento PGR nº 1.00.000.007452/2004-07:

 

"1.A il. Colega Renita Kravetz oficia-me, verbis:

"Encaminho a Vossa Excelência, para fins de orientação quanto o procedimento a adotar, a consulta formulada pelo Procurador Regional dos Direitos do Cidadão desta PR/PR, Sérgio Cruz Arenhart, acerca da competência da ação civil pública proposta pelo Procurador da República em Guarapuava, Pedro Paulo Reinaldim, relativa ao regime de cotas, instituído pela Universidade Federal do Paraná em benefício de negros, pardos e pessoas oriundas de escolas públicas." (fls.01)

2. Efetivamente, o il. Colega Sérgio Arenhart, Procurador Regional dos Direitos do Cidadão, à il. colega Renita Kravetz manifestou-se nesse sentido, verbis:

"Exma. Sra. Procuradora-Chefe no Paraná,

Nesta semana, tivemos conhecimento de que o colega Pedro Paulo Reinaldim, lotado em Guarapuava, propôs ação civil pública questionando o regime de cotas, instituído pela UFPR, em benefício de negros, pardos e pessoas oriundas de escolas públicas. Sem adentrar no mérito da questão, parece-me claro que a competência para eventuais medidas a respeito dessa situação não é nem poderia ser do colega da PRM. Com efeito, o ato questionado é da UFPR e a sede desta é em Curitiba. Por outro lado, embora sustente o colega que o dano tem extensão nacional (dado que qualquer pessoa poderá se inscrever no vestibular daquela instituição), é certo que este dano somente será sentido nesta capital, se e quando a pessoa for aprovada no vestibular e não tiver o acesso à vaga da Universidade a fim de iniciar seus estudos - o que, fatalmente, ocorrerá nesta capital. Não há, pois, como se cogitar de dano nacional no caso concreto. Por outro lado, ainda que se considerasse o dano de extensão nacional, é certo que a jurisprudência tem se inclinado a defender a idéia de que nos casos de danos nacionais, a ação (coletiva) deve ser proposta ou na capital de qualquer Estado, ou no Distrito Federal. Diante de tudo, consulto-lhe da possibilidade de adoção de alguma providencia, a fim de estabelecer a atribuição da Procuradoria da República do Estado do Paraná - e, especialmente, da Procuradoria dos Direitos do Cidadão - relativamente a esta questão."(fls. 02)

3.Tem razão o il. Colega Sérgio Arenhart.

4.O il. Colega Pedro Paulo Reinaldim, com atuação funcional circunscrita ao município de Guarapuva, subscreveu inicial de ação civil pública, verbis: "em face da UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ, autarquia federal, com sede na Rua XV de Novembro, 1299, CEP 80.060-000, Curitiba – PR” (inicial subscrita pelo il. Colega Pedro Reinaldim a fls. 3, grifei).

5.É o quanto basta a caracterizar a violação do princípio do Promotor Natural.

6.O ato provém de autarquia federal situada na capital do Estado do Paraná, na cidade de Curitiba.

7.O il. colega Pedro Paulo Reinaldim não tem atribuições funcionais para representar o Ministério Público Federal, em Curitiba.

8.O dano não tem extensão nacional, por óbvio.

9.Primeiro porque a seleção vestibular, assim o é, para estabelecimento localizado em determinada localidade: Curitiba.

10.Segundo porque a circunstância de pessoas de outros Estados-membros da Federação, eventualmente deslocaram-se à cidade de Curitiba para ali prestarem os exames não confere âmbito nacional ao ato questionado: a alegada inconstitucionalidade dos §§ 1º e 2º, do artigo 3º, do Edital nº 01/2004, que publicou as regras do processo seletivo a ingresso nos cursos de graduação da UFPR.

11.Respondo afirmando que o Procurador da República Pedro Paulo Reinaldim não detém atribuições funcionais ao ajuizamento do pleito, que formalizou.

12.Afirmando, outrossim, a violação do princípio do Promotor Natural encaminhe-se cópia deste pronunciamento ao il. Corregedor-Geral do Ministério Público Federal para as providências cabíveis.

13.Sejam os interessados, os ils. Colegas Renita Kravetz, Sérgio Arenhart e Pedro Paulo Reinaldim cientificados deste pronunciamento".

 

 

A censura da Procuradoria-Geral da República à violação ao princípio do promotor natural – por iniciativa da Procuradoria dos Direitos do Cidadão -, tanto mais no âmbito coletivo de ação civil pública, encontra guarida não apenas no veto à propositura de “ações espetaculares”, mas, também, no repúdio institucional que, no Estado Democrático de Direito, a doutrina e o magistério do Supremo Tribunal Federal dispensam ao “promotor de encomenda” ou “promotor de exceção”.

 

“O promotor natural é o reverso do chamado promotor de encomenda”, lembra Hugo Nigro Mazzilli ("Regime Jurídico do Ministério Público", págs. 82/84, Edit. Saraiva, 3ª edição, 1996).

 

Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho anota que "o órgão ministerial, embora uno e indivisível, distribui suas atribuições por suas diversas lotações. Cada membro responde exclusivamente por sua lotação. Trata-se de situação semelhante àquela do Judiciário. Embora a Jurisdição seja una, ela é dividida por competências. Em razão disso, ainda que todos os juízes estejam investidos de jurisdição, sua atuação está adstrita aos limites de sua competência. No caso do Parquet, embora todos os seus membros o representem, em decorrência dos princípios da unidade e da indivisibilidade, somente podem fazê-lo dentro dos limites de suas atribuições, a qual é estabelecida em decorrência de sua lotação. Logo, membro lotado em determinada região não pode estabelecer obrigações com validade em outras regiões e, muito menos, com validade nacional" ("Os princípios da unidade e indivisibilidade do Ministério Público do Trabalho e a abrangência territorial dos termos de ajustamento de conduta por ele firmados", Revista Brasileira de Direito Processual - RBDPro, Belo Horizonte, ano 16, nº 61, pág. 71, jan./mar. 2008").

 

Paulo Cezar Pinheiro Carneiro adverte que “é a lei que delimita o âmbito de abrangência para atuação do órgão, bem como os limites da atribuição do cargo no qual o agente poderá, legalmente, exercer suas funções. Portanto, a unidade do Ministério Público não significa que qualquer de seus membros poderá praticar qualquer ato em nome da instituição, mas sim, sendo um só organismo, os seus membros "presentam" (não representam) a instituição sempre que atuarem, mas a legalidade de seus atos encontra limites no âmbito da divisão de atribuições e demais princípios e garantias impostas pela lei. Da mesma forma, o Poder Judiciário, no exercício da função jurisdicional, se manifesta através dos diversos juízos, presente também aqui o princípio da unidade. O fato de um juiz absolutamente incompetente julgar uma causa não quer dizer que a instituição judiciária não se está manifestando. Está sim; entretanto, o processo contém vício porque o juiz extrapolou o âmbito de sua competência, fixado na lei” ("O ministério público no processo civil e penal: promotor natural: atribuição e conflito", 5ª edição, 3ª tiragem, Rio de Janeiro, Editora Forense, 1995, págs. 44/45).

 

A posição da doutrina encontra amparo no Supremo Tribunal Federal, no sentido de que, no regime constitucional de 1.988, ainda quando possível a mitigação do postulado do promotor natural, pelo sistema normativo, a matéria deve ser objeto de lei específica, não "de designações casuísticas efetuadas pela Chefia da Instituição".

 

"HABEAS CORPUS" - MINISTÉRIO PÚBLICO - SUA DESTINAÇÃO CONSTITUCIONAL - PRINCÍPIOS INSTITUCIONAIS - A QUESTÃO DO PROMOTOR NATURAL EM FACE DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 - ALEGADO EXCESSO NO EXERCÍCIO DO PODER DE DENUNCIAR - INOCORRÊNCIA - CONSTRANGIMENTO INJUSTO NÃO CARACTERIZADO - PEDIDO INDEFERIDO. - O postulado do Promotor Natural, que se revela imanente ao sistema constitucional brasileiro, repele, a partir da vedação de designações casuísticas efetuadas pela Chefia da Instituição, a figura do acusador de exceção. Esse princípio consagra uma garantia de ordem jurídica, destinada tanto a proteger o membro do Ministério Público, na medida em que lhe assegura o exercício pleno e independente do seu oficio, quanto a tutelar a própria coletividade, a quem se reconhece o direito de ver atuando, em quaisquer causas, apenas o Promotor cuja intervenção se justifique a partir de critérios abstratos e pré-determinados, estabelecidos em lei. A matriz constitucional desse princípio assenta-se nas clausulas da independência funcional e da inamovibilidade dos membros da Instituição. O postulado do Promotor Natural limita, por isso mesmo, o poder do Procurador-Geral que, embora expressão visível da unidade institucional, não deve exercer a Chefia do Ministério Público de modo hegemônico e incontrastável. Posição dos Ministros CELSO DE MELLO (Relator), SEPÚLVEDA PERTENCE, MARCO AURÉLIO e CARLOS VELLOSO. Divergência, apenas, quanto a aplicabilidade imediata do princípio do Promotor Natural: necessidade da "interpositio legislatoris" para efeito de atuação do princípio (Ministro CELSO DE MELLO); incidência do postulado, independentemente de intermediação legislativa (Ministros SEPÚLVEDA PERTENCE, MARCO AURÉLIO e CARLOS VELLOSO). - Reconhecimento da possibilidade de instituição do princípio do Promotor Natural mediante lei (Ministro SYDNEY SANCHES). - Posição de expressa rejeição a existência desse princípio consignada nos votos dos Ministros PAULO BROSSARD, OCTAVIO GALLOTTI, NÉRI DA SILVEIRA e MOREIRA ALVES. (HC 67759, Relator (a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 06/08/1992, DJ 01-07-1993 PP-13142 EMENT VOL-01710-01 PP-00121).

 

 

Neste julgamento, o Supremo Tribunal Federal avaliou a eventual usurpação das funções ministeriais pela chefia da instituição, a Procuradoria-Geral.

 

O Ministro Celso de Mello: “É preciso velar pela dignidade institucional do Ministério Público e impedir que Procuradores-Gerais, despojados da consciência que lhes impõe o momento histórico que vive a Instituição, venham, por razões menores ou pela desprezível vontade de agir servilmente, a degradá-la, convertendo-a, desse modo, em inaceitável instrumento de pretensões contestáveis”.

 

A manifestação atual, radical – sem dúvida -, da Procuradoria-Geral da República, acima transcrita, lembra que a degradação da instituição ministerial, como “inaceitável instrumento de pretensões contestáveis”, também pode ser operada em outros níveis da carreira.

 

A propositura de ação civil pública por órgão do Ministério Público Federal destituído de atribuição e o seu processamento por juízo manifestamente incompetente configuram grave lesão à ordem, causa legítima para a suspensão da tutela de urgência.

 

Quanto ao mérito da questão - a intervenção judiciária sobre a direção político-financeira da gestão do orçamento do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos – FDDD, até então sob a competência constitucional do Poder Executivo -, a pretensão configura grave violação da cláusula constitucional da separação dos Poderes, subversão autoritária das regras político-financeiras de governança responsável dos recursos orçamentários.

 

Registre-se que a própria petição inicial da ação civil pública incorpora severas críticas a respeito da gestão do FDDD. Confira-se:

 

“Não obstante, Luiz Dellore, em artigo publicado no ano de 2005, ao analisar os dados relativos à aplicação dos recursos do FDD, já identificava as falhas na gestão dos projetos e patrocínio de eventos com verbas do Fundo: “Em relação à utilização dos valores, vale consignar que até o momento, não obstante a previsão legal, o FDD não patrocinou qualquer evento cultural ou científico, ou tampouco emitiu material informativo. Assim, a utilização dos recursos do fundo se restringe à apresentação de projetos por parte dos interessados, com a aprovação, ou não, por parte dos membros do CFDD.

E o autor continua, a demonstrar que sequer havia, na aplicação dos recursos, observância da origem geográfica ou aplicação em benefício do direito transindividual efetivamente lesado, tampouco transparência acerca dos efetivos resultados obtidos no financiamento dos projetos aprovados pelo CFDD: “A partir da análise desses dados, constata-se claramente que a aplicação dos recursos do FDD é desvinculada de sua origem (espécie de direito difuso que originou o recurso), o que está em desacordo com a recomendação formulada pelo legislador. Da mesma forma, tampouco há a aplicação dos recursos na mesma localidade geográfica em que houve a infração a direito transindividual que proporcionou a vinda de receita ao FDD. E, para finalizar esta análise do atual quadro do FDD, breves comentários acerca da prestação de contas. Atualmente, existe tão somente a prestação de contas em relação ao aspecto financeiro. Portanto, não há, por parte da entidade que recebeu os valores, qualquer informação acerca do êxito do projeto realizado com os recursos obtidos junto ao FDD. Assim, torna-se impossível para o CFDD – e, portanto, para a própria sociedade – saber quais foram os efetivos resultados da aplicação dos recursos em determinado projeto, e se projetos que adotam determinada linha de atuação de fato merecem receber valores do FDD”.

 

 

A ser exata a crítica aceita pela própria petição inicial da ação civil pública, a retenção dos recursos orçamentários deve ser mantida pelo contingenciamento, mas, também, pela violação aos princípios constitucionais da impessoalidade, da moralidade e da eficiência da administração pública.

 

Ocorre que, após relatar os supostos desvios de finalidade e de execução no FDDD, a pretensão do Ministério Público Federal, com a tutela de urgência – agora suspensa –, é elevar, paradoxalmente, a margem orçamentária de disponibilidade financeira, apenas de um exercício para outro, em mais de 20.000%: de R$ 3,4 milhões para R$ 714,2 milhões.

 

A este propósito, cumpre registar as lúcidas ponderações da União sobre a unidade do orçamento e o regime de responsabilidade fiscal feitas através de sua Advocacia Geral e da Secretaria do Tesouro Nacional:

 

“Como o próprio MPF mencionou, os recursos do FDD têm vinculação da receita arrecadada com suas finalidades (art. 1º, §1º, Lei 9.008/95 c.c. art. 8º, parágrafo único, LC 101/00). Contudo, esse fato incontroverso de vinculação de recursos, conforme legislação aplicada, não significa que haja a obrigatoriedade de execução de eventual dotação constante na Lei Orçamentária. Conforme o §2º do art. 9º da LRF, somente “não serão objeto de limitação as despesas que constituam obrigações constitucionais e legais do ente, inclusive aquelas destinadas ao pagamento do serviço da dívida, e as ressalvadas pela lei de diretrizes orçamentárias”. Ou seja, as fontes de recursos legalmente vinculadas ao FDD não podem ser destinadas a outro fim, salvo se decorrente de autorização legislativa, mas a sua execução depende de determinação de dotação, porque não são de empenho obrigatório, sendo explicitamente possível serem destinadas em exercício diverso do ingresso (art. 8º, parágrafo único, LC 101/00):

Art. 8º [...] Parágrafo único. Os recursos legalmente vinculados a finalidade específica serão utilizados exclusivamente para atender ao objeto de sua vinculação, ainda que em exercício diverso daquele em que ocorrer o ingresso.

(...)

Assim, repisa-se: a previsão legal de vinculação das receitas do FDD não torna obrigatória a execução da dotação constante da Lei Orçamentária Anual - LOA, tendo em vista que esses conceitos não se confundem, mas sim garante que tal verba não será utilizada para outros fins. A toda evidência, o pleito da autora confunde os conceitos de vinculação dos recursos do fundo com a obrigatoriedade da sua utilização, de maneira a tentar torná-los necessariamente ligados, contudo, nas precisas palavras de WEDER DE OLIVEIRA, “a vinculação implica a impossibilidade de aplicação dos recursos em finalidade diversa, mas não a obrigatoriedade de aplicação, e muito menos a obrigatoriedade de aplicação no mesmo exercício financeiro”.

(...)

A tabela abaixo demonstra o montante das despesas referentes ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, no PLOA 2018, sendo

R$ 3,4 milhões alocados em despesas finalísticas do FDD e R$ 798,7 milhões alocados em reserva de recursos financeiros, respeitando a vinculação da receita que impede sua alocação para outra finalidade:

Ação Orçamentária Valor PLOA 2018 (R$ 1,00).

6067 – Defesa dos Direitos Difusos 3.400.000.

0600 - Reserva de Contingência - Financeira 798.698.460.

(...)

Assim, para compatibilizar o acolhimento do pedido, por força da EC n. 95/2016 (Emenda do Teto dos Gastos Públicos), haveria a consequente redução do orçamento destinado a outras áreas do Ministério da Justiça e Segurança Pública (p. ex. retirando verba da Força Nacional) ou até mesmo de outros órgãos federais. Por óbvio, decisão dessa natureza violará a cláusula pétrea da separação de poderes (art. 2º, CRFB/88), haja vista seu reflexo na escolha de prioridades para alocação de verbas no âmbito federal. Existirá invasão de seara eminentemente política.

(...)

Na essência, o provimento jurisdicional pleiteado pelo autor visa a compelir o Poder Executivo a utilizar, de forma indeclinável, os recursos previstos na Lei Orçamentária Anual para o FDD sem levar em consideração o ritmo de execução do orçamento, a previsão do fluxo provável de receitas e as metas da política fiscal. Ignora o fato de que dotação orçamentária não significa disponibilidade de recursos.

(...)

Um outro ponto que é necessário aclarar a esse juízo nesse momento é que a União, com o contingenciamento dos recursos do FDD, não está fazendo com que os trabalhos dos Ministérios Públicos e demais órgãos de defesa do sistema difuso tenham intuito arrecadatório, até porque, como já tinha destacado o MPF (pág. 16 da inicial ID 3889476), mais de 96% dos recursos do FDD advém de atuação do CADE, que é uma autarquia vinculada ao próprio Ministério da Justiça (Lei 8.884/94). Por isso, o contingenciamento está muito longe de ser um desvirtuamento ao trabalho dos Ministérios Públicos nas Ações Civis Públicas (correspondem a menos de 3% do todo no FDD), sendo tão-somente um essencial mecanismo de controle das contas públicas em geral.

(...)

Os recursos primários alocados atualmente para o FDD são da ordem de R$ 3,4 milhões. Conforme apurado, pela determinação da tutela provisória, para o orçamento de 2019, o valor das despesas primárias a serem alocadas no FDD atingirão cerca de R$ 714,2 milhões, significando uma ampliação de mais de 20.000% de um exercício para o outro. Considerando as normas vigentes, especialmente a Emenda Constitucional – EC nº 95, de 15 de dezembro de 2016, que institui o Novo Regime Fiscal (conhecida como “Emenda do Teto”) e que limita o crescimento das despesas primárias por 20 anos, esse aumento deverá ser compensado com a redução proporcional de outras despesas públicas. Assim, o incremento dos recursos previstos para o Fundo de Defesa de Direitos Difusos implicará na necessidade de aumento expressivo do referencial monetário relativo a despesas primárias discricionárias, ficando a cargo do Ministério da Justiça a consequente redução dos referenciais. Considerando que a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal possuem seus orçamentos vinculados ao Ministério da Justiça, e que juntas representam 81,31% (referencial exemplificativo do ano de 2017), é presumível que venham a sofrer dura redução em seus orçamentos já limitados, o que prejudicaria, por certo, a atuação dessas importantes instituições em suas ações.

(...)

E, ao revés do que poderia ser presumível, a ausência de tramitação desses recursos pela conta única do tesouro traz graves consequências para os princípios republicanos.

(...)

Ressaltou a STN que, além dos princípios referidos, a ordem jurídica é explícita em determinar que "os recursos financeiros de todas as fontes de receitas da União e de suas autarquias e fundações públicas, inclusive fundos por elas administrados, serão depositados e movimentados exclusivamente por intermédio dos mecanismos da conta única do Tesouro Nacional" (art. 1º da MP nº 2.170-36/2001), ficando sempre registrado no SIAFI.

Harmonicamente a esse esclarecimento, ressalta-se a esse juízo que os orçamentos do MPF e da própria Justiça Federal também tramitam pela Conta Única do Tesouro e, como notório, tal via não representa nenhum óbice à garantida autonomia financeira e orçamentária das respectivas Instituições”.

 

 

A petição inicial da ação civil pública enfatiza que, nos últimos anos, a receita disponível para o FDDD ultrapassou a casa dos bilhões de reais.

 

De fato, houve alteração substancial no perfil econômico do FDDD, com reflexo no seu propósito inicial, a partir do momento em que as penalidades impostas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) passaram a compor as receitas do órgão.

 

A receita do FDDD disparou nos últimos anos (site do FDDD):

 

2018           596.508.997

2017           592.280.174

2016           775.042.663

2015           563.326.342

2014           192.354.824

2013           120.288.753

2012           57.012.620

2011           41.462.227

2010           30.967.462

2009           49.716.228

2008           72.758.069

2007           29.966.550

2006           11.377.709

2005           4.223.216

2004           5.215.806

2003           3.656.386

2002           4.852.867

2001           9.089.929

2000           5.378.195

1999           2.109.130

 

 

A União enfatiza que, só o valor “a ser destinado ao FDD em 2019, será superior ao orçamento global de despesas discricionárias de diversos órgãos, como por exemplo: a Advocacia-Geral da União, Ministérios da Cultura, Direitos Humanos, Esportes, Trabalho e Emprego, Transparência e Controladoria-Geral da União e Turismo”.

 

Outra fonte comparativa é a proposta orçamentária do Supremo Tribunal Federal, para o próximo ano:

 

 

“Em sessão administrativa realizada nesta quarta-feira (14), os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) aprovaram a proposta orçamentária do Tribunal para 2020, no valor de R$ 686,7 milhões. O texto, a ser encaminhado ao Poder Executivo e ao Congresso Nacional, está em conformidade com as disposições constantes do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias 2020 (PL 05/2019), nos termos da Emenda Constitucional 95/2016, que institui o Novo Regime Fiscal e limita os gastos públicos por 20 anos.

(...)

Na elaboração do projeto, o STF realizou ajustes na proposta para adequação aos limites estabelecidos pelo Executivo, priorizando a execução das despesas obrigatórias e de serviços contratados, materiais e equipamentos indispensáveis ao funcionamento do órgão. Do valor total, R$ 644 milhões serão reservados às despesas primárias com pessoal, custeio e investimento” (site do STF).

 

 

Em síntese, só a verba disponibilizada pela tutela de urgência – agora suspensa -, para as despesas discricionárias do FDDD, já é superior a toda proposta orçamentária do Supremo Tribunal Federal, grande parte vinculada a despesas obrigatórias.

 

É oportuno lembrar que, quando da elaboração da Lei da Ação Civil Pública, em 1.985, o legislador estabeleceu, como objeto de proteção, o meio-ambiente, o consumidor e bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (artigo 1º).

 

Na redação aprovada no Parlamento, ainda constou que a lei resguardaria “qualquer outro interesse difuso”.

 

A Presidência da República vetou este último dispositivo, com a seguinte fundamentação: “As razões de interesse público dizem respeito precipuamente à insegurança jurídica, em detrimento do bem comum, que decorre da amplíssima e imprecisa abrangência da expressão "qualquer outro interesse difuso".

 

Em 1.990, por modificação introduzida a partir da Lei do Consumidor, a Lei da Ação Pública passou a resguardar a proteção “a qualquer outro interesse difuso ou coletivo”.

 

Sem entrar na complexa discussão sobre se tal iniciativa fortaleceu, ou não, a organização e o progresso social do País, parece indiscutível que tal abertura temática e finalística levou o FDDD à condição de autêntica instância de governança paralela aos poderes legítimos dos representantes do povo na definição de políticas públicas e na destinação de recursos orçamentários - os parlamentares e os integrantes do Poder Executivo.

 

Governo bilionário, com verbas muito maiores do que as disponibilizadas para outras autoridades públicas chanceladas com o mandato popular da democracia e submetidas a controles mais eficazes e ostensivos – o dano maior tem sido evitado pelos sucessivos contingenciamentos efetuados pelo Poder Executivo.

 

O crescimento exponencial das verbas enfatizou outro grave problema do modelo: bilhões podem ser gastos, em nome de valores sensíveis como o meio ambiente, o patrimônio histórico e outros, sem que o contribuinte e cidadão tenha qualquer controle direto sobre a eficácia das escolhas e de sua real execução.

 

Ao contrário do macro modelo institucional de resolução e execução do orçamento, operado pelos Poderes Legislativo e Executivo, sob a fiscalização do voto popular, do escrutínio da imprensa e de outros mecanismos, o horizonte restrito, de burocracia de Estado, do sistema FDDD, é praticamente infenso à cidadania.

 

A providência de alta prudência política e econômica, representada pelo veto na edição da Lei da Ação Civil Pública em 1.985, mostrou toda a sua adequação social ao longo dos anos, ao menos no plano da distribuição dos recursos orçamentários, pois, sem mandato de representação popular, os gestores do FDDD têm liberdade para distribuir significativas somas de dinheiro, em regime de irrecusável “insegurança jurídica, em detrimento do bem comum, que decorre da amplíssima e imprecisa abrangência da expressão "qualquer outro interesse difuso".

 

Pesquisa por amostragem, entre os anos de 2.011 e 2.019, no site do FDDD, na aba Projetos Conveniados, indica como vem sendo operada a distribuição discricionária dos fundos bilionários com amplíssima licença temática e finalística:

 

 

Convênio MJ/SENACON/FDD Nº 006/2014 – (Siconv 802468).

Interessado: Município de Gouveia/MG (08012.003922/2013-74).

Objeto: Construir, equipar e instalar uma fábrica de rapaduras e açúcar mascavo na Comunidade Rural de Espinho, Zona Rural do Município de Gouveia.

Valor Solicitado ao FDD: 156.780,00.

Valor de Contrapartida: 17.420,00.

Valor do Projeto: 174.200,00.

 

 

Convênio MJ/SENACON/FDD Nº 111/2014 – (Siconv 812266).

Interessado: Associação dos Proprietários, Artistas e Escolas de Circo do Ceará - APAECE/CE.

(08012.003925/2013-16).

Objeto: Fazer o Mapeamento, Seleção e Estruturação do Acervo de Memórias para a montagem de uma Exposição da Memória Social do Circo no Estado do Ceará.

Valor Solicitado ao FDD: 100.000,00.

Valor de Contrapartida: 0,00.

Valor do Projeto: 100.000,00.

 

Não menos relevante é a própria composição do Conselho Federal Gestor do FDDD, responsável pela distribuição – discricionária - das verbas bilionárias.

 

A Lei da Ação Civil Pública disciplina a questão no artigo 13: “Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados” (os destaques não são originais).

 

Hoje, o site do FDDD informa:

 

 

“O Conselho Federal Gestor do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos - CFDD, que analisa e aprova os projetos apresentados, é constituído por:

- um representante da Secretaria Nacional do Consumidor - SENACON, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que o presidirá;

 

- um representante do Ministério do Meio Ambiente;

- um representante do Ministério da Cultura (atual Ministério da Cidadania);

- um representante do Ministério da Saúde, vinculado à área de vigilância sanitária;

- um representante do Ministério da Fazenda (atual Ministério da Economia);

- um representante do Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE;

- um representante do Ministério Público Federal; e

- três representantes de entidades civis:

1 – Fórum Nacional de Entidades Civis de Defesa do Consumidor – FNECDC;

2 – Instituto “O Direito Por Um Planeta Verde”;

3 – Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor – BRASILCON”.

 

 

Em relação à representação ocupada pelo Ministério Público, a norma é inconstitucional, adversária dos princípios da impessoalidade e da moralidade e do regime constitucional de vedações aos seus integrantes, instituído para a preservação do exercício das altas, mas normativamente delimitadas, funções cometidas à instituição.

 

É incompatível com as citadas normas constitucionais que cidadãos, empresas e governos possam ser condenados a pagar vultosas somas - em uma ponta -, a partir da iniciativa do Ministério Público, quando – na outra ponta -, a mesma instituição tem a condição de gestora e alocadora da verba a terceiros.

 

Parece evidente que a isenção garantida pela independência funcional atribuída aos integrantes do Ministério Público, para o exercício de suas funções essenciais, não pode concorrer, incólume, com a responsabilidade de gestor e, menos ainda, com a liberalidade pública, discricionária, usufruída pelo alocador de recursos.

 

Tanto mais inadequado se, para além destes evidentes vícios decorrentes da simples ponderação abstrata das normas jurídicas, a realidade dos fatos demonstra que, diante da ampla concorrência formada por entes públicos e privados, a alocação dos recursos pode ser decidida pelo Ministério Público em favor do Ministério Público e, ainda mais grave, de associações civis que os seus representantes capturaram inconstitucionalmente.

 

É o que indica a consulta ao site do FDDD, na aba Projetos Conveniados. Há vários projetos contemplando os diferentes Ministérios Públicos.

 

O conflito de interesses com outras entidades e órgãos públicos também atraídos pelos recursos salta aos olhos.

 

De outro lado, o recrutamento dos três representantes da comunidade, para integrar o Conselho Federal Gestor do FDD, segundo a previsão original da Lei da Ação Pública, foi operado com ofensa à cidadania e ao regime de vedações imposto aos integrantes do Ministério Público.

 

Representante da comunidade, aqui, só pode ser entendido como o cidadão destinatário da lei.

 

Até porque associações civis não representam a comunidade. Tratar-se-ia de objeto social totalitário, incompatível com a própria ideia de existência de associações civis.

 

SISTEMA CANTAREIRA - AGRAVO DE INSTRUMENTO TIRADO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA (ACP), CUJA PETIÇÃO INICIAL, EM 137 LAUDAS, COM FUNDAMENTO NA BÍBLIA, EM POESIA E EM DEZENAS DE DISPOSITIVOS LEGAIS, FORMULA, EM 30 PÁGINAS, DEZENAS DE PEDIDOS TUMULTUÁRIOS, IMPOSSÍVEIS OU CATASTRÓFICOS - INÉPCIA MÚLTIPLA, AMPLA E RADICAL: INSANÁVEL - AUTORA DA ACP QUE TEM A PRETENSÃO DE REPRESENTAR A TUDO E A TODOS, DENTRO E FORA DO MUNICÍPIO, INCLUSIVE O PRÓPRIO PODER JUDICIÁRIO, POR SIMPLES COOPTAÇÃO ESTATUTÁRIA: OFENSA AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO - PRETENSÃO DE REPRESENTAÇÃO DE OUTROS 57 MUNICÍPIOS: ABUSO DE REPRESENTAÇÃO - EXTINÇÃO, DE OFÍCIO, DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA, PELA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO TRANSLATIVO.

(...)

4. Entidade autora da ação civil pública que tem a pretensão de representar a tudo e a todos, na área de sua "jurisdição", integrada, inclusive, pelo próprio Poder Judiciário, através de simples cooptação estatutária, em ato de manifesta afronta ao Estado Democrático de Direito.

5. O Supremo Tribunal Federal tem advertido para a necessária fiscalização que o Poder Judiciário deve realizar no plano da representação coletiva, pois, se é certo que as ações correlatas, na acepção mais ampla, são instrumentos de grande valia para a Sociedade, não podem ser desvirtuadas para atingir situações ou objetivos desconformes com o sistema jurídico. Precedente: ADI 4366, Ministra Ellen Gracie, Relatora.

6. Ação civil pública aparelhada em dezenas de pedidos tumultuários, desconexos, laudatórios e, até, catastróficos, como é o caso da "não abertura das comportas do Sistema Cantareira quando da época das cheias", com potencial repercussão trágica sobre uma das maiores concentrações populacionais do mundo.

7. Extinção da ação civil pública, de ofício, pela via do efeito translativo, prejudicado o agravo de instrumento.

(TRF 3ª Região, 4ª Turma, AI 0080242-48.2005.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal Fábio Prieto, julgado em 09/06/2011).

 

Porém, no Conselho Federal Gestor do FDDD, os representantes da comunidade foram substituídos por três representantes de entidades civis: 1 – Fórum Nacional de Entidades Civis de Defesa do Consumidor – FNECDC; 2 – Instituto “O Direito Por Um Planeta Verde”; 3 – Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor – BRASILCON” (site do FDDD – o destaque não é original).

 

É exato que a substituição prestigiada no parágrafo acima está em consonância com o artigo 2º, inciso VIII, da Lei Federal nº 9.008/95, que menciona a representação da sociedade por três entidades civis.

 

Mas a “República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: II - a cidadania”, nos termos categóricos do artigo inaugural da Constituição.

 

É inconstitucional a substituição de representantes da comunidade, por representantes das entidades civis.

 

Também porque tal modelo de gestão expõe o FDDD à inobservância da impessoalidade, em prejuízo da eficiência.

 

Da pesquisa realizada no site do FDDD, na aba Projetos Conveniados, apenas de 2.011 até 2.019, constata-se que as três entidades citadas já foram contempladas com vultosos recursos do órgão, ainda que antes do exercício do atual mandato – não informação transparente sobre a representação de entidades em mandatos precedentes:

 

 

- Termo de Fomento nº 018/2017 – Siconv nº 852652/2017.

Interessado: Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor - Brasilcon (08012.002576/2017-31).

Objeto: Promover o desenvolvimento da política e do direito do consumidor buscando a compatibilização da proteção do consumidor com o desenvolvimento econômico-social.

Valor Solicitado ao FDD: 287.793,00.

Valor de Contrapartida: - nada consta.

Valor do Projeto: 287.793,00;

 

 

- Convênio MJ/SENACON/FDD Nº 097/2012.

Interessado: Instituto O Direito Por Um Planeta Verde - SP (08012.005427/2011-38).

Objeto: Divulgar o pagamento por serviços ambientais – PSA como um mecanismo de conservação ambiental; sistematizar experiências e avaliar o estado de implementação e a efetividade das sete normas estaduais que estabelecem o PSA no País (biodiversidade e retenção de carbono), aprovadas até o final de 2010 (AM, AC, ES, MG, SC, PR e SP), de forma a permitir uma avaliação crítica sobre a aplicação deste novo instrumento e, assim, contribuir para o aperfeiçoamento normativo em todas as esferas da federação.

Valor Solicitado ao FDD: 398.150,00.

Valor de Contrapartida: - nada consta.

Valor do Projeto: 398.150,00;

 

 

Convênio MJ/SENACON/FDD Nº 003/2013 – (Siconv 782548).

Interessado: Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor.

(08012.004968/2012-20)

Projeto: Fortalecimento do Movimento Civil de Defesa dos Consumidores no Brasil.

ATA da 163ª Reunião Ordinária do CFDD

Valor Solicitado ao FDD: 443.378,75

Valor de Contrapartida: -

Valor do Projeto: 443.378,75

 

Parece evidente que se as entidades têm interesses econômicos no FDDD - isto é lícito -, pode haver comprometimento da eficiência e da moralidade pública, na medida em que o modelo de gestão e distribuição de recursos não cuida da garantia de segregação dos interessados em verbas milionárias com relação aos agentes decisórios financeiros, impedimento que deveria ser intransponível e de caráter permanente.

 

O atual modelo de “troca de cadeiras”, com as entidades civis alternando, umas com as outras, ora as posições de poder decisório financeiro, ora a de demandantes de verbas milionárias, é flagrantemente imoral, ineficiente, inconstitucional.

 

A Lei Federal nº 9.008/95 institucionalizou padrão de governança manifestamente inconstitucional, suscetível ao “do ut des”, ao “serva me servabo te”.

 

Seja como for, este sistema inconstitucional de representação por entidades que deveriam ser civis mostrou, ainda, outra vulnerabilidade: facilitou a captura das funções de cidadania por autoridades públicas do Ministério Público.

 

No site do “Instituto O Direito Por Um Planeta Verde”, consta que o presidente da associação que deveria ser civil é autoridade pública do Ministério Público.

 

No do “Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor – Brasilcon”, um dos vice-presidentes compõe o Ministério Público.

 

É legítima a participação de quadros do Ministério Público em associações civis.

 

Mas é incompatível que entidade civil dirigida por autoridades públicas do Ministério Público possa participar da gestão e da disputa bilionária de recursos – a Procuradoria-Geral da República argumentou precisamente quanto a isto, no caso Petrobrás, como será exposto adiante.

 

No caso do “Instituto O Direito Por Um Planeta Verde”, as circunstâncias são ainda mais gravosas, porque o seu representante titular no próprio Conselho Federal Gestor do FDDD é do Ministério Público.

 

O magistério do Supremo Tribunal Federal veta a captura de vaga destinada a cidadão, em Conselho, pela indevida nomeação de pessoal do Ministério Público.

 

No MS 26715-MC, a Câmara dos Deputados, então responsável pelo ato questionável, argumentou que, na composição do Conselho Nacional do Ministério Público, se a vaga, na Constituição, está destinada a "cidadão de notável saber jurídico e reputação ilibada, pode um membro do Ministério Público ser o indicado, já que não há vedação expressa para tanto".

 

O Ministro Celso de Mello vetou o expediente, garantindo a integridade do regime de controle e fiscalização do Ministério Público, com a participação de cidadão no Conselho citado.

 

Também quando o Conselho Nacional do Ministério Público expandiu as hipóteses de exercício de funções estranhas ao Ministério Público – ao permitir a nomeação ilícita de quadro da instituição para o cargo de Ministro da Justiça -, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (ADPF 388), por unanimidade, desqualificou a iniciativa.

 

“Entendimento do CNMP afrontoso à Constituição Federal e à jurisprudência do STF. O Conselho não agiu em conformidade com sua missão de interpretar a Constituição e, por meio de seus próprios atos normativos, atribuir-lhes densidade. Pelo contrário, se propôs a mudar a Constituição, com base em seus próprios atos. 10. Art. 128, § 5º, II, “d”. Vedação que não constitui uma regra isolada no ordenamento jurídico. Concretização da independência funcional do Ministério Público – art. 127, § 1º. A independência do Parquet é uma decorrência da independência dos poderes – art. 2º, art. 60, § 4º, 11. Ação julgada procedente em parte, para estabelecer a interpretação de que membros do Ministério Público não podem ocupar cargos públicos, fora do âmbito da Instituição, salvo cargo de professor e funções de magistério”.

 

Em data recente, integrantes do Ministério Público Federal tentaram direcionar significativa quantia sob a responsabilidade da PETROBRÁS S/A para a instituição de fundação - e mantê-la sob influência, segundo a Procuradoria-Geral da República, como é o caso dos autos.

 

A Procuradoria-Geral da República ajuizou a ADPF 568, no Supremo Tribunal Federal – onde obteve pronta liminar -, com as seguintes ponderações, todas aplicáveis às muitas inconstitucionalidades aqui detalhadas:

 

“Decisão judicial, inclusive as de natureza homologatória, que atribui a um órgão do Estado brasileiro – o Ministério Público Federal – o desempenho de função e obrigações que extrapolam os limites constitucionais de sua atuação e que implica verdadeira concentração de poderes entre a atividade de investigar e atuar finalisticamente nos processos judiciais e de executar um orçamento bilionário, cuja receita provém de acordo internacional do qual não é parte nem interessado, viola princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito, notadamente o da separação de poderes, além dos demais preceitos fundamentais indicados no preâmbulo desta petição.

(..)

A análise sistemática dos termos deste Acordo, acima destacados, evidencia que a responsabilidade pela gestão e aplicação desses vultosos valores foi entregue aos Procuradores que integram a Força-Tarefa Lava Jato Curitiba, que foram signatários de um pacto de natureza administrativa, sem terem poderes constitucionais e legais para tanto, e levaram-no à homologação em juízo sem competência jurisdicional para a matéria, que assim agindo feriu o artigo 109-I da Constituição. Assim, desviaram-se de suas funções constitucionais ao assumir o compromisso de desenvolver uma atividade de gestão orçamentária e financeira de recursos, por meio de uma fundação de direito privado, em situação absolutamente incompatível com as regras constitucionais e estruturantes da atuação do Ministério Público, violando a separação das funções de Estado e da independência funcional dos membros do Parquet.

(...)

Os membros do MPF que investigam e atuam ou atuaram em processos penais, de improbidade ou cíveis devem permanecer isentos para o exercício de suas atribuições, e não se imiscuir na formatação e gestão de instituição de direito privado para gerir recursos disponibilizados pela empresa cujos ex-gestores e funcionários praticaram atos de corrupção, de lavagem de dinheiro e de organização criminosa.

(...)

Se o esforço da defesa da Petrobrás, ou mesmo a cooperação internacional feita por membros do Ministério Público Federal, foi benéfica para o interesse nacional de reaver parte do dinheiro desviado da matriz brasileira, com assunção do compromisso de fazer retornar ao Brasil e não para a Petrobrás, 80% (oitenta por cento) do valor acordado com o DoJ - Departamento de Justiça Americano e com a SEC – US Securities and Exchange Commission -, não qualquer fundamento de ordem constitucional, legal ou contratual para determinar que a administração desse dinheiro seja feita pelo MPF ou com participação de membros do MPF.

(...)

Assim, não é possível que órgão do MPF, em decorrência do exercício de suas atribuições funcionais, possa desempenhar atividades de gestão de recursos financeiros de instituição privada, nem definir onde serão aplicados, muitos menos ter a sua disposição um orçamento bilionário. A autonomia administrativa, financeira e orçamentária que a Constituição outorgou ao Ministério Público é exercida segundo os parâmetros estritos estabelecidos na Constituição e na Lei Complementar 75/93. Não é válida qualquer outra forma de gestão de recursos que não seja em conformidade com a Constituição e nos limites da representação administrativa da instituição, feita por quem a chefia e responde por sua gestão administrativa, orçamentária e financeira, que é o Procurador-Geral da República. Não compete ao Ministério Público Federal ou ao Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba administrar e gerir, por meio de fundação, recursos bilionários que lhe sejam entregues pela Petrobrás”.

 

A nomeação de integrante do Ministério Público, para representar associação civil dirigida por outro integrante do Ministério Público, em Conselho de gestão e alocação de verbas bilionárias, configura flagrante inconstitucionalidade, contrária aos princípios da impessoalidade e da eficiência da Administração Pública, além de subverter o regime de vedações previsto, para a instituição, na Constituição e na jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal.

 

Está claro que, ainda no caso de admissão de inconstitucional representação por entidade privada civil, ocorreu a captura da posição dos cidadãos por autoridade pública, sob direção de outra autoridade pública.

 

Tratou-se de avalizar associação privada civil dirigida e representada por autoridade pública.

 

Não é menos relevante, e indiciariamente negativa, a situação do Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor – FNECDC.

 

Como acima foi registrado, o FNECDC, entidade formada por entidades, recebeu, em 2.013, sem contrapartida, vultosos R$ 443.378,75, para vago projeto de “Fortalecimento do Movimento Civil de Defesa dos Consumidores no Brasil”.

 

No site do FDDD, consta o ícone de acesso ao FNECDC.

 

Está inoperante.

 

Na internet, porém, há página de acesso ao que parece ser o FNECDC:

 

http://www.algconsultoria.com.br/_cliente/forumdoconsumidor.org.br/?area=home

 

 

Em uma das abas, consta a referência “TAC”. Consultada, revelou o seguinte:

 

“Em 2014, um acordo inédito entre a Senacon, do Ministério da Justiça, e a BV Financeira SA exigiu que a empresa destinasse R$ 7,2 milhões ao financiamento de projetos voltados à defesa do consumidor e à educação para o consumo desenvolvido por organizações integrantes do Fórum Nacional de Entidades Civis de Defesa do Consumidor. Além disso, o acordo, celebrado na forma de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), garantiu a devolução de R$ 30 milhões a 80 mil consumidores que haviam sido cobrados indevidamente por tarifas de cadastro pela empresa. O TAC é uma iniciativa pioneira da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) para atender às necessidades de organizações de defesa do consumidor que enfrentam, por um lado, a escassez de recursos públicos para atividades de defesa do consumidor e educação para o consumo e, de outro, o impedimento a receber contribuições de empresas e fundos empresariais, a fim de preservar sua independência.

(...)

O Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor (FNECDC) é uma instância de articulação das organizações sociais que atuam na defesa do consumidor no Brasil. Foi criado para fortalecer o movimento de defesa do consumidor no país”.

 

A página eletrônica menciona a criação de comitê de acompanhamento e monitoramento integrado por representante do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte – não há informação transparente sobre a legalidade e o motivo da escolha.

 

Quanto ao Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) elaborado pela Secretaria Nacional do Consumidor - SENACON, do Ministério da Justiça, o texto na página do FNECDC dá como garantida a indenização de R$ 30.000.000,00 a 80 mil consumidores.

 

Mas, pelos termos do TAC, isto é uma possibilidade, apenas. Pelo que consta no documento oficial, os consumidores seriam procurados para o ressarcimento.

 

O TAC nada dispõe sobre o destino do numerário, caso não tenham sido encontrados os consumidores lesados.

 

Ajustada e certa, porém, no TAC, é a destinação da indenização difusa de R$ 7,2 milhões: a conta do FNECDC.

 

Destinação certa e ilegal.

 

Por primeiro, a SENACON só poderia aplicar multa, não fixar indenização de caráter difuso.

 

Seja como for, multa ou indenização, o numerário deveria ser revertido ao FDDD.

 

Tratou-se de composição efetuada nos termos da Lei da Ação Civil Pública e do Código de Consumidor, como registrou o próprio TAC.

 

O Código do Consumidor é cristalino:

 

Art. 57. A pena de multa, graduada de acordo com a gravidade da infração, a vantagem auferida e a condição econômica do fornecedor, será aplicada mediante procedimento administrativo, revertendo para o Fundo de que trata a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, os valores cabíveis à União, ou para os Fundos estaduais ou municipais de proteção ao consumidor nos demais casos.

 

Art. 100. Decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados do art. 82 promover a liquidação e execução da indenização devida.

Parágrafo único. O produto da indenização devida reverterá para o fundo criado pela Lei n.º 7.347, de 24 de julho de 1985 (os destaques não são originais).

 

 

Ademais, não está claro qual a lei e o procedimento de concorrência que autorizaram a escolha do FNECDC pela SENACON, para a destinação da verba milionária.

 

De outro lado, o vultoso numerário não poderia ter sido destinado a entidade privada, menos ainda para as que são integrantes do próprio FNECDC.

 

A Lei Federal nº 9.008/95:

 

Artigo 1º.

§ 3º Os recursos arrecadados pelo FDD serão aplicados na recuperação de bens, na promoção de eventos educativos, científicos e na edição de material informativo especificamente relacionados com a natureza da infração ou do dano causado, bem como na modernização administrativa dos órgãos públicos responsáveis pela execução das políticas relativas às áreas mencionadas no § 1º deste artigo.

 

 

O TAC não impõe, ademais, qualquer sanção para o seu descumprimento pelo FNECDC.

 

Mas prevê alguns relatórios de prestação de contas.

 

Também não foram todos encontrados no site que parece ser o do FNECDC.

 

Nos dois que lá se encontram, é possível verificar que a indenização está sendo empregada em despesas constitutivas, de organização ou de manutenção das entidades privadas integrantes do próprio FNECDC, o que é flagrantemente imoral e contrário às Leis do Consumidor e da Ação Civil Pública.

 

O FNECDC aplica o dinheiro em si mesmo, nas entidades privadas que o compõem.

 

E para o fim de constituir e organizar as próprias entidades privadas, quando a verba deveria servir às atividades finalísticas da legislação, em proveito dos cidadãos.

 

Um dos dois únicos relatórios de prestação de contas expostos no site, que parecer ser o do FNECDC, esclarece o tipo de despesa solicitada para o empenho da verba de mais de R$ 7 milhões:

 

 

“• Contratação de funcionários

• Contratação de assessoria

• Aquisição de equipamentos de informática

• Aquisição de material de escritório

· Aquisição de mobiliário

· Regularização de documentos

• Pagamento de impostos

• Aluguel de sala”.

 

 

O mais grave é que todas as indiciárias improbidades administrativas relacionadas ao FNECDC derivaram do patrocínio direto da SENACON, do Ministério da Justiça, cujo representante é o presidente do Conselho Gestor Federal do FDDD.

 

Neste quadro indiciário, de exame incidental dos fatos, não há como deixar de considerar que a crítica feita na própria petição inicial da ação civil pública, a respeito da gestão do FDDD, aparenta ter total pertinência.

 

Das dez posições diretivas previstas para a gestão do FDDD - inclusive a principal, a presidência exercida pela SENACON, do Ministério da Justiça -, cinco são passíveis de severos e fundados questionamentos incidentais, com base na Constituição, na jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal e na posição da Procuradoria-Geral da República, a demonstrar a absoluta vulnerabilidade do modelo de governança instituído para distribuir bilhões de reais, com amplíssima liberdade temática e finalística.

 

Manter as bilionárias verbas sob contingenciamento é medida constitucional de responsabilidade fiscal, mas, também, de respeito à integridade do interesse público no seu sentido mais amplo.

 

Por todas estas razões, o precedente relacionado ao FUNPEN não pode ser aplicado ao caso concreto.

 

Não apenas porque o Supremo Tribunal Federal não lhe conferiu eficácia vinculante contra terceiros.

 

Mas, sobretudo, porque o atual modelo de gestão do Conselho Federal Gestor do FDDD, no Ministério da Justiça, não está em condições de garantir o exercício de suas altas funções, com a observância das normas jurídicas sobre moralidade pública, eficiência e de respeito ao regime institucional do Ministério Público, órgão de fiscalização independente, cuja integridade não pode admitir a cooptação para a fruição de pretensões contestáveis.

 

O quadro exposto na presente demanda mostra, indiciária e incidentalmente, a degradação dos princípios de administração pública destacados com exatidão no “Referencial Básico de Governança – Aplicável a Órgãos e Entidades da Administração Pública”, do Tribunal de Contas da União (internet, 2ª versão, 2.014), a respeito das regras estruturais de proteção à coisa pública:

 

Prática L2.2 - Estabelecer mecanismos de controle para evitar que preconceitos, vieses ou conflitos de interesse influenciem as decisões e as ações de membros do conselho de administração ou equivalente e da alta administração.

Refere-se a implantar mecanismos de controle com o objetivo de evitar que pessoas envolvidas em possíveis conflitos de interesse participem de decisões e ações relevantes (...);

(...)

Prática L4.2 - Garantir o balanceamento de poder e a segregação de funções críticas.

Implica que as decisões críticas que demandam segregação de funções estejam identificadas e as funções a elas relacionadas estejam segregadas, de modo que o poder para tais decisões não fique concentrado em uma única instância. Outrossim, pressupõe a definição de um limite de tempo para que o mesmo indivíduo exerça uma função ou papel associado a decisões críticas de negócio, e a implantação de controles destinados a reduzir o risco de que decisões críticas sejam tomadas sem garantia do princípio da segregação de funções.

(...)

Termos relacionados ao sistema de governança. Balanceamento de poder e autoridade: sugere que se deve evitar a concentração de poder, autoridade e responsabilidade nas mãos de um ou de poucos indivíduos. Como regra básica, decisões e atividades críticas devem ser tomadas ou executadas por colegiado constituído  por membros competentes e mutuamente independentes.

 

 

No plano da eficácia, porém, a decisão adotada neste incidente deve prevalecer até a sentença; para evitar delongas, segue voto no qual expostos os fundamentos da questão, agora aqui incorporados.

 

Por estes fundamentos, dou provimento parcial ao recurso da Procuradoria Regional da República, apenas para restringir a eficácia da decisão adotada neste incidente até a prolação de sentença.

 

É o meu voto.

 

 

Desembargador Federal Fábio Prieto de Souza

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SUSPENSÃO DE LIMINAR OU ANTECIPAÇÃO DE TUTELA (144) Nº 5021251-37.2018.4.03.0000

RELATOR: Gab. Presidência

REQUERENTE: UNIAO FEDERAL

 

REQUERIDO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CAMPINAS/SP - 6ª VARA FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O - V I S T A

 

 

O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Nery Júnior, Vice-Presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região: Cuida-se de agravo interposto pelo Ministério Público Federal contra decisão da eminente Presidente que, no presente SLAT, suspendeu os efeitos da tutela provisória concedida na Ação Civil Pública n.º 5008138-68.2017.4.03.6105 (Id. 5163783).

A suspensão é arrojada ao amparo de reconhecido interesse público, como o assevera a prolatora, argumentando que a execução da decisão suspensa teria o condão de produzir grave lesão à ordem e economia públicas.

O recurso vem ao colegiado para que preambularmente seja enfrentada a manifestação de ausência de interesse no prosseguimento do feito pela perda de seu objeto. No mérito, pede a reforma da decisão porque ausentes os requisitos típicos da Lei de regência.

Venço a preliminar adotando as razões de decidir da eminente Presidente.

Quanto ao mérito, reputo presentes os requisitos necessários ao cabimento da medida, à luz do art. 4º da Lei 8.437/92, porquanto evidenciada a grave lesão à ordem pública decorrente da tramitação da Ação Civil Pública perante juízo absolutamente incompetente, e de seu ajuizamento por membro do Ministério Público Federal desprovido de atribuição legal, em flagrante violação ao princípio do promotor natural.

A Ação Civil Pública subjacente versa acerca de suposto dano de abrangência nacional, consubstanciado no contingenciamento, pela União Federal, do orçamento do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos – FDD. Trata-se de fato incontroverso, reconhecido pelo próprio Ministério Público Federal na petição inicial:

É indubitável que a matéria versada na petição inicial não se consubstancia em dano local, mas sim nacional. O entendimento aplicado pela UNIÃO para tratar o FDD como meio arrecadatório auxiliar do orçamento afeta o atendimento dos bens jurídicos que ensejaram a criação do próprio fundo, e a sua própria razão de existir.” (Doc. ID 3889476 dos autos de origem. Sem negritos no original)

 

Portanto, a matéria objeto da demanda está inserida na competência de uma das varas da Seção Judiciária do Distrito Federal ou da capital de um dos estados, à escolha do autor, conforme disciplinado no art. 2º da Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), c/c o art. 93 do Código de Defesa do Consumidor, verbis:

 

Lei nº 7.347/85: Art. 2º As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa.

Lei nº 8.078/1990: Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local:

I - no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local;

II - no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente.

 

Nesse sentido:

 

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ART. 535 DO CPC/1973. VIOLAÇÃO. INEXISTÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO DE ÂMBITO NACIONAL. FORO COMPETENTE.

1. O Plenário do STJ decidiu que "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça" (Enunciado Administrativo n. 2).

2. Inexiste violação do art. 535 do CPC/1973 quando o Tribunal de origem aprecia fundamentadamente a controvérsia, apontando as razões de seu convencimento, ainda que de forma contrária aos interesses da parte, como constatado na hipótese.

3. De acordo com a jurisprudência do STJ, a teor do 93, II, do Código de Defesa do Consumidor, "sendo o suposto dano nacional, a competência será concorrente da capital do Estado ou do Distrito Federal, a critério do autor" (CC 126.601/MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 27/11/2013, DJe 05/12/2013).

4. Na hipótese, em ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal, visando à condenação da ré, ora agravante, ao pagamento de indenização por danos morais coletivos, em razão do descumprimento das regras de qualidade do Sistema de Atendimento ao Cliente - SAC, o Tribunal a quo entendeu que "o dano objeto da ação ultrapassa o âmbito local (Rio de Janeiro), acarretando prejuízos de âmbito nacional", razão por que a demanda seria de competência de uma das varas do Distrito Federal ou da capital de um dos estados, à escolha do autor.

5. Agravo interno desprovido.

(AgInt no AREsp 944.829/DF, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/05/2019, DJe 12/06/2019) (sem negritos no original)

 

No caso dos autos, conquanto inquestionável a abrangência nacional do alegado dano, a demanda foi ajuizada na Subseção Judiciária de Campinas, foro absolutamente incompetente.

Outrossim, a distribuição da Ação Civil Pública perante juízo absolutamente incompetente constitui afronta ao princípio constitucional implícito do promotor natural, consectário do princípio do juiz natural inserto no art. 5º, LIII da Constituição Federal.

A esse respeito, esclarecedora é a lição de Marcelo Novelino:

 

“Ao lado dos princípios institucionais expressamente contemplados no texto constitucional, parte da doutrina sustenta que a Constituição teria consagrado também o princípio do promotor natural. Nessa concepção, assim como ocorre com os magistrados, a intervenção dos membros do Ministério Público também deveria ser predeterminada, a partir de critérios abstratos estabelecidos por lei, anteriormente à ocorrência do fato.

Argumenta-se que a garantia constitucional de que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente (CF, art. 5º, LIII) deveria ser interpretada no sentido de compreender não apenas a autoridade judicial, mas também os membros do Parquet.  Os fundamentos constitucionais nos quais este princípio se apoia seiam as cláusulas da independência funcional (CF, art. 127, § 1º) e da inamovibilidade (CF, art. 128, § 5º, I, b).” (Direito Constitucional, Ed. Método, 4ª edição).

 

Assim, se a demanda não poderia ter sido ajuizada senão em Brasília ou na capital de um dos estados, o representante do Parquet oficiante na Subseção Judiciária de Campinas não detinha atribuição funcional para sua propositura.

Registro, por oportuno, a notória percuciência com que enfrentada a matéria no voto-vista do E. Desembargador Federal Fábio Prieto.

Demonstrada suficientemente a grave lesão à ordem pública, é de rigor a suspensão da tutela de urgência 6ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Campinas, nos autos da Ação Civil Pública n.º 5008138-68.2017.4.03.6105.

Por fim, no que concerne à ultra-atividade da decisão, há de ser mantida – embora por outro fundamento – a r. decisão agravada, que fixou a eficácia da suspensão até a análise do mérito da questão subjacente, por Turma julgadora no âmbito deste Tribunal.

O §9º do art. 4º da Lei nº 8.437/92 dispõe expressamente que “a suspensão deferida pelo Presidente do Tribunal vigorará até o trânsito em julgado da decisão de mérito na ação principal”.

Não desconheço os argumentos críticos à intangibilidade da decisão suspensiva, mormente se considerado o efeito substitutivo de ulterior sentença, ou de julgamento proferido pelo Tribunal em agravo de instrumento, sobre a decisão liminar objeto da suspensão. Contudo, curvo-me ao expresso comando do §9º do art. 4º da Lei nº 8.437/92, dispositivo prestigiado pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, como se infere do precedente a seguir:

 

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 2/STJ. DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS. SUSPENSÃO DE EXECUÇÃO DA SENTENÇA. LEI 8.437/92. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. DURAÇÃO DA SUSPENSÃO. TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO DE MÉRITO. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. Inicialmente é necessário consignar que o presente recurso atrai a incidência do Enunciado Administrativo n. 2/STJ: "Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça."

2. Decisão recorrida de cunho político-administrativo, proferida em suspensão de execução de sentença e que determina que os indígenas sejam mantidos na área que hoje ocupam e que foi a eles reservada no curso da ação originária até o trânsito em julgado na ação possessória de Origem.

3. Apelo especial que visa a análise de questões afetas ao mérito da controvérsia, passíveis de deslinde, apenas, no âmbito de cognição plena inerente às instâncias ordinárias.

4. A instância de origem, ao verificar a existências dos requisitos ensejadores da concessão da suspensão da execução da sentença, decidiu a divergência com fundamento no suporte fático-probatório dos autos. Incidência da Súmula 7/STJ.

5. Decisão do Tribunal a quo que determina a suspensão da execução de sentença até o trânsito em julgado da decisão de mérito da ação principal não usurpa competência deste Tribunal, porquanto é decorrência da norma de regência, bem seja, art. 4º, § 9º, da Lei nº 8.437/92.

6. Agravo interno não provido.

(AgRg no REsp 1460048/MS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/05/2017, DJe 23/05/2017) (sem negritos no original)

 

Entretanto, nada obsta a que a Presidente ou o Colegiado delimite a eficácia da suspensão por tempo inferior ao estabelecido na lei.

Não é outro o entendimento hodierno do C. Superior Tribunal de Justiça:

 

AGRAVO INTERNO. RECLAMAÇÃO JULGADA PROCEDENTE. DESCUMPRIMENTO DE DECISÃO PROFERIDA EM SUSPENSÃO DE SEGURANÇA COM EFEITOS ATÉ O TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO DE MÉRITO NA AÇÃO PRINCIPAL. NÃO OCORRÊNCIA DO TRÂNSITO EM JULGADO. MARCO TEMPORAL NA SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. NÃO DELIMITAÇÃO. INCIDÊNCIA DO ART. 4º, § 9º, DA LEI N. 8.437/1992. FUNDAMENTOS NÃO INFIRMADOS. DECISÃO MANTIDA.

1. É procedente a reclamação ajuizada em razão de afronta a decisão do Superior Tribunal de Justiça.

2. A decisão proferida em suspensão de segurança, quando não delimita marco temporal, tem efeitos até o trânsito em julgado da decisão de mérito na ação principal.

3. Mantém-se o julgado cujos fundamentos não foram infirmados pela parte recorrente.

4. Agravo interno desprovido.

(AgRg na Rcl 34.882/DF, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, CORTE ESPECIAL, julgado em 26/03/2019, DJe 01/04/2019) (sem negritos no original)

 

 

 “AGRAVO INTERNO. SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA. INTELIGÊNCIA DO § 9º DO ART. 4º DA LEI N. 8.437/92.

– Conquanto o § 9º do art. 4º da Lei nº 8.437/92 disponha expressamente que “a suspensão deferida pelo Presidente do Tribunal vigorará até o trânsito em julgado da decisão de mérito na ação principal”, nada obsta a que o Presidente delimite tempo inferior àquele estabelecido na legislação. Tal dispositivo, portanto, só é de ser aplicado no silêncio da decisão quanto à duração de seus efeitos.

Agravo não provido” (g. n.).

(STJ, Corte Especial, AgRg na SLS 162/PE, rel. Ministro Barros Monteiro, 11.12.2006) (sem negritos no original)

 

Destarte, há de ser mantida a r. decisão agravada, também em relação à delimitação dos efeitos “até a análise, no mérito, por Turma julgadora no âmbito deste Tribunal, da questão subjacente a esta suspensão”.

Subscrevo o voto, negando provimento ao Agravo, com todas as vênias aos votos em contrário.

São Paulo, 7 de outubro de 2019.

 

Desembargador Federal NERY JÚNIOR

Vice-Presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

E M E N T A

 

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO EM SUSPENSÃO DE LIMINAR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL. PERDA SUPERVENIENTE DE OBJETO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. DECISÃO JUDICIAL. DETERMINAÇÃO PARA QUE OS VALORES DE FUNDO PÚBLICO FOSSEM INTEGRALMENTE DESTINADOS NO CORRENTE ANO, SEGREGANDO-SE OS SEUS RECURSOS DO ORÇAMENTO DA UNIÃO. TUTELA PROVISÓRIA APTA A GERAR CENÁRIO CAÓTICO NA EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA DO PAÍS. COMPROVADA OFENSA À ECONOMIA E ORDEM PÚBLICAS. AGRAVO CONHECIDO E DESPROVIDO.

– Preliminar de ausência de interesse na continuidade do feito, considerando-se que a parte desistiu de agravo de instrumento interposto contra a decisão cujos efeitos foram suspensos. Inexistência de óbice ao julgamento de agravo interno em suspensão de liminar.

– Superveniente perda de objeto não caracterizada, porquanto a suspensão de liminar e a via jurisdicional ordinária são, via de regra, tutelas independentes entre si, ausentes circunstâncias que permitam identificar, no caso concreto, liame de prejudicialidade entre uma e outra.

– A suspensão da eficácia de provimentos jurisdicionais por ato da Presidência do respectivo Tribunal é “prerrogativa legalmente disponibilizada ao Poder Público, dentre outros legitimados, em defesa do interesse público, toda vez que se vislumbre, concretamente, perigo de grave lesão aos valores atinentes à ordem, à economia, a saúde ou à segurança públicas”, objetivando “a suspensão da eficácia das liminares e das sentenças proferidas contra entidades públicas e privadas que desempenham de alguma forma função pública” (Elton Venturi, Suspensão de Liminares e Sentenças Contrárias ao Poder Público, Malheiros, 3ª ed., 2017, p. 35).

– Sob análise, determinação proferida em Ação Civil Pública que ordenou a imediata destinação dos valores do Fundo de Defesa de Direitos Difusos aos fins para os quais arrecadadas, via inclusão na proposta orçamentária do exercício de 2019; a abstenção, por parte da União Federal, do contingenciamento do numerário do Fundo; e a criação de conta-corrente específica apta a segregar os recursos destinados ao FDD.

– Cumprimento da tutela provisória que se traduziria em significativos riscos à economia e à ordem públicas, porquanto a decisão judicial, ao conferir caráter obrigatório à execução orçamentária dos valores do FDD – estimados em 700.000.000,00 (setecentos milhões de reais) – restringe sensivelmente a capacidade de dispêndio discricionário do Poder Executivo, comprometendo não só eventuais contingenciamentos de despesas, necessários na hipótese de frustração de receitas, mas também a implementação de políticas públicas que dependam de tais recursos.

– Cenário de afetação das ordens pública e econômica que é complementado, ainda, pela exigência de que vultosa quantia fosse executada em espaço exíguo de tempo, ensejando esterilização orçamentária e, por consequência, dificuldade na alocação dos recursos públicos, perspectiva agravada pelo cenário restritivo vivenciado no país.

– Decisão que, ao determinar a segregação dos valores do Fundo de Defesa de Direitos Difusos, implicou, ainda, em violação ao princípio da unicidade de caixa, extraído do que dispõe os artigos 164, § 3.º, da Constituição Federal e 56 da Lei nº 4.320/1964.

– Ao Poder Judiciário não cabe a confecção de políticas, mas a tutela de direitos, o que significa que não é de sua alçada determinar as formas de atuação estatal, em específico como executar o orçamento, sobretudo se, ao assim dispor, são desconsideradas as balizas postas na legislação constitucional e ordinária, em particular no Plano Plurianual e na Lei de Diretrizes Orçamentárias vigentes.

– Argumentos do agravante que se rejeitam, uma vez que a decisão impugnada não analisou o mérito da demanda, mas se cingiu aos limites da suspensão de liminar, ponderando os impactos do decidido para os bens jurídicos legislativamente tutelados, tendo, em particular consideração, não a correição da decisão do juízo de primeiro grau, mas o modo pelo qual resolveu conferir-lhe efetividade.

– Distinção que se faz entre a situação dos autos e o procedente fixado pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF n.º 347, uma vez que a liberação dos recursos do FUNPEN é contextualizada, na decisão paradigma, com a situação emergencial de sistemática violação de direitos humanos que constantemente ocorre nos presídios do país, linha condutora que permeia todo o precedente e que o particulariza, tornando inviáveis interpretações que tomem referida deliberação sem o pertinente contexto que a circundou.

– Ofensas à economia e ordem pública caracterizadas. Necessidade de manutenção da suspensão anteriormente deferida, em sede monocrática, que se depreende dos autos.

– Agravo conhecido e desprovido.

 

Desembargadora Federal Therezinha Cazerta

Presidente do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região


  ACÓRDÃO
 
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, Prosseguindo no julgamento, após o voto do Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA dando provimento ao agravo, foi suscitada questão de ordem pelo Desembargador Federal FÁBIO PRIETO, no sentido de que fosse oficiado ao juízo de primeiro grau para dar cumprimento imediato à decisão do Órgão Especial, que foi rejeitada nos termos do voto da Desembargadora Federal Presidente THEREZINHA CAZERTA (Relatora), com quem votaram os Desembargadores Federais MAIRAN MAIA, NERY JÚNIOR, ANDRÉ NEKATSCHALOW, SOUZA RIBEIRO, NINO TOLDO (convocado para compor quórum como suplente do Desembargador Federal PAULO FONTES), DAVID DANTAS (convocado para compor quórum), NELSON POFIRIO (convocado para compor quórum), BAPTISTA PEREIRA, ANDRÉ NABARRETE, MARLI FERREIRA e NEWTON DE LUCCA. Os Desembargadores Federais HÉLIO NOGUEIRA e VALDECI DOS SANTOS (convocado para compor quórum), a acolhiam parcialmente para que se aguardasse a resposta da União Federal e, se não cumprida a decisão, fosse determinado seu imediato cumprimento. Vencido o Desembargador Federal FÁBIO PRIETO. Ausentes, ocasionalmente, os Desembargadores Federais LUIZ STEFANINI (convocado para compor quórum) e TORU YAMAMOTO (convocado para compor quórum). A seguir, foi proclamada a seguinte decisão: o Órgão Especial, por maioria, rejeitou a preliminar, nos termos do voto da Desembargadora Federal Presidente THEREZINHA CAZERTA (Relatora), com quem votaram os Desembargadores Federais BAPTISTA PEREIRA, MARLI FERREIRA, NEWTON DE LUCCA, FÁBIO PRIETO, MAIRAN MAIA, NERY JÚNIOR, TORU YAMAMOTO, ANDRÉ NEKATSCHALOW, HÉLIO NOGUEIRA, CONSUELO YOSHIDA, LUIZ STEFANINI (convocado para compor quórum) e SOUZA RIBEIRO (convocado para compor quórum). Vencido o Desembargador Federal ANDRÉ NABARRETE, que a acolhia. Quanto ao mérito, o Órgão Especial, por maioria, negou provimento ao agravo interno, nos termos do voto da Desembargadora Federal Presidente THEREZINHA CAZERTA (Relatora), com quem votaram os Desembargadores Federais MAIRAN MAIA, ANDRÉ NEKATSCHALOW, NERY JÚNIOR, HÉLIO NOGUEIRA, CONSUELO YOSHIDA, SOUZA RIBEIRO, LUIZ STEFANINI (convocado para compor quórum) e TORU YAMAMOTO (convocado para compor quórum). O Desembargador Federal FÁBIO PRIETO dava parcial provimento ao agravo do Ministério Público Federal, apenas para manter a eficácia da suspensão até a prolação de sentença. Vencidos, os Desembargadores Federais ANDRÉ NABARRETE, BAPTISTA PEREIRA, MARLI FERREIRA e NEWTON DE LUCCA, que davam provimento ao agravo. Ausentes, justificadamente, os Desembargadores Federais DIVA MALERBI, PEIXOTO JÚNIOR, CECÍLIA MARCONDES, PAULO FONTES, CARLOS MUTA, CONSUELO YOSHIDA e WILSON ZAUHY. , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.