Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000452-34.2018.4.03.9999

RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA VANESSA MELLO

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE SAO PAULO

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

TERCEIRO INTERESSADO: JAYNE BEATRIZ BARBOZA DE FARIA
 

ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: SILVIA WIZIACK SUEDAN

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000452-34.2018.4.03.9999

RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA VANESSA MELLO

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

 

Trata-se de recurso de apelação, interposto pelo Ministério Público do Estado de São Paulo ,em face da r. sentença que julgou improcedente o pedido deduzido na inicial, de concessão de benefício assistencial a pessoa deficiente.

Pretende o apelante seja reformado o julgado, sustentando, em síntese, a presença dos requisitos à outorga da benesse. Requer, por fim, a antecipação dos efeitos da tutela de mérito.

Com as contrarrazões do INSS, subiram os autos a esta Corte.

O Ministério Público Federal ofertou parecer. Opinou pelo desprovimento da apelação.

É o relatório.

 

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000452-34.2018.4.03.9999

RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA VANESSA MELLO

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE SAO PAULO

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

 

 

A teor do disposto no art. 1.011 do Código de Processo Civil, conheço do recurso de apelação, uma vez que cumpridos os requisitos de admissibilidade.

Previsto no art. 203, caput, da Constituição Federal e disciplinado pela Lei nº 8.742/1993, de natureza assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada tem sua concessão desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de segurado, atrelando-se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário ou à detecção de deficiência, nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à verificação da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-lo suprido pela família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per capita não superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. Recorde-se, a este passo, da sucessiva redução da idade mínima, primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, ao depois, para 65 anos, conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003.

No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente evolução na sua conceituação.

Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para efeito de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.

Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:

 

"Art. 20

(...)

§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:

I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.

II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."

 

Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.

Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, a qual explicitou a definição legal de pessoa com deficiência:

 

"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."

 

De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.

Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando, assim, o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da República e em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93. A motivação empregada pela Excelsa Corte, no RE nº 580963, reside no fato de terem sido "editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas".

À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do idoso, não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de denotar a condição de precariedade financeira da parte autora. Veja-se, a exemplo, STJ: REsp nº 314264/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185; EDcl no AgRg no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u., DJ 04/04/2005, p. 342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 19/09/2002, v.u., DJ 10/03/2003, p. 323.

Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n. 1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar per capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado.

Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles o bolsa família, o Programa Nacional de Acesso à Alimentação e o bolsa escola, instituídos pelas Leis nºs 10.836/04, 10.689/03 e 10.219/01, nessa ordem, contemplam esse patamar.

Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:

 

“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV, verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria inferior a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo, mesmo incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde a pouco mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada, quantum satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI 00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j. 22/10/2015, e-DJF3 05/11/2015)

 

“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5- Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado Silva Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014)

 

Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio STF, no julgamento do RE nº 580.963/PR, disponibilizado no DJe 14.11.2013, submetido à sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade por omissão do art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo.".

Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do RESP n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia, assentou, no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, com vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por deficiente, no valor de um salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93

De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara no sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de 65 anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito esse que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação continuada percebido pelos referidos idosos.

Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido por qualquer idoso, assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos, mas, sim, pelos idosos com idade superior a 65 anos.

Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP 8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel. Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão do recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.

Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº 8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720, em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes, pela madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, todos, também, sob o mesmo teto.

 

SITUAÇÃO DOS AUTOS

 

No caso dos autos, o laudo médico colacionado ao doc. 90414444, págs. 67/73, realizado em 17/09/2016, considerou a autora, então, com 20 anos de idade, ensino médio completo e que trabalhou como “lava-louça” em pastelaria, portadora de Linfoma de Hodgkin, esclerose nodular, que a incapacita ao labor, de forma total e temporária.

Do estudo social coligido ao doc. 90414444, págs. 75/78, produzido em 20/09/2016, haure-se que a pretendente “tem dificuldades para manter-se muito tempo em pé, e sente muitas dores sendo necessário as vezes tomar morfina, segundo relato de sua mãe estão aguardando o resultado do exame realizado em seu irmão para verificar se é compatível com sua medula, pois realizou quimioterapia e teve efeitos em seus ossos e medula, sendo assim, em breve a mesma deve passar por transplante de medula, se nenhum familiar for compatível entrará na fila de espera”.

O perito médico consignou que, mesmo com a quimioterapia feita, há massa cervical extensa, com chance de cura ou melhora, mas muito pequena.

Fixou a data de início da incapacidade, em 07/05/2015, estimando o prazo de recuperação da aptidão laboral da requerente, em dois anos, a contar da perícia.

Nesse cenário, a constatação da perícia médica autoriza concluir pela existência de comprometimento ou restrições sociais decorrentes da enfermidade verificada, por mais de 2 (dois) anos, configurando-se, por conseguinte, quadro de deficiência necessário à concessão do benefício de prestação continuada, nos termos estabelecidos no art. 20, § 10, da Lei nº 8.742/1993.

Averbe-se que a jurisprudência da Nona Turma deste E. Tribunal vem reconhecendo o direito ao benefício assistencial, mesmo em casos de incapacidade temporária, desde que preenchidos os demais requisitos para tanto. A propósito, colacionam-se os seguintes julgados:

 

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO LEGAL (ART. 557, §1º, DO CPC). BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REMESSA OFICIAL NÃO CONHECIDA. INCAPACIDADE TOTAL E TEMPORÁRIA. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA COMPROVADA ATÉ 28 DE FEVEREIRO DE 2011. TERMO INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. VERBA HONORÁRIA. PREQUESTIONAMENTO. (...) 2 - Incapacidade total e temporária comprovada pelo laudo pericial. 3 - Estudo social comprova a condição de miserabilidade da autora no período compreendido entre 03 de março de 2008 e 28 de fevereiro de 2011. 4 - De rigor a concessão do benefício assistencial no lapso em que restaram preenchidos os requisitos legais. (...) 10 - Agravo legal parcialmente provido.” (Destaquei.)

(APELREEX 00059087220124039999, Relator Desembargador Federal Nelson Bernardes, j. 18/06/2012, e-DJF3 28/06/2012)

 

“CONSTITUCIONAL - ASSISTÊNCIA SOCIAL - APELAÇÃO COM PRELIMINAR DE ATRIBUIÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO - TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA NA SENTENÇA- DESCABIMENTO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA - ARTIGO 203, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - DEFICIÊNCIA E NECESSIDADE DE OBTENÇÃO DA PRESTAÇÃO - COMPROVAÇÃO. HONORÁRIOS PERICIAIS. MANUTENÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA. (...) II - A concessão do benefício assistencial do art. 203, V, CF sujeita-se, na espécie, à demonstração da condição de deficiência do autor, somada à hipossuficiência própria e da família. III - Os laudos periciais atestam que a autora sofreu extração cirúrgica da mama direita, para retirada de tumor maligno com 2 a 5 cm de diâmetro, tendo como sequela "edema de seu membro superior direito, impossibilitando-a de trabalhar no momento", e continua em tratamento realizando quimioterapia e hormonioterapia profilática, que provocam efeitos colaterais como náuseas, vômitos, fogaços e queda de cabelo. Vejo que a autora padece de grave doença, que exige árduo e constante acompanhamento médico, tendo o Sr. Perito concluído o laudo atestando a sua incapacidade total e temporária para o trabalho, de modo que tenho por atendido, ao menos nos tempos atuais, o primeiro dos requisitos para a concessão do benefício. IV - Do conjunto probatório extrai-se que a autora é separada do marido, não aufere qualquer rendimento, apenas recebe uma cesta básica do Hospital do Câncer, morando em quarto e cozinha cedidos pela irmã, dependendo da ajuda de amigos, da irmã e do cunhado, que percebe aposentadoria de um salário mínimo. Verifica-se, assim, que a situação é de precariedade e miséria, estando a autora total e temporariamente incapacitada para exercer qualquer trabalho, dependendo da assistência e colaboração da irmã e amigos, sem condições para uma sobrevivência digna, conforme preceitua a Constituição Federal. (...) VI -Apelação do INSS improvida. Sentença e tutela antecipada mantidas.” (Destaquei.)

(AC 00013359220014036113, Relatora Desembargadora Federal Marisa Santos, j. 09/05/2005, DJU 23/06/2005)

 

Destarte, o quadro ajusta-se ao conceito de pessoa com deficiência, nos termos da Lei.

Avançando, então, na análise da hipossuficiência, importa examinar o mencionado estudo social.

Segundo o laudo adrede confeccionado, a autora reside no município de Olímpia/SP, com a genitora, de 43 anos, idade correspondente à data do estudo socioeconômico.

Transcrevo excerto do laudo, sobre as condições de moradia:

 

“O imóvel pertence a Sra. Marta e demais 7 (sete) irmãos, a mesma relatou que residia com seu pai faleceu há 15 anos, os irmãos foram casando e a mesma ficou na residência, porém estão aguardando um irmão ter liberdade

Para realizarem o inventário, bem como resolver os impostos que estão há anos atrasados e colocarem a casa à venda para dividirem entre os mesmos.

Casa esta construída de alvenaria, telha cerâmica, sem forro madeira, piso queimado (vermelho), possui 8 (oito) cômodos, assim distribuídos:

-Sala: jogo de sofá, tapete, rack e TV 24 polegadas.

- Quarto 1: cama casal, guarda-roupa, mesa de computador e computador;

-Quarto 2: beliche, guarda-roupa (onde dorme requerente);

-Quarto 3: cama casal, guarda roupa, ventilador (onde dorme a Sra. Marta);

-Banheiro: sem revestimento;

- Despensa: uma mesa, máquina de lavar roupa.

-Cozinha: é um cômodo separado do imóvel, contem pia com gabinete, armário, bebedouro d'água, fogão 4 (quatro) bocas, dentro deste cômodo tem um quarto com uma cama solteiro e um guarda-roupa antigo, com pequeno banheiro. No quintal possui uma área coberta de telha eternit, contendo um tanque de lavar roupa. Defronte à casa possui área. Cabe ressaltar que a família possui apenas móveis e eletrodoméstico de primeira necessidade, e sobrevivem sem luxo.

(...)

O domicílio possuí água canalizada, abastecimento da rede pública, rede de coleta de esgoto, obtendo calçamento/pavimentação defronte à casa, o bairro tem-se fácil acesso ao transporte público e ao UPA- Unidade de Pronto Atendimento 24h.”

 

A genitora da promovente sempre trabalhou como diarista, mas, há nove anos, foi diagnosticada “com problemas no coração”. Implantou válvulas mitral e aórtica cardíacas. Recentemente, os exames acusaram a necessidade de troca da válvula aórtica, em razão de desgaste, e a mesma colocará ponte de safena. “Mostrava-se muito cansada e fadigada ao falar”.

As despesas, à época do laudo, giravam em torno de R$ 720,00, consistindo em tarifas de energia elétrica (R$ 130,00), gás (R$ 40,00), supermercado (R$ 300,00), internet (R$ 50,00) e farmácia (R$ 200,00).

São isentas de tarifa de água, por tratar-se de família de baixa renda.

Recebem parte da medicação da qual necessitam, da rede pública de saúde, onde, também, realizam tratamento médico, e a assistência social fornece-lhes uma cesta básica.

Quando possível, o genitor auxilia na compra de medicamentos e alimentos, visto que a pretendente necessita de alimentação adequada.

Possuem, apenas, um aparelho celular, e contam com veículo, um celta, ano 2000/2001. A demandante está habilitada, mas não pode dirigir. Quando necessitam do carro, “tem os familiares que as conduzem”.

Os ganhos da família advém do benefício de prestação continuada ao deficiente titularizado pela genitora da requerente, à época, de R$ 880,00.

A esta altura, cabe lembrar que, na contabilização da renda familiar, torna-se imperiosa a exclusão da mencionada benesse assistencial, à conta da informação de se tratar de deficiente, em aplicação analógica ao art. 34 do Estatuto do Idoso, nos moldes do citado precedente do Excelso Pretório, de modo que não resta, como passível de consideração jurídica, qualquer valor percebido pela proponente.

Conquanto conte com veículo e internet, divisa-se caracterizada conjuntura de miserabilidade, no momento, na situação específica aqui versada, mormente diante da contingência de saúde que acometeu a parte autora.

Reforça mais essa conclusão, a opinião da perita no sentido de que, do ponto de vista sociológico, justifica-se a concessão do benefício assistencial requerido.

Assim, restou demonstrada situação de hipossuficiência econômica, como indicado no sobredito paradigma do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em repercussão geral, a autorizar o implante da benesse.

De acordo com o entendimento esposado pela jurisprudência dominante, o termo inicial do benefício deve ser fixado a partir do requerimento administrativo. Nesse sentido: APELREEX 00122689420114036139, Nona Turma, Relatora Desembargadora Federal Marisa Santos, j. 30/05/2016, e-DJF3 13/06/2016; APELREEX 00331902220114039999, Nona Turma, Relator Juiz Convocado Rodrigo Zacharias, j. 14/03/2016, e-DJF3 31/03/2016.

Passo à análise dos consectários.

Cumpre esclarecer que, em 20 de setembro de 2017, o STF concluiu o julgamento do RE 870.947, definindo as seguintes teses de repercussão geral sobre a incidência da Lei n. 11.960/2009: "1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e 2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina."

Assim, a questão relativa à aplicação da Lei n. 11.960/2009, no que se refere aos juros de mora e à correção monetária, não comporta mais discussão, cabendo apenas o cumprimento da decisão exarada pelo STF em sede de repercussão geral.

Nesse cenário, sobre os valores em atraso incidirão juros e correção monetária em conformidade com os critérios legais compendiados no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, observadas as teses fixadas no julgamento final do RE 870.947, de relatoria do Ministro Luiz Fux.

Deve o INSS arcar com os honorários advocatícios em percentual mínimo a ser definido na fase de liquidação, nos termos do inciso II do § 4º do art. 85 do Código de Processo Civil, observando-se o disposto nos §§ 3º e 5º desse mesmo dispositivo legal e considerando-se as parcelas vencidas até a data da decisão concessiva do benefício, nos termos da Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça.

Está o instituto previdenciário isento do pagamento de custas processuais, consoante o art. 4º, inciso I, da Lei Federal n. 9.289/96, art. 6º, da Lei do Estado de São Paulo n. 11.608/2003 e das Leis do Mato Grosso do Sul, de n. 1.135/91 e 1.936/98, alteradas pelos arts. 1º e 2º, da Lei n. 2.185/2000. Excluem-se da isenção as respectivas despesas processuais, além daquelas devidas à parte contrária.

Os valores já pagos, seja na via administrativa ou por força de decisão judicial, a título de quaisquer benefícios previdenciários ou assistenciais não cumuláveis, deverão ser integralmente abatidos do débito.

Saliente-se que, nos termos do art. 21, caput, da Lei n. 8.742/93, o benefício de prestação continuada deve ser revisto a cada dois anos, para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem. 

Ante a natureza alimentar da prestação, oficie-se ao INSS com cópia dos documentos necessários, para que sejam adotadas medidas para a imediata implantação do benefício, independentemente de trânsito em julgado, conforme requerido no apelo do Órgão Ministerial.

Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, PARA REFORMAR A SENTENÇA E JULGAR PROCEDENTE O PEDIDO, concedendo, à parte autora, o benefício de prestação continuada, a partir da data de entrada do requerimento administrativo, e fixando consectários na forma explicitada, abatidos eventuais valores já recebidos.

É como voto.

 



E M E N T A

 

 

 

CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 203, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO.

- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-la suprida pela família.

- Constatadas, pelos laudos periciais, a deficiência e a hipossuficiência econômica, é devido o Benefício de Prestação Continuada, a partir da data de entrada do requerimento administrativo. Precedentes.

- Juros de mora, correção monetária e custas processuais fixados na forma explicitada.

- Honorários advocatícios a cargo do INSS em percentual mínimo a ser definido na fase de liquidação.

- Isenção da autarquia previdenciária do pagamento de custas processuais, com exceção das custas e despesas comprovadamente realizadas pela parte autora.

- Revisão do Benefício de Prestação Continuada a cada dois anos, para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem.

- Apelação do Ministério Público do Estado de São Paulo parcialmente provida. Sentença reformada para julgar procedente o pedido. Tutela antecipada de mérito concedida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação do Ministério Público do Estado de São Paulo, para reformar a sentença e julgar procedente o pedido, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.