APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0033616-68.2010.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA VANESSA MELLO
APELANTE: SIMAO DE MORAES
Advogado do(a) APELANTE: ANA MARIA FRIAS PENHARBEL - SP272816-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: DANIEL DE FREITAS TRIDAPALLI - SP210142-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0033616-68.2010.4.03.9999 RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA VANESSA MELLO APELANTE: SIMAO DE MORAES Advogado do(a) APELANTE: ANA MARIA FRIAS PENHARBEL - SP272816-N APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS Advogado do(a) APELADO: DANIEL DE FREITAS TRIDAPALLI - SP210142-N OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Cuida-se de ação previdenciária, ajuizada aos 17 de novembro de 2009, por Simão de Moraes, com vistas ao reconhecimento do exercício do labor campesino sem registro, nos intervalos de 1974 a 1979 e de 1984 a 2009, bem como para a condenação do INSS à concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição. A r. sentença, não submetida ao reexame necessário, foi proferida aos 13 de maio de 2010 e julgou improcedente o pedido. O fundamento do julgado foi no sentido de que seria desnecessária a instrução processual para o reconhecimento do labor rural sem registro, uma vez que, ainda que reconhecida a atividade rural, não contaria o demandante, com a carência mínima necessária ao deferimento do benefício vindicado (fl. 53). Apelou a parte autora. Em suas razões recursais, sustenta, em preliminar, a ocorrência de cerceamento de defesa, uma vez que não foi designada a audiência para oitiva das testemunhas arroladas, conforme requerimentos de fl.10 e de fl. 51 dos autos. Requer a anulação da sentença. No mérito, sustenta a procedência do pedido, bem como preenchimento dos pressupostos ao deferimento do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição. Decorrido, “in albis”, o prazo para a apresentação de contrarrazões subiram os autos a este Tribunal. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0033616-68.2010.4.03.9999 RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA VANESSA MELLO APELANTE: SIMAO DE MORAES Advogado do(a) APELANTE: ANA MARIA FRIAS PENHARBEL - SP272816-N APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS Advogado do(a) APELADO: DANIEL DE FREITAS TRIDAPALLI - SP210142-N OUTROS PARTICIPANTES: V O T O DA COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE LABORATIVA SEM REGISTRO PROFISSIONAL Para efeito de concessão do benefício em tela, a comprovação do tempo de serviço, agora, tempo de contribuição (art. 4º da EC 20/98), sem regular registro em carteira profissional, deverá ser feita com base em início de prova material, "não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento" (art. 55, § 3º, da Lei n.º 8.213/91). No tocante à atividade rural, muito se debateu a respeito da aplicação do dispositivo supramencionado e, atualmente, reconhece-se na jurisprudência elenco de posicionamentos assentados sobre o assunto, a nortear apreciação das espécies e a valoração dos respectivos conjuntos probatórios. Dentre esses entendimentos, podem-se destacar os seguintes: (i) é suficiente à demonstração do labor rural início de prova material (v.g., documentos expedidos por órgãos públicos que contemplem a qualificação rurícola da parte autora, não sendo taxativo o rol de documentos previsto no art. 106 da Lei nº 8.213/91), corroborado por prova testemunhal coesa e harmônica, sendo inservível a tal finalidade prova exclusivamente testemunhal (Súmula STJ 149), inclusive para os chamados "boias-frias" (STJ, REsp 1321493/PR, Relator Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 19/12/2012, apreciado na sistemática do art. 543-C do CPC/1973); (ii) os documentos em nome de terceiros, como pais, cônjuge e filhos, servem como início de prova escrita para fins de comprovação da atividade rural em regime de economia familiar, onde dificilmente todos os membros da família terão documentos em seu nome, posto que concentrados, na maioria das vezes, na figura do chefe da família (STJ, EREsp 1171565/SP, Relator Ministro Nefi Cordeiro, Terceira Seção, DJe 05/3/2015; AgRg no REsp 1073582/SP, Relator Ministro OG Fernandes, Sexta Turma, DJe 02/03/2009; REsp 447655, Relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, DJ 29/11/2004). (iii) possível o reconhecimento de tempo de serviço rural antecedente ou ulterior ao princípio de prova documental apresentado, desde que ratificado por testemunhos idôneos (STJ, REsp nº 1.348.633/SP, Relator Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, j. 28/08/2013, DJE 05/12/2014). A despeito de toda evolução exegética a respeito da matéria, certo é que alguns pontos permaneceram polêmicos e apenas recentemente experimentaram pacificação. Talvez o maior deles diga respeito, justamente, à desnecessidade de contemporaneidade do início de prova material amealhado a todo período que se pretende ver reconhecido. A propósito, vale transcrever, num primeiro lanço, o último aresto citado, exarado sob o rito do art. 543-C do CPC/1973: PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/91. TEMPO DE SERVIÇO RURAL . RECONHECIMENTO A PARTIR DO DOCUMENTO MAIS ANTIGO. DESNECESSIDADE. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CONJUGADO COM PROVA TESTEMUNHAL. PERÍODO DE ATIVIDADE RURAL COINCIDENTE COM INÍCIO DE ATIVIDADE URBANA REGISTRADA EM CTPS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A controvérsia cinge-se em saber sobre a possibilidade, ou não, de reconhecimento do período de trabalho rural anterior ao documento mais antigo juntado como início de prova material. 2. De acordo com o art. 400 do Código de Processo Civil "a prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso". Por sua vez, a Lei de Benefícios, ao disciplinar a aposentadoria por tempo de serviço, expressamente estabelece no § 3º do art. 55 que a comprovação do tempo de serviço só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, "não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento" (Súmula 149/STJ). 3. No âmbito desta Corte, é pacífico o entendimento de ser possível o reconhecimento do tempo de serviço mediante apresentação de um início de prova material, desde que corroborado por testemunhos idôneos. Precedentes. 4. A Lei de Benefícios, ao exigir um "início de prova material", teve por pressuposto assegurar o direito à contagem do tempo de atividade exercida por trabalhador rural em período anterior ao advento da Lei 8.213/91 levando em conta as dificuldades deste, notadamente hipossuficiente. 5. Ainda que inexista prova documental do período antecedente ao casamento do segurado, ocorrido em 1974, os testemunhos colhidos em juízo, conforme reconhecido pelas instâncias ordinárias, corroboraram a alegação da inicial e confirmaram o trabalho do autor desde 1967. 6. No caso concreto, mostra-se necessário decotar, dos períodos reconhecidos na sentença, alguns poucos meses em função de os autos evidenciarem os registros de contratos de trabalho urbano em datas que coincidem com o termo final dos interregnos de labor como rurícola, não impedindo, contudo, o reconhecimento do direito à aposentadoria por tempo de serviço, mormente por estar incontroversa a circunstância de que o autor cumpriu a carência devida no exercício de atividade urbana, conforme exige o inc. II do art. 25 da Lei 8.213/91. 7. Os juros de mora devem incidir em 1% ao mês, a partir da citação válida, nos termos da Súmula n. 204/STJ, por se tratar de matéria previdenciária. E, a partir do advento da Lei 11.960/09, no percentual estabelecido para caderneta de poupança. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do Código de Processo Civil. (REsp 1348633/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/08/2013, DJe 05/12/2014) Esposando o mesmo raciocínio, a Súmula 577 do c. STJ, verbis: "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório". Ora bem, da leitura dos textos retrotranscritos, ressai cristalino ser dispensável que o princípio de prova documental refira-se a todo o período a comprovar-se: admite-se que aluda, apenas, à parcela deste. Equivale, pois, a afirmar-se que o princípio deve reportar-se ao menos a um quinhão do intervalo laborativo a ser comprovado. Destarte, à luz dos julgados do c. STJ e da linha exegética acima, inclino-me pela simultaneidade, ainda quando diminuta, entre os documentos ofertados e o interregno laboral alegado. Postas as balizas, passa-se ao exame do caso concreto. Sustenta a parte autora, nascida aos 28/10/1949, o efetivo exercício do labor campesino sem registro, desde a idade a infância, em regime de economia familiar, em especial, nos intervalos de 1974 a 1979 e de 1984 a 2009. Alega que toda a sua família era composta por trabalhadores rurais, na região de Piedade/SP, e exceto em relação ao intervalo de 06.06.1979 a 01.06.1984, no qual foi trabalhador braçal junto à Prefeitura do Município de Piedade/SP, sempre exerceu trabalho em diversas lavouras. A fim de comprovar o trabalho rural sem registro foram apresentados pelo autor os seguintes documentos: - certidão de casamento celebrado no ano de 1974, documento no qual está qualificado como lavrador (fl.15); - cópia de sua CTPS, com anotação de vínculo laboral como trabalhador rural, no período de 10/03/1992 a 1º/01/1994 (fl.18). Verifica-se dos autos, que a parte autora formulou, na inicial, requerimento para a produção de prova testemunhal, ofertando o respectivo rol de testemunhas arrolando 2 (duas) testemunhas (fl.10), bem como reiterou a adoção dessa providência, solicitando a designação de audiência de instrução (fl.53). No entanto, sobreveio sentença de improcedência do pedido, sob o fundamento de que ausentes os requisitos legais ao deferimento do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, o que tornaria, por consequente, desnecessária a realização da audiência de instrução para a comprovação do exercício da atividade campesina sem registro, alegada pela parte autora. Pois bem. Em razão da natureza da demanda, a realização da prova testemunhal é imprescindível para o julgamento da lide, ante a possibilidade de comprovação da atividade rural mediante princípio de prova documental, ratificado por testemunhos idôneos a ampliar a eficácia probatória do documento, independentemente de contribuição. Verifica-se, contudo, que a prova oral não foi produzida nos autos, ainda que tempestivamente requerida pela parte autora, em duas ocasiões distintas (fl. 10 e fl.51), de tudo aflorando ocorrência de cerceio de defesa, frente ao advento de sentenciamento (fl.53), independentemente de oportunização da competente instrução, em desapreço aos princípios do contraditório e da ampla defesa, assegurados pelo artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal. Transcrevo, por oportuno, os seguintes julgados da Nona Turma deste E. Tribunal, proferidos em situações análogas: "PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ OU AUXÍLIO-DOENÇA RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PROVA TESTEMUNHAL INDISPENSÁVEL. CERCEAMENTO DE DEFESA. NULIDADE RECONHECIDA DE OFÍCIO. SENTENÇA ANULADA. APELAÇÃO PREJUDICADA. - São exigidos à concessão dos benefícios: a qualidade de segurado, a carência de doze contribuições mensais - quando exigida, a incapacidade para o trabalho de forma permanente e insuscetível de recuperação ou de reabilitação para outra atividade que garanta a subsistência (aposentadoria por invalidez) e a incapacidade temporária (auxílio-doença), bem como a demonstração de que o segurado não era portador da alegada enfermidade ao filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social. - No caso dos autos, a parte autora alega ter exercido atividades rurais até ser acometida de doença incapacitante que a impede de trabalhar. Como início de prova material do alegado trabalho rural , consta dos autos cópia de sua certidão de casamento e nascimento da filha, com a qualificação de lavrador. - Nos casos em que se pleiteia a concessão de benefício previdenciário por incapacidade, em decorrência do exercício de atividade rural, a realização de prova testemunhal é imprescindível para se aferir a qualidade de segurado da parte autora. - Havendo necessidade de colheita de determinada prova, o Juiz deve determinar, até mesmo de ofício, a sua produção, em homenagem ao princípio da verdade real. Precedentes do STJ. - cerceamento de defesa configurado. Sentença anulada de ofício, com determinação de retorno dos autos à instância de origem para a realização de prova testemunhal e novo julgamento. - Apelação prejudicada." (AC 2016.03.99.031221-0, Relator Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias, D.E. 24/11/2016) "PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. PEDIDO IMPROCEDENTE POR AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. ART. 285-A. AUSÊNCIA DE PROVA TESTEMUNHAL. NECESSIDADE. SENTENÇA ANULADA. APELAÇÃO PREJUDICADA. - À concessão da aposentadoria por idade rural , exige-se: a comprovação da idade mínima (55 anos de idade para mulher e 60 anos para homem) e o desenvolvimento de atividade rural , pelo tempo correspondente à carência, no período imediatamente anterior ao requerimento, ressalvada a hipótese do direito adquirido. - A atividade rural deve ser comprovada mediante início de prova material corroborada por prova testemunhal idônea e robusta, independentemente de contribuição. - A prova material em harmonia com a prova testemunhal é requisito imprescindível para o reconhecimento judicial do benefício de aposentadoria rural por idade. - Desse modo, apesar de o documento apresentado constituir, em tese, início de prova material, faz-se necessária, no caso, a oitiva das testemunhas, que fora requerida pela parte autora, para que não fique configurado cerceamento de defesa. - O artigo 285-A do Código de Processo Civil é aplicável quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, podendo ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada. - No caso em análise, contudo, verifica-se que a solução para o litígio depende de dilação probatória, posto que a controvérsia exige a produção de prova testemunhal , para esclarecimentos acerca do exercício de atividade rural pela parte autora durante o período de carência previsto na legislação previdenciária. A matéria controvertida, portanto, não é unicamente de direito, de modo que também se incorre em cerceamento de defesa. - Sentença anulada para determinando o retorno dos autos à Vara de origem para que seja concluída a instrução probatória, com a oitiva de testemunhas. - Apelação da parte autora prejudicada." (AC 0027489-07.2016.4.03.9999, Relator Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias, D.E. 24/11/2016) Frustrada, portanto, a análise do conjunto probatório pretendido pela parte autora, em decorrência da ausência de produção de prova oral, impõe-se a anulação da sentença, a fim de que seja realizada audiência para oitiva de testemunhas, vez que imprescindível ao julgamento da lide. Ante o exposto, acolho a preliminar suscitada para anular a r. sentença, determinando o retorno dos autos ao Juízo de origem, para regular prosseguimento do feito, restando, pois, PREJUDICADO o exame do recurso de apelação interposto pela parte autora. É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. LABOR RURAL SEM REGISTRO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. AUSENTE PRODUÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. SENTENÇA ANULADA.
- Em razão da natureza da demanda em que se busca a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, mediante o cômputo de tempo de labor rural, sem registro em CTPS, a realização da prova testemunhal é imprescindível para o julgamento da lide, ante a possibilidade de comprovação da atividade rural mediante princípio de prova documental, ratificado por testemunhos idôneos.
- A prova oral, contudo, não foi produzida nos autos. Em que pese a apresentação do rol de testemunhas pela parte autora na inicial e o requerimento expresso de designação de audiência para a sua oitiva, o magistrado a quo proferiu sentença sem oportunizar a produção de tal modalidade de prova, malferindo, assim, os princípios do contraditório e da ampla defesa, assegurados pelo artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal.
- Frustrada a concretização do conjunto probatório, em decorrência da ausência de produção de prova oral, a anulação do processo, é medida que se impõe, a fim de que, oportunizada a prova, seja prolatada nova sentença.
- Preliminar acolhida. Sentença anulada. Determinação para o retorno dos autos ao Juízo de origem, para regular prosseguimento do feito. Apelação da parte autora prejudicada.