APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001016-70.2004.4.03.6000
RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY
APELANTE: AILTON EVANGELISTA ALVES, UNIÃO FEDERAL
Advogado do(a) APELANTE: ALMIR VIEIRA PEREIRA JUNIOR - MS8281-A
APELADO: AILTON EVANGELISTA ALVES, UNIÃO FEDERAL
Advogado do(a) APELADO: ALMIR VIEIRA PEREIRA JUNIOR - MS8281-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001016-70.2004.4.03.6000 RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY APELANTE: AILTON EVANGELISTA ALVES, UNIÃO FEDERAL Advogado do(a) APELANTE: ALMIR VIEIRA PEREIRA JUNIOR - MS8281-A APELADO: AILTON EVANGELISTA ALVES, UNIÃO FEDERAL Advogado do(a) APELADO: ALMIR VIEIRA PEREIRA JUNIOR - MS8281-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação da União nos autos de ação ordinária, proposta com o fito de anulação dos atos administrativos consubstanciados na punição disciplinar de advertência. Pleiteia ainda a indenização por danos morais e materiais. A sentença julgou o pedido procedente por entender o autor recebeu duas ordens contrárias de superiores hierárquicos distintos, portanto, uma excludente da outra, não podendo o autor ter agido de forma diferente. Logo ao obedecer a ordem do Capitão e não a do Tenente, não incidiu em transgressão disciplinar, eis que se trata de desobediência justificável. Condenou a União no pagamento de cinco mil reais a título de danos morais. Apelou a União, sustentando, em resumo, que restou demonstrado nos autos que as medidas disciplinares aplicadas ao autor observaram os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, uma vez que, esta foi oportunizada a apresentação de defesa nas apurações das transgressões disciplinares. Aduz que ante a inexistência de ato omissivo ou comissivo deliberado e, muito menos, de culpa ou dolo, não há que falar em dano moral passível de ressarcimento, não houve qualquer ofensa aos valores não materiais e o dano moral, deve ser efetivo, direto e imediato, não pode ser eventual nem presumido, como pretende o recorrente. Com contrarrazões. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001016-70.2004.4.03.6000 RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY APELANTE: AILTON EVANGELISTA ALVES, UNIÃO FEDERAL Advogado do(a) APELANTE: ALMIR VIEIRA PEREIRA JUNIOR - MS8281-A APELADO: AILTON EVANGELISTA ALVES, UNIÃO FEDERAL Advogado do(a) APELADO: ALMIR VIEIRA PEREIRA JUNIOR - MS8281-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Narra o autor que no dia 22/04/2003, no cumprimento de uma instrução militar, recebeu ordens expressas do Capitão Pereira proibindo os condutores de patrulha auxiliar os demais instrutores em outra atividade, e que "tal ordem somente perderia a eficácia se fosse revogada diretamente por ele, que não era pra nenhum dos condutores obedecer ordem de militar mais moderno (hierarquicamente inferior a ele)". O Tenente Figueiredo determinou que o autor o auxiliasse no desenvolvimento de sua instrução, mas o autor se recusou sob a alegação de que havia recebido ordem expressa do Comandante para que não auxiliassem nas instruções de outros militares mais novos e inferiores na hierarquia. Relata que diante tal atitude, o Comando do Exército entendeu que o autor havia desobedecido a ordem superior, o que culminou com a aplicação de 2 dias de detenção militar, pena que foi modificada, após recurso, para quatro dias de impedimento disciplinar. Alega o autor que, embora não tenha cumprido a ordem do 2° Tenente, o fez justificadamente já que atendia ao determinado pelo Capitão Pereira - grau hierárquico superior -, de forma que a pena que lhe foi imposta foi ilegal. Inicialmente, acerca da possibilidade de o Poder Judiciário rever o mérito de decisão administrativa disciplinar ou os procedimentos adotados pela comissão processante, firme o entendimento no âmbito do STJ no sentido de que a atuação do Poder Judiciário no controle jurisdicional do Processo Administrativo Disciplinar - PAD limita-se ao exame da regularidade do procedimento e a legalidade do ato, à luz dos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, sendo-lhe vedada qualquer incursão no mérito administrativo a impedir a análise e valoração das provas constantes no processo disciplinar. Nesse sentido: “ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO DISCIPLINAR. AUTORIDADE COATORA. APLICAÇÃO DE SANÇÃO DIVERSA DA SUGERIDA PELA COMISSÃO PROCESSANTE. POSSIBILIDADE. UTILIZAÇÃO DE PROVA EMPRESTADA. CONTROLE JURISDICIONAL. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE NA APLICAÇÃO DA PENA DE DEMISSÃO. AUSÊNCIA DE DISCRICIONARIEDADE PARA O ADMINISTRADOR. [...] 4. No controle jurisdicional do processo administrativo, a atuação do Poder Judiciário limita-se ao campo da regularidade do procedimento, bem como à legalidade do ato, não sendo possível qualquer incursão no mérito administrativo a fim de aferir o grau de conveniência e oportunidade. Assim, mostra-se inviável a análise das provas constantes no processo disciplinar. [...] (MS 14.667/DF, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 10/12/2014, DJe 17/12/2014) “MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. DELIBERAÇÃO DO CONSELHO DA POLÍCIA CIVIL DO PARANÁ. ACOLHIMENTO PELO GOVERNADOR DO ESTADO. DEMISSÃO DO CARGO DE DELEGADO DE POLÍCIA "A BEM DO SERVIÇO PÚBLICO". PODER JUDICIÁRIO ADSTRITO À ANÁLISE DA LEGALIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO. PARTICIPAÇÃO DE MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO CONSELHO DA POLÍCIA CIVIL. NULIDADE. I - A atuação do Poder Judiciário no controle do processo administrativo circunscreve-se ao campo da regularidade do procedimento e da legalidade do ato, sendo-lhe defesa qualquer incursão no mérito administrativo, o que inviabiliza a análise e a valoração das provas constantes do processo administrativo (AgRg no RMS 25.722/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, DJe 13/09/2013). [...] (RMS 27.652/PR, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 04/11/2014, DJe 14/11/2014)” “RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR - PAD. CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA. PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E RAZOABILIDADE. OFENSA NÃO CONFIGURADA. 1. O mandado de segurança não é a via adequada para se reexaminar o conteúdo fático-probatório constante do processo administrativo (MS 13.161/DF, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, julgado em 23/02/2011, DJe 30/08/2011). A atuação do Poder Judiciário circunscreve-se, nessas hipóteses, ao campo da regularidade do procedimento e da legalidade do ato, sendo-lhe defesa qualquer incursão no mérito administrativo, o que inviabiliza a análise e a valoração das provas constantes do processo administrativo (AgRg no RMS 25.722/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 27/08/2013, DJe 13/09/2013). [...] (RMS 24.606/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 16/10/2014, DJe 03/11/2014)” “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. CARÁTER MANIFESTAMENTE INFRINGENTE. RECEBIMENTO COMO AGRAVO REGIMENTAL. PENA DE DEMISSÃO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. REEXAME DO MÉRITO ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILIDADE. REGULAR PROCEDIMENTO. PROPORCIONALIDADE. FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. [...] 2. O Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento de que, no âmbito do controle jurisdicional do processo administrativo disciplinar, cabe ao Poder Judiciário apreciar apenas a regularidade do procedimento, à luz dos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal. [...] (EDcl no REsp 1283877/PR, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/08/2014, DJe 08/09/2014)” Em assim sendo, a atuação do Poder Judiciário circunscreve-se ao controle de regularidade do procedimento (observância dos princípios da legalidade, do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal), sendo-lhe defesa qualquer incursão no mérito administrativo, uma vez que não lhe compete fazer essa apreciação quando o ato praticado estiver dentro dos limites legais e no exercício do legítimo poder discricionário que a Lei alcança ao administrador público. Através dos documentos acostados pelo autor, tem-se que para a apuração dos fatos foi instaurado procedimento de Apuração de Transgressão Disciplinar (87268510 - Pág. 33), que relata que o militar deixou de exercer o controle de sua fração na área de preparação para instrução de “tiro de ação reflexa”, mesmo após receber determinação nesse sentido, por parte do responsável pela oficina. Da leitura da decisão do Processo n. 052/SGTE 3º ESQ FUZ BLD/ 22 ABR 03 (87268511 - Pág. 2/3), proferida pela autoridade competente para aplicar a punição disciplinar, consta o seguinte, in verbis: “Em contato com o Cap Pereira, verifiquei que ele havia sim emitido ordem para que os condutores de patrulhas não trabalhassem nas oficinas. Porém o mesmo Cap Pereira recomendou aos condutores que, em caso de qualquer dúvida, ele deveria ser consultado. Verifiquei ainda que o Ten Figueredo foi autorizado pelo Cap Pereira a utilizar-se dos condutores na sua oficina, tendo em vista a carência desta em instrutores e monitores. Tal autorização foi concedida já com as instruções em andamento, portanto após a reunião inicial do Cap Pereira e os condutores. Na ocasião em que o Ten Figueredo ordenou ao Sgt Ailton que controlasse sua patrulha na "pré -oficina", o Sgt Ailton recusou-se a cumprir essa ordem, tendo em vista a ordem anterior que recebera do Cap Pereira. Então o Ten Figueredo informou ao Sgt Ailton que estava emitindo nova ordem com a autorização do Cap Pereira para tal. Mesmo em face deste esclarecimento, o Sgt Ailton manteve sua recusa, não se preocupando em procurar o Cap Pereira (conforme orientado) na base do acampamento, que se encontrava a pouca distância da oficina de Tiro de Ação Reflexo. (...) Em relação à Causa de Justificação citada, Art 18, 111, do RDE, julgo que houve por parte do Sgt Aitton wn erru na interpretação da dita causa. Justifica- se o não cumprisneisto de urna 1° ordem pelo cumprimento de wna 20 ordem que modifique ou vá de encontro àquela 10 Portanto, não cabe ao Sgt Ailton justificar o não cumprimento da ordem do Ten Figueredo, fazendo menção a urna ordem anterior que havia recebido do Cap Pereira. Ademais o Sgt foi a- lertado na ocasião de que o Cap Pereira autorizara o Ten Figueredo a proceder daquela maneira.” (87268511 - Pág. 3) Com efeito, a transgressão disciplinar é a violação dos deveres e das obrigações militares, sempre que tal violação não configure crime ou contravenção penal (art. 42 do Estatuto dos Militares). A classificação das transgressões disciplinares (assim como o regramento específico relativo à amplitude e aplicação das penas disciplinares, à classificação do comportamento militar e aos recursos contra as penas disciplinares) foi deixada, conforme art. 47 do Estatuto dos Militares, aos cuidados dos regulamentos disciplinares das forças armadas. Pode ocorrer que o militar cometa um fato que em tese é contrário à disciplina estando, porém, abrangido por uma causa de justificação. A causa de justificação funciona como excludente da transgressão, ou seja, o fato em sim é, em tese, contrário à disciplina, mas, no caso concreto, por estar abrangido pela causa justificadora, não se configura como transgressão. De acordo com o art. 18, I a VI, do Regulamento Disciplinar do Exército (RDE), aprovado pelo Decreto nº 4.346, de 26/08/2002, haverá causa de justificação quando a transgressão for cometida: a) na prática de ação meritória ou no interesse do serviço, da ordem ou do sossego público; b) em legítima defesa, própria ou de outrem; c) em obediência a ordem superior; d) para compelir subordinado a cumprir rigorosamente o seu dever, em caso de perigo, necessidade urgente, calamidade pública, manutenção da ordem e da disciplina; e) por motivo de força maior plenamente comprovado; f) por ignorância plenamente comprovada, desde que não atente contra os sentimentos normais de patriotismo, humanidade e probidade. A advertência, cabível nas transgressões classificadas como leve, é a pena mais branda que pode ser imposta ao militar, e consiste na admoestação verbal do transgressor, podendo ser feita em caráter reservado ou em caráter ostensivo (arts. 24, I, 25, caput, e 37, I, a, do RDE). A advertência em caráter ostensivo pode ser feita na presença de superiores hierárquicos ou no círculo dos pares do punido (art. 25, § 1º, do RDE). Trata-se, pois, de uma pena disciplinar não privativa de liberdade. A advertência não é publicada em boletim (art. 34, inciso II e § 4º, do RDE), não deve ser registrada nas alterações do punido (art. 25, § 2º, do RDE) e não deve ser considerada para fim de classificação de comportamento militar (art. 51, § 5º, do RDE). A advertência deve ser registrada na ficha disciplinar individual do punido (arts. 25, § 2º, e 34, inciso III e § 6º, do RDE), sobretudo porque ela deve ser considerada para fim de reincidência (art. 20, III, do RDE). Os registros dessa pena disciplinar devem ser cancelados automaticamente (sem necessidade de requerimento do interessado) depois de um ano contado desde a data de sua aplicação, pela autoridade que a aplicou ou por autoridade superior, observada a cadeia de comando, depois de dois anos contados desde a data de sua aplicação (arts. 42, § 2º, e 59, §§ 2º, 8º e 9º, do RDE). Considerando que a advertência não interfere nas mudanças de comportamento, o cancelamento de seus registros, do mesmo modo, não exerce interferência nas referidas mudanças. Em que pese a argumentação da parte autora, para a anulação da punição advertência ante o constrangimento que lhe trouxe, tem-se que para a configuração do dano moral deve ser caraterizada a violação ao um bem imaterial, isto é intimidade, vida privada, honra, imagem ou integridade psíquica do ofendido. Não há nos autos qualquer indício de que o autor tenha sofrido violação a quaisquer dos bens jurídicos anteriormente citados; a indenização por danos morais é cabível, se efetivamente for comprovado que a conduta dos agentes públicos foi contrária àquelas consideradas normais no contexto da vida militar. Igualmente, não há nos autos qualquer prova da conduta negligente por parte do Exército, não prevista em legislação específica para a prestação do serviço militar, que possa ser considerada lesiva à moral do autor, desse modo não faz jus à indenização por danos morais. Conclui-se, portanto, que o pedido de dano moral não tem fundamento, uma vez que não demonstrado nenhum prejuízo à dignidade do servidor militar. Desse modo, através do exame do conteúdo fático-probatório coligido aos autos, se infere que o contraditório e a ampla defesa foram observados no procedimento de apuração dos fatos, conforme requerimento, datado de 24 de junho de 2003, em que o autor solicita ao Comandante 4ª Bda recurso disciplinar à punição aplicada, o qual restou deferido em parte, para atenuar a punição para Advertência (87268512 - Pág. 8). Conforme o depoimento do Cap Pereira no procedimento de apuração (87268514 - Pág. 6), relata que “durante o acampamento ao inspecionar a instrução do Ten Figueiredo verifiquei que havia uma deficiência de instrutores e que o sargento condutor da patrulha estava sem missão durante a execução da pista. Autorizei então o tenente a empregar o sargento condutor no controle da execução de uma sub-oficina (...)” De acordo com o depoimento do Tenente Figueiredo, houve autorização do Cap Pereira para a utilização dos Sargentos condutores de patrulhas para auxiliar o controle do efetivo, conforme se transcreve abaixo: (87268514 - Pág. 7/segs.) “(...) Nesta ocasião o Capitão Pereira autorizou lhe a utilização dos Sargentos condutores de patrulhas nesta parte da oficina, para auxiliar o controle do efetivo que se encontrava a cargo do Aspirante a Oficial, fiscalizando a prática correta do exercício. Nesse momento o Capitão Pereira mandou chamar o condutor da patrulha que se encontrava na oficina que era a Sargento Elias Fernandes que é do Esquadrão do Capitão Pereira. (...) Após ter percorrido a pista de progressão algumas vezes para verificar o andamento da instrução, chegou à pista escola onde constatou que o Sargento Ailton estava sentado num banco de campanha a sombra de uma árvore com as mãos no queixo e com os olhos fechados. Ao chama-lo pelo nome, o Sargento Ailton levantou-se, e recebeu novamente a ordem do Tenente Figueiredo para que auxiliasse o Aspirante a Oficial Wiliam, como já havia mandado no início da instrução. O Sargento Ailton disse que não poderia ser empregado na oficina por ter recebido ordem do Capitão Pereira no sentido que não poderiam ser utilizados na execução da oficina (...)” Sendo assim, através dos documentos acostados, se verifica que a Administração Militar procedeu de acordo com a legislação a fim de apurar o ocorrido através de Formulário de Apuração de Transgressão Disciplinar, com a inquirição de testemunhas que participaram do evento chegando à conclusão de que o Sgt Ailton deixou de cumprir ordem clara de um superior, sendo, portanto, ordem expressa que não colocava em risco a sua própria integridade física, nem de qualquer dos integrantes de sua patrulha, muito menos dos componentes da oficina, de forma que não há se falar em ocorrência das hipóteses constantes no art. 18, I a VI, do RDE, apta a caracterizar a denominada causa de justificação como excludente de transgressão. O Magistrado sentenciante, no entanto, entendeu que o autor não tinha outra opção senão descumprir a ordem do Ten Figueiredo, no entanto, conforme o relato do próprio Cap Pereira – aquele que deu a primeira ordem -, ao verificar a falta de instrutores para auxiliar o Ten Figueiredo, autorizou o Tenente a empregar os Sargentos condutores para o controle e execução de sub-oficina, (87268514 - Pág. 6), incluindo dentre estes o Sgt Ailton, ora apelado. No caso dos autos, a pena de advertência foi aplicada por força das investigações no curso de regular procedimento administrativo pelo cometimento de transgressões disciplinares administrativas, vale dizer, desobediência à ordem superior, cometida pelo apelado. Assim, a advertência se deu por aplicação da Lei nº. 8.112/90, que expressamente a prevê nos termos dos arts. 127 e incisos o enquadramento em uma das condutas cabíveis para determinada punição. A conduta do militar se enquadrou na previsão legal para a advertência sendo ato administrativo plenamente vinculado, de modo que não resta margem alguma de discricionariedade ao julgador, agente público, para anular a punição determinada pela Lei Castrense, o que demonstra a observância dos princípios da legalidade, da proporcionalidade e da razoabilidade, inerentes à Administração Pública. Desta forma, de acordo com entendimento jurisprudencial em cotejo, não incumbe ao Judiciário atuar como instância revisora dos procedimentos administrativos, mas verificar a sua regularidade e a coerência da imposição da penalidade, bem como a observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa. Destarte, restou demonstrado que o Autor contrariou os preceitos de disciplina e hierarquia consubstanciado no Estatuto dos Militares, Lei n° 6.880/80, e no Regulamento Disciplinar do Exército (RDE), Decreto n 4.346, de 26 de agosto de 2002, de modo a concluir que a sentença merece reforma em sua integralidade. Diante do exposto, dou provimento à apelação da União para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido, nos termos da fundamentação desenvolvida. Condeno o vencido aos encargos da sucumbência e na verba honorária que fixo em R$ 1.000, 00 (um mil reais). É como voto.
E M E N T A
ADMINISTRATIVO. MILITAR. TRANSGRESSÃO DISCIPLINAR. DESCUMPRIMENTO DE ORDEM SUPERIOR. CAUSA DE JUSTIFICAÇÃO COMO EXCLUDENTE DE TRANSGRESSÃO (ART. 18, I A VI, RDE) . NÃO OCORRÊNCIA. PUNIÇÃO APLICADA DE ACORDO COM A LEGISLAÇÃO MILITAR. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. DANOS MORAIS E MATERIAIS. DESCABIMENTO. APELAÇÃO PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA.
1. Narra o autor que no dia 22/04/2003, no cumprimento de uma instrução militar, recebeu ordens expressas do Capitão Pereira proibindo os condutores de patrulha auxiliar os demais instrutores em outra atividade, e que "tal ordem somente perderia a eficácia se fosse revogada diretamente por ele, que não era pra nenhum dos condutores obedecer ordem de militar mais moderno (hierarquicamente inferior a ele)". O Tenente Figueiredo determinou que o autor o auxiliasse no desenvolvimento de sua instrução, mas o autor se recusou sob a alegação de que havia recebido ordem expressa do Comandante para que não auxiliassem nas instruções de outros militares mais novos e inferiores na hierarquia.
2. Relata que diante tal atitude, o Comando do Exército entendeu que o autor havia desobedecido a ordem superior, o que culminou com a aplicação de 2 dias de detenção militar, pena que foi modificada, após recurso, para quatro dias de impedimento disciplinar. Alega o autor que, embora não tenha cumprido a ordem do 2° Tenente, o fez justificadamente já que atendia ao determinado pelo Capitão Pereira - grau hierárquico superior -, de forma que a pena que lhe foi imposta foi ilegal.
3. Acerca da possibilidade de o Poder Judiciário rever o mérito de decisão administrativa disciplinar ou os procedimentos adotados pela comissão processante, firme o entendimento no âmbito do STJ no sentido de que a atuação do Poder Judiciário no controle jurisdicional do Processo Administrativo Disciplinar - PAD limita-se ao exame da regularidade do procedimento e a legalidade do ato, à luz dos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, sendo-lhe vedada qualquer incursão no mérito administrativo a impedir a análise e valoração das provas constantes no processo disciplinar. Precedentes.
4. A atuação do Poder Judiciário circunscreve-se ao controle de regularidade do procedimento (observância dos princípios da legalidade, do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal), sendo-lhe defesa qualquer incursão no mérito administrativo, uma vez que não lhe compete fazer essa apreciação quando o ato praticado estiver dentro dos limites legais e no exercício do legítimo poder discricionário que a Lei alcança ao administrador público.
5. Através dos documentos acostados pelo autor, tem-se que para a apuração dos fatos foi instaurado procedimento de Apuração de Transgressão Disciplinar (87268510 - Pág. 33), que relata que o militar deixou de exercer o controle de sua fração na área de preparação para instrução de “tiro de ação reflexa”, mesmo após receber determinação nesse sentido, por parte do responsável pela oficina.
6. A transgressão disciplinar é a violação dos deveres e das obrigações militares, sempre que tal violação não configure crime ou contravenção penal (art. 42 do Estatuto dos Militares). A classificação das transgressões disciplinares (assim como o regramento específico relativo à amplitude e aplicação das penas disciplinares, à classificação do comportamento militar e aos recursos contra as penas disciplinares) foi deixada, conforme art. 47 do Estatuto dos Militares, aos cuidados dos regulamentos disciplinares das forças armadas.
7. Pode ocorrer que o militar cometa um fato que em tese é contrário à disciplina estando, porém, abrangido por uma causa de justificação. A causa de justificação funciona como excludente da transgressão, ou seja, o fato em sim é, em tese, contrário à disciplina, mas, no caso concreto, por estar abrangido pela causa justificadora, não se configura como transgressão.
8. De acordo com o art. 18, I a VI, do Regulamento Disciplinar do Exército (RDE), aprovado pelo Decreto nº 4.346, de 26/08/2002, haverá causa de justificação quando a transgressão for cometida: a) na prática de ação meritória ou no interesse do serviço, da ordem ou do sossego público; b) em legítima defesa, própria ou de outrem; c) em obediência a ordem superior; d) para compelir subordinado a cumprir rigorosamente o seu dever, em caso de perigo, necessidade urgente, calamidade pública, manutenção da ordem e da disciplina; e) por motivo de força maior plenamente comprovado; f) por ignorância plenamente comprovada, desde que não atente contra os sentimentos normais de patriotismo, humanidade e probidade.
9. A advertência, cabível nas transgressões classificadas como leve, é a pena mais branda que pode ser imposta ao militar, e consiste na admoestação verbal do transgressor, podendo ser feita em caráter reservado ou em caráter ostensivo (arts. 24, I, 25, caput, e 37, I, a, do RDE). A advertência em caráter ostensivo pode ser feita na presença de superiores hierárquicos ou no círculo dos pares do punido (art. 25, § 1º, do RDE). Trata-se, pois, de uma pena disciplinar não privativa de liberdade.
10. A advertência não é publicada em boletim (art. 34, inciso II e § 4º, do RDE), não deve ser registrada nas alterações do punido (art. 25, § 2º, do RDE) e não deve ser considerada para fim de classificação de comportamento militar (art. 51, § 5º, do RDE). A advertência é registrada na ficha disciplinar individual do punido (arts. 25, § 2º, e 34, inciso III e § 6º, do RDE), sobretudo porque ela deve ser considerada para fim de reincidência (art. 20, III, do RDE).
11. Os registros dessa pena disciplinar devem ser cancelados automaticamente (sem necessidade de requerimento do interessado) depois de um ano contado desde a data de sua aplicação, pela autoridade que a aplicou ou por autoridade superior, observada a cadeia de comando, depois de dois anos contados desde a data de sua aplicação (arts. 42, § 2º, e 59, §§ 2º, 8º e 9º, do RDE). Considerando que a advertência não interfere nas mudanças de comportamento, o cancelamento de seus registros, do mesmo modo, não exerce interferência nas referidas mudanças.
12. Em que pese a argumentação da parte autora, para a anulação da punição advertência ante o constrangimento que lhe trouxe, para a configuração do dano moral deve ser caraterizada a violação ao um bem imaterial, isto é intimidade, vida privada, honra, imagem ou integridade psíquica do ofendido. Não há nos autos qualquer indício de que o autor tenha sofrido violação a qualquer dos bens jurídicos anteriormente citados, a indenização por danos morais é cabível, se efetivamente for comprovado que a conduta dos agentes públicos foi contrária àquelas consideradas normais no contexto da vida militar.
13. Não há nos autos qualquer prova da conduta negligente por parte do Exército, não prevista em legislação específica para a prestação do serviço militar, que possa ser considerada lesiva à moral do autor, desse modo não faz jus à indenização por danos morais. Conclui-se, portanto, que o pedido de dano moral não tem fundamento, uma vez que não demonstrado nenhum prejuízo à dignidade do servidor militar.
14. Através do exame do conteúdo fático-probatório coligido aos autos, se infere que o contraditório e a ampla defesa foram observados no procedimento de apuração dos fatos, conforme requerimento, datado de 24 de junho de 2003, em que o autor solicita ao Comandante 4ª Bda recurso disciplinar à punição aplicada, o qual restou deferido em parte, para atenuar a punição para Advertência (87268512 - Pág. 8).
15. Conforme o depoimento do Cap Pereira no procedimento de apuração (87268514 - Pág. 6), relata que “durante o acampamento ao inspecionar a instrução do Ten Figueiredo verifiquei que havia uma deficiência de instrutores e que o sargento condutor da patrulha estava sem missão durante a execução da pista. (...)”
16. Através dos documentos acostados, se verifica que a Administração Militar procedeu de acordo com a legislação a fim de apurar o ocorrido através de Formulário de Apuração de Transgressão Disciplinar, com a inquirição de testemunhas que participaram do evento chegando à conclusão de que o Sgt Ailton deixou de cumprir ordem clara de um superior, sendo, portanto, ordem expressa que não colocava em risco a sua própria integridade física, nem de qualquer dos integrantes de sua patrulha, muito menos dos componentes da oficina, de forma que não há se falar em ocorrência das hipóteses constantes no art. 18, I a VI, do RDE, apta a caracterizar a denominada causa de justificação como excludente de transgressão.
17. O Magistrado sentenciante, no entanto, entendeu que o autor não tinha outra opção senão descumprir a ordem do Ten Figueiredo, no entanto, conforme o relato do próprio Cap Pereira – aquele que deu a primeira ordem -, ao verificar a falta de instrutores para auxiliar o Ten Figueiredo, autorizou-o empregar os Sargentos condutores para o controle e execução de uma sub-oficina. (87268514 - Pág. 6), incluindo dentre estes o Sgt Ailton, ora apelado.
18. No caso dos autos, a pena de advertência foi aplicada por força das investigações no curso de regular procedimento administrativo pelo cometimento de transgressões disciplinares administrativas, vale dizer, desobediência à ordem superior, cometida pelo apelado. Assim, a advertência se deu por aplicação da Lei nº. 8.112/90, que expressamente a prevê nos termos dos arts. 127 e incisos o enquadramento em uma das condutas cabíveis para determinada punição.
19. A conduta do militar se enquadrou na previsão legal para a cassação de aposentadoria sendo ato administrativo plenamente vinculado, de modo que não resta margem alguma de discricionariedade ao julgador, agente público, para anular a penalidade determinada pela Lei, o que demonstra a observância dos princípios da legalidade, da proporcionalidade e da razoabilidade, inerentes à Administração Pública.
20. De acordo com entendimento jurisprudencial em cotejo, não incumbe ao Judiciário atuar como instância revisora dos procedimentos administrativos, mas verificar a sua regularidade e a coerência da imposição da penalidade, bem como a observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa.
21. Restou demonstrado que o Autor contrariou os preceitos de disciplina e hierarquia consubstanciado no Estatuto dos Militares, Lei n° 6.880/80, e no Regulamento Disciplinar do Exército (RDE), Decreto n 4.346, de 26 de agosto de 2002, de modo a concluir que a sentença merece reforma em sua integralidade.
22. Honorários advocatícios pelo vencido fixados em R$ 1.000,00 (um mil reais).
23. Apelação da União provida.