Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002719-73.2017.4.03.6103

RELATOR: Gab. 05 - DES. FED. COTRIM GUIMARÃES

APELANTE: UNIAO FEDERAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO DA 3ª REGIÃO
SUCESSOR: JULIANA FARIA

Advogados do(a) SUCESSOR: MAURICIO MELO NEVES - SP184445, MARCELO AUGUSTO BOCCARDO PAES - SP197124-A

APELADO: JULIANA FARIA
SUCESSOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO DA 3ª REGIÃO, UNIAO FEDERAL

Advogados do(a) APELADO: MARCELO AUGUSTO BOCCARDO PAES - SP197124-A, MAURICIO MELO NEVES - SP184445

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002719-73.2017.4.03.6103

RELATOR: Gab. 05 - DES. FED. COTRIM GUIMARÃES

APELANTE: UNIAO FEDERAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO DA 3ª REGIÃO

 

APELADO: JULIANA FARIA

Advogados do(a) APELADO: MARCELO AUGUSTO BOCCARDO PAES - SP197124-A, MAURICIO MELO NEVES - SP184445

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

O Exmo. Sr. Desembargador Federal COTRIM GUIMARÃES (Relator):

 

Trata-se de ação ordinária ajuizada por JULIANA FARIA em face da UNIÃO FEDERAL, em que pleiteia a anulação de ato administrativo de desincorporação da autora do quadro de Oficiais Temporários da Aeronáutica, por estar grávida no momento e por não ser incapaz definitivamente devido à ausência de um dos rins. Foi deferido o pedido de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional (ID 3946745 e 3764379).

 

O MM. Juízo a quo julgou parcialmente procedente o pedido, determinando o reconhecimento da estabilidade provisória em decorrência da gravidez, à luz do artigo 7º, XVIII, da Constituição Federal de 1988.

 

A União Federal aduz, em apertada síntese, que: (i) a sentença é extra petita, na medida em que do pedido inicial não consta qualquer menção à estabilidade; (ii) não há respaldo jurídico para a estabilidade a ela reconhecida; (iii) houve dolo da autora, ao esconder das autoridades militares sua condição de gravidez.

 

A autora sustenta, em resumo, que: (i) o magistrado sentenciante, ao proferir de imediato a sentença, a impediu de produzir as provas necessárias para comprovar suas alegações, o que lhe acarretou prejuízos; (ii) a realização de perícia médica era imprescindível para as teses sustentadas na petição inicial; (iii) há, portanto, nulidade da sentença; (iv) a sindicância que resultou em seu desligamento não atentou para o necessário respeito ao contraditório e à ampla defesa, pois ela foi ouvida apenas como testemunha; (v) não consta de nenhuma lei a exigência dos dois rins como critério necessário para ingresso nos quadros da Aeronáutica; (vi) o edital EAT/EIT 1-2017 não previu de forma expressa essa patologia como causa de inaptidão; (vii) as jurisprudências do STF e do STJ entendem que não pode a Administração Pública criar exigências não previstas em lei; (viii) a falta de um dos rins é critério que desrespeita os parâmetros de razoabilidade; (ix) há documentos que comprovam seu perfeito estado de saúde.

 

É o relatório.

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002719-73.2017.4.03.6103

RELATOR: Gab. 05 - DES. FED. COTRIM GUIMARÃES

APELANTE: UNIAO FEDERAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO DA 3ª REGIÃO

 

APELADO: JULIANA FARIA

Advogados do(a) APELADO: MARCELO AUGUSTO BOCCARDO PAES - SP197124-A, MAURICIO MELO NEVES - SP184445

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

O Exmo. Sr. Desembargador Federal COTRIM GUIMARÃES (Relator):

 

Na medida em que os argumentos recursais são interdependentes, ambos os recursos serão apreciados conjuntamente.

 

Relativamente à preliminar suscitada pela União Federal, apesar de o pedido inicial pecar pela falta de técnica e pela imprecisão jurídica, quando se recorre à causa de pedir fica perfeitamente esclarecido que também se pretende o reconhecimento da estabilidade temporária da autora por ocorrência de gravidez. Seria um pedido subsidiário à anulação do ato administrativo que a considerou incapaz.

 

Nos termos do artigo 322, §2º, do Código de Processo Civil de 2015, malgrado o princípio da adstrição/congruência – enunciado tanto no respectivo caput quanto no subsequente artigo 492 –, deve-se considerar o conjunto da postulação e o princípio da boa-fé, in verbis:

 

“§ 2º A interpretação do pedido considerará o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé”.

 

Recorrendo-se à petição inicial, verifica-se que, embora a estabilidade decorrente da gravidez não tenha constado expressamente do pedido, ela está contida no conjunto da postulação, de sorte que não poderia ser ignorada pela sentença. Para ilustrar, este é um trecho da petição inicial:

 

“sendo o direito de estabilidade provisória à gestante assegurado pela Constituição Federal, regulamentado pela lei 13.109/2015 e estendido às militares temporárias, não há dúvidas do direito requerente nesse sentido”.

 

Ademais, nos embargos de declaração opostos contra a decisão que inicialmente indeferiu o pedido de concessão de tutela de urgência (ID 3764373), a autora apontou omissão relativa à sua gravidez e à estabilidade reconhecida pela Constituição Federal de 1988. Por essa razão, os embargos foram acolhidos, e a tutela de urgência, concedida (ID 3764379).

 

Por conseguinte, à luz da legislação processual civil vigente, conclui-se que a sentença não é extra petita.

 

Posteriormente, apesar de o magistrado inicial não se ter pronunciado a respeito do pedido de realização de perícia médica, entendo que essa discussão está prejudicada.

 

A autora insurge-se contra o ato administrativo que a excluiu das fileiras da Aeronáutica. A Administração Pública militar reportou-se ao ICA nº 160-6/2016 – aprovado pela Portaria DIRSA nº 8/SECSDTEC/2016 –, mais especificamente ao item de nº 54 do Anexo J, relativo às causas de incapacidade física. Trata-se de uma presunção relativa (juris tantum) de que os indivíduos com apenas um rim não têm capacidade física para suportar as vicissitudes da vida na caserna.

 

Ocorre que se admite prova em contrário, razão por que a autora requer a realização de perícia médica. No entanto, verifico que já está suficientemente demonstrado que ela está fisicamente apta para a função de fisioterapeuta da Aeronáutica. Primeiro, porque ela foi aprovada em primeiro lugar no Estágio de Adaptação Técnico-EAT/2017, considerando todos os vinte e três convocados (ID 3764353). Segundo, porque há exames e atestados médicos que corroboram o bom estado de saúde dela (ID 3764352; 3764367).

 

Ademais, a sistemática da legislação processual brasileira, tanto cível quanto penal, exige, para a configuração de nulidades, a ocorrência de efetivo prejuízo à parte que as alega. Trata-se do princípio do pas de nullité sans grief.

 

Nesse sentido, é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

 

"PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADMISSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE CURADOR AO SEMI-IMPUTÁVEL. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado. 2. A jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que o reconhecimento de nulidade exige a demonstração do prejuízo, à luz do art. 563 do Código de Processo Penal, segundo o princípio pas de nullité sans grief. 3.Na hipótese, com a renúncia do defensor e curador, foi constituído novo advogado pelo paciente, responsável pela interposição de mais de um recurso de apelação, embargos de declaração e recurso especial. Prejuízo à defesa não demonstrado. 4. Habeas corpus não conhecido. ..EMEN: (HC 201101705286, RIBEIRO DANTAS, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:14/06/2016 ..DTPB:.)".

 

"RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. LITISCONSÓRCIO. DEPOIMENTO PESSOAL. PARTE CONTRÁRIA. INCIDÊNCIA DO ARTIGO 343 DO CPC/1973. ATUAL ART. 385 DO NCPC/2015. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. NULIDADE AFASTADA. PAS DE NULLITÈ SANS GRIEF. PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. 1. Nos termos do art. 343 do CPC/1973 (atual artigo 385 do NCPC/2015), o depoimento pessoal é um direito conferido ao adversário, seja autor ou réu. 2. Não cabe à parte requerer seu próprio depoimento, bem assim dos seus litisconsortes, que desfrutam de idêntica situação na relação processual. 3. O sistema das nulidades processuais é informado pela máxima " pas de nullité sans grief", segundo a qual não se decreta nulidade sem prejuízo 4. Recurso especial não provido. ..EMEN: (RESP 201102644743, RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, STJ - TERCEIRA TURMA, DJE DATA:07/06/2016 ..DTPB:.)".

 

Por conseguinte, como está comprovado que a autora está apta para a caserna, entendo não ser necessária a realização de perícia médica e, principalmente, não restar caracterizada nulidade por cerceamento do direito de defesa, já que não houve efetivo prejuízo às teses da autora.

 

Superadas essas preliminares, passa-se ao exame do mérito.

 

Em primeiro lugar, cabe esclarecer que a militar temporária, quando estiver grávida, goza de estabilidade decorrente de proteção constitucional prevista no artigo 10, II, “b”, do ADCT. Além disso, a Lei nº 13.109/2015 estende, expressamente, em seu artigo 1º, caput e §§1º e 2º, a licença-maternidade às militares temporárias, in verbis:

 

“Art. 1º Será concedida licença à gestante, no âmbito das Forças Armadas, conforme o previsto no inciso XVIII do art. 7º da Constituição Federal, para as militares, inclusive as temporárias, que ficarem grávidas durante a prestação do Serviço Militar.

§ 1º A licença será de 120 (cento e vinte) dias e terá início ex officio na data do parto ou durante o 9º (nono) mês de gestação, mediante requerimento da interessada, salvo em casos de antecipação por prescrição médica.

§ 2º A licença à gestante poderá ser prorrogada por 60 (sessenta) dias, nos termos de programa instituído pelo Poder Executivo federal”.

 

Dessa maneira, contrariamente ao que alega a União Federal, não pode a Administração Pública militar licenciá-la desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, porquanto se trata de comando legal expresso.

 

Nesse sentido, já julgou esta Segunda Turma, in verbis:

 

“AGRAVO LEGAL - CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MILITAR TEMPORÁRIA. LICENÇA GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. ASSEGURADA. JUROS DE MORA. LEI N.º 9.494/97, ARTIGO 1º-F. I - Conforme disposto no inciso VIII do §3º do art. 142 da Constituição Federal/88, "aplica-se aos militares o disposto no art. 7º, VII, XII, XVII, XVII, XVII, XVIII, XIX e XXV e no art. 37, XI, XIII, XIV e XV", ou seja, dentre os direitos assegurados aos militares encontram-se a "licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias" (inciso XVIII). II - Ainda que a militar temporária não goze de estabilidade, deve ser garantida a proteção constitucional da maternidade, prevista art. 10 do ADCT/CRFB/88, cujo preceito legal veda a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante desde a confirmação da gravidez até 5 (cinco) meses após o parto (estabilidade provisória). III - No caso dos autos, a militar foi licenciada ex officio quando se encontrava grávida, conforme demonstram os documentos de fls. 14 e 92, em flagrante violação ao artigo 10, II, B do ADCT. Referido licenciamento também vai contra o entendimento proferido pelo STF, o qual reconhece em favor das servidoras públicas gestantes, ainda que contratadas a título precário, o direito à licença-maternidade de cento e vinte dias e à estabilidade provisória desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. IV - Em se tratando de servidor público, os juros de mora da condenação devem ser fixados em 6% (seis por cento) ao ano, a contar da citação, nos termos do artigo 1º-F da Lei n.º 9.494/97, com redação dada pela Medida Provisória n.º 2.180-35, de 24 de agosto de 2001, considerando que a ação foi proposta posteriormente ao advento da mesma. A partir de junho/2009, data da publicação da Lei n.º 11.960/2009 - a qual deu nova redação ao referido artigo 1º-F, os juros deverão ser aqueles aplicados à poupança. V - Agravo legal improvido. (AC 00111690220084036105, DESEMBARGADOR FEDERAL COTRIM GUIMARÃES, TRF3 - SEGUNDA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:10/03/2011 PÁGINA: 160 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)”. (Grifo nosso)

 

Em segundo lugar, a sindicância que redundou no desligamento da autora não representou, por si só, qualquer ilegalidade.

 

Para tanto, é imprescindível recorrer ao Decreto nº 57.654/66, em cujo artigo 139, §§ 1º e 6º, se estabelece, in verbis:

 

“Art. 139. A anulação da incorporação ocorrerá, em qualquer época, nos casos em que tenham sido verificadas irregularidades no recrutamento, inclusive relacionadas com a seleção.

§ 1º Caberá à autoridade competente, Comandantes de Organizações Militares, RM, DN ou ZAé, mandar apurar, por sindicância ou IPM, se a irregularidade preexistia ou não, à data da incorporação, e a quem cabe a responsabilidade correspondente.

(…)

§ 6° Se ficar comprovado, na sindicância ou IPM, de que trata o § 1° do presente artigo, que a irregularidade tenha ocorrido após a data da incorporação, ou se não ficar devidamente provada a sua preexistência, não caberá a anulação de incorporação, mas a desincorporação, sendo aplicado ao incorporado o prescrito no art. 140 e seus parágrafos, dêste Regulamento”.

 

Como se verifica, a instauração de procedimento administrativo específico para proceder à anulação de incorporação constitui dever legal, a fim de averiguar possíveis responsabilidades, tanto do conscrito quanto da própria Administração. A referência expressa a sindicância e a IPM visa a garantir o exercício do contraditório e da ampla defesa, de modo que são indispensáveis.

 

Nesse particular, o objeto da sindicância é o próprio ato administrativo de engajamento do indivíduo às Forças Armadas, de modo que esse procedimento se insere no âmbito da autotutela administrativa, não no poder disciplinar. Isto é, a anulação de incorporação não tem natureza jurídica de sanção. É por essa razão que o militar cujo engajamento pode ser anulado é ouvido na qualidade de testemunha.

 

Assim, a violação ao devido processo e ao contraditório e à ampla defesa ocorre nas hipóteses em que a Administração Pública militar procede à anulação de incorporação sem antes instaurar uma sindicância ou um IPM.

 

Ademais, a autora não demonstrou, de maneira pormenorizada, em quais oportunidades e de quais modos não lhe foi oportunizado o exercício do contraditório e da ampla defesa no contexto da sindicância, tendo-se valido tão somente de argumentações genéricas. Não se desincumbiu, pois, do ônus probatório do artigo 373, I, do Código de Processo Civil de 2015.

 

“ADMINISTRATIVO - PROCESSO CIVIL - AGRAVO RETIDO - PROVA PERICIAL - PRECLUSÃO - ANULAÇÃO DE INCORPORAÇÃO - LESÃO NO JOELHO - PREEXISTÊNCIA - SINDICÂNCIA - NULIDADE INEXISTENTE - IMPROCEDÊNCIA. I - Apesar de ter indicado na petição inicial seu intento de produzir prova pericial, quando instado a especificar as provas que pretendia produzir o autor nada requereu, limitando-se a dizer que "demonstrou e comprovou que a lesão no menisco do joelho direito aconteceu em ato de serviço". II - Desde o início o ponto controvertido da lide residia no tipo de lesão suportado pelo autor, bem como se era preexistente ou posterior à incorporação no serviço militar. Portanto, não constitui fato superveniente o depoimento prestado em juízo pelo médico do Exército à época dos fatos, que afirmou que "o diagnóstico de condromalácia patelar é um diagnóstico que o depoente não tinha capacitação técnica para fazer, que, se mencionou a referida moléstia, foi por orientação de um especialista;". A dúvida a respeito do tipo de lesão e da época de sua ocorrência é inerente ao próprio litígio submetido a julgamento, de forma que, não requerida a produção de prova pericial no momento oportuno, opera-se a preclusão (art. 473 do CPC/73). Precedentes. Agravo retido conhecido e improvido. III - A anulação da incorporação é forma de exclusão do serviço ativo das Forças Armadas com o consequente desligamento da organização militar a que está vinculado o agente (artigos 94, VI, e 124 da Lei nº 6.880/80), nas hipóteses em que forem verificadas irregularidades no recrutamento, inclusive com a seleção. IV - Caso em que a incorporação do autor foi anulada meses depois de iniciado o serviço militar por ter sido considerado "incapaz B2", uma vez que diagnosticado com condromalácia patelar preexistente à data da incorporação. Conquanto alegue o autor ter sofrido lesão de menisco por ocasião de acidente em serviço, tal fato não restou comprovado nos autos. V - Escritos particulares presumem-se verdadeiros em relação aos seus signatários, mas não fazem prova dos fatos neles declarados, a teor do artigo 368, caput e parágrafo único, do CPC/73. Constitui ônus do autor provar o acidente e que a lesão é posterior ao ingresso na caserna, nos termos do artigo 333, I, do CPC/73. VI - Não se verifica nulidade na sindicância instaurada para a anulação da incorporação. A instauração ocorreu pela autoridade competente (art. 4º da IG 10-11), a Ata de Inspeção de Saúde encontra-se hígida e o diagnóstico compatível com a sua finalidade de reconhecer a incapacidade física do autor de continuar prestando serviço militar. VII - Por não ter natureza jurídica de sanção, a anulação da incorporação, assim como todo procedimento administrativo, deve ser regida pelo princípio do informalismo. VIII - Agravo retido e apelação improvidos. (ApCiv 0011051-26.2008.4.03.6105, JUÍZA CONVOCADA LOUISE FILGUEIRAS, TRF3 - QUINTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/11/2017)”. (Grifo nosso)

 

“ADMINISTRATIVO - MILITAR - ALEGAÇÃO DE DOENÇA PREEXISTENTE - ANULAÇÃO DE INCORPORAÇÃO - NÃO OBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL - ART. 139, § 1º, DO DECRETO Nº 57.654/66. 1. A instauração de sindicância ou IPM para averiguação da preexistência ou não de irregularidades no recrutamento é procedimento imprescindível à anulação da incorporação. Observância do art. 139, § 1º, do Decreto nº 57.654/66. 2. In casu, os documentos colacionados aos autos comprovam que a Administração Militar não instaurou sindicância ou IPM para apurar se a doença que acometia o Impetrante era ou não preexistente à data de sua incorporação. 3. Diante do nítido desrespeito ao devido processo legal, configurou-se a ofensa ao direito líquido e certo do Impetrante de ter observado pela Administração o procedimento previsto no Decreto nº 57.654/66. 4. Impõe-se a suspensão dos efeitos do ato que anulou a incorporação. 5. Remessa desprovida. Sentença confirmada. (REO - REMESSA EX OFFICIO EM AÇÃO CÍVEL 0006853-12.2007.4.02.5101, FREDERICO GUEIROS, TRF2)”.

 

Superadas essas questões, passa-se à análise do ponto controvertido que é central para a correta prestação da tutela jurisdicional: a ausência de um dos rins e a capacidade para o exercício das atividades habituais na caserna.

 

Por um lado, malgrado esse quadro de saúde, entendo estar mais que suficientemente demonstrada a capacidade da autora para a vida na caserna – por essa razão, aliás, foi desnecessária a realização da perícia médica. Segundo relato do Dr. João Chang, Nefrologista, esta é a atual condição de saúde dela (ID 3764367, fl. 8), in verbis:

 

“Atesto para os devidos fins que a Sra. Juliana Faria, 39a, está apta para atividade física e trabalho. (…) Não apresenta déficits que comprometam o desempenho para a atividade física proposta”.

 

Ademais, este é o relato do Dr. Guilherme de Melo Neves (ID 3764367, fl. 9), in verbis:

 

“Consta antecedente de estenose congênita unilateral a esquerda da junção ureteropiélica (JUP), sendo submetida no ano de 2002 a cirurgia para retirada do rim esquerdo (nefrectomia esquerda videolaparoscópica). Desde então vem tendo uma vida normal, sem restrições para o trabalho ou atividades da vida diária. Segue em acompanhamento médico ambulatorial. Não faz uso de medicamentos. Clinicamente assintomática. Exame físico dentro da normalidade mantendo níveis adequados de pressão arterial sistêmica (PA = 110 x 70 mmHg). Exames laboratoriais e de imagem mostram função e anatomia renal normais (Exames de 22/01/2017 […] = rim direito dentro da normalidade).

(…)

A simples ausência congênita e/ou adquirida de um rim não justifica incapacidade para o trabalho. Logo, concluímos que a paciente Juliana Faria encontra-se apta e sem restrições para desempenho da função de fisioterapeuta na Aeronáutica”.

 

Em princípio, poderia a União Federal argumentar que esses documentos não seriam suficientes para comprovar a alegação de que a autora tem plena capacidade para a vida na caserna, na medida em que não teriam sido examinadas sob o crivo do contraditório, ao contrário de uma perícia médica judicial. No entanto, essa possível linha de argumentação perde todo o sentido lógico e prático diante do fato de que a autora foi aprovada em primeiro lugar no Estágio de Adaptação Técnico-EAT/2017, considerando todos os vinte e três convocados (ID 3764353).

 

Assim, por ter-se destacado em todas as etapas desse curso de formação – que inclui, naturalmente, atividades físicas típicas do ofício castrense –, resta configurada a plena capacidade dela, desfazendo-se, pois, a presunção juris tantum de incapacidade decorrente da ausência de um rim do nº 54 do Anexo J do ICA nº 160-6/2016. Senão, a falta de um dos rins se teria manifestado de maneira a impedir sua permanência nos quadros da Aeronáutica.

 

Por outro lado, em alguns casos a envolver militares temporários que, por causa de enfermidades ou acidentes em serviço, se tornam incapazes para a caserna, esta Segunda Turma viu-se confrontada com situações específicas que se assemelham ao caso em testilha. Nelas, a União Federal costumava argumentar que o militar temporário não era incapaz definitivamente, porque ainda apresentava capacidade para atividades de natureza burocrática no âmbito das Forças Armadas. Por essa razão, argumentava-se, não seria necessária a concessão de reforma ex officio.

 

Ocorre que esta Segunda Turma, ao interpretar a legislação castrense, a natureza das atividades desenvolvidas e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, fixou entendimento segundo o qual o imprescindível é verificar qual era o ofício habitualmente desempenhado pelo militar temporário. Isto é, se se tratava daquelas atividades típicas de combate armado e operações militares, ou se se tratava de atividades burocráticas ou semelhantes que também poderiam ser desempenhadas na iniciativa privada. Dessa maneira, é vedado à Administração Pública militar utilizar os parâmetros de um ofício burocrático ou assemelhado para decidir se um militar dedicado ao uso da força está ou não incapaz, à luz do artigo 52, nº 4, do Decreto nº 57.654/66.

 

Para ilustrar:

 

“ADMINISTRATIVO. MILITAR TEMPORÁRIO. ACIDENTE EM SERVIÇO. ATAQUE DE ANIMAL SILVESTRE (ONÇA). INCAPACIDADE DEFINITIVA PARA AS ATIVIDADES HABITUALMENTE EXERCIDAS. CONCESSÃO DE REFORMA EX OFFICIO. 1 - O evento de 22/05/2007 configura acidente em serviço, nos termos do art. 1º do Decreto nº 57.272/65 e de ação própria, que tramitou perante a Justiça Federal da 1ª Região sob o nº 2007.32.00.006094-7. O principal ponto controvertido destes autos resume-se à possibilidade de reintegrar a autora e de conceder-lhe reforma ex officio diante da extensão e da gravidade das sequelas decorrentes do acidente. 2 - Conforme os documentos de fl. 76, referente ao relatório da sentença proferida em ação penal militar que a absolveu do crime de deserção, e de fl. 381, no primeiro semestre de 2010 determinou-se a reversão da agregação dela, a contar de 23/11/2009. Por essa razão, não há como acatar o pedido de reforma ex officio pelo art. 106, III, da Lei nº 6.880/80, pois seu tempo de agregação foi inferior a dois anos. 3 - Esta Segunda Turma tem defendido que a incapacidade do militar deve ser compreendida em relação às atividades habitualmente exercidas na ativa. Se o militar apresenta limitações para atividades físicas mais exigentes, não se pode, após acidente ou enfermidade, afastar quadro de incapacidade definitiva, à luz do art. 52, nº 4, do Decreto nº 57.654/66, sob o argumento de que a incapacidade parcial lhe permite exercer atividades de natureza burocrática. 4 - A apelante pertencia ao quadro de Oficiais Veterinários do Exército Brasileiro. Embora se possa considerar que este ofício tenha características mais próximas de um trabalho essencialmente burocrático, o fato é que, no âmbito das Forças Armadas, se exige rigor físico muito superior àquele na vida civil. Ademais, o trato com animais selvagens e de grande porte é mais um elemento a corroborar essa particularidade do trabalho de veterinário do Exército Brasileiro. 5 - Ferimentos sofridos pela apelante resumiram-se a: braço esquerdo; cotovelo esquerdo (danificação de nervo); membro inferior esquerdo e tronco, ambos com leves escoriações; ombro esquerdo (traumatismo de tendão). Conforme o laudo médico-pericial, a apelante apresenta incapacidade definitiva, nos termos do art. 52, nº 4, do Decreto nº 57.654/66, para as atividades habitualmente exercidas na ativa, em decorrência das lesões havidas no acidente em serviço, porquanto tem limitações de ordem física, sem as quais não teria como participar de exercícios militares frequentes e lidar com animais de grande porte, como as onças. A aptidão para atividades administrativas apenas confirma a incapacidade para aquelas habitualmente exercidas. Hipótese dos arts. 106, II, e 108, III, da Lei nº 6.880/80. Reforma ex officio. Remuneração equivalente àquela do posto/grau ocupado na ativa, a incidir desde a data de realização do laudo médico pericial que atestou a incapacidade definitiva, 06/09/2013. Atualização conforme art. 1º-F da Lei nº 9.494/97. 6 - Como a presente apelação foi interposta sob a vigência do recém-revogado CPC (Lei nº 5.869/73) e como se trata de medida de natureza sancionatória, afastam-se as atuais disposições do Novo CPC (Lei nº 13.105/2015), devem incidir, pois, aquelas da recém-revogada Lei nº 5.869/73. Condenação contra a Fazenda Pública. Art. 20, §4º. Arbitramento dos honorários advocatícios de sucumbência em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), consideradas as particularidades do caso concreto. 7 - Apelação a que se dá provimento. (ApCiv 0011407-31.2011.4.03.6100, DESEMBARGADOR FEDERAL COTRIM GUIMARÃES, TRF3 - SEGUNDA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:29/06/2017)”. (Grifo nosso)

 

“APELAÇÃO. ADMINISTRATIVO. MILITAR. ACIDENTE EM SERVIÇO. INCAPACIDADE DEFINITIVA PARA ATIVIDADES MILITARES HABITUAIS. DIREITO À REFORMA EX OFFICIO. DANOS MORAIS NÃO DEMONSTRADOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1 - Apreciando os elementos fático-probatórios, verifica-se que está suficientemente demonstrada a incapacidade definitiva do ora apelante para o serviço militar, à luz do art. 52, nº 4, do Decreto nº 57.654/66. O autor foi incorporado, em 1999, às fileiras do Exército Brasileiro na graduação de soldado, tendo sido posteriormente promovido a cabo. Nesse sentido, não o foi para realizar tarefas de natureza estritamente burocrática ou ofícios específicos - como aqueles de médico, médico veterinário e dentista -, mas para aquelas operacionais, conforme nomenclatura empregada nos documentos de fls. 261 e 263/264. Por conseguinte, diante das funções que ele ocupava no serviço ativo, não se pode admitir o licenciamento baseado em aptidão restrita a atividades que ele sequer desempenhou antes do acidente. 2 - Quanto à indenização por danos morais, malgrado a ilegalidade do ato administrativo de licenciamento, o apelante sequer produziu provas dos danos que alega haver sofrido. Não se desincumbiu do disposto no art. 373, I, do Novo CPC. A jurisprudência do STJ consagrou alguns casos em que o dano moral é presumido (in re ipsa), bastando, tão somente, a demonstração da ilegalidade e do nexo causal. Como exemplo, menciona-se a hipótese de indenização pedida por genitores em razão da morte de filhos. Não se trata do caso em comento. 3 - Diante de condenação imposta contra a Fazenda Pública, incide o disposto no art. 20, § 4º, do CPC/1973, pelo qual o magistrado não se limita aos parâmetros de 10% e 20% contido no antecedente §3º. Considerando-se as peculiaridades do caso concreto, os honorários advocatícios são arbitrados em R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) em desfavor da União Federal. 4 - Dado que a apelação interposta pela União Federal se refere exclusivamente aos honorários advocatícios e que o provimento dado à apelação do autor alterou a distribuição dessa verba, resta prejudicado esse recurso. 5 - Apelação do autor parcialmente provida. (ApCiv 0012831-88.2009.4.03.6000, DESEMBARGADOR FEDERAL COTRIM GUIMARÃES, TRF3 - SEGUNDA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:21/07/2016)”.

 

Por conseguinte, tendo em vista que a autora se inscreveu em certame para o preenchimento de vaga de oficial temporário especializado em fisioterapia, a ausência de um rim deve ser interpretada em consonância com as atividades que ela passou a efetivamente exercer na caserna: as de fisioterapeuta – que, em essência, pouco ou nada diferem daquelas que ela realizou na iniciativa privada.

 

Novamente, como se demonstrou acima, está suficientemente comprovado que ela está em plenas condições físicas para trabalhar como fisioterapeuta da Aeronáutica, de modo que a Administração Pública militar incorreu em ilegalidade ao excluí-la, na medida em que o motivo apresentado – nº 54 do Anexo J do ICA nº 160-6/2016 – não corresponde à realidade factual.

 

Em casos semelhantes, assim se posicionou o Tribunal Regional Federal da 2ª Região:

 

“ADMINISTRATIVO. AÇÃO ORDINÁRIA. CONCURSO PÚBLICO. REPROVAÇÃO EM EXAME MÉDICO. IMPROVIMENTO. 1. O demandante participou de concurso público para provimento do cargo de engenheiro mecânico do quadro complementar de oficiais da Marinha endo a junta médica do certame, quando da realização dos exames de saúde, considerado o autor inapto para o regular exercício das funções do cargo, vez que, em avaliação médica, foi diagnosticado como portador de agnesia renal esquerda (termo médico qualificador do indivíduo que nasceu com apenas um rim). 2. A UNIÃO interpôs agravo retido contra decisão que concedeu liminar para que o autor participasse das fases subsequentes do concurso, não tendo, porém, a agravante requerido expressamente em seu apelo que o agravo fosse apreciado por este Tribunal, não devendo, portanto, o recurso ser conhecido. 3. O autor atribuiu como valor da causa o montante equivalente a R$1.000,00 (mil reais), não estando, portanto, a sentença sujeita à sistemática do reexame obrigatório, à luz do que preceitua o inciso I do §3º do artigo 496 do novo CPC. 4. Em que pese o entendimento esposado pelo departamento médico da Marinha, conclui-se que o mesmo não deve prevalecer, uma vez que a perícia realizada pela expert do juízo, afirmou que o autor não está incapacitado para o exercício das atividades militares, não apresentando quaisquer evidências indicadoras de complicações decorrentes da malformação congênita apresentada pelo demandante, inexistindo potencialidade mórbida, o que evidencia sua aptidão laborativa para o exercício do cargo em que logrou aprovação. 5. Agravo retido e remessa necessária não conhecidos. 6. Recurso de apelação improvido. (APELREEX - Apelação / Reexame Necessário - Recursos - Processo Cível e do Trabalho 0000485-31.2014.4.02.5104, ALCIDES MARTINS RIBEIRO FILHO, TRF2 - 6ª TURMA ESPECIALIZADA..ORGAO_JULGADOR:.)”.

 

“PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. SERVIÇO MILITAR VOLUNTÁRIO. INAPTIDÃO POR AUSÊNCIA DE UM RIM. AUSÊNCIA DE PREVISÃO NO EDITAL. MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. RESERVA DE VAGA. 1. Não há qualquer menção expressa no Edital no que tange à inaptidão por ausência de um rim, motivo pela qual a candidata foi desclassificada do certame, ressaltando que até o momento da inspeção de saúde a Impetrante estava colocada dentro do número de vagas oferecidas. 2. Tratando-se de concurso público, cabe ao Poder Judiciário perquirir a legalidade e constitucionalidade dos atos praticados pela Administração, não devendo apenas adentrar no juízo de oportunidade e conveniência, para ser preservado a autonomia administrativa. 3. A reserva de vaga no concurso para prestação de Serviço Militar Voluntário evita a alteração da situação jurídica da Agravada e dos demais concorrentes. 4. Conforme entendimento adotado por esta Corte, apenas em casos de decisão teratológica, com abuso de poder ou em flagrante descompasso com a Constituição, a lei ou com a orientação consolidada de Tribunal Superior ou deste tribunal seria justificável sua reforma pelo órgão ad quem, em agravo de instrumento, sendo certo que o pronunciamento judicial impugnado não se encontra inserido nessas exceções. 5. Agravo de instrumento desprovido. (AG - Agravo de Instrumento - Agravos - Recursos - Processo Cível e do Trabalho 0004460-13.2015.4.02.0000, MARCELO PEREIRA DA SILVA, TRF2 - 8ª TURMA ESPECIALIZADA..ORGAO_JULGADOR:.)”.

 

O provimento que se deve dar à apelação da autora acaba por não promover qualquer alteração quanto à distribuição das verbas sucumbenciais, porquanto, já na sentença, se determinou que a União Federal deve arcar com a totalidade delas.

 

À luz do artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil de 2015, majoro os honorários advocatícios para 11% (onze por cento), conforme as seguintes razões: (i) média complexidade jurídica; (ii) jurisprudências consolidadas.

 

Ante todo o exposto, voto por negar provimento à apelação da União Federal e por dar provimento à apelação da autora, a fim de anular o ato administrativo que a excluiu da Aeronáutica. Antecipo os efeitos da tutela jurisdicional, determinando à União Federal que a reintegre no prazo de 10 dias, sob pena de multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil reais).

 

É o voto.



E M E N T A

 

APELAÇÃO. ADMINISTRATIVO. PEDIDO INICIAL. ART. 322, §2º, CPC/2015. BOA-FÉ. AUSÊNCIA DE NULIDADES. DESNECESSIDADE DE PERÍCIA JUDICIAL. MILITAR. CONCURSO. OFICIAIS TEMPORÁRIOS DA AERONÁUTICA. AUSÊNCIA DE UM RIM. INCAPACIDADE NÃO VERIFICADA. REINTEGRAÇÃO.

1 – Arts. 322, §2º, e 492 do CPC/2015. Recorrendo-se à petição inicial, verifica-se que, embora a estabilidade decorrente da gravidez não tenha constado expressamente do pedido, ela está contida no conjunto da postulação, de sorte que não poderia ser ignorada pela sentença. Sentença não é extra petita.

2 – Discussão acerca da realização da perícia médica está prejudicada. Presunção juris tantum de incapacidade decorrente da ausência de um rim do nº 54 do Anexo J do ICA nº 160-6/2016. Conjunto probatório robusto o suficiente para afastar a incapacidade. Perícia tornou-se desnecessária. Quanto às alegadas nulidades, autora sequer demonstrou ocorrência de prejuízos, à luz do princípio do pas de nullité sans grief.

3 – A militar temporária, quando estiver grávida, goza de estabilidade decorrente de proteção constitucional prevista no art. 10, II, “b”, do ADCT. Art. 1º, caput e §§1º e 2º, da Lei nº 13.109/2015 estende a licença-maternidade às militares temporárias. Precedente: (AC 00111690220084036105, DESEMBARGADOR FEDERAL COTRIM GUIMARÃES, TRF3 - SEGUNDA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:10/03/2011 PÁGINA: 160 ..FONTE_REPUBLICACAO:.).

4 – A sindicância que redundou no desligamento da autora não representou, por si só, qualquer ilegalidade. Art. 139, §§ 1º e 6º, do Decreto nº 57.654/66. O objeto da sindicância é o próprio ato administrativo de engajamento do indivíduo às Forças Armadas. Esse procedimento insere-se no âmbito da autotutela administrativa, não no poder disciplinar. A anulação de incorporação não tem natureza jurídica de sanção. A violação ao devido processo e ao contraditório e à ampla defesa ocorre nas hipóteses em que a Administração Pública militar procede à anulação de incorporação sem antes instaurar uma sindicância ou um IPM. Autora não se desincumbiu do ônus probatório do art. 373, I, do CPC/2015.

5 – Está mais que suficientemente demonstrada a capacidade da autora para a vida na caserna. Relatórios médicos juntados por ela atestam seu bom estado de saúde, malgrado a ausência de um rim. Ela destacou-se em todas as etapas do curso de formação. Critério correto para analisar o caso em testilha é aquele que leva em consideração as atividades efetiva e habitualmente desempenhadas na caserna. Autora exercia ofício de fisioterapeuta na Aeronáutica, semelhantemente à iniciativa privada. Precedentes desta 2ª Turma: (ApCiv 0011407-31.2011.4.03.6100, DESEMBARGADOR FEDERAL COTRIM GUIMARÃES, TRF3 - SEGUNDA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:29/06/2017); (ApCiv 0012831-88.2009.4.03.6000, DESEMBARGADOR FEDERAL COTRIM GUIMARÃES, TRF3 - SEGUNDA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:21/07/2016). A Administração Pública militar incorreu em ilegalidade ao excluí-la, na medida em que o motivo apresentado – nº 54 do Anexo J do ICA nº 160-6/2016 – não corresponde à realidade factual.

6 – Apelação da União Federal improvida. Apelação da autora provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação da União Federal e dar provimento à apelação da autora, a fim de anular o ato administrativo que a excluiu da Aeronáutica e antecipar os efeitos da tutela jurisdicional, determinando à União Federal que a reintegre no prazo de 10 dias, sob pena de multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.