Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 0019420-10.2016.4.03.0000

RELATOR: Gab. 04 - DES. FED. PEIXOTO JUNIOR

INTERESSADO: FUNDACAO NACIONAL DO INDIO

Advogado do(a) INTERESSADO: JOCELYN SALOMAO - MS5193-B

INTERESSADO: DENALDO FERNANDES, JUSTINO RAMAO VASQUEZ, MUNICIPIO DE CAMPO GRANDE, UNIÃO FEDERAL

Advogado do(a) INTERESSADO: GILBERTO PORTO DE FIGUEIREDO - MS7177

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 0019420-10.2016.4.03.0000

RELATOR: Gab. 04 - DES. FED. PEIXOTO JUNIOR

INTERESSADO: FUNDACAO NACIONAL DO INDIO

Advogado do(a) INTERESSADO: JOCELYN SALOMAO - MS5193-B

INTERESSADO: DENALDO FERNANDES, JUSTINO RAMAO VASQUEZ, MUNICIPIO DE CAMPO GRANDE, UNIÃO FEDERAL

Advogado do(a) INTERESSADO: GILBERTO PORTO DE FIGUEIREDO - MS7177

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

Trata-se de agravo de instrumento interposto pela FUNAI contra decisão do MM. Juiz Federal da 1ª Vara de Campo Grande/MS pela qual, em autos de ação de reintegração de posse, foi rejeitada preliminar de ilegitimidade passiva da Funai.

Aduz a recorrente que a hipótese é de invasão de áreas públicas de domínio municipal por grupo de famílias indígenas, de etnia Terena e Guarani, conjuntamente com não-índios, afirmando que o grupo indígena “deixou bem claro que não se trata de áreas rurais e, muito menos, de Território Indígena, ou seja, que a reivindicação (ocupação) que vem se utilizando dos terrenos de domínio público Municipal, não é aquela inserida como sendo de terras de ocupação permanente conferida pela Constituição Federal, em seu artigo 231 e parágrafos”, ressaltando, ainda, que o grupo indígena nomeou advogado particular para representá-lo judicialmente, dessa forma não respondendo a Funai “pelos atos dos indígenas que tomaram a posse da autora e, afigura-se que, mesmo antes a FUNAI não tinha ingerência sobre a capacidade indígena, pois, eles têm capacidade própria, dentro de seus usos, costumes e tradições tribais, seria um disparate jogar propositalmente, pois, aqui não se pode dizer por falta de conhecimento, a responsabilidade para cima do órgão público, no caso a FUNAI”.

Em juízo sumário de cognição (Id 102043050, p. 16), foi indeferido o pedido de antecipação da pretensão da tutela recursal.

Contra esta decisão interpôs a FUNAI agravo interno, ao qual esta Turma, em julgamento ocorrido aos 12/02/2019, por unanimidade, negou provimento.

O recurso não foi respondido.

O parecer do representante do Ministério Público Federal de 2º Grau é pelo desprovimento do agravo de instrumento.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 


AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 0019420-10.2016.4.03.0000

RELATOR: Gab. 04 - DES. FED. PEIXOTO JUNIOR

INTERESSADO: FUNDACAO NACIONAL DO INDIO

Advogado do(a) INTERESSADO: JOCELYN SALOMAO - MS5193-B

INTERESSADO: DENALDO FERNANDES, JUSTINO RAMAO VASQUEZ, MUNICIPIO DE CAMPO GRANDE, UNIÃO FEDERAL

Advogado do(a) INTERESSADO: GILBERTO PORTO DE FIGUEIREDO - MS7177

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

Trata-se de agravo de instrumento interposto pela FUNAI contra decisão do MM. Juiz Federal da 1ª Vara de Campo Grande/MS pela qual, em autos de ação de reintegração de posse, foi rejeitada preliminar de ilegitimidade passiva da Funai.

O juiz de primeiro grau decidiu a questão sob os seguintes fundamentos:

Trato, de início, da legitimidade passiva da União e da FUNAI para figurar no polo passivo da demanda, e, bem assim, da competência deste Juízo para processar e julgar a presente ação possessória.

É certo que, no caso dos autos, não se está a discutir ocupação tradicional indígena, ou não, da área em questão. Trata-se de área urbana, pertencente ao Município de Campo Grande -MS, que teria sido invadida por famílias de indígenas e de não índios.

Com efeito, do que se extrai da inicial e do relatório de visita apresentado pela FUNAI (fis. 68/71), há evidente interesse de grupo indígena na solução da lide ora posta, a ensejar a legitimidade da União e da FUNAI para integrar o polo passivo da ação.

Note-se que, de acordo com o referido relatório, são 55 famílias que, diante de confinamento territorial sofrido, teriam abandonado sua Comunidade Indígena de origem (Taunay/Ipegue, localizada em Aquidauana-MS) em busca de melhores condições de vida.

Ora, o fato dessas famílias terem, outrora, abandonado suas terras tradicionais para buscarem novas oportunidades em área urbana, não é suficiente para usurpá-las da proteção estatal, no que tange aos seus direitos legal e constitucionalmente garantidos.

Portanto, havendo interesse de povos indígenas (que, no caso, assim se auto intitulam, nos termos da inicial e do relatório de fls. 69/71), a União e a FUNAI devem figurar no polo passivo da demanda”.

 

Na apreciação do pedido de efeito suspensivo a pretensão recursal foi objeto de juízo desfavorável em decisão proferida nestes termos:

Neste juízo sumário de cognição de maior plausibilidade se me deparando a motivação da decisão recorrida ao aduzir que "não se está a discutir ocupação tradicional indígena, ou não, da área em questão" e que "do que se extrai da inicial e do relatório de visita apresentado pela FUNAI (fls. 68/71), há evidente interesse de grupo indígena na solução da lide ora posta, a ensejar a legitimidade da União e da FUNAI para integrar o polo passivo da ação", à falta do requisito de probabilidade de provimento do recurso, INDEFIRO o pedido de antecipação da pretensão da tutela recursal”.

 

Ora em juízo de maior profundidade e definitivo, não se confirma a motivação exposta na decisão inicial.

Cumpre, de início, destacar o que a respeito diz a Constituição Federal no art. 232:

“Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo”.

O Texto Maior confere ao índio autonomia para, por conta própria e diretamente, ingressar em juízo para defender direitos e interesses seus ou da respectiva comunidade, sem a necessidade de tutela da FUNAI para o pleno exercício do direito de acesso ao judiciário.

O Estatuto do índio (Lei nº 6.001/73), por sua vez, ao tratar da questão da representação e tutela do índio, assim dispõe:

 

Art. 2° Cumpre à União, aos Estados e aos Municípios, bem como aos órgãos das respectivas administrações indiretas, nos limites de sua competência, para a proteção das comunidades indígenas e a preservação dos seus direitos:

(...)

II - prestar assistência aos índios e às comunidades indígenas ainda não integrados à comunhão nacional;

(...)

IV - assegurar aos índios a possibilidade de livre escolha dos seus meios de vida e subsistência;

 

Art 4º Os índios são considerados:

I - Isolados - Quando vivem em grupos desconhecidos ou de que se possuem poucos e vagos informes através de contatos eventuais com elementos da comunhão nacional;

II - Em vias de integração - Quando, em contato intermitente ou permanente com grupos estranhos, conservam menor ou maior parte das condições de sua vida nativa, mas aceitam algumas práticas e modos de existência comuns aos demais setores da comunhão nacional, da qual vão necessitando cada vez mais para o próprio sustento;

III - Integrados - Quando incorporados à comunhão nacional e reconhecidos no pleno exercício dos direitos civis, ainda que conservem usos, costumes e tradições característicos da sua cultura.

 

Art. 7º Os índios e as comunidades indígenas ainda não integrados à comunhão nacional ficam sujeito ao regime tutelar estabelecido nesta Lei.

§ 1º Ao regime tutelar estabelecido nesta Lei aplicam-se no que couber, os princípios e normas da tutela de direito comum, independendo, todavia, o exercício da tutela da especialização de bens imóveis em hipoteca legal, bem como da prestação de caução real ou fidejussória.

§ 2º Incumbe a tutela à União, que a exercerá através do competente órgão federal de assistência aos silvícolas.

 

Art. 8º São nulos os atos praticados entre o índio não integrado e qualquer pessoa estranha à comunidade indígena quando não tenha havido assistência do órgão tutelar competente.

Parágrafo único. Não se aplica a regra deste artigo no caso em que o índio revele consciência e conhecimento do ato praticado, desde que não lhe seja prejudicial, e da extensão dos seus efeitos.

 

Não se olvida que o art. 35 do Estatuto do Índio estabelece que “Cabe ao órgão federal de assistência ao índio a defesa judicial ou extrajudicial dos direitos dos silvícolas e das comunidades indígenas”, todavia referida disposição encontra-se inserida no capítulo referente a defesa das terras indígenas, o que não é a hipótese dos autos.

Isto estabelecido, de acordo com os elementos constantes dos autos a hipótese é de reintegração de área pertencente ao município de Campo Grande/MS, invadida por índios e não índios que se lançaram em área urbana em busca de melhores condições de vida.

Verifica-se, portanto, que a invasão pelos índios não se deu por motivos de tradição ao fundamento de que as terras lhes pertenciam desde sempre, por considera-las terras indígenas. De acordo com o relatório elaborado pela FUNAI em visita a ocupação, “Os indígenas, todos da etnia Terena, que, embora sejam de famílias oriundas da Terra Indígena Taunay/Ipegue, Aquidauana/MS, residem na região há várias anos, relatam que tomaram a decisão de participar da ocupação motivados pela insuficiência de renda familiar, que os impossibilita de arcar com os elevados custos dos aluguéis, sobretudo na atual conjuntura de crise econômica, com a sensível alga nos preços dos gêneros alimentícios. Afirmaram que a maioria das pessoas em idade produtiva perderam as vagas de trabalho que ocupavam, a maior parte delas em frigoríficos e na construção civil, e encontram-se desempregadas, sobrevivendo com atividades no mercado informal, que não são capazes de garantir a renda mínima para a subsistência familiar. Muitos ainda não estão tendo acesso aos programas sociais do governo, o que leva a comunidade a dividir os alimentos e suprimentos entre si, ‘justando as panelas’ conforme suas próprias palavras. Sendo assim, sua principal reivindicação é a inclusão em programas de habitação popular, uma vez que já deixaram suas antigas residências – em muitos casos, expulsos pelos proprietários em decorrência do não pagamento de aluguel - tendo levado inclusive sua escassa e precária mobília para a área. Pontuaram durante toda a nossa estadia que não têm para onde ir caso ocorra ação de reintegração de posse e pretendem permanecer no local, resistindo às determinações contrárias do poder público e ao preconceito e discriminação que relataram estar sofrendo por parte dos moradores do entorno, estando as crianças, inclusive, também sendo vítimas de assédio moral e injúria racial na escola” (Id 17962320, p. 79/80).

A essa conclusão também chegou o juiz de primeiro grau, todavia entendendo que o fato de não se tratar de terra tradicionalmente ocupada por índio e de as famílias de índios invasoras das terras em questão terem no passado abandonado suas terras “não é suficiente para usurpá-las da proteção estatal, no que tange aos seus direitos legal e constitucionalmente garantidos” (Id 17962321, p. 11).

Cuida a hipótese, portanto, de índios que viviam na cidade, já inseridos no meio urbano, que decidiram pela invasão das terras de outrem em busca de melhores condições de vida, por necessidades de habitação e de participação em programas sociais do governo e, repita-se, não porque as reconheciam como terras tradicionalmente indígenas, tanto que as dividiram com não índios, também invasores, ali vivendo em comunhão.

Releva ainda anotar que, conforme restou evidenciado nos autos, os índios invasores estavam integrados à comunhão nacional, já moravam na cidade e inclusive já haviam encontrado ocupação laboral, mas em razão do desemprego e da incapacidade financeira de arcar com despesas de aluguel, invadiram o terreno, em companhia e associados a não-índios, na intenção de adquirirem lote de terra para moradia, destarte as circunstâncias apresentadas não permitindo enquadrar a situação nas hipóteses de tutela da FUNAI, convindo ainda registrar que os índios contrataram advogado particular para assisti-los e representa-los em juízo, não se justificando, assim, a permanência da FUNAI na lide, por não se enquadrar a situação delineada em hipótese legal ensejadora da necessária proteção do órgão federal.

Pelo exposto, dou provimento ao recurso.

É como voto.

 

 

 

 

PEIXOTO JUNIOR

Desembargador Federal Relator

 

 

 

 

 

 

 

 



 

 

 

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 0019420-10.2016.4.03.0000

RELATOR: Gab. 04 - DES. FED. PEIXOTO JUNIOR

INTERESSADO: FUNDACAO NACIONAL DO INDIO

Advogado do(a) INTERESSADO: JOCELYN SALOMAO - MS5193-B

INTERESSADO: DENALDO FERNANDES, JUSTINO RAMAO VASQUEZ, MUNICIPIO DE CAMPO GRANDE, UNIÃO FEDERAL

Advogado do(a) INTERESSADO: GILBERTO PORTO DE FIGUEIREDO - MS7177

 

  

 

  E M E N T A

 

REINTEGRAÇÃO DE POSSE. INDIOS. ÁREA URBANA CONSCIENTEMENTE INVADIDA SEM INVOCAÇÃO DE TRADICIONALIDADE. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA FUNAI.

I – Hipótese dos autos em que os índios invasores encontram-se integrados à comunhão nacional, morando na cidade e inclusive tendo exercido atividade laboral, mas diante de situação de desemprego e de incapacidade financeira de arcar com despesas de aluguel invadiram terreno da prefeitura, em companhia e associados a não-índios, na intenção de adquirirem lote de terra para moradia.

II – Situação delineada que não justifica a permanência da FUNAI na lide. Inteligência do art. 232 da Constituição Federal e dos artigos 2º, 4º, 7º e 8º da Lei nº 6001/73.

III – Recurso provido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.