Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003284-23.2010.4.03.6183

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: ALEXANDRA LUCIA PIRES

Advogado do(a) APELANTE: LEONARDO ANDRADE DOS SANTOS - SP378648

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

TERCEIRO INTERESSADO: CLEUSA LUCIA PIRES
 

ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: SILVANA LUCIA DE ANDRADE DOS SANTOS

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003284-23.2010.4.03.6183

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: ALEXANDRA LUCIA PIRES

Advogado do(a) APELANTE: LEONARDO ANDRADE DOS SANTOS - SP378648

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada (LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência.

A sentença, prolatada em 28.06.2016, julgou o pedido improcedente conforme dispositivo que ora transcrevo: " Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil/2015.Condeno a parte autora ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios de sucumbência, fixados no percentual legal mínimo (cf. artigo 85, 3º, do Código de Processo Civil de 2015), incidente sobre o valor atualizado da causa (cf. artigo 85, 4º, inciso III), observada a suspensão prevista na lei adjetiva ( 2º e 3º do artigo 98), por ser a parte beneficiária da justiça gratuita. Transcorrido in albis o prazo recursal, certifique-se o trânsito em julgado e arquivem-se os autos, observadas as formalidades legais. P.R.I."

Apela a parte autora alegando para tanto que preenche os requisitos necessários para a concessão do benefício assistencial.

Sem contrarrazões, os autos vieram a este Tribunal.

O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso da parte autora.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003284-23.2010.4.03.6183

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: ALEXANDRA LUCIA PIRES

Advogado do(a) APELANTE: LEONARDO ANDRADE DOS SANTOS - SP378648

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

V O T O

 

 

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.

O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.

O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).

A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.

Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).

Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.

Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.

Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.

Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica,  por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03),  a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.

Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.

Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.

Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.

Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou improcedente o pedido com base nos elementos contidos no estudo social, tendo se convencido não restar configurada a condição de hipossuficiência financeira ou miserabilidade necessárias para a concessão do benefício. Confira-se:

“DA SITUAÇÃO SOCIOECONÔMICA DA PARTE AUTORA. Segundo a análise do relatório socioeconômico elaborado pela Assistente Social, em 23/06/2015 (fls. 234/241), o núcleo familiar da parte autora é composta:1) da parte autora;2) de sua genitora, com 62 anos de idade. As duas sobrevivem da renda usufruída pela sua genitora referente à:a) aposentadoria por idade - NB 166.644.883-1, no valor mensal de R$ 788,00;b) pensão por morte - NB 057.039.143-1, no valor mensal de R$ 788,00.A receita bruta mensal é, portanto, de R$ 1.576,00, tendo por despesas:" Água = R$ 55,00" Luz = 60,08" Telefone Fixo = 38,79" Alimentação = 700,00" Gás de cozinha = R$ 50,00" Medicamento = 200,00Total = R$ 1.103,87.Assim, a renda per capita familiar apurada é de R$ 788,00, sendo superior ao que a legislação de regência entende que gera presunção de situação de hipossuficiência/miserabilidade, a dar direito ao benefício assistencial de prestação continuada - LOAS. A assistente social chegou a afirmar que "a autora ALEXANDRA LUCIA PIRES não possui fonte de renda própria e é dependente integralmente de sua mãe que, por sua vez, sobrevive com dois salários mínimos provenientes de benefícios previdenciários, porém necessita de ajuda para internar a autora em clínica psiquiátrica permanente pelo fato de correr risco de vida na convivência diária com a autora" (fl. 240).Ocorre que o instituto do LOAS somente se presta àqueles em condições de miserabilidade, o que não é o caso dos autos. Por isso, acompanho o parecer do DD. Representante do Ministério Público Federal assim expresso: "O laudo médico acostado aos autos (fls. 217/220) comprovou quadro de enfermidade da autora; contudo, o segundo requisito não restou demonstrado, haja vista que a renda per capita constante da perícia indica que a autora não faz jus à concessão do benefício" (fls. 234/241).”

De fato, o estudo social (ID 87809634 – pag. 20/28), elaborado em 23.06.2015, revela que a parte autora reside com sua mãe em imóvel alugado, de alvenaria, com um dormitório, cozinha e banheiro, piso de cerâmica, paredes pintadas e cobertura em laje, em razoáveis condições de habitabilidade. A casa está adequadamente guarnecida com móveis e utensílios.

A renda da casa advém dos benefícios previdenciários de aposentadoria e pensão por morte que a mãe da autora recebe, cada um no valor de um salário mínimo (R$ 788,00), perfazendo total de R$ 1.576,00.

Relataram despesas com aluguel (R$ 480,00), água (R$ 55,00), luz (R$ 60,08), telefone fixo (R$ 38,79), alimentação (R$ 700,00), gás de cozinha (R$ 50,00) e medicamentos (R$ 200,00), perfazendo total de R$ 1.583,87.

A perita social emitiu parecer concluindo que; “Concluindo a perícia social, tecnicamente, podemos afirmar que a autora ALEXANDRA LUCIA PIRES não possui fonte de renda própria e é dependente integralmente de sua mãe que, por sua vez, sobrevive com dois salários mínimos provenientes de benefícios previdenciários, porém necessita de ajuda para internar a autora em clínica psiquiátrica permanente pelo fato de correr risco de vida na convivência diária com a autora.”

Em que pese a delicada relação entre mãe e filha, depreende-se da leitura do estudo social que não há indícios de que as necessidades básicas da parte autora não estejam sendo supridas.

O grupo vive em imóvel que oferece o abrigo necessário, e a autora está em acompanhamento médico pelo SUS, sendo que a cada 15 dias uma enfermeira da UBS visita a casa da autora para aplicação de medicação.

Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementa r o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.

Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos autos e não comprovada a condição de miserabilidade, pressuposto indispensável para a concessão do benefício, de rigor a manutenção da sentença de improcedência do pedido por seus próprios fundamentos.

Considerando o não provimento do recurso, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de advogado arbitrados na sentença em 2%, devendo ser observada, se for o caso, a suspensão da exigibilidade prevista no § 3º do artigo 98 daquele Codex.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação da parte autora e, com fulcro no §11º do artigo 85 do Código de Processo Civil, majoro os honorários de advogado em 2% sobre o valor arbitrado na sentença, nos termos da fundamentação exposta.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 



 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003284-23.2010.4.03.6183

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: ALEXANDRA LUCIA PIRES

Advogado do(a) APELANTE: LEONARDO ANDRADE DOS SANTOS - SP378648

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

 

EMENTA

 

APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO DEMONSTRADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.

1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.

2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.

3. Benefício assistencial indevido.

4. Sucumbência recursal. Honorários de advogado majorados em 2% do valor arbitrado na sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015. Exigibilidade condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.

5. Apelação da parte autora não provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.