HABEAS CORPUS (307) Nº 5002931-65.2020.4.03.0000
RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS
PACIENTE: NILCE DE CARVALHO QUELHAS RACHID
IMPETRANTE: CLAUDIO MELO DA SILVA
Advogado do(a) PACIENTE: CLAUDIO MELO DA SILVA - SP282523-A
IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 10ª VARA FEDERAL CRIMINAL
OUTROS PARTICIPANTES:
HABEAS CORPUS (307) Nº 5002931-65.2020.4.03.0000 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS PACIENTE: NILCE DE CARVALHO QUELHAS RACHID Advogado do(a) PACIENTE: CLAUDIO MELO DA SILVA - SP282523-A IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 10ª VARA FEDERAL CRIMINAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O A JUÍZA FEDERAL CONVOCADA MONICA BONAVINA: Trata-se de Habeas Corpus impetrado em favor de NILCE DE CARVALHO QUELHAS RACHID, contra ato judicial praticado pelo MM. Juízo Federal da 10ª Vara Especializada em Crimes contra o Sistema Financeiro e Lavagem de Valores de São Paulo/SP, nos autos da ação penal nº 0011502-65.2018.4.03.6181. Narra a impetração que a paciente teria sido denunciada pelo Ministério Público Federal, pela prática, em tese, do crime de “evasão imprópria”, previsto no art. 22, § único, 2ª parte, da Lei nº 7.492/1986 c.c. art. 2º da Resolução nº 3854/2010 do Conselho Monetário Nacional – CMN, uma vez que teria mantido, sem autorização legal, na data de 31.12.2017, a quantia de US$308.245,86 (trezentos e oito mil, duzentos e quarenta e cinco dólares e oitenta e seis centavos) em uma conta no Banco Safra National Bank, nos Estados Unidos da América, de titularidade da Offshore DIMAGIO S/A. Relata, a inicial acusatória, que a paciente, em sua oitiva no inquérito policial, teria confessado à autoridade policial o envio dos valores ao exterior ao constituir a offshore DIMAGIO S/A, e que já teria repatriado tais valores. Durante a instrução processual, teria sido expedido ofício à Receita Federal do Brasil, a pedido da defesa da paciente, diante da dificuldade relatada para efetuar o pagamento do tributo devido, referente aos valores mantidos no exterior. Colhe-se ainda que teria sido instaurado procedimento administrativo pela Receita Federal do Brasil visando a cobrança do tributo. Insatisfeita, a defesa da requerente pleiteou, mais uma vez, que fosse oficiado à Receita para novos esclarecimentos, que restou indeferido pela autoridade coatora. A impetração sustenta a ocorrência de constrangimento ilegal diante da decisão, ora impetrada. Alega afronta aos princípios constitucionais da Ampla Defesa e do Contraditório; coação ilegal e ausência de justa causa para a instauração do procedimento criminal, considerando a existência de procedimento administrativo junto ao Fisco em andamento. Informa ainda que foi designada audiência para o dia 15.04.2020, para oitiva da ré, ora paciente. Alega ainda inconstitucionalidade da multa de regularização prevista no artigo 5º da Instrução Normativa RBB Nº 1704/2017, que dispõe sobre a adesão ao RERCT; a inexistência da constituição definitiva do tributo para fins de persecução penal e a nulidade da prova utilizada (relatório da polícia federal, baseado no procedimento de regularização cambial) para oferecimento da denúncia. Pleiteia, a concessão da liminar, a fim de sobrestar o processo criminal até julgamento final do Writ. No mérito, requer, a concessão da ordem para extinguir o processo criminal ante a falta dos requisitos legais para o seu prosseguimento (ausência da constituição definitiva do crédito), e/ou que seja deferido o pedido de expedição de ofício à Receita Federal para geral um novo código para pagamento do tributo ou à Procuradoria Nacional da Fazenda para a realização do negócio jurídico quanto ao débito em aberto; e , para declarar nula a utilização da prova referente a DECART n.º 3.13.40.03.49.43-46 com a extinto do processo criminal. A liminar foi indeferida (ID124224936). As informações foram prestadas pelo r. juízo a quo (ID124602301). O Ministério Público Federal, oficiante nesta instância, manifestou-se pela denegação da ordem (ID124972976). É o relatório.
IMPETRANTE: CLAUDIO MELO DA SILVA
HABEAS CORPUS (307) Nº 5002931-65.2020.4.03.0000 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS PACIENTE: NILCE DE CARVALHO QUELHAS RACHID Advogado do(a) PACIENTE: CLAUDIO MELO DA SILVA - SP282523-A IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 10ª VARA FEDERAL CRIMINAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A JUÍZA FEDERAL CONVOCADA MONICA BONAVINA: A ação de Habeas Corpus tem pressuposto específico de admissibilidade, consistente na demonstração primo ictu oculi da violência atual ou iminente, qualificada pela ilegalidade ou pelo abuso de poder que repercuta, mediata ou imediatamente, no direito à livre locomoção, conforme previsão do artigo 5º, LXVIII, da Constituição Federal, e artigo 647 do Código de Processo Penal. A paciente foi denunciada pelo Ministério Público Federal, pela prática, em tese, do crime de “evasão imprópria”, previsto no art. 22, § único, 2ª parte, da Lei nº 7.492/1986 c.c. art. 2º da Resolução nº 3854/2010 do Conselho Monetário Nacional – CMN, uma vez que teria mantido, sem autorização legal, na data de 31.12.2017, a quantia de US$308.245,86 (trezentos e oito mil, duzentos e quarenta e cinco dólares e oitenta e seis centavos) em uma conta no Banco Safra National Bank, nos Estados Unidos da América, de titularidade da Offshore DIMAGIO S/A. A autoridade impetrada recebeu a denúncia, aos 28.03.2019, uma vez que entendeu preenchidos todos os requisitos estampados no artigo 41 do Código de Processo Penal, e ausentes as hipóteses previstas no artigo 395 do Código de Processo Penal, bem como presente a justa causa para a persecução penal, já que embasada em inquérito policial, onde foram colhidas provas da existência de fatos que, em tese, constitui crime, e indícios suficientes de autoria (fumus boni juris), a justificar o oferecimento da denúncia. Determinou ainda em sua decisão, a citação da acusada, nos termos dos artigos 396 e 396-A, ambos do Código de Processo Penal (ID12376665). Regularmente citada, a paciente apresentou resposta escrita à acusação, na qual, arguiu, preliminarmente, nulidade da prova produzida, ausência de justa causa para instauração da ação penal, atipicidade da conduta e ausência de dolo da acusada, ora paciente. O MM. Juízo a quo ao manter o recebimento da denúncia afastou as preliminares arguidas; no mérito, efetuou um mero juízo de admissibilidade da acusação e reiterou a presença de justa causa para a ação penal nº 0011502-65.2018.4.03.6181, considerando que a denúncia se lastreia em elementos de provas colhidos em inquérito policial. Por conseguinte, determinou o início da instrução criminal para o esclarecimento dos fatos cuja parte da decisão passa-se a transcrever (ID123766652): (...) Quanto à preliminar de nulidade com relação às documentos obtidos junto ao BACEN e à Receita Federal, verifico que houve decisão judicial que deferiu de forma fundamentada a representação do Ministério Público Federal e autorizou o afastamento dos sigilos fiscal, cambial e bancário com relação à acusada (fls. 152-154). Vale ressaltar que a própria ré afirmou que teria repatriado valores remetidos ao exterior, a indicar a plausibilidade das investigações encetadas (fls. 61-62).Não merece prosperar, ainda, a alegação de ausência de justa causa para recebimento da denúncia antes do lançamento definitivo do tributo. Verifico que a presente ação penal não imputa à ré crime contra a ordem tributária, previsto na Lei n.º 8.137/90, mas sim o suposto crime de "evasão imprópria" por manter valores depositados no exterior sem autorização legal, previsto na Lei 7.492/86, contra o Sistema Financeiro Nacional, o qual, segundo melhor doutrina, possui bem jurídico distinto e se consuma no exato momento em que se esgota o prazo pelo Banco Central para que o contribuinte realize sua declaração anual e que, portanto, não depende de qualquer procedimento instaurado pela Receita Federal. Por fim, a alegação da ausência de dolo da acusada deverá ser apreciada no momento processual oportuno, por ocasião da sentença, pois depende de regular instrução, notadamente porque a absolvição sumária exige manifesta configuração de causas excludentes, que não se satisfaz com a mera alegação pelo advogado. As imputações acusatórias dependem de regular instrução processual para se verificar, com juízo de certeza, as condições em que ocorreram os fatos narrados na denúncia ou se, em sentido contrário, os acontecimentos se deram da maneira descrita pela defesa. Ademais, há nos autos elementos de informação relativos à materialidade e à autoria delitiva, conforme fartamente fundamentado na decisão de recebimento da denúncia (fls.194-196), a revelar justa causa para a ação, ao contrário do alegado pela defesa. Assim, presente os indícios suficientes de autoria e materialidade delitiva para instauração da ação penal contra a acusada e não estando presentes quaisquer das hipóteses de absolvição sumária prevista no artigo 397 do Código de Processo Penal, CONFIRMO o recebimento da denúncia oferecida em desfavor de NILCE DE CARVALHO QUELHAS RACHID. (...) De fato, a denúncia, a princípio, descreve conduta típica e, em relação à paciente, tendo sido apontados indícios suficientes a desencadear a persecução penal, como se passa a transcrever: ... Segundo restou apurado, NILCE afirmou nos autos do inventário (processo nº 0007662-46.2009.8.26.0019), a existência da offshore DIMAGIO S.A., com sede em Taiwan, e a ausência de sua declaração à Receita Federal do Brasil (cf. fl. 24). Ao ser ouvida perante a autoridade policial, NILCE confirmou ter constituído a offshore DIMAGIO S.A. com o fim de resguardar seu patrimônio.... E ainda dentro desse contexto, analisando o caso retratado neste writ, sequer é possível aduzir que a tese aventada pela impetração de atipicidade da conduta, uma vez que a própria paciente teria confessado o fato, objeto do suposto crime pelo qual estaria respondendo. Não merece prosperar, ainda, a alegação de ausência de justa causa para recebimento da denúncia antes do lançamento definitivo do tributo. Verifica-se que a ação penal subjacente não imputa à ré, ora paciente, crime contra a ordem tributária, previsto na Lei n.º 8.137/1990, mas sim o suposto crime de "evasão imprópria" por manter valores depositados no exterior sem autorização legal, previsto na Lei 7.492/1986, contra o Sistema Financeiro Nacional, o qual, segundo melhor doutrina, possui bem jurídico distinto e se consuma no exato momento em que se esgota o prazo pelo Banco Central para que o contribuinte realize sua declaração anual e que, portanto, não depende de qualquer procedimento instaurado pela Receita Federal. Nesse sentido: HABEAS CORPUS - CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA - ARTIGOS 1º E 2o DA LEI 8.137/1990 - TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL - INSTAURAÇÃO ANTES DO PROCESSO TRIBUTÁRIO ADMINISTRATIVO - INEXISTÊNCIA DE LANÇAMENTO DEFINITIVO DO TRIBUTO DEVIDO - ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - TRANCAMENTO PARCIAL DA AÇÃO PENAL - POSSIBILIDADE. LAVAGEM DE DINHEIRO - EVASÃO DE DIVISAS - AUSÊNCIA DE DESCRIÇÃO DE CONDUTAS TÍPICAS - NULIDADE DO PROCESSO POR INÉPCIA DA DENÚNCIA - ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR INÉPCIA DA DENÚNCIA - NECESSIDADE DE ACOLHIMENTO PARCIAL DO PEDIDO - PEÇA QUE DESCREVEU DETALHADAMENTE A CONDUTA TÍPICA ATRIBUÍDA AO ACUSADO, ASSIM COMO SEU NEXO CAUSAL, NO QUE TOCA AOS CRIMES DE EFETUAR OPERAÇÃO DE CÂMBIO NÃO AUTORIZADA, COM O FIM DE PROMOVER EVASÃO DE DIVISAS DO PAÍS (ARTIGO 22, CAPUT, DA LEI 7.492/1986), E PROMOVER, A QUALQUER TÍTULO, SEM AUTORIZAÇÃO LEGAL, A SAÍDA DE MOEDA OU DIVISA PARA O EXTERIOR, OU NELE MANTER DEPÓSITOS NÃO DECLARADOS À REPARTIÇÃO FEDERAL COMPETENTE (ARTIGO 22, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 7.492/1986). FATOS NARRADOS EM TESE TÍPICOS. ORDEM DENEGADA. EXTENSÃO DO JULGADO AOS CO-RÉUS - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA PROCESSUAL. CO-RÉUS EM IDÊNTICA SITUAÇÃO FÁTICO-PROCESSUAL. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. O trancamento de ação penal somente é viável ante a cabal e inequívoca demonstração da atipicidade do fato ou da completa inexistência de qualquer indício de autoria em relação ao recorrente ou ausência de prova da existência do crime. Consoante orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, seguida por esta Corte, eventual crime contra a ordem tributária depende, para sua caracterização, do lançamento definitivo do tributo devido pela autoridade administrativa. Os artigos 1º e 2o da Lei 8.137/1990 exigem o resultado danoso contra o erário para a sua consumação. A denúncia contaminada pela deficiente narrativa dos fatos, ou por sua inexistência, é causa de nulidade absoluta, posto que dificulta a ampla defesa e o contraditório. Se a denúncia não contém a correta descrição dos fatos pelos quais o denunciado está sendo responsabilizado, ela é inepta e provoca a nulidade do processo desde o seu início, inclusive a partir de seu oferecimento. A denúncia que contém a exposição dos fatos criminosos, descritos no artigo 22, caput, da Lei 7.492/1986, e artigo 22, parágrafo único, da lei 7.492/1986, com todas as suas circunstâncias (CPP, art. 41), mesmo que indiretamente referidas nas provas dos autos, e com adequada indicação das condutas ilícitas imputadas ao réu, de modo a propiciar-lhe o pleno exercício do direito de defesa, uma das mais importantes franquias constitucionais, está apta a deflagrar a ação penal. Havendo identidade de situação fático-processual entre os co-réus, cabe, a teor do artigo 580 do Código de Processo Penal, deferir pedido de extensão de benefício obtido por um deles, qual seja, o trancamento da ação penal instaurada em seu desfavor. Se a situação de co-réus no processo é idêntica ao de outros, impõe-se a eles a extensão do julgado para conceder a ordem, de ofício. Ordem parcialmente concedida para, ratificando a liminar, trancar parcialmente a ação penal nº 2007.61.81.015353-8, em trâmite perante a 6ª Vara Federal Criminal, 1a Subseção do Tribunal Regional Federal da 3a Região, instaurada em desfavor do paciente JACQUES FELLER, no que diz respeito a possível prática de crimes contra a ordem tributária, artigos 1o e 2o da Lei 8.137/90; e para anular parcialmente a denúncia, em razão de sua parcial inépcia, e, consequentemente, anular parcialmente a ação penal que a seguiu, dando oportunidade ao seu aditamento, com a adequada exposição dos fatos quanto aos delitos do artigo 16, da Lei 7.492/1986 e artigo 1o, VI, §1o, I e II, da Lei 9.613/1998. Mantida, por sua vez, a aptidão da denúncia para a deflagração da ação penal quanto aos demais delitos. Extensão parcial dos efeitos do julgado, quanto ao trancamento da ação penal em relação aos crimes contra a ordem tributária, a co-réus que ingressaram nos autos com pedido específico neste sentido. De ofício, estenderam o mesmo benefício aos demais co-réus denunciados igualmente denunciados. ..EMEN:(HC - HABEAS CORPUS - 114789 2008.01.94498-9, JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), STJ - SEXTA TURMA, REPDJE DATA:31/05/2010 DJE DATA:27/04/2009 ..DTPB:.) (g.n.) Em continuidade, a alegada falta de justa causa para a ação penal só pode ser reconhecida quando, de pronto, sem a necessidade de reexame do conjunto fático ou probatório, restar evidenciada a ausência de indícios a fundamentar a acusação ou, ainda, a extinção da punibilidade, hipóteses não verificadas no caso concreto. A alegação quanto à existência de procedimento administrativo em curso obstaculizaria o prosseguimento da ação penal, não merece prosperar. Conforme entendimento jurisprudencial dominante, as instâncias penal, civil e administrativa são autônomas e independentes entre si, não havendo influência entre suas decisões, salvo absolvição em âmbito penal decorrente de negativa de autoria ou inexistência do fato. Em relação à suposta ausência de dolo, incabível a análise de tal alegação em sede de Habeas Corpus, a ser aferida devidamente durante o processo penal em curso. Seguindo adiante, considera-se acertada a decisão da autoridade impetrada, objeto da presente impetração, que indeferiu pedido de expedição de novo ofício à Receita Federal do Brasil para obter informações específicas sobre a situação da acusada, ora paciente, que dispôs (ID123766656): Trata-se de ação penal movida pelo MPF em face de NILCE DE CARVALHO QUELHAS RACHID, na qual lhe imputa a prática do delito previsto no artigo 22, parágrafo único, última figura, da Lei 7.492/86, pois teria mantido US$ 308.245.86 em conta no exterior sem declaração dos valores à repartição competente. No curso da instrução oral a defesa apresentou petição em que pugna pelo deferimento de depósito judicial dos valores devidos pela repatriação dos valores. Afirma que apresentou declaração de regularização cambial e tributária - Dercat, mas que não logrou êxito em efetuar o pagamento do DARF na rede bancária e a Receita Federal se recusa a receber o tributo (fls. 264-272). O MPF solicitou a expedição de ofício à Receita Federal para que obter informações sobre as diligências que devem ser realizadas pelo contribuinte para efetuar o recolhimento correspondente ao programa de regularização (fls. 273-v). A Receita Federal encaminhou ofício em que indica que as informações encontram-se no item 1.4 do manual de "perguntas e respostas" do órgão, anexado ao ofício (fls. 313-323). O MPF insiste na expedição de novo ofício para obter informações específicas sobre a acusada (fls. 335). A defesa igualmente solicita expedição de ofício à Receita para que "informe se farão um código especial ou liberarão a guia para recolhimento do tributo ou as diligências que devem ser realizadas pela contribuinte" e, alternativamente, que a Procuradoria da Fazenda seja oficiada para manifestar se tem interesse na transação prevista na medida provisória 11.956/19 (fls. 332-334). É a síntese do necessário. Fundamento e decido. Ainda que se reconheça que a resposta enviada pela Receita Federal tenha ar desrespeitoso, como afirma o MPF, parece-me que as informações necessárias para esclarecimentos da questão posta em juízo estão contidas nos documentos anexos ao ofício, além de poderem ser obtidas diretamente pelo acesso aos atos normativos que regulamentam o regime especial de regularização cambial e tributária (RERCT). O RERCT foi introduzido pela Lei 13.254/16 e regulamentado pelas Instruções Normativas RBF nº 1.627/16 e 1.704/17. O regime teve como objetivo "permitir a declaração voluntária de recursos, bens ou direitos de origem lícita, não declarados ou declarados incorretamente, remetidos ou mantidos no exterior ou repatriados por residentes domiciliados no País". Previsto inicialmente para vigorar apenas no ano de 2016, foi reaberta a possibilidade de adesão em 2017, no prazo de 03/04/2017 a 31/07/2017. A acusada afirma que aderiu ao RERCT, mas não logrou êxito em regularizar o pagamento. Apresenta comprovante de envio da declaração de regularização do exercício de 2017, enviada em 31/07/2017 (fls. 268-271), além de via de DARF não pago, que tem data de vencimento 31/07/2017 (fls. 267). A Instrução Normativa RBB nº 1704/2017 prevê que a adesão ao RERCT exige a apresentação da declaração de regularização cambial e tributária (Dercat), em formato eletrônico, com pagamento integral do imposto e da multa de regularização (artigo 5º). Esse pagamento integral poderá ser efetuado até o último dia do prazo para a entrega da Dercat (artigo 35). A norma infralegal prevê que a adesão ao regime somente se efetivará com a satisfação de todas as condições estabelecidas no artigo 5º, relacionadas ao envio da declaração e ao pagamento dos valores apurados pelo próprio programa da Receita. A pergunta 18 anexada ao ofício da Receita Federal apresenta o seguinte conteúdo: 18) Caso eu apresente a Dercat dentro do prazo previsto e atrase o pagamento do Darf há possibilidade de pagar o tributo e a multa com acréscimos legais e fora do prazo de adesão? Não. O RERCT é uma opção com duração determinada, não se admite o pagamento do Darf com atraso. Em caso de pagamento do Darf fora do prazo, esse pagamento será desconsiderado e serão aplicados os procedimentos de não adesão ao RERCT. (Arts. 4º, caput, 5º, caput, 7º, caput, e 10, I, da Lei nº 13.254, de 2016, e arts. 5º, 10, 1º, 33 e 34 da Instrução Normativa RFB nº 1.627, de 2016). Vê-se que a acusada apresentou a declaração no último dia do prazo e aparentemente não efetuou o recolhimento nesta mesma data, o que explica o alegado óbice imposto pela Receita Federal para recebimento dos valores. Assim, reputo desnecessária a expedição de novo ofício à Receita Federal. Além disso, não cabe ao juízo criminal intermediar as pretensões da acusada perante a Receita Federal ou a Procuradoria da Fazenda, razão pela qual indefiro os pedidos de expedição de ofícios (fls. 332-335). (g.n.) (...) Como se pode concluir, pela decisão acima transcrita, as informações já foram prestadas pela Receita Federal do Brasil e, ainda, no caso de persistirem dúvidas, nada impede que a paciente se socorra de expediente administrativo junto ao próprio Fisco. Com frisou o juízo a quo, em sua decisão: ... não cabe ao juízo criminal intermediar as pretensões da acusada perante a Receita Federal ou a Procuradoria da Fazenda. Convém ressaltar, por fim, que o trancamento da ação penal nos termos consolidados pelo C. Superior Tribunal de Justiça é medida excepcional que apenas se justifica quando verificadas, de plano, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a inexistência de indícios de autoria ou materialidade; circunstâncias não evidenciadas pela análise dos elementos dos autos. Nesse sentido, cumpre destacar: PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. NOVOS ARGUMENTOS HÁBEIS A DESCONSTITUIR A DECISÃO IMPUGNADA. INEXISTÊNCIA. DESCAMINHO TENTADO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. INÉPCIA DA INICIAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. INDÍCIOS MÍNIMOS DE AUTORIA. PRESENÇA. AFASTAMENTO. NECESSIDADE DE AMPLO REEXAME DA MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. INVIÁVEL NA VIA ESTREITA DO HABEAS CORPUS . AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (...) II - O trancamento da ação penal constitui medida excepcional, justificada apenas quando comprovadas, de plano, sem necessidade de análise aprofundada de fatos e provas, a atipicidade da conduta, a presença de causa de extinção de punibilidade ou a ausência de prova da materialidade ou de indícios mínimos de autoria, o que não ocorre na espécie. III - Segundo pacífica jurisprudência desta Corte Superior, a propositura da ação penal exige tão somente a presença de indícios mínimos de autoria. A certeza será comprovada ou afastada durante a instrução probatória, prevalecendo, na fase de oferecimento da denúncia o princípio in dubio pro societate. IV - O acolhimento da tese defensiva - ausência de indícios mínimos de autoria, pois a agravante não faria parte da relação jurídico-tributária, bem como a ausência de ação direta para iludir o Fisco - demandaria, necessariamente, amplo reexame da matéria fático-probatória, procedimento a toda evidência incompatível com a via do habeas corpus e do recurso ordinário em habeas corpus . V - A denúncia que atende aos requisitos do art. 41 do CPP, possibilitando ao agente o exercício da ampla defesa, não é inepta. Agravo regimental não provido. AGRRHC 201700833350, FELIX FISCHER, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:10/11/2017 ..DTPB:.) Portanto, não se verifica a incidência de qualquer das hipóteses para redundar no trancamento e/ou suspensão da ação penal registrada sob nº. 0011502-65.2018.4.03.6181. Assim, com base nos elementos que acompanham a presente impetração, forçoso concluir pela existência de lastro probatório mínimo capaz de autorizar a deflagração da ação penal em desfavor da paciente, não se vislumbrando constrangimento ilegal a ser sanado pela via do Habeas Corpus. Ante o exposto, DENEGO a ordem de Habeas Corpus. É o voto.
IMPETRANTE: CLAUDIO MELO DA SILVA
E M E N T A
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DO ARTIGO 22, §ÚNICO, 2ª PARTE, DA LEI Nº 7492/1992 C.C. ARTIGO 2º DA RESOLUÇÃO Nº 3854/2010 DO CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL - CMN. EVASÃO IMPRÓPRIA. NULIDADE DA PROVA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA INSTAURAÇÃO DA AÇÃO PENAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA. AUSÊNCIA DE DOLO. SOBRESTAMENTO. REJEITADOS. PEDIDO DE REITERAÇÃO DE EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO À RECEITA FEDERAL DO BRASIL. INDEFERIDO. NULIDADE AFASTADA. ORDEM DENEGADA.
- A paciente foi denunciada pelo Ministério Público Federal, pela prática, em tese, do crime de “evasão imprópria”, previsto no art. 22, § único, 2ª parte, da Lei nº 7.492/1986 c.c. art. 2º da Resolução nº 3854/2010 do Conselho Monetário Nacional – CMN, uma vez que teria mantido, sem autorização legal, na data de 31.12.2017, a quantia de US$308.245,86 (trezentos e oito mil, duzentos e quarenta e cinco dólares e oitenta e seis centavos) em uma conta no Banco Safra National Bank, nos Estados Unidos da América, de titularidade da Offshore DIMAGIO S/A.
- A denúncia, a princípio, descreve conduta típica e, em relação à paciente, tendo sido apontados indícios suficientes a desencadear a persecução penal.
- Sequer é possível aduzir que a tese aventada pela impetração de atipicidade da conduta, uma vez que a própria paciente teria confessado o fato, objeto do suposto crime pelo qual estaria respondendo.
- Afastada a alegação de ausência de justa causa para recebimento da denúncia antes do lançamento definitivo do tributo, eis que a ação penal subjacente não imputa à ré, ora paciente, crime contra a ordem tributária, previsto na Lei n.º 8.137/1990, mas sim o suposto crime de "evasão imprópria" por manter valores depositados no exterior sem autorização legal, previsto na Lei 7.492/1986, contra o Sistema Financeiro Nacional, o qual, segundo melhor doutrina, possui bem jurídico distinto e se consuma no exato momento em que se esgota o prazo pelo Banco Central para que o contribuinte realize sua declaração anual e que, portanto, não depende de qualquer procedimento instaurado pela Receita Federal. Precedentes jurisprudenciais.
- A alegada falta de justa causa para a ação penal só pode ser reconhecida quando, de pronto, sem a necessidade de reexame do conjunto fático ou probatório, restar evidenciada a ausência de indícios a fundamentar a acusação ou, ainda, a extinção da punibilidade, hipóteses não verificadas no caso concreto.
- A alegação quanto à existência de procedimento administrativo em curso obstaculizaria o prosseguimento da ação penal não merece prosperar. Conforme entendimento jurisprudencial dominante, as instâncias penal, civil e administrativa são autônomas e independentes entre si, não havendo influência entre suas decisões, salvo absolvição em âmbito penal decorrente de negativa de autoria ou inexistência do fato.
- Incabível a análise, em sede de Habeas Corpus, acerca da suposta ausência de dolo, a ser aferida devidamente durante o processo penal em curso.
- Considera-se acertada a decisão, objeto da presente impetração, que indeferiu pedido de expedição de novo ofício à Receita Federal do Brasil para obter informações específicas sobre a situação da acusada, uma vez que já foram prestadas e, ainda, no caso de persistirem dúvidas, nada impede que a paciente se socorra de expediente administrativo junto ao próprio Fisco.
- Não se verifica a incidência de qualquer das hipóteses para redundar no trancamento e/ou suspensão da ação penal registrada sob nº. 0011502-65.2018.4.03.6181.
- Existência de lastro probatório mínimo capaz de autorizar a deflagração da ação penal em desfavor da paciente, não se vislumbrando constrangimento ilegal a ser sanado pela via do Habeas Corpus.
- Ordem denegada.