Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5030638-42.2019.4.03.0000

RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. ANTONIO CEDENHO

AGRAVANTE: ROMA EMPREENDIMENTOS S/A.

Advogados do(a) AGRAVANTE: ANTONIO CARLOS FERREIRA DE SOUZA JUNIOR - PE27646-A, ANTONIO ELMO GOMES QUEIROZ - PE23878-A

AGRAVADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5030638-42.2019.4.03.0000

RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. ANTONIO CEDENHO

AGRAVANTE: ROMA EMPREENDIMENTOS S/A.

Advogados do(a) AGRAVANTE: ANTONIO CARLOS FERREIRA DE SOUZA JUNIOR - PE27646-A, ANTONIO ELMO GOMES QUEIROZ - PE23878-A

AGRAVADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

 

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R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de agravo de instrumento interposto por Roma Empreendimentos S/A., em sede de mandado de segurança impetrado em desfavor da União Federal, contra decisão que denegou a liminar requerida.

Narra a agravante ter adquirido, por meio de contrato de arrendamento mercantil entabulado em 2011, o direito de uso da aeronave CESSNA CITATION CJ, a qual vinha sendo operada por terceiro sob o regime aduaneiro especial de admissão temporária concedido até 2020. Relata que a Receita Federal a reconheceu como cessionária do bem, mas, ainda sim, sem ter alterado no sistema Siscomex a titularidade do regime, lavrou em seu desfavor auto de infração com a imposição de multa por descumprimento do regime de admissão temporária consistente na não utilização do bem para transporte, bem como na sua utilização para fins de manutenção, voos de teste e demonstração. Traz que houve interposição de recurso administrativo contra a multa imposta, o qual pende de julgamento.  Sustenta que a proprietária do bem no exterior requer a devolução do bem, estando a agravante impossibilitada de fazê-lo enquanto não finalizada a discussão administrativa relativa à multa, assim como a questão relativa à mudança de titularidade do regime especial no sistema SISCOMEX. Ressalta a aplicação da Súmula 323 ao caso, a qual veda a apreensão do bem para pagamento de tributo. Afirma que a multa, além de indevida, já está garantida por termo de responsabilidade lavrado quando da mudança de titularidade do regime especial. No tocante ao periculum in mora, observa que a proprietária da aeronave, de quem a agravante arrendou o uso, já concretizou a venda do bem para terceiro, inclusive já tendo procedido à contratação de câmbio para o respectivo pagamento, operação esta que, pela dinâmica comercial, tem prazo certo para ser realizada sob pena desfazimento do negócio com pesada multa pecuniária aplicável à vendedora.

Pugna, liminarmente, pelo deferimento, a ser confirmado quando do julgamento do agravo de instrumento, de ordem para que a RFB, independentemente do pagamento da multa lançada, altere no seu sistema o titular do regime aduaneiro especial de admissão temporária da aeronave CESSNA CITATION CJ, Número de Série 525-0346, Número de Registro PP-CRS para ROMA EMPREENDIMENTOS S.A. (CNPJ/MF nº 09.059.923/0001-93), não criando nenhum obstáculo para a reexportação da aeronave, inclusive o registro no Siscomex.

Foi ofertada contraminuta.

É o relato do essencial. Cumpre decidir.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5030638-42.2019.4.03.0000

RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. ANTONIO CEDENHO

AGRAVANTE: ROMA EMPREENDIMENTOS S/A.

Advogados do(a) AGRAVANTE: ANTONIO CARLOS FERREIRA DE SOUZA JUNIOR - PE27646-A, ANTONIO ELMO GOMES QUEIROZ - PE23878-A

AGRAVADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

 

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V O T O

 

 

Conforme consta no Termo de Verificação Fiscal e Descrição dos Fatos - TDPF-F nº 0817700.2019.00238-3, além de somente no ano de 2019 a RFB afirmar ter tomado conhecimento de que a agravante era a real beneficiária do regime especial de admissão temporária da aeronave, a agravante teria descumprido o regime, ocasionando, assim, a aplicação da multa, verbis:  

Além disso, intimada (DOC 2), Roma Empreendimentos apresentou apenas o Contrato de Câmbio nº 000146616117, de 22/03/2017 (DOC 3), que estaria relacionado ao pagamento de cinco meses do arrendamento da aeronave. Ou seja, desde janeiro de 2011, quando se tornou arrendatária da aeronave, Roma Empreendimentos efetuou o pagamento referente a apenas cinco meses do arrendamento, o que só corrobora que as empresas pertencem ao mesmo grupo.

(...)

Cabe ainda ressaltar que somente neste ano a Receita Federal teve conhecimento que Roma Empreendimentos era a real beneficiária do regime, uma vez que apenas em maio de 2019 solicitou judicialmente, por meio do Mandado de Segurança nº 5005608-23.2019.4.03.6105 (DOC 14), a alteração do beneficiário do regime. O pedido de liminar foi deferido em parte, determinando que a Receita Federal recebesse e processasse o pedido de transferência da titularidade do regime, o que resultou no pedido formulado no dossiê nº 10120.004050/0519-88, protocolado em 15/05/2019. Até a presente data, o beneficiário do regime perante a Receita Federal, conforme já explicado, é a empresa Quality / VB, que cedeu o arrendamento à TCI BPO em janeiro de 2011, que, por seu turno, no mesmo mês, cedeu o arrendamento à Roma Empreendimentos. O art. 42 da IN RFB nº 1.600/2015 dispõe que, na vigência do regime, poderá ser autorizada a substituição do beneficiário (anteriormente previsto no art. 101 da IN RFB n° 1361/2013, com fundamento no art. 371 e 378 do Decreto nº 6.759/2009). Embora não estabeleça um prazo para solicitar essa substituição, é irrefutável que mais de oito anos não pode ser considerado um prazo razoável. Devese lembrar que a aeronave ainda é um bem estrangeiro e está sob controle aduaneiro, e qualquer mudança no regime deve ser comunicada tempestivamente à Receita Federal, o que não ocorreu. Portanto, de todo o exposto, infere-se que Roma Empreendimentos tem utilizado indevidamente o regime de admissão temporária por mais de oito anos, já que efetivamente é a beneficiária desde janeiro de 2011 e veio solicitar a substituição de beneficiário perante a Receita Federal apenas em maio de 2019, e, além disso, não tem utilizado a aeronave na prestação de serviços, tendo permanecido com o bem no País com o intuito de vendê-lo.

Pois bem.

Inicialmente, cumpre ressaltar que, diversamente do que leva a crer o pedido lançado na minuta recursal, o verdadeiro óbice à reexportação do bem não se refere à incongruência no sistema SISCOMEX no tocante ao titular do bem, mas sim à multa aplicada.

De acordo com o Decreto-Lei nº 37/66 e legislação correlata, tem-se que não será desembaraçada para reexportação a mercadoria sujeita à multa enquanto não efetuado o pagamento respectivo:

Art.71 (...) § 6º - Não será desembaraçada para reexportação a mercadoria sujeita à multa, enquanto não for efetuado o pagamento desta.

 Instrução Normativa SRF nº 1.600/15

Art. 51. O beneficiário será intimado a manifestar-se, no prazo de 10 (dez) dias, sobre o descumprimento total ou parcial do regime nas seguintes hipóteses:

§ 2º Em qualquer caso, comprovado o descumprimento do regime, é exigível o recolhimento da multa de 10% (dez por cento) do valor aduaneiro da mercadoria, prevista no inciso I do caput do art. 72 da Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003.

§ 3º A reexportação só poderá ser efetuada depois do pagamento da multa referida no § 2º

Por outro lado, ao que consta nos autos, não há indícios, ao menos neste juízo liminar, perfunctório e de natureza sumária, de que a agravante tenha buscado burlar a legislação de regência (inexiste acusação da prática de fraude).

Não se descuide, ainda, dos potenciais prejuízos decorrentes da momentânea impossibilidade de reexportação da aeronave, fatos estes que, aliados, podem conduzir à liberação do bem.

Ademais, não se olvide ser inviável a retenção de mercadorias para fins de pagamento de eventuais tributos, conforme verbete da Súmula 323, do Supremo Tribunal Federal, verbis:

SÚMULA 323: É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.

Nesse sentido, em caso análogo se manifestou o Tribunal Regional Federal da 2ª Região:

TRIBUTÁRIO E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. APELAÇÃO REMESSA NECESSÁRIA. PEDIDO DE REEXPORTAÇÃO DE AERONAVE. LIBERAÇÃO CONDICIONADA AO PAGAMENTO DE MULTA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 323 DO STF. DECADÊNCIA INEXISTÊNCIA. 1. Sentença que julgou procedente o pedido e concedeu a segurança, para determinar que a autoridade impetrada autorizasse a reexportação da aeronave modelo Cessna 560, sem a imposição, como condição de reexportação, do prévio pagamento de tributos e/ou qualquer outra penalidade, inclusive a multa referente ao PAF 10565.000499/2007-06. 2. Discute-se, nos autos, tão-somente a impossibilidade de retenção da aeronave sob o fundamento declinado pela autoridade impetrada de que "somente pode ser autorizada a reexportação com o pagamento da multa por não reexportação no prazo estabelecido de 30 (trinta) dias do indeferimento do regime de admissão temporária, nos termos dos §§ 5º e 12 do art. 15 da IN SRF nº 285/2003". 3. O Fisco não pode suspender ou interromper o procedimento de desembaraço (liberação) colocando exigência para seu prosseguimento. Se não pode apreender as mercadorias de modo a forçar o pagamento de tributos, que se entendem devidos, menor razão há que se impeça a reexportação do bem cobrando multas e tributos que sequer ainda foram cobrados, pois, ainda estão sendo discutidos em sede administrativa. 4 - "É inadmissível a apreensão de mercadoria como meio coercitivo para pagamento de tributos" (Súmula nº 323 do E. STF). 5. Além de não ser lícita a retenção de bens como meio coercitivo para o pagamento de tributos, a Administração Pública dispõe de outras maneiras de exigir o adimplemento dos tributos e multas aplicadas, podendo inclusive, estipular a obrigatoriedade de formalização de termo de responsabilidade ou de outra garantia real, de modo a se resguardar em caso de assunção de dívida fiscal. 6. A Administração dispõe de meios privilegiados para a persecução de seus créditos, não lhe servindo de justificativa para a retenção do bem a possível incidência e não recolhimento de tributos ou penalidades. Assim, à míngua da discussão sobre o recaimento ou não da exigência fiscal na espécie, verdade é que se mostra repreensível a retenção da aeronave. 7. O ato impugnado foi consistente no indeferimento administrativo data de 19/04/2013, de 1 forma que, em confronto com a data de impetração do mandado de segurança, qual seja, 10/05/2013, torna-se claro que não se configurou, no caso, o instituto da decadência. 8. Precedentes: STJ: Ag 1393492, Relator Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, DJ 09/10/2012; TRF2, AC nº 201251010461048/RJ, Relator Desembargador Federal LUIZ ANTONIO SOARES, Quarta Turma Especializada, DJE: 24/08/2017; AG nº 201302010091053/RJ, Relator Desembargador Federal ALUISIO GONCALVES DE CASTRO MENDES, Quinta Turma especializada, DJE: 17/10/2013; AC nº 2014.51.02.143123-9, Relator Desembargador Federal JOSÉ ANTONIO NEIVA, Sétima Turma Especializada, DJE: 26/04/2016. 9. Matéria tributária. Precedente: CC nº 0010640-58.2007.4.02.5001, Órgão Especial, Relatora Desembargadora Federal NIZETE LOBATO CARMO, DJE: 19/04/2016. 10. Apelação e remessa necessária desprovidas.

(APELREEX - Apelação / Reexame Necessário - Recursos - Processo Cível e do Trabalho 0013957-45.2013.4.02.5101, MARCUS ABRAHAM, TRF2 - 3ª TURMA ESPECIALIZADA..ORGAO_JULGADOR:.)

Contudo, entendo que a liberação do bem é possível, mas desde que condicionada à prestação de caução

É de se salientar que a liberação do bem, nesta fase, sem a prestação de qualquer garantia, pode acarretar prejuízos ao Fisco.

Nos termos das informações prestadas pela RFB, a multa não se encontra garantida pelo termo de responsabilidade exigido no processo de substituição de beneficiário.

No mais, analisando-se o caso concreto, não se descuide que a agravante impugnou, em 01.10.2019 (ID 107429048), nos termos do artigo 15 do Decreto 70.235/72, o auto de infração contra si lavrado, impugnação esta que não tem o condão de suspender a exigibilidade da multa aplicada.

Assim, analisados os pormenores do caso em cotejo com a legislação de regência, julgo possível a liberação do bem para reexportação, mas desde que prestada caução equivalente ao valor da multa e consectários legais.

Ante o exposto, dou parcial provimento ao agravo de instrumento para possibilitar a liberação do bem, mas desde que prestada caução idônea apta a resguardar os interesses do Fisco.

É o voto.

(d)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


DECLARAÇÃO DE VOTO

A fim de deixar consignadas nos autos as razões que me levaram a divergir do voto proferido pelo i. Relator, procedo à presente declaração de voto.

É firme o entendimento jurisprudencial no sentido da inadmissibilidade da utilização de meios coercitivos indiretos para a satisfação de crédito de natureza fiscal, sendo legítima a retenção de mercadoria tão-somente em casos de fortes indícios de infração aduaneira sujeita à pena de perdimento.

Portanto, é vedado ao Fisco se utilizar da retenção de mercadoria importada como forma de exigir caução para liberar a mercadoria ou impor o recebimento da diferença de tributo, nos termos da súmula 323 do STF. É neste sentido o entendimento desta E. Corte: TRF3, AMS n.º 0902325-58.2005.4.03.6100, Rel. Des. Fed. JOHONSOM DI SALVO, SEXTA TURMA, j. 13/02/2014, e-DJF3 26/02/2014.

Neste cenário, não existindo discussão acerca de fraude no procedimento de importação e não sendo a mercadoria em questão de importação proibida, necessária a liberação dos bens importados sem a necessidade de prestação de garantia ou imediato recolhimento dos tributos e das multas devidas, que devem ser apurados durante o procedimento administrativo fiscal.

No mais, presente está o perigo de dano, tendo em vista os possíveis prejuízos à agravante em decorrência da indisponibilidade da mercadoria importada, assim como dos significativos custos de armazenagem em zona primária.

Por estes fundamentos, dou provimento ao agravo de instrumento.


E M E N T A

 

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. AERONAVE. REGIME ESPECIAL DE ADMISSÃO TEMPORÁRIA. REEXPORTAÇÃO. IMPEDIMENTO ATÉ O PAGAMENTO DA MULTA. LIBERAÇÃO DO BEM. POSSIBILIDADE MEDIANTE CAUÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO.  

1. Conforme consta no Termo de Verificação Fiscal e Descrição dos Fatos - TDPF-F nº 0817700.2019.00238-3, além de somente no ano de 2019 a RFB afirmar ter tomado conhecimento de que a agravante era a real beneficiária do regime especial de admissão temporária da aeronave, a agravante teria descumprido o regime, ocasionando, assim, a aplicação da multa.  

2. De acordo com o Decreto-Lei nº 37/66 e legislação correlata, tem-se que não será desembaraçada para reexportação a mercadoria sujeita à multa enquanto não efetuado o pagamento respectivo.

3. Por outro lado, ao que consta nos autos, não há indícios, ao menos neste juízo liminar, perfunctório e de natureza sumária, de que a agravante tenha buscado burlar a legislação de regência (inexiste acusação da prática de fraude).

4. Não se descuide, ainda, dos potenciais prejuízos decorrentes da momentânea impossibilidade de reexportação da aeronave, fatos estes que, aliados, podem conduzir à liberação do bem.

5. Ademais, não se olvide ser inviável a retenção de mercadorias para fins de pagamento de eventuais tributos, conforme verbete da Súmula 323, do Supremo Tribunal Federa.  

6. A liberação do bem é possível, mas desde que condicionada à prestação de caução. É de se salientar que a liberação do bem, nesta fase, sem a prestação de qualquer garantia, pode acarretar prejuízos ao Fisco.

7. Nos termos das informações prestadas pela RFB, a multa não se encontra garantida pelo termo de responsabilidade exigido no processo de substituição de beneficiário. No mais, analisando-se o caso concreto, não se descuide que a agravante impugnou, nos termos do artigo 15 do Decreto 70.235/72, o auto de infração contra si lavrado, impugnação esta que não tem o condão de suspender a exigibilidade da multa aplicada.

8. Analisados os pormenores do caso em cotejo com a legislação de regência, é possível a liberação do bem para reexportação, mas desde que prestada caução equivalente ao valor da multa e consectários legais.

9. Agravo de instrumento parcialmente provido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a turma, por maioria, deu parcial provimento ao agravo de instrumento, nos termos do voto do Relator. Vencida a Desembargadora Federal Mônica Nobre que lhe dava provimento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.