APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 0008022-08.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: V. H. G. D. A.
Advogado do(a) APELADO: ELAINE CRISTINA PINTO ALEXANDRE - SP272643-N
OUTROS PARTICIPANTES:
TERCEIRO INTERESSADO: CINTIA TELES GONCALVES
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: ELAINE CRISTINA PINTO ALEXANDRE
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 0008022-08.2017.4.03.9999 RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: V. H. G. D. A. Advogado do(a) APELADO: ELAINE CRISTINA PINTO ALEXANDRE - SP272643-N OUTROS PARTICIPANTES: TERCEIRO INTERESSADO: CINTIA TELES GONCALVES R E L A T Ó R I O Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada (LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência. A sentença, prolatada em 30.08.2016, julgou o pedido procedente conforme dispositivo que ora transcrevo: “Isto posto e considerando o tudo mais que dos autos consta, julgo PROCEDENTE a presente ação movida por VITOR HUGO GONÇALVES DO AMARAL, representado por sua mãe Cintia Teles Gonçalves, contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, o que faço com fundamento nos artigos 487, I do Código de Processo Civil. Por conseqüência fica determinada a implementação do benefício de amparo assistencial previsto no artigo 20 da Lei nº 8.742/93, a contar da data da juntada do laudo pericial ( 05/07/2016).As parcelas vencidas deverão ser acrescidas de correção monetária e juros legais, aplicando se a forma de correção (Manual de Orientação de procedimentos, com alterações da Resolução nº 267/13) e aplicação de juros ( 1% ao mês, a partir da citação válida, nos termos da Súmula 204/STJ, até a entrada em vigor da lei n. 11.960/2009).Isento o vencido de custas. Arcará a Autarquia-ré com as despesas processuais, bem como honorários advocatícios, estes últimos fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor das prestações vencidas (observando que a condenação a ser liquidada não alcança duzentos salários mínimos, como prevê o inciso I do §3º do artigo 85 do CPC), eis que embora não liquidadas, serão apuradas na forma como prevista no inciso II, §4º, do artigo 85, do CPC, considerando o zelo profissional, o local da prestação de serviço , a natureza, importância e o tempo exigido e Súmula 111 do STJ.Por fim, contudo, não há elementos a indicar a urgência da medida, o que afasta a antecipação dos efeitos da tutela. Diante da nova redação do inciso I do artigo 496 do Código de Processo Civil, aguarde-se o prazo para interposição de recurso voluntário e remeta-se o feito em seguida à Superior Instância, eis que sujeito ao duplo grau de jurisdição obrigatório. P.R.I. Adamantina, 30 de agosto de 2016." Apela o INSS alegando para tanto que não restou comprovada a condição de miserabilidade da parte autora. Subsidiariamente, pede a reforma da sentença no tocante aos critérios de correção monetária. Com a apresentação de contrarrazões da parte autora, os autos vieram a este Tribunal. O Ministério Público Federal opinou pelo não provimento do recurso de apelação interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS. É o relatório.
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: ELAINE CRISTINA PINTO ALEXANDRE
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 0008022-08.2017.4.03.9999 RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: V. H. G. D. A. Advogado do(a) APELADO: ELAINE CRISTINA PINTO ALEXANDRE - SP272643-N OUTROS PARTICIPANTES: TERCEIRO INTERESSADO: CINTIA TELES GONCALVES V O T O Inicialmente, verifico que embora não seja possível, de plano, aferir-se o valor exato da condenação, pode-se concluir, pelo termo inicial do benefício (05.07.2016), seu valor e a data da sentença (30.08.2016), que o valor total a condenação será inferior à importância de 1.000 (mil) salários mínimos estabelecida no inciso I do §3º do artigo 496 do Código de Processo Civil de 2015. Afinal, o valor que superaria a remessa oficial é equivalente a 14 anos de benefícios calculados no valor máximo, o que certamente não será o caso dos autos. Assim, é nítida a inadmissibilidade, na hipótese em tela, da remessa necessária Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação. Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento apenas à insurgência recursal. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família. O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011). A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência. Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado. Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades. Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam. Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição. Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil. Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade. Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o pedido com base no laudo pericial apresentado, tendo se convencido restar configurada a condição de hipossuficiência financeira ou miserabilidade necessária para a concessão do benefício. Confira-se: “O laudo social realizado em 23 de julho de 21015, consignou que o núcleo familiar do autor é composto por quatro pessoas (o autor, seus pais e um irmão), com renda mensal aproximada de R$ 1.638,00, provenientes do trabalho da mãe do autor (R$ 850,00), como faxineira na Santa Casa local, e a importância de R$ 788,00, proveniente do benefício auxilio doença que o pai do autor está recebendo. Além disso, recebem importância de R$ 180,00 provenientes dos Programas “Bolsa Família” e “Renda Cidadã”. Em um primeiro momento, a renda familiar do autor se mostra suficiente para sua sobrevivência, segundo os padrões médios da população e o disposto na Constituição Federal. Contudo, realizada complementação do laudo pericial, em 17 de fevereiro de 2016, (fls. 61), a renda familiar do autor, tornou-se, em essência, nula, eis que cessou o benefício auxilio doença de seu genitor desde setembro de 2015, e a mãe do autor, foi demitida em 30/09/2015, está atualmente recebendo seguro desemprego em importe equivalente a R$860,00, restando, ainda receber duas parcelas. Assim, diante do quadro atual da situação econômica do autor, é possível atestar a existência de pobreza nos termos preconizados pela lei. Conclui-se, assim, que foram atendidos os requisitos do benefício resultando evidente a plausibilidade do direito invocado na inicial. Portanto, estão presentes os dois requisitos para a concessão do amparo assistencial.” O estudo social (ID 87542214 – pag. 40/45), elaborado em 23.07.2015 e complementado em 17.02.2016 (ID 87542214 – pag. 71), revela que a parte autora vive com seus pais e um irmão menor de idade em imóvel próprio, financiado, de alvenaria, com dois quartos, sala, cozinha e banheiro. Trata-se de construção com piso de cerâmica e forro em PVC, guarnecida com móveis simples e de uso diário, em boa condição de organização e higiene. Quanto à renda familiar na primeira visita: - mãe do autor aufere salário no valor de R$ 850,00; - pai do autor recebe auxílio doença no valor de R$ 788,00; - benefícios sociais: Bolsa Família (R$ 100,00) e Renda Cidadã (R$ 80,00); Relataram despesas com financiamento da casa (R$ 150,00), água (R$ 51,98), energia elétrica (R$ 76,87), transporte escolar (R$ 150,00), IPTU (R$ 90,00 – anual) e alimentação (R$ 350,00), perfazendo total de R$ 868,85. Em nova visita realizada em 02.2016 a perita social apurou que “A mãe do requerente nos relatou que seu esposo recebeu auxílio doença até setembro de 2015 e que no momento não está realizando atividades laborativas e não possui renda mensal. Relatou-nos ainda que atualmente a mesma não está realizando atividades laborativas; trabalhou até o dia 30/09/2015 na Santa Casa local; está recebendo o seguro desemprego no valor de R$860,00 (oitocentos e sessenta reais) (deverá receber ainda duas parcelas).” Há relato de que a família recebe mensalmente cesta de alimentos de entidade assistencial, e que a avó e a tia do autor ajudam financeiramente na medida do possível. Vale a pena mencionar que a ausência de vínculo de trabalho formal de forma pontual, por si só, não possui o condão de caracterizar a condição de miserabilidade. Nesse sentido, in casu, apura-se que consta no laudo médico pericial (ID 87542214 – pag. 103/104), elaborado em 20.06.2016, que o pai do autor trabalha como diarista na zona rural sem salário fixo. Tem-se ainda que a mãe do autor recebe benefício previdenciário de auxílio doença no valor de R$ 1.093,78 desde 17.05.2016 (ID 87542214 – pag. 143). Assim, depreende-se do conjunto probatório, que apesar da existência de eventuais dificuldades financeiras, o autor vive em casa própria que oferece abrigo e conforto, e a família possui rendimento formal acima do valor do salário mínimo vigente à época, contando ainda com apoio de familiares (avó e tia). Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade. Conclui-se, desta forma, que as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da impossibilidade de sustento, como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993, e, portanto, ausente o requisito de miserabilidade, inviável a concessão do benefício assistencial. Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de advogado que ora fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), de acordo com o §8º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015. Ante o exposto não conheço da remessa necessária e DOU PROVIMENTO à apelação do INSS reformando a sentença para julgar improcedente o pedido inicial, nos termos da fundamentação exposta. É o voto.
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: ELAINE CRISTINA PINTO ALEXANDRE
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 0008022-08.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: V. H. G. D. A.
Advogado do(a) APELADO: ELAINE CRISTINA PINTO ALEXANDRE - SP272643-N
EMENTA
REMESSA NECESSÁRIA NÃO CONHECIDA. APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. MISERABILIDADE/HIPOSSUFICIÊNCIA/IMPOSSIBILIDADE DE SUSTENTO. REQUISITO NÃO PREENCHIDO. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA.
1. Remessa necessária não conhecida. Valor da condenação inferior a 1.000 salários mínimos.
2. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
3. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte autora encontra-se amparado pela família. Não demonstrada a impossibilidade do sustento. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
4. Benefício assistencial indevido.
5. Inversão do ônus da sucumbência.
6. Remessa necessária não conhecida. Apelação do INSS provida.