APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000183-58.2014.4.03.6111
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DERCI CARLOS DE CAMPOS
Advogado do(a) APELADO: LUIS CARLOS PFEIFER - SP60128
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000183-58.2014.4.03.6111 RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: DERCI CARLOS DE CAMPOS Advogado do(a) APELADO: LUIS CARLOS PFEIFER - SP60128 OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de ação em que se objetiva a concessão benefício previdenciário por incapacidade ou de benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência. A sentença, prolatada em 14.12.2015, julgou procedente o pedido inicial e condenou o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS à concessão do benefício assistência à parte autora conforme dispositivo que ora transcrevo: “Posto isso, julgo procedente o pedido, resolvendo o mérito com fundamento no artigo 269, inciso 1, do Código de Processo Civil, condenando o réu, por conseguinte, a conceder à parte autora o benefício assistencial de prestação continuada, a partir de 04/11/2013. Condeno o réu, ainda, a pagar, de uma única vez, as prestações vencidas desde a data de início do benefício fixada nesta sentença, descontando-se o período em que a parte autora tenha comprovadamente recebido salário e/ou benefício inacumulável e/ou por força de antecipação de tutela, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora. A partir de 01 /07/2009, data em que passou a viger a Lei n° 11.960, de 29/06/2009, que alterou o art. 1.°-F da Lei n.° 9.494/97, para fins de atualização monetária e juros haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, afastados quaisquer outros índices de atualização ou juros. Honorários advocatícios são devidos pelo réu, no importe de 10% (dez por cento) do valor das parcelas vencidas até a data desta sentença, não incidindo sobre as parcelas vincendas (Súmula 111 do E. STJ). Sem custas, por ser a parte autora beneficiária da justiça gratuita e a autarquia -ré delas isenta. Levando-se em consideração a procedência do pedido, o caráter alimentar do benefício previdenciário e o disposto no enunciado n° 729 das súmulas do STF, antecipo os efeitos da tutela, como requerido, para determinar ao INSS que, no prazo máximo de 10 (dez) dias e sob pena de multa diária a ser fixada oportunamente, proceda à implantação do benefício concedido conforme parâmetros que se seguem e comunicando-se nos autos. Comunique-se à Equipe de Atendimento de Decisão Judicial de Marília (EADJ) o aqui decidido, com vistas ao cumprimento da tutela ora deferida, devendo, para tanto, servir cópia da presente sentença como ofício expedido. Em atenção ao disposto no Provimento Conjunto n° 69, de 08 de novembro de 2006, da Corregedoria-Geral da Justiça Federal da 3a Região e da Coordenadoria dos Juizados Especiais Federais da 3a Região, o benefício ora concedido terá as seguintes características (...) Sem ignorar o teor do enunciado n° 490 das súmulas do E. STJ, registro que esta sentença não se sujeita à remessa necessária por não haver condenação para pagar valores em atraso (artigo 475, § 2°, do Código de Processo Civil). Publique-se. Registre-se. Intimem-se, inclusive o MPF.” Apela o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS requerendo preliminarmente a suspensão da antecipação da tutela. No mérito, pugna pela reforma da sentença ao fundamento que não restou comprovada a existência de miserabilidade a amparar a concessão do benefício. Subsidiariamente, pede a reforma da sentença no tocante aos honorários advocatícios e critérios de atualização do débito. Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte. O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo desprovimento da apelação do INSS. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000183-58.2014.4.03.6111 RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: DERCI CARLOS DE CAMPOS Advogado do(a) APELADO: LUIS CARLOS PFEIFER - SP60128 OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Não conheço da apelação do INSS no que se refere ao pedido de reforma da sentença no tocante aos critérios de atualização do débito, ante a ausência de interesse recursal. No mais, conheço do recurso Rejeito a preliminar de suspensão da antecipação da tutela. Nos termos do artigo 273 do Código de Processo Civil/1973, vigente à época da sentença, o juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que exista prova inequívoca do alegado pela parte e fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. No caso, conforme avaliação do Juízo a quo, restaram configurados os requisitos autorizadores da concessão do benefício, pelo que mantenho seus efeitos. Passo ao exame do mérito. Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao reexame necessário previstas no § 2º do artigo 475 do CPC/1973, restrinjo o julgamento apenas à insurgência recursal. O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família. No tocante ao requisito da miserabilidade, o artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011). A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência. Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado. Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades. Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam. Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição. Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil. Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade. Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o pedido com base nos elementos contidos no mandado de constatação, produzido por perito do Juízo, tendo se convencido restar configurada a condição de miserabilidade necessária para a concessão do benefício. Confira-se: “Nesse particular, a constatação social realizada (fls. 60/64) demonstra que a autora, divorciada e sem filhos, reside sozinha, em imóvel simples, sobrevivendo somente da pensão alimentícia paga por seu ex-marido, no importe de R$ 253,40, mais o "bolsa cidadã", no valor de R$ 80,00, totalizando, portanto, R$ 333,40 mensais, valor este inferior a meio salário mínimo - novo valor per capita sufragado pelo STF. Neste contexto, a parte autora atende aos requisitos legais exigidos para concessão do benefício assistencial de prestação continuada e, assim, a procedência de sua pretensão é de rigor.” De fato, o mandado de constatação ID 87775182 – pag. 66/83 elaborado em 13.10.2014, revela que a autora vive sozinha em imóvel próprio com dois quartos, sala, cozinha, banheiro de despensa. Trata-se de uma casa modesta de alvenaria com área construída estimada de 60 m2, piso cerâmico em todos os cômodos e laje no teto, com exceção da despensa, que é coberta com telhas de amianto, sem forro. Quanto à renda familiar, consta que a autora recebe pensão alimentícia do ex-marido no valor de R$ 253,40. Aufere também R$ 80,00, advindo do programa social Renda Cidadã. Reporta despesas com água (R$ 13,00), energia elétrica (R$ 15,00), gás de cozinha (R$ 43,00 – 1 botijão dura 90 dias), alimentação (R$ 160,00), vestuário (R$ 50,00) e IPTU (R$ 24,58), perfazendo total de R$ 305,58. Depreende-se da leitura do mandado de constatação e do laudo médico pericial que a parte autora padece de patologias psiquiátricas que trazem isolamento social e vulnerabilidade socioeconômica, posto que se encontra impossibilitada de promover seu sustento. Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos autos e, evidenciada a existência de vulnerabilidade socioeconômica no mandado de constatação, de rigor a manutenção da sentença de procedência parcial do pedido por seus próprios fundamentos. No que tange aos critérios de atualização do débito, verifico que a sentença desborda do entendimento firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947, tema de repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux. Assim, tratando-se de matéria cognoscível de ofício (AgRg no AREsp 288026/MG, AgRg no REsp 1291244/RJ), corrijo a sentença e estabeleço que as parcelas vencidas deverão ser atualizadas monetariamente e acrescidas de juros de mora pelos índices constantes do Manual de Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à TR – Taxa Referencial. Anoto que os embargos de declaração opostos perante o STF que objetivavam a modulação dos efeitos da decisão supra, para fins de atribuição de eficácia prospectiva, foram rejeitados no julgamento realizado em 03.10.2019. Com relação aos honorários de advogado, estes devem ser mantidos em 10% do valor da condenação, consoante entendimento desta Turma e artigo 20, parágrafos 3º e 4º, do Código de Processo Civil de 1973, aplicável ao caso concreto eis que o recurso foi interposto na sua vigência, considerando as parcelas vencidas até a data da sentença, nos termos da Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça, não se aplicando, também, as normas dos §§ 1º a 11º do artigo 85 do CPC/2015, inclusive no que pertine à sucumbência recursal, que determina a majoração dos honorários de advogado em instância recursal (Enunciado Administrativo nº 7/STJ). Diante do exposto, de ofício, corrijo a sentença para fixar os critérios de atualização do débito, rejeito a preliminar arguida pelo INSS e, no mérito, não conheço de parte da apelação do INSS e, na parte conhecida, NEGO-LHE PROVIMENTO, nos termos da fundamentação exposta. É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000183-58.2014.4.03.6111
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
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APELADO: DERCI CARLOS DE CAMPOS
Advogado do(a) APELADO: LUIS CARLOS PFEIFER - SP60128
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINAR DE SUSPENSÃO DA TUTELA REJEITADA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ASSISTÊNCIA SOCIAL. MISERABILIDADE/HIPOSSUFICIÊNCIA. VULNERABILIDADE SOCIOECONÔMICA. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS DE ADVOGADO.
1. Ausência de interesse recursal quanto ao pedido de alteração dos critérios de atualização do débito. Pedido não conhecido
2. Mantidos os efeitos da tutela antecipada. Conforme avaliação do Juízo a quo restaram configurados os requisitos autorizadores da concessão da tutela antecipada. A presente demanda possui natureza alimentar, o que por si só evidencia o risco de dano irreparável tornando viável a antecipação dos efeitos da tutela.
3. O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
4. Mandado de constatação evidencia a existência de vulnerabilidade socioeconômica. Parte autora padece de enfermidade psiquiátrica que traz isolamento social e impossibilidade de promover o próprio sustento.
5. Critérios de atualização do débito corrigidos de ofício.
6. Honorários de advogado mantidos em 10% do valor da condenação. Artigo 20, §§ 3º e 4º, Código de Processo Civil/73 e Súmula nº 111 do STJ.
7. Sentença corrigida de ofício. Preliminar rejeitada. Apelação do INSS parcialmente conhecida e não provida.