Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 0024302-54.2017.4.03.9999

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: FLORIPES MONTEIRO RODRIGUES

Advogado do(a) APELADO: GUSTAVO BASSOLI GANARANI - SP213210-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 0024302-54.2017.4.03.9999

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: FLORIPES MONTEIRO RODRIGUES

Advogado do(a) APELADO: GUSTAVO BASSOLI GANARANI - SP213210-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada (LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal.

A sentença, prolatada em 24.01.2017, julgou procedente o pedido conforme dispositivo que ora transcrevo: “Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a ação para o fim de CONDENAR o INSTITUTO NACIONAL DE SEGURO SOCIAL a CONCEDER o benefício de prestação continuada LOAS previsto no art. 20 da Lei n.º 8.742/93 à autora FLORIPES MONTEIRO RODRIGUES, no valor de 1 (um) salário mínimo mensal, desde a data da citação, ocorrida em 01/09/2015 (fls. 68). Responderá o réu pelo pagamento de eventuais parcelas em atraso, observada a prescrição quinquenal e a compensação sobre o que for recebido a título de antecipação de tutela. As parcelas vencidas serão corrigidas monetariamente, desde a data que deveriam ser pagas, de acordo com a tabela prática do TJSP até junho de 2009, após seguirão os parâmetros da Lei 11.960/09 até 25/03/15, quando, diante da modulação que STF atribuiu à declaração parcial de inconstitucionalidade da EC 62/09, autos ADI 4357 e 4425, passará a contar segundo o IPCA-E. Os juros de mora serão contados da citação para as parcelas vencidas (STJ, REsp 1.112.114, sob o rito do antigo artigo 543-C, tema 23) e desde o momento dos vencimentos, para as parcelas supervenientes à citação nas seguintes alíquotas: 1% ao mês até a publicação da MP n 2.180-35, de 24/08/01 e 0,5% ao mês a partir de 24/08/01. Aplica-se taxa de juros correspondentes aos depósitos das cadernetas de poupança após a Lei 11.960/09 (STJ AgRg AREsp 550.200-PE).Tendo em vista a natureza alimentar da prestação requerida em Juízo, na qual se discute a própria subsistência da autora, DEFIRO A TUTELA ANTECIPADA para determinar que o INSS implante o benefício no prazo improrrogável de 30 (trinta) dias, independentemente de interposição de eventual recurso de apelação, ainda que eventualmente recebido no duplo efeito, pois a presente determinação tem caráter de tutela de urgência (art. 300, "caput", CPC/2015). Expeça-se o necessário para cumprimento. Em face da sucumbência, condeno a autarquia ao pagamento dos honorários advocatícios do patrono do autor, que fixo em 10% (dez) sobre o valor da condenação, conforme o artigo 85, § 3º e § 5º do Novo Código de Processo Civil, limitado o valor devido até a data da sentença, conforme a Súmula 111 do STJ. Não há custas processuais a serem suportadas pelo INSS em razão do disposto no art. 6° da Lei Estadual 11.608/03. Todavia, arcará ainda autarquia pelos honorários periciais. Sentença sujeita ao reexame necessário. P.R.I.C.”

Apela o INSS pugnado pela improcedência do pedido inicial, alegando para tanto que não restou preenchido o requisito de miserabilidade. Nesse sentido argumenta que a renda per capita familiar é superior ao limite legal.

Com contrarrazões, os autos vieram a este Tribunal.

O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do apelo.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 


APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 0024302-54.2017.4.03.9999

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: FLORIPES MONTEIRO RODRIGUES

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V O T O

 

Inicialmente, embora não seja possível, de plano, aferir-se o valor exato da condenação, pode-se concluir, pelo termo inicial do benefício (01.09.2015 – ID 88790392 – pag. 74), seu valor e a data da sentença (24.01.2017), que o valor total a condenação será inferior à importância de 1.000 (mil) salários mínimos estabelecida no inciso I do §3º do artigo 496 do Código de Processo Civil de 2015.

 Afinal, o valor que superaria a remessa oficial é equivalente a 14 anos de benefícios calculados no valor máximo, o que certamente não será o caso dos autos.

Assim, é nítida a inadmissibilidade, na hipótese em tela, da remessa necessária

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.

Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento apenas à insurgência recursal.

O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.

O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).

A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.

Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).

Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.

Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.

Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.

Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica,  por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03),  a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.

Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.

Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.

Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.

Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o pedido com base no conjunto probatório apresentado, tendo se convencido restar configurada a condição de hipossuficiência financeira ou miserabilidade necessárias para a concessão do benefício. Confira-se:

“No levantamento socioeconômico efetuado a fia. 106/108, constatou-se que o grupo familiar da autora é composto por ela, seu esposo Ezequiel Rodrigues (69 anos) e seu filho Fernando Monteiro Rodrigues (35 anos). A renda familiar da autora provém do benefício de prestação Continuada BPC-idoso recebido pelo cônjuge da autora no valor de um salário mínimo e do salário percebido pelo filho da autora, que trabalha em loja comercial, e recebe por este trabalho uni pouco mais de sim salário mínimo. A casa em que reside o núcleo familiar da autora é alugada, no valor de R$ 537,00 (quinhentos e trinta e sete reais). Possui quatro cômodos e um banheiro, em condições bastante simples. Não são beneficiários de nenhum programa de transferência de renda, seja tia esfera Estadual ou Federal, e não recebem nenhum tipo de atendimento ou acompanhamento sócio assistencial. Ressaltou a Assistente Social ser a família simples, e que o gasto mensal gira em torno de mais de R$ 700,00 (setecentos reais) sem incluir o valor do aluguel, que custa R$537.00. A autora faz uso de quatro medicamentos, sendo dois pela rede pública de saúde e os demais são comprados e juntos somam o valor de cerca de R$ 300,00 (trezentos reais mensais). Além disso, seu esposo também tem problemas de saúde. E mais, uma das rendas auferidas pelo grupo familiar provem de benefício assistencial percebido pelo esposo da autora BPC no importante de um salário mínimo, valor que deve ser excluído do computo para fins de apuração da renda familiar, aplicando-se por analogia o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso. (...) Pois bem, excluído o valor do benefício que recebe o esposo da requerente, a renda familiar é de R$ 1.410,13, levando em consideração o salário percebido por Fernando Monteiro Rodrigues em 10/2016. Há prova, no caso, da renda familiar per capita um pouco superior a ¼ do salário mínimo estipulado no art. 20, parágrafo 3°, da Lei º 8.742/93, segundo se verifica do laudo social (fls. 106/108), porém ainda assim fica evidenciado o estado de miserabilidade da autora uma vez, que as despesas da casa ultrapassam o valor de R$ 700,00 reais, mais o aluguel no valor de R$ 537,00 bem simples por sinal, ressaltando ainda que a mesma possui gastos com medicamentos, e seu esposo também possui problemas de saúde (fl. 107). Acrescento ainda, que a Assistente Social concluiu o laudo afirmando que a concessão do benefício à autora é pertinente, pois, segundo a mesma, a requerente não possui condições de se manter (fl. 108). Assim, verifico que a parte autora preenche o requisito relativo à miserabilidade, previsto no artigo 20, § 3°, da Lei 8.742/1993. Com efeito, comprovado que a autora não possui meios de prover o seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família, em razão da sua idade, bem como demonstrada a situação de miserabilidade prevista no artigo 20, § 3°, da Lei 8.742/1993 (relatório social econômico de fis. 106/108), a concessão do benefício pleiteado é de rigor.”

Por sua vez, o estudo social (ID 88790392 – pag. 119/123), elaborado em 25.07.2016, revela que a parte autora vive com seu marido e um filho em imóvel alugado, de alvenaria, com quatro cômodos, tratando-se de acomodação bem simples.

No tocante à renda familiar, consta que o marido da parte autora recebe benefício assistencial (R$ 880,00), e que o filho apresenta vínculo de trabalho formal com rendimento acima do valor do salário mínimo.

Relataram despesas com aluguel (R$ 537,00) medicamentos (R$ 300,00) e manutenção da casa (R$ 700,00), perfazendo total de R$ 1.537,00.

A perita social emitiu parecer favorável à concessão do benefício ora pleiteado, aduzindo que a autora não possui condição de manter-se, sendo que somente o benefício do marido é insuficiente para assegurar o sustento de ambos.

Entretanto, depreende-se da leitura do estudo social que, apesar de não se negar a existência de eventuais dificuldades financeiras, não há indícios de que as necessidades básicas da parte autora não estejam sendo supridas.

Nesse sentido apura-se que o filho que com ela reside arca com boa parte das despesas da família, e que a autora possui mais dois filhos, maiores de idade, que em caso de urgência possuem o dever de socorrê-la.

Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.

Conclui-se, desta forma, que as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da impossibilidade de sustento, como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993, e, portanto, ausente o requisito de miserabilidade, inviável a concessão do benefício assistencial, posto que não se presta a complementação de renda.

Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de advogado que ora fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), de acordo com o §8º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.

Por fim, revogo a tutela antecipada. Esclareço, todavia, que tratando-se de benefício assistencial, entendo indevida a devolução dos valores indevidamente pagos a esse título, não se aplicando ao caso o entendimento firmado pelo STJ no REsp nº 1401560/MT, referente apenas aos benefícios previdenciários.

Ante o exposto não conheço da remessa necessária e DOU PROVIMENTO à apelação do INSS, nos termos da fundamentação exposta.

É o voto.

 

 

 

 

 

 



 

APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 0024302-54.2017.4.03.9999

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: FLORIPES MONTEIRO RODRIGUES

Advogado do(a) APELADO: GUSTAVO BASSOLI GANARANI - SP213210-N

 

 

 

EMENTA

 

 

REMESSA NECESSÁRIA NÃO CONHECIDA. APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE. REQUISITO NÃO PREENCHIDO. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. TUTELA ANTECIPADA. REVOGADA.

1. Valor da condenação inferior a 1.000 salários mínimos. Remessa necessária não conhecida

2. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.

3. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.

4. Benefício assistencial indevido.

5. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese do §3º do artigo 98 do CPC/2015.

6. Tutela antecipada revogada. Desnecessária a devolução dos valores. Inaplicabilidade do decidido no REsp nº 1401560/MT aos benefícios assistenciais.

7. Remessa necessária não conhecida. Apelação do INSS provida.

 

 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu não conhecer da remessa necessária e dar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.