APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0030479-68.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: GUIOMAR GIMENEZ
Advogado do(a) APELANTE: JOSE ROBERTO ORTEGA - SP101106-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: FABIANO CHEKER BURIHAN - SP131523-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0030479-68.2016.4.03.9999 RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES APELANTE: GUIOMAR GIMENEZ Advogado do(a) APELANTE: JOSE ROBERTO ORTEGA - SP101106-N APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS Advogado do(a) APELADO: FABIANO CHEKER BURIHAN - SP131523-N OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de ação ajuizada em face do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, objetivando a parte autora a concessão do benefício de pensão por morte em decorrência do óbito de Nelson Milanez Gimenez, ocorrido em 05/11/2013. A sentença julgou parcialmente procedente o pedido para condenar o INSS a conceder a pensão por morte à autora, a partir da data da propositura da ação, com a ressalva de que o valor do benefício LOAS recebido indevidamente será restituído, mensalmente, em valor equivalente à pensão por morte, como compensação, e que, somente após o ressarcimento integral passará a receber o benefício requerido. Sentença não submetida ao reexame necessário. Apela o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS sustentando, em síntese, que não restou comprovada a dependência econômica, devendo ser julgado improcedente o pedido. Subsidiariamente, requer a fixação do termo inicial do benefício na data da sentença, bem como determinada a aplicação do disposto nos §§2º e 3º do artigo 154 do RPS. Por sua vez, a parte autora requer a reforma da sentença quanto ao termo inicial do benefício, para que seja fixado na data do óbito, e quanto à forma de devolução do LOAS, para que ocorra por meio de descontos de 20% em seu benefício. Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0030479-68.2016.4.03.9999 RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES APELANTE: GUIOMAR GIMENEZ Advogado do(a) APELANTE: JOSE ROBERTO ORTEGA - SP101106-N APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS Advogado do(a) APELADO: FABIANO CHEKER BURIHAN - SP131523-N OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço dos recursos de apelação do INSS e da parte autora. Os requisitos a serem observados para concessão da pensão por morte estão previstos nos artigos 74 a 79 da Lei nº 8.213/91, sendo necessária a comprovação, cumulativamente: a) do óbito ou morte presumida da pessoa que seja segurada (obrigatória ou facultativa) da Previdência Social; b) da existência de beneficiário dependente do de cujus, em idade hábil ou preenchendo outras condições previstas em lei; c) da qualidade de segurado do falecido. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.110.565 SE, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, fixou que o deferimento do benefício de pensão por morte está vinculado ao cumprimento da condição de segurado do falecido, salvo na hipótese prevista na Súmula 461/STJ: “É devida a pensão por morte aos dependentes do segurado que, apesar de ter perdido essa qualidade, preencheu os requisitos legais para a obtenção de aposentadoria até a data do seu óbito” A condição de segurado (obrigatório ou facultativo) decorre da inscrição no regime de previdência pública, cumulada com o recolhimento das contribuições correspondentes. O artigo 15 da Lei nº 8.213/91 dispõe sobre as hipóteses de manutenção da qualidade de segurado, independentemente de contribuições; trata-se do denominado período de graça, durante o qual remanesce o direito a toda a cobertura previdenciária. Por sua vez, o §4º desse dispositivo legal estabelece que haverá a perda da qualidade de segurado no dia seguinte ao do término do prazo para recolhimento da contribuição referente ao mês de competência imediatamente posterior ao final dos prazos para manutenção da qualidade de segurado. Depreende-se, assim, que o segurado mantém essa qualidade por mais um mês e meio após o término do período de graça, independentemente de contribuição, mantendo para si e para os seus dependentes o direito aos benefícios previdenciários. Anote-se que a eventual inadimplência das obrigações trabalhistas e previdenciárias acerca do tempo trabalhado deve ser imputada ao empregador, responsável tributário, conforme preconizado na alínea a do inciso I do artigo 30 da Lei nº 8.213/91, não sendo cabível a punição do empregado urbano pela ausência de recolhimentos, computando-se, assim, o período laborado para fins de verificação da qualidade de segurado. Nesse passo, importa consignar que a redação original do inciso I do artigo 26 da Lei de Benefícios, bem como aquela que lhe foi dada pela Lei nº 9.786/99, mantida pela Lei nº 13.135/2015, dispensa o cumprimento de carência para fins de concessão do benefício de pensão por morte. No tocante aos dependentes do segurado falecido, o direito à pensão por morte encontra-se disciplinado na Lei n. 8.213/91, art. 16 in verbis: "Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado: I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente; II - os pais; III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente." Por sua vez, o §4º desse mesmo artigo estabelece que “a dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada.” Vale lembrar que esse benefício é devido ao conjunto de dependentes do de cujus que reúnam as condições previstas nos artigos 77 da Lei nº 8.213/91, obviamente cessando para o dependente que não mais se enquadre nas disposições desse preceito normativo. Nem mesmo a constatação de dependente ausente obsta a concessão da pensão, cabendo sua habilitação posterior (art. 76 da Lei nº 8.213/91). A dependência econômica não precisa ser exclusiva, de modo que persiste ainda que a parte autora tenha outros meios de complementação de renda. Interpretação abrangente do teor da Súmula 229, do extinto E. TRF. Nesse sentido, também não impede a concessão do benefício tem tela o fato de o dependente receber aposentadoria, pois o art. 124 da Lei nº 8.213/91 não veda a acumulação da pensão por morte com aposentadoria, quando presentes os requisitos legais. Nega, apenas, a acumulação de mais de uma pensão, deixada por cônjuge ou companheiro, assegurado o direito de se optar pelo pagamento da mais vantajosa. Caso concreto Comprovado o óbito de Nelson Milanez Gimenez em 05/01/2013 (certidão de óbito – id 82679129 – pág. 12). A qualidade de segurado do falecido restou incontroversa tendo em vista que era beneficiário de aposentadoria por tempo de contribuição (consulta CNIS – id 82679129 – pág. 109) Quanto à dependência econômica observa-se inicialmente que a parte autora era beneficiária de Amparo Social ao Idoso desde 07/12/2011 (NB 5491913657), motivo pelo qual o INSS indeferiu a concessão da pensão por morte (id 82679129 – pág 123). No entanto, a parte autora alega que nunca se separou de seu falecido marido, mantendo sua condição de dependente até a época do óbito. Para comprovar suas alegações acostou aos autos: - certidão de casamento sem averbação de separação; - certidão de óbito com a anotação do estado civil de casado do falecido; - comprovantes de endereço comum; - ficha de internação do falecido, constando a autora como cônjuge; - declaração do Banco Bradesco de que a autora e seu marido possuíram conta conjunta por mais de 10 anos até a época do falecimento. As testemunhas ouvidas em audiência confirmaram que a autora e o falecido viveram juntos como marido e mulher até a data do óbito e que não houve separação. Dessa forma, diante do conjunto probatório, restou comprovada a dependência econômica da autora em relação ao segurado falecido de modo a preencher os requisitos para concessão do benefício de pensão por morte à autora. O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do óbito do segurado (05/01/2013), conforme preceituado no art. 74, I, da Lei n. 8.213/91, com redação vigente à época do óbito, uma vez que o benefício foi requerido na esfera administrativa no prazo de 30 dias do falecimento. Anote-se a obrigatoriedade da dedução, na fase de liquidação, dos valores pagos à parte autora a título de Amparo Social ao Idoso após o termo inicial assinalado ao benefício concedido, cuja cumulação é vedada por lei (art. 124 da Lei n. 8.213/91). Nesse passo, constata-se que a obtenção do benefício de Amparo Social ao Idoso deu-se mediante fraude, devendo ser mantida a determinação da devolução dos valores recebidos a esse título. No entanto, considerando que a autora é idosa e que com a cessação do benefício assistencial teria como única fonte de renda a pensão por morte concedida, entendo que o desconto total do benefício até o pagamento do valor integral recebido indevidamente, caracteriza ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana e fere a garantia constitucional, prevista no art. 201, §2º, de que nenhum benefício previdenciário terá valor mensal inferior ao salário mínimo. Nesse passo, limito o desconto a 30% sobre o valor do benefício de pensão por morte auferido mensalmente pela parte autora. Nesse sentido: PREVIDENCIÁRIO - PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO PREVISTO NO ART. 557, §1º, DO CPC - EMBARGOS À EXECUÇÃO - CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. TUTELA ANTECIPAÇÃO - IMPLANTAÇÃO - RENDA MENSAL EQUIVOCADA - DESCONTO DOS VALORES RECEBIDOS A MAIOR - IMPOSSIBILIDADE - BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO - GARANTIA CONSTITUCIONAL. I - Em se tratando de benefício de valor mínimo, não é possível o desconto na renda mensal da exequente de quantias pagas indevidamente, em face da garantia insculpida no art. 201, § 2° da Constituição da República, que veda a percepção de benefício previdenciário que substitua os rendimentos do trabalho em valor inferior ao salário mínimo, em observância ao princípio da dignidade da pessoa humana. II - Agravo do INSS, previsto no § 1º do art. 557, do CPC, improvido. (AC 00229394220114039999, Des. Federal SERGIO NASCIMENTO, TRF3 - DÉCIMA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:01/08/2012 ..FONTE_REPUBLICACAO:.) AGRAVO DE INSTRUMENTO - APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO - RECONHECIMENTO DE FRAUDE - POSTERIOR CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ - DESCONTOS RELATIVOS AO PAGAMENTO DO BENEFÍCIO FRAUDULENTO. APOSENTADORIA ATUAL NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO MENSAL - IMPOSSIBILIDADE. - Agravo regimental do INSS não conhecido. Incabível a interposição de recurso contra decisum que aprecia pedido de efeito suspensivo, nos termos do parágrafo único do art. 527 do CPC, cuja redação foi determinada pela Lei 11.187/05. - O reconhecimento de fraude na concessão da aposentadoria por tempo de serviço importa em obrigatoriedade de devolver os valores indevidamente recebidos dos cofres públicos. Contudo, tal devolução não pode se dar de forma a ferir o princípio da dignidade da pessoa humana, isto é, não pode retirar do indivíduo o mínimo do que dispõe para sobreviver. - Atualmente o segurado recebe aposentadoria por idade, cuja renda mensal é no valor de um salário mínimo. - É entendimento consagrado no C. STF que em caso de pagamento indevido, efetuado desconto, o valor remanescente recebido pelo segurado não pode ser inferior a um salário mínimo mensal, consoante determina o §5º do art. 201 da Constituição Federal. - Verificado que o valor da aposentadoria por idade do impetrante é no valor de um salário mínimo mensal, considero que não é possível efetuar descontos no aludido benefício. - Agravo regimental não conhecido e agravo de instrumento provido e agravo regimental improvido. (AI 00488387120084030000, DESEMBARGADORA FEDERAL VERA JUCOVSKY, TRF3 - OITAVA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:18/08/2011 PÁGINA: 1114 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)GN PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. DESCONTO DE 30% DO VALOR DO BENEFÍCIO. - Os artigos 115, inciso II e § único, da Lei 8.213/91, e 154, §3º, do Decreto 3.048/1999, permitem e estabelecem regras sobre a restituição de valores pagos indevidamente a título de benefício previdenciário. O desconto não pode ultrapassar 30% do valor do benefício pago ao segurado. - O valor remanescente recebido pelo beneficiário não pode ser inferior a um salário mínimo, conforme determina o artigo 201, §2º da Constituição Federal. - In casu, os extratos bancários referentes ao pagamento do benefício nos meses de março e abril de 2007, comprovam que o autor recebeu valor inferior ao salário mínimo então vigente. - Agravo de instrumento a que se dá provimento para cessar desconto de 30% efetuado na aposentadoria por invalidez do agravante. (TRF 3ª Região, AI 300189, proc. 2007.03.00.047458-0, Rel. Des. Fed. Therezinha Cazerta, DJF3 CJ2 21.07.09, p. 384). No que tange aos critérios de atualização do débito, verifico que a sentença desborda do entendimento firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947, tema de repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux. Assim, tratando-se de matéria cognoscível de ofício (AgRg no AREsp 288026/MG, AgRg no REsp 1291244/RJ), corrijo a sentença e estabeleço que as parcelas vencidas deverão ser atualizadas monetariamente e acrescidas de juros de mora pelos índices constantes do Manual de Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à TR – Taxa Referencial. Anoto que os embargos de declaração opostos perante o STF que objetivavam a modulação dos efeitos da decisão supra, para fins de atribuição de eficácia prospectiva, foram rejeitados no julgamento realizado em 03.10.2019. Com relação aos honorários de advogado, estes devem ser mantidos na forma como fixados na sentença, considerando que o recurso foi interposto na vigência do Código de Processo Civil /1973, não se aplicando as normas dos §§ 1º a 11º do artigo 85 do CPC/2015, inclusive no que pertine à sucumbência recursal, que determina a majoração dos honorários de advogado em instância recursal (Enunciado Administrativo nº 7/STJ). Ante o exposto, de ofício, fixo os critérios de atualização do débito e dou parcial provimento à apelação do INSS e à apelação da parte autora para fixar o termo inicial do benefício na data do óbito do segurado e para limitar o desconto do LOAS a 30% sobre a pensão por morte, nos termos da fundamentação. É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. PENSÃO POR MORTE. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE. REQUISITOS PREENCHIDOS. DESCONTOS DO BENEFÍCIO DE LOAS RECEBIDOS MEDIANTE FRAUDE. 30% DO VALOR DO BENEFÍCIO. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. MANUAL DE CÁLCULOS NA JUSTIÇA FEDERAL. HONORÁRIOS DE ADVOGADO.
1. O benefício de pensão por morte está disciplinado nos artigos 74 a 79 da Lei nº 8.213/91, sendo requisitos para sua concessão a qualidade de segurado do de cujus e a comprovação de dependência do pretenso beneficiário.
2. Conjunto probatório suficiente à comprovação da dependência econômica entre a autora e o segurado falecido de modo a preencher os requisitos para concessão do benefício de pensão por morte à autora.
3. Termo inicial do benefício fixado na data do óbito, nos termos do art. 74 da Lei n. 8.213/91.
4. Juros e correção monetária pelos índices constantes do Manual de Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à TR – Taxa Referencial, consoante decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947, tema de repercussão geral nº 810, em 20/09/2017, Relator Ministro Luiz Fux.
5. Descontos do valor do LOAS recebido mediante fraude. Limitado a 30% sobre o valor da pensão. Garantia constitucional prevista no art. 201, §2º de que nenhum benefício previdenciário terá valor inferior ao salário mínimo.
6. Honorários de advogado mantidos. Sentença proferida na vigência do Código de Processo Civil/73. Inaplicabilidade da sucumbência recursal prevista no artigo 85, §11º do CPC/2015.
7. Sentença corrigida de ofício. Apelação do INSS e apelação da parte autora parcialmente providas.