APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0012268-88.2013.4.03.6183
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: MANUEL LINO DIAS
Advogado do(a) APELANTE: CRISTINA TEIXEIRA DE CARVALHO - SP203835-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0012268-88.2013.4.03.6183 RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA APELANTE: MANUEL LINO DIAS Advogado do(a) APELANTE: CRISTINA TEIXEIRA DE CARVALHO - SP203835-A APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Trata-se de ação ajuizada em 10/12/13 em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, visando à concessão da aposentadoria especial, mediante o reconhecimento do caráter especial das atividades exercidas nos períodos de 28/4/80 a 21/9/83 e 13/2/84 a 15/9/99. Foram deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita. O Juízo a quo julgou improcedente o pedido. Inconformada, apelou a parte autora, pleiteando a procedência do pedido, alegando “que antes da promulgação da Lei n° 9.032/95, bastava apenas a alusão da exposição aos agentes especiais ou o mero enquadramento no grupo de profissões para ser computado os referidos períodos como especial. Inobstante, nem mesmo o período em que era inexigível a apresentação de laudo técnico o Nobre Julgador acolheu o pedido de conversão do tempo especial. Além do mais, os decretos nº 53.831/64 e n° 83.080/79 reconheciam tanto os grupos profissionais como presunção de atividades especiais, como pelo rol de agentes nocivos à saúde, independente da atividade exercida, sendo desnecessário, portanto, a apresentação de laudos técnicos para caracterizar tais agentes ou atividades como especiais. Cumpre asseverar, que a exigência de Laudo Técnico Pericial só passou a ser exigida com a edição da Lei n. 9.032/95. (...) Destarte, como já fora exaustivamente narrado, os documentos retro mencionados juntados aos autos, são documentos contemporâneos à época em que se deram os fatos, destinados a prestar as informações relativas a efetiva exposição à agentes nocivos que, entre outras informações, registra dados administrativos, atividades desenvolvidas, registros ambientais, etc, portanto, totalmente válidos pata a instrução de contagem e averbação de tempo de serviço especial para fins de aposentadoria” (doc. nº 103010327 - Pág. 6/7). Sem contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte. É o breve relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0012268-88.2013.4.03.6183 RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA APELANTE: MANUEL LINO DIAS Advogado do(a) APELANTE: CRISTINA TEIXEIRA DE CARVALHO - SP203835-A APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): No que se refere ao reconhecimento da atividade especial, a jurisprudência é pacífica no sentido de que deve ser aplicada a lei vigente à época em que exercido o trabalho, à luz do princípio tempus regit actum (Recurso Especial Representativo de Controvérsia nº 1.310.034-PR). Quanto aos meios de comprovação do exercício da atividade em condições especiais, até 28/4/95, bastava a constatação de que o segurado exercia uma das atividades constantes dos anexos dos Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79. O rol dos referidos anexos é considerado meramente exemplificativo (Súmula nº 198 do extinto TFR). Com a edição da Lei nº 9.032/95, a partir de 29/4/95 passou-se a exigir por meio de formulário específico a comprovação da efetiva exposição ao agente nocivo perante o Instituto Nacional do Seguro Social. A Medida Provisória nº 1.523 de 11/10/96, a qual foi convertida na Lei nº 9.528 de 10/12/97, ao incluir o § 1º ao art. 58 da Lei nº 8.213/91, dispôs sobre a necessidade da comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes nocivos à saúde do segurado por meio de laudo técnico, motivo pelo qual considerava necessária a apresentação de tal documento a partir de 11/10/96. No entanto, a fim de não dificultar ainda mais o oferecimento da prestação jurisdicional, passei a adotar o posicionamento no sentido de exigir a apresentação de laudo técnico somente a partir 6/3/97, data da publicação do Decreto nº 2.172, de 5/3/97, que aprovou o Regulamento dos Benefícios da Previdência Social. Nesse sentido, quadra mencionar os precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça: Incidente de Uniformização de Jurisprudência, Petição nº 9.194/PR, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, 1ª Seção, j. em 28/5/14, v.u., DJe 2/6/14; AgRg no AREsp. nº 228.590, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Turma, j. em 18/3/14, v.u., DJe 1º/4/14; bem como o acórdão proferido pela Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais no julgamento do Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei Federal nº 0024288-60.2004.4.03.6302, Relator para Acórdão Juiz Federal Gláucio Ferreira Maciel Gonçalves, j. 14/2/14, DOU 14/2/14. Por fim, observo que o art. 58 da Lei nº 8.213/91, com a redação dada pela Medida Provisória nº 1.523 de 11/10/96, a qual foi convertida na Lei nº 9.528 de 10/12/97, em seu § 4º, instituiu o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), sendo que, com a edição do Decreto nº 4.032/01, o qual alterou a redação dos §§ 2º e 6º e inseriu o § 8º ao art. 68 do Decreto nº 3048/99, passou-se a admitir o referido PPP para a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos. O art. 68 do Decreto nº 8.123/13 também traz considerações sobre o referido PPP. Devo salientar que o laudo (ou PPP) não contemporâneo ao exercício das atividades não impede a comprovação de sua natureza especial, desde que não tenha havido alteração expressiva no ambiente de trabalho. Ademais, se em data posterior ao trabalho realizado foi constatada a presença de agentes nocivos, é de bom senso imaginar que a sujeição dos trabalhadores à insalubridade não era menor à época do labor, haja vista os avanços tecnológicos e a evolução da segurança do trabalho que certamente sobrevieram com o passar do tempo. Quadra ressaltar, por oportuno, que o PPP é o formulário padronizado, redigido e fornecido pela própria autarquia, sendo que no referido documento não consta campo específico indagando sobre a habitualidade e permanência da exposição do trabalhador ao agente nocivo, diferentemente do que ocorria nos anteriores formulários SB-40, DIRBEN 8030 ou DSS 8030, nos quais tal questionamento encontrava-se de forma expressa e com campo próprio para aposição da informação. Dessa forma, não me parece razoável que a deficiência contida no PPP possa prejudicar o segurado e deixar de reconhecer a especialidade da atividade à míngua de informação expressa com relação à habitualidade e permanência. Vale ressaltar que o uso de equipamentos de proteção individual - EPI não é suficiente para descaracterizar a especialidade da atividade, a não ser que comprovada a real efetividade do aparelho na neutralização do agente nocivo, sendo que, em se tratando, especificamente, do agente ruído, não há, no momento, equipamento capaz de neutralizar a nocividade gerada pelo referido agente agressivo, conforme o julgamento realizado, em sessão de 4/12/14, pelo Plenário do C. Supremo Tribunal Federal, na Repercussão Geral reconhecida no Recurso Extraordinário com Agravo nº 664.335/SC, de Relatoria do E. Ministro Luiz Fux. Observo, ainda, que a informação registrada pelo empregador no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) sobre a eficácia do EPI não tem o condão de descaracterizar a sujeição do segurado aos agentes nocivos. Conforme tratado na decisão proferida pelo C. STF na Repercussão Geral acima mencionada, a legislação previdenciária criou, com relação à aposentadoria especial, uma sistemática na qual é colocado a cargo do empregador o dever de elaborar laudo técnico voltado a determinar os fatores de risco existentes no ambiente de trabalho, ficando o Ministério da Previdência Social responsável por fiscalizar a regularidade do referido laudo. Ao mesmo tempo, autoriza-se que o empregador obtenha benefício tributário caso apresente simples declaração no sentido de que existiu o fornecimento de EPI eficaz ao empregado. Notório que o sistema criado pela legislação é falho e incapaz de promover a real comprovação de que o empregado esteve, de fato, absolutamente protegido contra o fator de risco. A respeito, é precisa a observação do E. Ministro Luís Roberto Barroso, ao sustentar que "considerar que a declaração, por parte do empregador, acerca do fornecimento de EPI eficaz consiste em condição suficiente para afastar a aposentadoria especial, e, como será desenvolvido adiante, para obter relevante isenção tributária, cria incentivos econômicos contrários ao cumprimento dessas normas" (Normas Regulamentadoras relacionadas à Segurança do Trabalho). Exata, ainda, a manifestação do E. Ministro Marco Aurélio, ao invocar o princípio da primazia da realidade, segundo o qual uma verdade formal não pode se sobrepor aos fatos que realmente ocorrem - sobretudo em hipótese na qual a declaração formal é prestada com objetivos econômicos. Logo, se a legislação previdenciária cria situação que resulta, na prática, na inexistência de dados confiáveis sobre a eficácia ou não do EPI, não se pode impor ao segurado - que não concorre para a elaboração do laudo, nem para sua fiscalização - o dever de fazer prova da ineficácia do equipamento de proteção que lhe foi fornecido. Caberá, portanto, ao INSS o ônus de provar que o trabalhador foi totalmente protegido contra a situação de risco, pois não se pode impor ao empregado - que labora em condições nocivas à sua saúde - a obrigação de suportar individualmente os riscos inerentes à atividade produtiva perigosa, cujos benefícios são compartilhados por toda a sociedade. Ressalto, adicionalmente, que a Corte Suprema, ao apreciar a Repercussão Geral acima mencionada, afastou a alegação, suscitada pelo INSS, de ausência de prévia fonte de custeio para o direito à aposentadoria especial. O E. Relator, em seu voto, deixou bem explicitada a regra que se deve adotar ao afirmar: "Destarte, não há ofensa ao princípio da preservação do equilíbrio financeiro e atuarial, pois existe a previsão na própria sistemática da aposentadoria especial da figura do incentivo (art. 22, II e § 3º, Lei n.º 8.212/91), que, por si só, não consubstancia a concessão do benefício sem a correspondente fonte de custeio (art. 195, § 5º, CRFB/88). Corroborando o supra esposado, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal considera que o art. 195, § 5º, da CRFB/88, contém norma dirigida ao legislador ordinário, disposição inexigível quando se tratar de benefício criado diretamente pela própria constituição". Quanto à aposentadoria especial, em atenção ao princípio tempus regit actum, o benefício deve ser disciplinado pela lei vigente à época em que implementados os requisitos para a sua concessão, devendo ser observadas as disposições do art. 57 da Lei nº 8.213/91. Cumpre ressaltar que, no cálculo do salário de benefício da aposentadoria especial, não há a incidência do fator previdenciário, tendo em vista o disposto no inc. II do art. 29 da Lei nº 8.213/91. Passo à análise do caso concreto. 1) Período: 28/4/80 a 21/9/83. Empresa: Dynapac Equipamentos Industriais Ltda. Atividades/funções: ajudante de cozinha. Agente(s) nocivo(s): “Presença de calor devido aos fogões e caldeiras e exposição a frio quando adentrava na câmara fria” (doc. nº 103010326 - Pág. 31). Enquadramento legal: Códigos 1.1.1 e 1.1.2 dos Decretos nº 53.831/64 e 83.080/79. Provas: Formulário (doc. nº 103010326 - Pág. 31), datado de 17/12/02. Conclusão: Não ficou comprovada a especialidade do labor no período de 28/4/80 a 21/9/83, tendo em vista que a atividade de "ajudante de cozinha" não se enquadra em nenhuma das hipóteses previstas nos Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79. Outrossim, não obstante haver a informação de que o requerente esteve exposto a calor e frio, não é possível aferir, pela documentação juntada aos autos, os respectivos níveis a que o demandante esteve efetivamente exposto no ambiente de trabalho. 2) Período: 13/2/84 a 15/9/99. Empresa: Mahle Metal Leve S/A. Atividades/funções: ajudante de cozinha, preparador de alimentos, cozinheiro e cozinheiro especializado. Agente(s) nocivo(s): ruído de 75 dB. Enquadramento legal: Código 1.1.6 do Decreto nº 53.831/64 (acima de 80 decibéis), Decreto nº 2.172/97 (acima de 90 decibéis) e Decreto nº 4.882/03 (acima de 85 decibéis). Provas: Formulário e Laudo Técnico (doc. nº 103010326 - Pág. 35/37), datados de 30/10/02. Conclusão: Não ficou comprovada a especialidade do labor no período de 13/2/84 a 15/9/99, tendo em vista que a exposição ao ruído foi inferior ao limite de tolerância. Observo, por oportuno, que as atividades de "ajudante de cozinha", “preparador de alimentos” e “cozinheiro” não se enquadram em nenhuma das hipóteses previstas nos Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79. No tocante à comprovação da exposição ao agente nocivo ruído, há a exigência de apresentação de laudo técnico ou PPP para comprovar a efetiva exposição a ruídos acima de 80 dB, nos termos do Decreto nº 53.831/64. Após 5/3/97, o limite foi elevado para 90 dB, conforme Decreto nº 2.172/97. A partir de 19/11/03 o referido limite foi reduzido para 85 dB, nos termos do Decreto nº 4.882/03. Quadra mencionar, ainda, que o C. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial Repetitivo Representativo de Controvérsia nº 1.398.260/PR (2013/0268413-2), firmou posicionamento no sentido da impossibilidade de aplicação retroativa do Decreto nº 4.882/03, uma vez que deve ser aplicada a lei em vigor no momento da prestação do serviço. Dessa forma, não faz jus o autor à concessão da aposentadoria especial, tendo em vista que não perfaz 25 anos de atividade especial. Ante o exposto, nego provimento à apelação. É o meu voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE ESPECIAL. AJUDANTE DE COZINHA. RUÍDO. APOSENTADORIA ESPECIAL.
I- No que se refere à conversão do tempo de serviço especial em comum, a jurisprudência é pacífica no sentido de que deve ser aplicada a lei vigente à época em que exercido o trabalho, à luz do princípio tempus regit actum.
II- Em se tratando do agente nocivo ruído, a atividade deve ser considerada especial se exposta a ruídos acima de 80 dB, nos termos do Decreto nº 53.831/64. No entanto, após 5/3/97, o limite foi elevado para 90 dB, conforme Decreto nº 2.172. A partir de 19/11/03 o referido limite foi reduzido para 85 dB, nos termos do Decreto nº 4.882/03.
III- A documentação apresentada não permite o reconhecimento da atividade especial nos períodos pleiteados.
IV- Com relação à aposentadoria especial, não houve o cumprimento dos requisitos previstos no art. 57 da Lei nº 8.213/91.
V- Apelação da parte autora improvida.