APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0004622-07.2017.4.03.6112
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ADALGISA PEREIRA LIMA
Advogado do(a) APELADO: CARLA REGINA SYLLA - SP158636-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0004622-07.2017.4.03.6112 RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: ADALGISA PEREIRA LIMA Advogado do(a) APELADO: CARLA REGINA SYLLA - SP158636-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de ação de conhecimento proposta por Adalgisa Pereira Lima em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, pela qual objetiva a suspensão da cobrança dos valores pagos administrativamente, a título de benefício assistencial, que estavam sendo descontados de seu benefício de pensão por morte. A sentença julgou procedente o pedido, condenando o INSS a suspender, em definitivo, a cobrança dos valores apurados no processo administrativo de cancelamento do benefício assistencial, além do pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) do valor da causa, corrigido até o efetivo pagamento. Inconformada, a autarquia previdenciária interpôs recurso de apelação, postulando a reforma da sentença, para que seja julgado improcedente o pedido, uma vez que os valores recebidos indevidamente pela autora devem ser devolvidos aos cofres públicos. Subsidiariamente, requer a redução dos honorários advocatícios. Com as contrarrazões, os autos foram remetidos a este Tribunal. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0004622-07.2017.4.03.6112 RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: ADALGISA PEREIRA LIMA Advogado do(a) APELADO: CARLA REGINA SYLLA - SP158636-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Inicialmente, recebo o recurso de apelação da parte autora, haja vista que tempestivo, nos termos do artigo 1.010 do novo Código de Processo Civil. Pretende a parte autora a suspensão de cobrança e declaração de inexigibilidade do valor de R$ 141.234,63 (cento e quarenta e um mil, duzentos e trinta e quatro reais e sessenta e três centavos). A parte autora obteve administrativamente, em 22/03/2000, benefício assistencial (NB 116.324.922-7 – ID 64244763 – p. 82/114 e ID 64244764 – p. 28/131). Referido benefício foi pago até 31/01/2017, cessado devido à apuração de irregularidades. Com base em seu poder de autotutela a Autarquia Previdenciária, pode a qualquer tempo rever os seus atos para cancelar ou suspender benefícios, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, conforme Súmula 473 do C. STF: "A administração pode anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revoga-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial". A parte autora alega que os valores recebidos não podem ser restituídos, pois foram recebidos de boa-fé, além do caráter alimentar do benefício. De fato, o conjunto probatório carreado aos presentes autos indica que a autora, quando do requerimento do benefício assistencial, declarou-se solteira e utilizou certidão de nascimento sem a devida averbação, além de assinar o nome de solteira (ID 64244763 – p. 87, 89, 110/112 e ID 64244764 – p. 33, 35, 52, 53 e 56/58). Quando solicitado, apresentou documento de identidade, emitido em 2001, constando os dados da certidão de nascimento, como se solteira fosse. Em 2006, quando do óbito do marido, a parte autora requereu o benefício de pensão por morte, agora utilizando-se dos documentos de casada, como R.G, este emitido em 19894, CPF, certidão e casamento, com a assinatura correspondente nos documentos do requerimento (ID 64244764 – p. 100/105). Com isso, não bastasse utilizar-se de documentos e declarar-se solteira para a obtenção do benefício assistencial, obteve a pensão por morte quando o marido faleceu, e recebeu os dois benefícios, inacumuláveis, até a constatação das irregularidades. Vale mencionar que a autora não apresentou nenhuma explicação plausível quanto às irregularidades, sequer quanto aos documentos apresentados em 2000, 2002 e 2004. Ainda, conforme ressaltado pelo Ministério Público Federal, ouvido em 1ª Instância, a “Autarquia-ré, antes de concluir pela irregularidade da concessão do benefício, intimou ADALGISA para que prestasse esclarecimentos e, em resposta, a autora não apresentou nenhum elemento conreto que demonstrasse a suposta hipossuficiência, (...), limitando-se a referências genéricas sobre a possibilidade da condição de miserabilidade ser demonstrada por outros meios de prova” (ID 64244763 – p. 151). Importante ressaltar que a fraude e a má-fé não se presumem, devendo ser comprovadas. Contudo, pela análise do conjunto probatório constante dos autos, é possível constatar a ausência de boa-fé no recebimento do benefício, em especial considerando que os documentos apresentados em um e outro requerimento são contraditórios, utilizando-se a autora de 2ª via de documentos e assinaturas diferentes. Ou seja, ainda que se alegasse que ela não tinha conhecimento pleno da prática dos atos fraudulentos, não há se falar em boa-fé. Reporto-me à jurisprudência da Sétima Turma desta E. Corte: “PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. FRAUDE NA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. PRESCRIÇÃO. DESCONTOS NA FORMA DOS ARTIGOS 115 DA LBPS E 154 DO DECRETO 3.048/99. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. I - Já não é mais objeto de discussão o fato de que o demandado efetivamente não fez jus à aposentadoria por tempo de contribuição que lhe foi concedido administrativamente, já que se utilizou de documento (CTPS) adulterado, com simulação de vínculos empregatícios inexistentes, remanescendo controversa apenas a questão relativa à devolução das quantias indevidamente recebidas pelo réu. II - O presente caso não versa sobre interpretação equivocada, má aplicação da lei ou erro da Administração, não havendo, tampouco, que se cogitar de boa-fé da ré ou não participação no esquema fraudulento, de modo que a restituição das quantias indevidamente recebidas encontra abrigo nos artigos. 876 e 884, caput, do Código Civil. III - Considerando tratar-se de verbas públicas pagas em desconformidade com o ordenamento jurídico, correta a conduta do INSS no que se refere à reparação os prejuízos sofridos, determinando a reposição ao Erário dos valores pagos, não havendo que se falar em ilegalidade e abuso de poder ou, ainda, violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, já que o procedimento adotado obedeceu aos critérios legalmente previstos. IV - Quanto ao prazo prescricional, a jurisprudência deste Tribunal tem ser orientado no sentido de que, ante a inexistência de prazo geral expressamente fixado para as ações movidas pela Fazenda Pública contra o particular, em se tratando de benefícios previdenciários, há que se aplicar por simetria o disposto no parágrafo único do artigo 103 da Lei 8.213/91, sendo, portanto, de cinco anos. V - Em caso de concessão indevida de benefício previdenciário, ocorrendo a notificação do segurado em relação à instauração do processo revisional, não se pode cogitar de curso do prazo prescricional, pois devendo ser aplicado, por isonomia, o artigo 4º do Decreto 20.910/1932. VI - No caso em tela, a Autarquia pretende reaver prestações pagas a título de auxílio-doença, no período de julho de 2005 a julho de 2012. O réu foi notificado acerca da instauração do procedimento para reavaliação do ato concessório de seu benefício em junho de 2012. O processo administrativo tramitou até agosto de 2012 e a presente ação foi ajuizada em 04.05.2015. Assim, considerando-se a suspensão do prazo prescricional durante o prazo de tramitação do processo administrativo, somente podem ser cobrados o valores relativos às competências posteriores a março de 2010, uma vez que anteriores estão prescritas. VII - Constata-se, por outro lado, que o demandante é titular de benefício previdenciário, de modo que a restituição das quantias recebidas indevidamente a título de aposentadoria por tempo de contribuição deverá se dar mediante descontos mensais naquela benesse, no patamar de 15% do valor dos proventos, a teor do disposto nos artigos 115, inciso II, da Lei nº 8.213/91, e 154, II, do Decreto 3.048/99. VIII - Honorários advocatícios fixados em R$1.000,00 (um mil reais), conforme previsto no artigo 85, §§ 4º, III, e 8º, do CPC. A exigibilidade da verba honorária ficará suspensa por 05 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, nos termos do artigo 98, §3º, do mesmo estatuto processual. IX - Apelação do INSS parcialmente provida. (TRF 3ª Região, DÉCIMA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2306696 - 0016187-10.2018.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL SERGIO NASCIMENTO, julgado em 12/03/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/03/2019) "PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. DEVIDO PROCESSO LEGAL. RECÁLCULO DA RMI. EXISTÊNCIA DE FRAUDE. COBRANÇA ADMINISTRATIVA. DESCONTO APELAÇÃO DA PARTE AUTORA IMPROVIDA. 1. A Administração, em atenção ao princípio da legalidade, pode e deve anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais, vez que ela tem o poder-dever de zelar pela sua observância. Tal anulação independe de provocação do interessado. Nesse sentido a posição jurisprudencial do C. STF, expressa nas Súmulas 346 e 473. 2. Caso em que, restou assegurado à parte autora o contraditório e a ampla defesa, consoante cópias do processo administrativo. 3. Prevalecendo o prazo decadencial decenal, a decadência do direito à revisão do benefício não se consumou, não apenas pela existência de fraude como também pelo fato de que o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição foi concedido em 13/12/2001 e a comunicação da revisão realizada em 21/06/2006. 4. Constatada a existência de fraude (inexistência de vínculo trabalhista) na apuração da RMI na data da concessão do benefício, é devida a revisão de benefício previdenciário na forma em que efetivada pela autarquia. 5. Na espécie, uma vez que não restou caracterizado erro administrativo (e, portanto, boa-fé da parte autora), mas sim efetiva fraude (lançamento de vínculo laboral inexistente), os valores recebidos de forma indevida pela parte autora devem ser devolvidos ao erário, com o desconto do valor do benefício mensal pago ao segurado, cabendo confirmar a r. sentença, nos termos em que proferida. 6. Apelação da parte autora improvida." (AC 00086305820114036105, DESEMBARGADOR FEDERAL TORU YAMAMOTO, TRF3 - SÉTIMA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:05/07/2017) Por tais fundamentos, em face das peculiaridades do caso concreto, cabível o procedimento de cobrança pelo INSS para restituição ao erário dos valores pagos indevidamente, sob pena de enriquecimento ilícito da parte ré, bem como ofensa ao princípio da moralidade previsto no art. 37, "caput", da Constituição Federal. Os honorários de sucumbência a cargo da parte autora são fixados nos termos do artigo 85, §§ 3º e 4º, II, do CPC/15, observados o artigo 98, §3º, do CPC. Diante do exposto, DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS para, reformando a sentença, julgar improcedente o pedido, na forma da fundamentação. É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. ALEGAÇÃO DE FRAUDE. DEVIDA A RESTITUIÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS.
- É devida a restituição de valores pagos a título de benefício previdenciário ou assistencial quando constatada que a sua concessão se deu mediante fraude ou recebidos de má-fé.
- A fraude e a má-fé não se presumem, devendo ser comprovadas.
- Da análise do conjunto probatório carreado aos autos, depreende-se que a parte autora detinha conhecimento da utilização de documentos que não traduziam a verdade, ou seja, ainda que se alegasse que ela não tinha conhecimento pleno da prática dos atos fraudulentos, também não há se falar em boa-fé.
- Cabível o procedimento de cobrança pelo INSS para restituição ao erário dos valores pagos indevidamente, sob pena de enriquecimento ilícito da parte autora, bem como ofensa ao princípio da moralidade previsto no art. 37, "caput", da Constituição Federal.
- Honorários de sucumbência a cargo da parte autora fixados nos termos do artigo 85, §§ 3º e 4º, II, do CPC/15, observados o artigo 98, §3º, do CPC.
- Apelação do INSS provida.