Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0039676-47.2016.4.03.9999

RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: CLAUDIO JERONIMO SILVA

Advogado do(a) APELADO: GABRIELA BENEZ TOZZI CARANI - SP152555-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 0039676-47.2016.4.03.9999

RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

APELADO: CLAUDIO JERONIMO SILVA

Advogado do(a) APELADO: GABRIELA BENEZ TOZZI CARANI - SP152555-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

R E L A T Ó R I O

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):

 

Trata-se de reexame necessário e de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em ação ajuizada por CLÁUDIO JERONIMO SILVA, representado por sua curadora JANDIRA MORETTI SILVA, objetivando a cessação dos descontos na renda mensal de benefício assistencial e a restituição dos valores já pagos, em virtude da anulação de ato administrativo.

 

A r. sentença, prolatada em 26/10/2015, julgou procedente a ação e condenou o INSS a restabelecer a renda mensal do benefício do autor, bem como a restituir os valores descontados, acrescidos de correção monetária e juros de mora. Honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor a ser restituído. Foi antecipada a tutela, para suspender imediatamente os descontos no benefício do autor. A sentença foi submetida ao reexame necessário.

 

Em suas razões recursais, o INSS sustenta, em síntese, ser possível a realização de descontos de até 30% (trinta por cento) sobre a renda mensal do benefício, a fim de ressarcir ao erário valores recebidos indevidamente, nos termos do artigo 115 da Lei n. 8.213/91. No mais, sustenta que o caráter alimentar das prestações previdenciárias ou o seu recebimento de boa-fé não implicam necessariamente sua irrepetibilidade.

 

Devidamente processados os recursos, com contrarrazões, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.

 

O DD. Órgão do Ministério Público Federal, em seu parecer, sugere a nulidade da sentença e a devolução dos autos à Vara de Origem, para a produção de provas acerca do direito do demandante ao benefício assistencial.

 

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 0039676-47.2016.4.03.9999

RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

APELADO: CLAUDIO JERONIMO SILVA

Advogado do(a) APELADO: GABRIELA BENEZ TOZZI CARANI - SP152555-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

V O T O

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):

 

Inicialmente, não merece prosperar o pleito de anulação suscitado pelo Ministério Público Federal.

 

Compulsando os autos, constata-se que o demandante não pediu o restabelecimento do benefício assistencial. Sua pretensão se limitou a exigir a cessação de descontos incidentes sobre a renda mensal e a restituição dos valores já cobrados.

 

Assim, a questão relativa ao preenchimento dos requisitos para a fruição do benefício assistencial não pode ser discutida nesta ação, tendo em vista a vedação à alteração dos limites objetivos da demanda, sem o consentimento do réu, após a citação, nos termos do princípio da estabilização do processo, previsto no então vigente artigo 264 do Processo Civil de 1973. 

 

Superada a matéria preliminar, passo ao exame do mérito.

 

Discute-se a exigibilidade dos valores pagos indevidamente à parte autora, a título de benefício assistencial, na seara administrativa.

 

O princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, fundado na eqüidade, constitui alicerce do sistema jurídico desde a época do direito romano e encontra-se atualmente disciplinado pelo artigo 884 do Código Civil de 2002, in verbis:

 

"Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários."

 

Desse modo, todo acréscimo patrimonial obtido por um sujeito de direito que acarrete necessariamente o empobrecimento de outro, deve possuir um motivo juridicamente legítimo, sob pena de ser considerado inválido e seus valores serem restituídos ao anterior proprietário. Em caso de resistência à satisfação de tal pretensão, o ordenamento jurídico disponibiliza à parte lesada os instrumentos processuais denominados ações in rem verso, a fim de assegurar o respectivo ressarcimento, das quais é exemplo a ação de repetição de indébito.

 

A propositura de demanda judicial, contudo, não constitui a única via de que dispõe a Administração Pública para corrigir o enriquecimento sem causa. Os Entes Públicos, por ostentarem o poder-dever de autotutela, podem anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, ressalvando-se ao particular o direito de contestar tal medida no Poder Judiciário, conforme as Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.

 

Ademais, na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos valores pagos indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo 115, II, da Lei 8.213/91, regulamentado pelo artigo 154 do Decreto n. 3.048/99, in verbis:

 

"Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:

(...)

II - pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, nos termos do disposto no Regulamento. (Redação dada pela Medida Provisória nº 871, de 2019)"

 

Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio Legislador reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas alimentares, não são irrepetíveis em quaisquer circunstâncias.

 

Neste sentido, deve-se ponderar que a Previdência Social é financiada por toda a coletividade e o enriquecimento sem causa de algum segurado, em virtude de pagamento indevido de benefício ou vantagem, sem qualquer causa juridicamente reconhecida, compromete o equilíbrio financeiro e atuarial de todo o Sistema, importando em inequívoco prejuízo a todos os demais segurados e em risco à continuidade dessa rede de proteção.

 

In casu, a parte autora usufruiu de benefício assistencial no período de 08/07/2005 a 31/10/2014. Todavia, em auditoria interna realizada em 12/01/2015, o INSS constatou irregularidades na manutenção do benefício, uma vez que o demandante passou a exercer atividade laborativa voluntariamente, na rede de supermercados Passarelli Ltda., durante o período de 01/10/2005 a 05/04/2006.

 

Assim, tendo em vista a superação das condições que ensejaram a concessão da prestação assistencial, o benefício foi cessado e os valores referentes ao período de 28/09/2007 a 31/10/2014, apurados em R$ 37.449,99 (trinta e sete mil, quatrocentos e quarenta e nove reais e noventa e nove centavos) passaram a ser cobrados do autor.  

 

Historiados os fatos, deve ser acolhido o pleito autárquico de restituição dos valores recebidos pela parte autora.

 

Inicialmente, cumpre ressaltar que é dever do segurado comunicar ao INSS o retorno voluntário ao trabalho, conforme preconiza o artigo 46 da Lei n. 8.213/91.

 

Ademais, até o leigo tem plena consciência de que o benefício assistencial concedido ao deficiente visa ampará-lo enquanto perdurarem sua incapacidade e condição de miserabilidade. Assim, não constitui erro escusável o recebimento de prestação assistencial sabidamente indevida, razão pela qual não pode ser acolhida a alegação de boa-fé.

 

Aliás, esse é o entendimento consolidado no C. Superior Tribunal de Justiça, conforme se infere dos seguintes precedentes que trago à colação firmados em casos análogos:

 

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. SEGURADO QUE VOLTA A TRABALHAR. CUMULAÇÃO INDEVIDA. DEVOLUÇÃO. SUSTENTABILIDADE DO REGIME DE PREVIDÊNCIA. DEVER DE TODOS. CLÁUSULA GERAL DE BOA-FÉ. REPETIBILIDADE.

1. Trata-se de Recurso Especial em que a autarquia previdenciária pretende a devolução dos valores pagos a título de aposentadoria por invalidez a segurado que voltou a trabalhar.

2. A aposentadoria por invalidez consiste em benefício pago aos segurados do Regime Geral de Previdência social para a cobertura de incapacidade total e temporalmente definitiva para o trabalho, tendo, portanto, caráter substitutivo da renda. O objetivo da proteção previdenciária é, pois, garantir o sustento do segurado que não pode trabalhar.

3. O art. 42 da Lei 8.213/1991 estabelece que a aposentadoria por invalidez será paga ao segurado total e definitivamente incapacitado "enquanto permanecer nesta condição". Já o art. 46 da Lei 8.213/1991 preceitua que "o aposentado por invalidez que retornar voluntariamente à atividade terá sua aposentadoria automaticamente cancelada, a partir da data do retorno".

4. A sustentabilidade do Regime Geral de Previdência Social brasileiro é frequentemente colocada em debate, devendo, desse contexto sensível, não somente exsurgir as soluções costumeiras de redução de direitos e aumento da base contributiva. Também deve aflorar a maior conscientização social tanto do gestor, no comprometimento de não desvio dos recursos previdenciários, e do responsável tributário, pelo recolhimento correto das contribuições, quanto dos segurados do regime no respeito à cláusula geral de boa-fé nas relações jurídicas, consubstanciada na responsabilidade social de respeito aos comandos mais básicos oriundos da legislação, como o aqui debatido: quem é incapaz para o trabalho, como o aposentado por invalidez, não pode acumular o benefício por incapacidade com a remuneração do trabalho.

5. Admitir exceções a uma obrigacão decorrente de comando legal expresso que define o limite de uma cobertura previdenciária, passível de compreensão pelo mais leigo dos cidadãos, significa transmitir a mensagem de que se pode sugar tudo do Erário, por mais ilegal que seja, já que para o Estado não é preciso devolver aquilo que foi recebido ilegalmente. Em uma era de debates sobre apropriação ilegal de recursos públicos e seus níveis, essa reflexão é imensamente simbólica para que se passe a correta mensagem a toda a sociedade.

6. Sobre a alegação da irrepetibilidade da verba alimentar, está sedimentado no STJ o entendimento de que a aplicação dessa compreensão pressupõe a boa-fé objetiva, concernente na constatação de que o receptor da verba alimentar compreendeu como legal e definitivo o pagamento. A propósito: MS 19.260/DF, Rel. Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, DJe 11/12/2014.

7. Conforme fixado no precedente precitado, "descabe ao receptor da verba alegar que presumiu o caráter legal do pagamento em hipótese de patente cunho indevido, como, por exemplo, no recebimento de auxílio-natalidade (art. 196 da Lei 8.112/1990) por servidor público que não tenha filhos".

8. Tal entendimento aplica-se perfeitamente ao presente caso, pois não há como presumir, nem pelo mais leigo dos segurados, a legalidade do recebimento de aposentadoria por invalidez com a volta ao trabalho, não só pela expressa disposição legal, mas também pelo raciocínio básico de que o benefício por incapacidade é indevido se o segurado se torna novamente capaz para o trabalho.

9. No mesmo sentido do que aqui decidido: "1. Em exame, os efeitos para o segurado, do não cumprimento do dever de comunicação ao Instituto Nacional do Seguro Social de seu retorno ao trabalho, quando em gozo de aposentadoria por invalidez. 2. Em procedimento de revisão do benefício, a Autarquia previdenciária apurou que o segurado trabalhou junto à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, no período de 04/04/2001 a 30/09/2007 (fls. 379 e fls.

463), concomitante ao recebimento da aposentadoria por invalidez no período de 26/5/2000 a 27/3/2007, o que denota clara irregularidade 3. A Lei 8.213/1991 autoriza expressamente em seu artigo 115, II, que valores recebidos indevidamente pelo segurado do INSS sejam descontados da folha de pagamento do benefício em manutenção. 4.

Pretensão de ressarcimento da Autarquia plenamente amparada em lei." REsp 1454163/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 18.12.2015.

10. Recurso Especial provido.

(REsp 1554318/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/06/2016, DJe 02/09/2016)

 

PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PROCEDIMENTO REVISIONAL DA AUTARQUIA PREVIDENCIÁRIA. CONSTATAÇÃO DE RETORNO DO SEGURADO À ATIVIDADE LABORATIVA. DEVOLUÇÃO DE VALORES AO ERÁRIO. CABIMENTO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

1. Em exame, os efeitos para o segurado, do não cumprimento do dever de comunicação ao Instituto Nacional do Seguro Social de seu retorno ao trabalho, quando em gozo de aposentadoria por invalidez.

2. Em procedimento de revisão do benefício, a Autarquia previdenciária apurou que o segurado trabalhou junto à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, no período de 04/04/2001 a 30/09/2007 (fls. 379 e fls. 463), concomitante ao recebimento da aposentadoria por invalidez no período de 26/5/2000 a 27/3/2007, o que denota clara irregularidade

3. A Lei 8.213/1991 autoriza expressamente em seu artigo 115, II, que valores recebidos indevidamente pelo segurado do INSS sejam descontados da folha de pagamento do benefício em manutenção.

4. Pretensão de ressarcimento da Autarquia plenamente amparada em lei.

5. Recurso conhecido e não provido.

(REsp 1454163/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/12/2015, DJe 18/12/2015)

 

No mesmo sentido, cito julgado deste Egrégio Tribunal:

 

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO. RETORNO VOLUNTÁRIO AO TRABALHO. VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. POSSIBILIDADE DE DESCONTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

- Compulsando os autos, verifico que foi concedida aposentadoria por invalidez ao autor, em 19/12/2003, por ser portador de "outros transtornos mentais devidos a lesão e disfunção cerebral e a doença física", CID 10 F06.

- Após revisão administrativa, no ano de 2007, o INSS constatou a cessação da incapacidade em 06/08/2004. Ademais, conforme documentos juntados aos autos, verifica-se o retorno voluntário do autor ao trabalho, atuando como advogado em inúmeros processos, no período de 2004 a 2007.

- No caso dos autos, o ora recorrente, enquanto recebia benefício por incapacidade, passou a exercer atividade remunerada na qualidade de advogado, atuando em diversos processos, conforme comprovam as consultas realizadas nos sítios eletrônicos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e do Diário Oficial do Estado de São Paulo.

- Assim, não se justifica a manutenção do benefício, cuja finalidade é a proteção social do segurado acometido de incapacidade total e permanente para o trabalho.

- Diante disso, devem ser devolvidos os valores indevidamente recebidos, sob pena de ofensa ao princípio da moralidade e a fim de evitar o enriquecimento sem causa e o locupletamento indevido do autor em prejuízo dos cofres públicos.

- Assim, tendo em vista que o autor atualmente é beneficiário de aposentadoria por tempo de contribuição, nada obsta o desconto dos pagamentos efetuados indevidamente pela Autarquia, nos termos do art. 115 da LBPS. Contudo, esse desconto deve ser efetuado em percentual que não reduza o benefício a valor inferior ao mínimo legal e tampouco supere a 30% do valor do benefício em manutenção, nos termos do artigo 154 do Decreto nº 3.048/99.

- A verba honorária deve ser fixada em 10% sobre o valor da causa.

- Apelação provida. Tutela antecipada cassada.

(TRF 3ª Região, OITAVA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1679868 - 0008542-22.2008.4.03.6106, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL TANIA MARANGONI, julgado em 03/04/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/04/2017)

 

Inverto, por conseguinte, o ônus sucumbencial, condenando a parte autora no ressarcimento das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC.

 

Ante o exposto, dou provimento à apelação do INSS e à remessa oficial, para reformar a sentença e julgar improcedente a ação e, consequentemente, autorizar a cobrança dos valores indevidamente recebidos pelo autor, a título de benefício assistencial, no período de 28/09/2007 a 31/10/2014, condenando este último no pagamento das custas e despesas processuais, bem como nos honorários advocatícios, observada a Lei nº 1.060/50.

 

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

PROCESSO CIVIL. NULIDADE DA SENTENÇA. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE ESTUDO SOCIAL. NÃO VERIFICADA. AUSÊNCIA DE PEDIDO EXPRESSO DE RESTABELECIMENTO DE BENEFÍCIO. IMPOSSIBILIDADE DE MODIFICAÇÃO DO PEDIDO, SEM O CONSENTIMENTO DO RÉU, APÓS A CITAÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 264 DO CPC/73. PREVIDENCIÁRIO. AMPARO SOCIAL AO DEFICIENTE. RETORNO VOLUNTÁRIO AO TRABALHO. AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO AO INSS. DEVOLUÇÃO DOS VALORES. POSSIBILIDADE. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. PRESERVAÇÃO DO EQUILÍBRIO FINANCEIRO E ATUARIAL DA PREVIDÊNCIA. REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO DO INSS PROVIDAS. SENTENÇA REFORMADA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. INVERSÃO DO ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. DEVER DE PAGAMENTO SUSPENSO. GRATUIDADE DA JUSTIÇA.

1 - Compulsando os autos, constata-se que o demandante não pediu o restabelecimento do benefício assistencial. Sua pretensão se limitou a exigir a cessação de descontos incidentes sobre a renda mensal e a restituição dos valores já cobrados. Assim, a questão relativa ao preenchimento dos requisitos para a fruição do benefício assistencial não pode ser discutida nesta ação, tendo em vista a vedação à alteração dos limites objetivos da demanda, sem o consentimento do réu, após a citação, nos termos do princípio da estabilização do processo, previsto no então vigente artigo 264 do Processo Civil de 1973.

2 - O princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, fundado na eqüidade, constitui alicerce do sistema jurídico desde a época do direito romano e encontra-se atualmente disciplinado pelo artigo 884 do Código Civil de 2002. Desse modo, todo acréscimo patrimonial obtido por um sujeito de direito que acarrete necessariamente o empobrecimento de outro, deve possuir um motivo juridicamente legítimo, sob pena de ser considerado inválido e seus valores serem restituídos ao anterior proprietário. Em caso de resistência à satisfação de tal pretensão, o ordenamento jurídico disponibiliza à parte lesada os instrumentos processuais denominados ações in rem verso, a fim de assegurar o respectivo ressarcimento, das quais é exemplo a ação de repetição de indébito.

3 - A propositura de demanda judicial, contudo, não constitui a única via de que dispõe a Administração Pública para corrigir o enriquecimento sem causa. Os Entes Públicos, por ostentarem o poder-dever de autotutela, podem anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, ressalvando-se ao particular o direito de contestar tal medida no Poder Judiciário, conforme as Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.

4 - Ademais, na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos valores pagos indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo 115, II, da Lei 8.213/91, regulamentado pelo artigo 154 do Decreto n. 3.048/99.

5 - Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio Legislador reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas alimentares, não são irrepetíveis em quaisquer circunstâncias.

6 - Deve-se ponderar que a Previdência Social é financiada por toda a coletividade e o enriquecimento sem causa de algum segurado, em virtude de pagamento indevido de benefício ou vantagem, sem qualquer causa juridicamente reconhecida, compromete o equilíbrio financeiro e atuarial de todo o Sistema, importando em inequívoco prejuízo a todos os demais segurados e em risco à continuidade dessa rede de proteção.

7 – In casu, a parte autora usufruiu de benefício assistencial no período de 08/07/2005 a 31/10/2014. Todavia, em auditoria interna realizada em 12/01/2015, o INSS constatou irregularidades na manutenção do benefício, uma vez que o demandante passou a exercer atividade laborativa voluntariamente, na rede de supermercados Passarelli Ltda., durante o período de 01/10/2005 a 05/04/2006.

8 - Assim, tendo em vista a superação das condições que ensejaram a concessão da prestação assistencial, o benefício foi cessado e os valores referentes ao período de 28/09/2007 a 31/10/2014, apurados em R$ 37.449,99 (trinta e sete mil, quatrocentos e quarenta e nove reais e noventa e nove centavos) passaram a ser cobrados do autor.  

9 – É dever do segurado comunicar ao INSS o retorno voluntário ao trabalho, conforme preconiza o artigo 46 da Lei n. 8.213/91. Ademais, até o leigo tem plena consciência de que o benefício assistencial concedido ao deficiente visa ampará-lo enquanto perdurarem sua incapacidade e condição de miserabilidade. Assim, não constitui erro escusável o recebimento de prestação assistencial sabidamente indevida, razão pela qual não pode ser acolhida a alegação de boa-fé. Precedentes.

10 -  Invertido o ônus sucumbencial, condenando a parte autora no ressarcimento das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários advocatícios, arbitrados em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC.

11 – Apelação do INSS e remessa necessária providas. Sentença reformada. Ação julgada improcedente. Inversão das verbas de sucumbência. Dever de pagamento suspenso. Gratuidade da justiça.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu dar provimento à apelação do INSS e à remessa oficial, para reformar a sentença e julgar improcedente a ação e, consequentemente, autorizar a cobrança dos valores indevidamente recebidos pelo autor, a título de benefício assistencial, no período de 28/09/2007 a 31/10/2014, condenando este último no pagamento das custas e despesas processuais, bem como nos honorários advocatícios, observada a Lei nº 1.060/50, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.