APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0009073-88.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: MAIRA SAYURI GADANHA - SP251178
APELADO: MARIA APARECIDA BRAGA DE SOUZA
Advogado do(a) APELADO: EMERSOM GONCALVES BUENO - SP190192-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0009073-88.2016.4.03.9999 RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS Advogado do(a) APELANTE: MAIRA SAYURI GADANHA - SP251178 APELADO: MARIA APARECIDA BRAGA DE SOUZA Advogado do(a) APELADO: EMERSOM GONCALVES BUENO - SP190192-N OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR): Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em ação ajuizada por MARIA APARECIDA BRAGA DE SOUZA, objetivando a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural. A r. sentença (ID 102637730, p. 94-98) julgou procedente o pedido e condenou o INSS à concessão do benefício de aposentadoria por idade rural, a partir da data da citação, acrescidas as parcelas em atraso de correção monetária e de juros de mora. Arbitrou os honorários advocatícios em 15% do valor da condenação, incidentes sobre as parcelas vencidas até a sentença. Concedida a antecipação da tutela. Em razões recursais (ID 102637730, p. 106-125), o INSS pugna pela reforma da sentença, uma vez ausente início de prova material contemporâneo, não tendo a autora comprovado o trabalho rural pelo período necessário ao cumprimento da carência. Subsidiariamente, pede a modificação dos critérios de incidência da correção monetária e dos juros de mora, bem como a redução dos honorários advocatícios. A parte autora apresentou contrarrazões (ID 102637730, p. 131-137). Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0009073-88.2016.4.03.9999 RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS Advogado do(a) APELANTE: MAIRA SAYURI GADANHA - SP251178 APELADO: MARIA APARECIDA BRAGA DE SOUZA Advogado do(a) APELADO: EMERSOM GONCALVES BUENO - SP190192-N OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR): Até a promulgação da Lei n.º 8.213/91 (LBPS), a regulamentação dos benefícios devidos ao trabalhador rural estava estabelecida nas Leis Complementares n.ºs 11/1971 e 16/1973, relativas ao Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL), que assim disciplinavam: Lei Complementar n.º 11/1971 "Art. 3º São beneficiários do Programa de Assistência instituído nesta Lei Complementar o trabalhador rural e seus dependentes. § 1º Considera-se trabalhador rural, para os efeitos desta Lei Complementar: a) a pessoa física que presta serviços de natureza rural a empregador, mediante remuneração de qualquer espécie. b) o produtor, proprietário ou não, que sem empregado, trabalhe na atividade rural, individualmente ou em regime de economia familiar, assim entendido o trabalho dos membros da família indispensável à própria subsistência e exercido em condições de mutua dependência e colaboração. [...] Art. 4º A aposentadoria por velhice corresponderá a uma prestação mensal equivalente a 50% (cinqüenta por cento) do salário-mínimo de maior valor no País, e será devida ao trabalhador rural que tiver completado 65 (sessenta e cinco) anos de idade. Parágrafo único. Não será devida a aposentadoria a mais de um componente da unidade familiar, cabendo apenas o benefício ao respectivo chefe ou arrimo" Lei Complementar n.º 16/73 "Art. 5º A caracterização da qualidade de trabalhador rural, para efeito da concessão das prestações pecuniárias do PRORURAL, dependerá da comprovação de sua atividade pelo menos nos três últimos anos anteriores à data do pedido do benefício, ainda, que de forma descontínua." Com a promulgação da Constituição de 1988, entendo que a distinção entre o trabalhador e a trabalhadora rural, referente à qualidade de chefe ou arrimo de família, não foi recepcionada pelo ordenamento jurídico, ante os direitos de igualdade entre homem e mulher garantidos tanto no artigo 5º, quanto, especificamente, no artigo 226, § 5º, ambos da Carta, como, também, os direitos sociais previstos em seu artigo 7º, inciso XXIV. Ainda, com a vigência da Constituição de 1988, a aposentadoria por idade passou a ser assegurada aos trabalhadores rurais que completassem 60 anos, se homem, ou 55 anos, se mulher, na forma do artigo 202, I, na sua redação original; bem como, restou assegurada a renda mensal de benefício em valor não inferior a um salário mínimo (artigo 201, § 5º, na redação original). Registra-se, em que pese posicionamento pessoal diverso deste Relator, que as alterações no regime de Previdência do trabalhador ou trabalhadora rural prevista na Carta não tiveram sua aplicação de forma imediata, tendo o Plenário do E. Supremo Tribunal Federal, em sede embargos de divergência julgados em 29/10/1997, fixado o entendimento de que tais normas constitucionais não eram autoaplicáveis e dependiam de regulamentação em lei: "Embargos de divergência. Previdência Social. Aposentadoria por idade. Rurícola. Divergência caracterizada entre o acórdão embargado e os julgados do Plenário nos Mandados de Injunção nºs 183 e 306. Não-auto-aplicabilidade do artigo 202, I, da Constituição Federal. Embargos de divergência conhecidos e providos." (STF, Pleno, EDv/RE 175520, relator Ministro Moreira Alves, DJ 06.02.1998) Dada sua relevância, ressalto trecho do voto condutor do relator Ministro Moreira Alves: "[...] essa aposentadoria foi assegurada, pelo "caput" do artigo 202 NOS TERMOS DA LEI, a todos os trabalhadores rurais, não só abaixando os limites de idade como também modificando, em virtude dessa extensão, o direito a aposentadoria dessa natureza, que, pela legislação anterior - a Lei Complementar n° 11/71 alterada parcialmente pela Lei Complementar n° 16/73 ¬, só era concedida ao chefe ou arrimo da unidade familiar, ou - de acordo com o Decreto 73.617/74, que regulamentou esse programa de assistência - ao trabalhador que não fizesse parte de nenhum unidade familiar. E mais: por causa dessa ampla extensão teriam de ser modificadas as normas - e o foram pelas Leis 8.212 e 8.21É -, relativas às fontes de custeio, passando-se a exigir contribuição do empregado rural e período de carência para o gozo desse direito. Não houve, portanto, apenas uma redução de idade com a continuação da aplicação do sistema especial anterior que era o do Programa de Assistência ao Trabalhador Rural, mas, sim, uma modificação de sistema com a inclusão dos trabalhadores rurais no sistema previdenciário geral." Tendo nascido em 19/01/1936 (ID 102637730, p. 11), a demandante completou 55 anos de idade em 19/01/1991, época em que a idade mínima ainda era de 65 anos, os quais somente foram atingidos em 2001, de modo que somente com a edição da Lei n.º 8.213/91 e em conformidade com as disposições da Constituição de 1988, implementou o requisito etário. Não se trata, aqui, vale dizer, de aplicação retroativa das disposições da Lei n.º 8.213/91, mas, sim, de efetiva aplicação da legislação vigente à época da implementação do requisito etário para fim de avaliação do direito à aposentação por idade rural. A autora deveria, portanto, comprovar nos autos o exercício do labor rural, em período imediatamente anterior a 1991, ao longo de, ao menos, 60 (sessenta) meses, conforme determinação contida no art. 142 da Lei nº 8.213/91. Para tanto, foram coligidas aos autos, dentre outros documentos, cópias da certidão de casamento da autora, realizado em 1958, na qual o marido foi qualificado como lavrador (ID 102637730, p. 14); de certificado de reservista do marido da autora, emitido em 1965, na qual consta a qualificação profissional “trabalhador rural” (ID 102637730, p. 15); de contrato de parceria agrícola, firmado em 1992, no qual a autora figura como parceira outorgada (ID 102637730, p. 16-17); e de contrato de arrendamento rural, firmado em 1996, no qual o marido da autora figura como arrendatário (ID 102637730, p. 18-19). Os documentos apresentados constituem suficiente início de prova material do labor rural. Foi produzida prova oral. José Rosa Costa, cujo depoimento foi colhido em audiência realizada em 2015, relatou ter conhecido a autora em 1953 e que, na época, ela trabalhava nas lides rurais, em regime de economia familiar com os pais e os irmãos. Informou que em 1985 reencontrou autora e o marido e ela ainda trabalhava nas lides rurais, juntamente com ele. Disse que a última vez que presenciou o labor rural da autora foi em 1991. Nelson Lopes Pinheiro declarou ter conhecido a autora há uns vinte e cinco anos e que, na época, ela já trabalhava nas lides rurais com o marido, em um sítio. Disse que, na propriedade, eles “tiravam leite” e plantavam milho. Jaime Rodrigues dos Santos informou conhecer a autora há vinte e cinco anos e que, na época, ela trabalhava nas lides rurais com o marido. Tudo somado, tenho por cumprida, pela requerente, a exigência legal relativa à demonstração da atividade rural em período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário, na forma estabelecida pelo C. STJ, no julgamento do REsp autuado sob nº 1.354.908/SP, sob a sistemática dos recursos representativos de controvérsia repetitiva, verbis: "PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE RURAL NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO REQUERIMENTO. REGRA DE TRANSIÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 143 DA LEI 8.213/1991. REQUISITOS QUE DEVEM SER PREENCHIDOS DE FORMA CONCOMITANTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Tese delimitada em sede de representativo da controvérsia, sob a exegese do artigo 55, § 3º combinado com o artigo 143 da Lei 8.213/1991, no sentido de que o segurado especial tem que estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer seu benefício. Se, ao alcançar a faixa etária exigida no artigo 48, § 1º, da Lei 8.213/1991, o segurado especial deixar de exercer atividade rural, sem ter atendido a regra transitória da carência, não fará jus à aposentadoria por idade rural pelo descumprimento de um dos dois únicos critérios legalmente previstos para a aquisição do direito. Ressalvada a hipótese do direito adquirido em que o segurado especial preencheu ambos os requisitos de forma concomitante, mas não requereu o benefício. 2. Recurso especial do INSS conhecido e provido, invertendo-se o ônus da sucumbência. Observância do art. 543-C do Código de Processo Civil." (REsp nº 1.354.908/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, 1ª Seção, julgado em 09/09/2015, DJe 10/02/2016) - grifos nossos O fato de o marido da autora possuir inscrição como contribuinte individual na condição de pedreiro, a partir de 1977, e ter efetuado recolhimentos nessa condição, conforme extratos do CNIS acostados aos autos (ID 102637730, p. 58-61), não se constitui em óbice para o reconhecimento do labor rural da autora, considerando que se trata de inscrição bastante antiga, na qual eventualmente pode ter ocorrido algum equívoco de cadastro. Ademais, a autora possui início de prova material em nome próprio. Por sua vez, o único vínculo empregatício de caráter urbano do marido da autora é posterior ao período de carência, logo, deve ser desconsiderado. Desta feita, de rigor a concessão do benefício postulado. A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento. Os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, devem ser fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante. Honorários advocatícios reduzidos, adequada e moderadamente, para 10% sobre o valor das parcelas devidas até a data de prolação da sentença, nos termos da Súmula nº 111 do C. STJ, tendo em vista que as condenações da autarquia são suportadas por toda a sociedade. Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação do INSS, a fim de estabelecer que a correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e que os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, serão fixados de acordo com o mesmo Manual, além de reduzir a verba honorária para 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a sentença. É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PROVA TESTEMUNHAL. PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO IMPLEMENTO DO REQUISITO ETÁRIO. DEMONSTRAÇÃO. BENEFÍCIO CONCEDIDO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APELAÇÃO DO INSS PARCIALMENTE PROVIDA.
1 - A aposentadoria por idade do trabalhador rural encontra previsão no art. 48, §§1º e 2º, da Lei nº 8.213/91.
2 - Tendo nascido em 19/01/1936, a demandante completou 55 anos de idade em 19/01/1991, época em que a idade mínima ainda era de 65 anos, os quais somente foram atingidos em 2001, de modo que somente com a edição da Lei n.º 8.213/91 e em conformidade com as disposições da Constituição de 1988, implementou o requisito etário.
3 - Os documentos apresentados constituem suficiente início de prova material do labor rural.
4 - A seu turno, a prova oral colhida em audiência corroborou o acervo documental trazido.
5 - Cumprida, pela requerente, a exigência legal relativa à demonstração da atividade rural em período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário, na forma estabelecida pelo C. STJ, no julgamento do REsp autuado sob nº 1.354.908/SP, sob a sistemática dos recursos representativos de controvérsia repetitiva.
6 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
7 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante.
8 - Honorários advocatícios reduzidos, adequada e moderadamente, para 10% sobre o valor das parcelas devidas até a data de prolação da sentença, nos termos da Súmula nº 111 do C. STJ, tendo em vista que as condenações da autarquia são suportadas por toda a sociedade.
9 - Apelação do INSS parcialmente provida.