APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0017536-87.2017.4.03.6182
RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA
APELANTE: CLASSES LABORIOSAS
Advogados do(a) APELANTE: PAULO FERNANDO AMADELLI - SP215892-A, FABIO ALEXANDRE CHERNIAUSKAS - SP171890-A, SERGIO DE OLIVEIRA - SP154357-A, LUIS HENRIQUE FAVRET - SP196503-A
APELADO: ANS AGENCIA NACIONAL DE SAUDE SUPLEMENTAR
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
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': java.lang.ClassCastException: br.jus.pje.nucleo.entidades.PessoaJuridica cannot be cast to br.jus.pje.nucleo.entidades.PessoaFisicaOUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0017536-87.2017.4.03.6182 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: CLASSES LABORIOSAS Advogados do(a) APELANTE: PAULO FERNANDO AMADELLI - SP215892-A, FABIO ALEXANDRE CHERNIAUSKAS - SP171890-A, SERGIO DE OLIVEIRA - SP154357-A, LUIS HENRIQUE FAVRET - SP196503-A APELADO: ANS AGENCIA NACIONAL DE SAUDE SUPLEMENTAR R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação à sentença de improcedência de embargos à execução opostos à cobrança judicial de valores a título de multa administrativa aplicada pela ANS (autos 0014018-60.2015.4.03.6182). Em razões de apelação, a embargante preliminarmente requereu a concessão de justiça gratuita, alegando agravamento de situação financeira, conforme documentos anexados (ID. 7580515, f.143, até ID. 7580517, f. 54). Aduziu ter percebido expressivo prejuízo acumulado em 2015 (R$ 69.059.824,30) e nos primeiros três trimestres de 2016 (R$ 16.906.889,09) e que, por ser operadora de saúde, não está sujeita à falência ou recuperação. No mérito, sustentou, em síntese, que: (1) foi autuada a partir de retroação do artigo 25 da Lei 9.656/1998, por incluir em contrato celebrado antes de tal diploma legislativo ("plano antigo") cláusula de reajuste por faixa etária não prevista originalmente, supostamente sem concordância da beneficiária; (2) por força do artigo 35 da Lei 9.656/1998, apenas contratos firmados a partir de 01/01/1999 sujeitam-se ao novo regramento, do que decorre a nulidade da autuação: (3) "não pode a Apelada imputar penalidades à Apelante consubstanciada em autuação eivada de vícios e contradições, por violar diretamente os princípios da legalidade e da segurança jurídica", pelo que nulo o auto de infração lavrado e o processo administrativo de controle (autos 33902001448/2005-59); (4) o presente recurso deve ser suspenso até julgamento da repercussão geral no RE 652.492, quanto à possibilidade de retroação da Lei 9.656/1998; e (5) "fica demonstrado que não houve qualquer descumprimento das normas vigentes, tampouco a não concordância da associada-beneficiária Aline Sultani em relação à mudança de seu plano de saúde, mormente levando-se em consideração ao que apurado e declarado em processo judicial que tramitou perante a Justiça Estadual de São Paulo". Em contrarrazões, a União pugnou pelo desprovimento do recurso e fixação de honorários sucumbenciais em sede recursal, sob a alegação de que estes não estariam abrangidos pelo encargo legal previsto no Decreto-lei 1.025/1969 (ID. 7580517, f. 57/78). Após, subiram os autos. É o relatório.
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0017536-87.2017.4.03.6182 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: CLASSES LABORIOSAS Advogados do(a) APELANTE: PAULO FERNANDO AMADELLI - SP215892-A, FABIO ALEXANDRE CHERNIAUSKAS - SP171890-A, SERGIO DE OLIVEIRA - SP154357-A, LUIS HENRIQUE FAVRET - SP196503-A APELADO: ANS AGENCIA NACIONAL DE SAUDE SUPLEMENTAR OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Senhores Desembargadores, por primeiro, constata-se que não comporta provimento o pedido de assistência judiciária. Com efeito, a alegação de prejuízos econômicos em períodos-base anteriores, relativos a 2015 e parte de 2016, não torna atual o agravamento da situação financeira para lastrear o pedido de justiça gratuita em grau recursal. Igualmente inaptos à demonstração pretendida a tabela, avulsa e particular, de balanço patrimonial juntada aos autos (ID. 7580516, f. 01, desacompanhada de comprovação dos valores lançados e da correlação causal com a impossibilidade de pagamento de custas processuais) e reprografias de dívidas protestadas e certidões de distribuição processual que, quando muito, sugerem dificuldades, mas não impossibilidade de custeio do processamento deste feito. Tampouco merece acolhida a alegação de que o feito deveria ser sobrestado em razão de identidade com o quanto versado no RE 652.492, em que reconhecida repercussão geral quanto à possibilidade de retroação da Lei 9.656/1998. Embora trate-se de preliminar que toma por pressuposto elemento meritório controverso nos autos (dado ser apontada identidade ao paradigma a partir da alegada retroação da lei em desfavor), fato é que, de toda a sorte, não houve decisão de suspensão de feitos tratando do assunto pela Corte Suprema, nos termos do artigo 1.035, § 5º, do CPC. Nestes termos cabe prosseguir no exame do mérito das razões recursais. A argumentação de mérito vertida orbita em função de três teses, em essência: (i) a aplicação de sanção com fulcro no artigo 25 da Lei 9.656/1998, conforme regulado em sede administrativa, a contrato firmado antes de sua promulgação é causa de nulidade, por retroação indevida da legislação de regência superveniente; (ii) a autuação seria eivada de "vícios e contradições", também fundamento de nulidade do processo administrativo de base, por ofensa à ampla defesa e ao contraditório; e (iii) o processamento de ação na Justiça Estadual, movida pela beneficiária justamente para anular tal modificação contratual (depois de beneficiado por anos da redução das mensalidades), evidencia que esta havia tomado ciência da alteração, o que inclusive constou da sentença de improcedência proferida. Contudo, há elementos fáticos adicionais a considerar. Conforme consta dos autos, a infração sancionada pela ANS ocorreu em 23/12/1998 (ID. 7580514, f. 43, 59/51 e 74/79). A apuração, por sua vez, foi deflagrada por denúncia da própria beneficiária, recebida em 01/03/2004 (ID. 7580513, f. 164 e 166). Embora prontamente processada a demanda, o expediente apenas recebeu numeração formal posteriormente (autos 33902001448/2005-59), ao momento em que a própria agência anulou o primeiro auto de infração lavrado para retificação do enquadramento da conduta verificada. O auto de infração seguinte (numeração 25235, ID. 7580514, f. 84), cuja dívida ora se executada, assim identifica a infração (grifos nossos): "Em exercício da fiscalização de que trata a legislação sobre Saúde Suplementar em vigor, constatou-se que o autuado infringiu os seguintes dispositivos legais: no artigo 25 de Lei 9656/98. Pela constatação da(s) conduta(s): prevista no artigo 3º, inciso III da RDC 24/2000, alterando pela RDC 55/2001, por alterar o contrato da beneficiária Aline Sultani ao incluir cláusula de reajuste por faixa etária não previsto no contrato original sem concordância da beneficiária, de acordo com os termos dos autos do expediente administrativo 33902.001435/2005-80." Verifica-se, de plano, que entre a data da infração (23/12/1998) e o início da apuração administrativa (01/03/2004) decorreram mais de cinco anos. Logo, incide o prazo decadencial previsto, à época dos fatos, pela Medida Provisória 1.778-6, de 14 de dezembro de 1998 (reedição da Medida Provisória 1.708/1998, que viria a ser convertida na Lei 9.873/1999): "Art. 1o Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado." Vale destacar que embora o dispositivo fale em "prescrição", o prazo em questão é, propriamente, decadencial, como assentou a Corte Superior no julgamento do REsp 1.115.078 (Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJe 06/04/2010). Ainda que assim não fosse, a cronologia dos fatos revela que os dispositivos utilizados para fundamentar a multa aplicadas não estavam vigentes à época da infração. Neste sentido, o artigo 3º, III, da RDC 24/2000 não possuía paralelo vigente anterior (para fim de cogitar-se de mero erro formal de referência normativa). Note-se, ademais, que o enquadramento do auto de infração refere o dispositivo conforme sua redação pela RDC ANS 55/2001 (grifos nossos): "Art. 3º Constitui infração, punível com multa pecuniária no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais): (...) III - deixar de cumprir as obrigações previstas nos contratos celebrados a qualquer tempo. (Redação dada pela RDC nº 55, de 2001)" O lastro normativo em sentido estrito de tal modificação é o advento da Medida Provisória 2.177-44/2001, que adicionou ao caput do artigo 25 da Lei 9.656/1998 a expressão "bem como aos dispositivos dos contratos firmados, a qualquer tempo, entre operadoras e usuários de planos privados de assistência à saúde": "Art. 25. As infrações dos dispositivos desta Lei e de seus regulamentos, bem como aos dispositivos dos contratos firmados, a qualquer tempo, entre operadoras e usuários de planos privados de assistência à saúde, sujeitam a operadora dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, seus administradores, membros de conselhos administrativos, deliberativos, consultivos, fiscais e assemelhados às seguintes penalidades, sem prejuízo de outras estabelecidas na legislação vigente: (...)" Logo, a previsão normativa de imposição da multa por violação contratual manejada pela ANS é posterior aos fatos apurados. Registre-se que não se trata de discutir se a Lei 9.656/1998 poderia produzir efeitos face a "plano antigo" em caso de infração decorrente de alteração contratual posterior à promulgação do diploma normativo, e se isso deve ser considerado retroatividade legal. Diversamente, o que se tem é a aplicação de texto legal que não estava vigente à época da irregularidade constatada. Assim, de rigor o reconhecimento da nulidade da cobrança embargada. Revertida a sucumbência originária, e considerando os critérios do artigo 85, §§ 2º e 3º, do CPC, inclusive em sede recursal (AgInt nos EREsp 1.539.725, Rel. Min. ANTONIO CARLOS FERREIRA, DJe 19/10/2017), cabe fixar honorários à embargante em 11% do valor da causa, sem prejuízo do recolhimento das custas processuais, no prazo de cinco dias (artigo 99, § 7º, do CPC). Ante ao exposto, dou provimento à apelação. É como voto.
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
E M E N T A
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. MULTA ADMINISTRATIVA. VIOLAÇÃO CONTRATUAL POR OPERADORA DE PLANO DE SAÚDE. JUSTIÇA GRATUITA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE NECESSIDADE. SOBRESTAMENTO. RE 652.492. INEXISTÊNCIA DE DECISÃO. MÉRITO. APURAÇÃO ADMINISTRATIVA INICIADA MAIS DE CINCO ANOS APÓS OS FATOS. DECADÊNCIA. MEDIDA PROVISÓRIA 1.708/1998 (CONVERTIDA NA LEI 9.873/1999). TIPIFICAÇÃO DA INFRAÇÃO. BASE NORMATIVA COM VIGÊNCIA POSTERIOR AOS FATOS APURADOS. NULIDADE DA COBRANÇA. APELAÇÃO PROVIDA.
1. Caso em que embargada a execução de multa administrativa aplicada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar em razão de alteração de cláusula contratual, por operadora de plano de saúde, sem conhecimento da beneficiária.
2. Inexistentes elementos para comprovação dos requisitos para assistência judiciária gratuita em favor de operadora de plano de saúde.
3. A alegação de que o feito deveria ser sobrestado em razão de subsunção ao quanto versado no RE 652.492, em que reconhecida repercussão geral quanto à possibilidade de retroação da Lei 9.656/1998, toma por pressuposto elemento meritório controverso nos autos (dado ser apontada identidade ao paradigma a partir da alegada retroação da lei em seu desfavor). De toda a sorte, não comporta provimento, dado que não houve determinação de suspensão de feitos tratando do assunto pela Corte Suprema, nos termos do artigo 1.035, § 5º, do CPC.
4. Entre a infração (23/12/1998) e o início da apuração administrativa (01/03/2004) decorreram mais de cinco anos, acarretando decadência à luz do artigo 1º da Medida Provisória 1.778-6, de 14 de dezembro de 1998, convertida na Lei 9.873/1999.
5. A tipificação da conduta infracional pelo auto de infração
6. Procedente o recurso, inverte-se a sucumbência processual originária e, considerados os critérios do artigo 85, §§ 2º e 3º, CPC, inclusive em sede recursal, cabe fixar honorários à embargante em 11% do valor da causa, sem prejuízo do recolhimento das custas processuais, no prazo de cinco dias (artigo 99, § 7º, do CPC).
7. Apelo provido.