Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000630-31.2018.4.03.6006

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: ANTONIO MERCES ALBUQUERQUE JUNIOR

Advogado do(a) APELANTE: ELIANE FARIAS CAPRIOLI PRADO - MS11805-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000630-31.2018.4.03.6006

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: ANTONIO MERCES ALBUQUERQUE JUNIOR

Advogado do(a) APELANTE: ELIANE FARIAS CAPRIOLI PRADO - MS11805-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

  

 

R E L A T Ó R I O

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Trata-se de apelação criminal interposta pela defesa de Antônio Merces Albuquerque Júnior,  em face de sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal de Naviraí/MS, que condenou o réu pela prática do crime previsto no artigo 334-A, § 1º, inciso I, do Código Penal, c.c. artigos 2º e 3º do Decreto-Lei nº 399/68, e o absolveu da imputação da prática dos crimes previstos no artigo 180, caput, do Código Penal, e no artigo 70 da Lei nº 4.117/62, com fulcro no artigo 386, incisos IV e V, do Código de Processo Penal.

Narra a denúncia (Id 123717677):

"No dia 24/10/2018, entre as cidades de Salto Del Guaira/PY e a cidade de Iguatemi/MS, ANDERSON CARLOS MIRANDA, SIDNEY DOS SANTOS, ANTÔNIO MERCÊS ALBUQUERQUE JUNIOR e JOAQUIM CÂNDIDO DA SILVA NETO, cientes da ilicitude e reprovabilidade de suas condutas e em comunhão de vontade e unidade de desígnios com JOÃO PAULO MARQUES DA SILVA, importaram clandestinamente uma carga de 450.000 (quatrocentos e cinquenta mil) maços de cigarros da marca Gift, provenientes do Paraguai, no caminhão trator da marca Volvo, modelo FH460 6X2T, 2014/2014, três eixos, pintura na cor vermelha, placas aparentes OXA 2014, de Colorado/PR e no semirreboque graneleiro de placas AOC 4963.

Em adição, em data anterior e próxima a 24/10/2018, entre as cidades de Salto del Guaira/PY e a cidade de Iguatemi/MS, ANDERSON CARLOS MIRANDA, SIDNEY DOS SANTOS, ANTONIO MERCES ALBUQUERQUE JÚNIOR e JOAQUIM CÂNDIDO DA SILVA NETO receberam e conduziram, em proveito da organização criminosa que integram, o caminhão trator da marca Volvo, modelo FH460 6X2T, 2014/2014, três eixos, pintura na cor vermelha, placas aparentes OXA 2014, de Colorado/PR e o semirreboque graneleiro de placas AOC 4963, os quais tiveram os seus sinais identificadores adulterados (art. 311, do Código Penal).

Por fim, pelo menos no dia 24/10/2018, entre as cidades de Salto Del Guaira/PY e Iguatemi/MS, ANDERSON CARLOS MIRANDA, SIDNEY DOS SANTOS, ANTONIO MERCES ALBUQUERQUE JÚNIOR e JOAQUIM CÂNDIDO DA SILVA NETO utilizaram o rádio transceptor da marca/modelo YAESU/FT 2980R, série nº 7m262398, sem observância das disposições legais e regulamentares, com o objetivo de facilitar a introdução clandestina de mercadorias de origem paraguaia no Brasil.

Em data incerta, mas anterior e próxima a 24/10/2018 (quarta-feira), ANDERSON CARLOS MIRANDA (NEGÃO/ELETRO) que integra a organização criminosa reestruturada por CARLOS ALEXANDRE GOVEIA (KANDU/ZOIO) e FÁBIO COSTA (PINGO/JAPONÊS), organizou, de Salto Del Guaira/PY, a importação clandestina de uma carga de 450.000 (quatrocentos e cinquenta mil) maços de cigarros da marca Gift.
Em prosseguimento, e da cidade de Iguatemi/MS, SIDNEY DOS SANTOS (ÍNDIO), JOAQUIM CÂNDIDO DA SILVA NETO (FERRUGEM/NETO) e ANTONIO MERCES DE ALBUQUERQUE JÚNIOR (MELANCIA)n – que já praticavam contrabando na região e que haviam acabado de se aliar a CARLOS ALEXANDRE GOVEIA (KANDU/ZOIO) e FÁBIO COSTA (PINGO/JAPONÊS) – coordenaram a entrada do caminhão trataor da marca Volvo, modelo FH460 6X2T, 2014/2014, três eixos, pintura na cor vermelha, placas aparentes OXA 2014, de Colorado/PR e do semirreboque graneleiro de placas AOC 4963 carregado com cigarros estrangeiros no território brasileiro de forma clandestina pela região denominada Corrente/Correntão, que se situa no município de Japorã/MS, até uma região nominada pelo grupo como sendo “Buraco”, que se situa na cidade de Iguatemi/MS, dirigindo a atividade dos demais agentes.

Desse modo, entre a fronteira do Paraguai com o Brasil até a cidade de Iguatemi/MS, JOAQUIM CÂNDIDO DA SILVA NETO (FERRUGEM/NETO), dirigindo um veículo, encontrou o caminhão carregado (denominado pela organização criminosa como “lata” ou “trator”) na divisa dos territórios paraguaio e brasileiro e, seguindo um pouco à frente do caminhão, o acompanhou até a cidade de Iguatemi/MS.

Neste percurso, JOAQUIM CÂNDIDO DA SILVA NETO (FERRUGEM/NETO) contou com uma estrutura de olheiros/mateiros espalhados pela rota, que se comunicaram com ele e com o motorista do caminhão através de rádios comunicadores, telefones e aplicativos de trocas de mensagens instantâneas, evitando ao máximo a oportunidade da ocorrência de uma fiscalização policial, do exército brasileiro ou da Receita Federal.

Em adição, por volta das 17hrs do dia 24/10/2018, foi interceptada troca de mensagens entre JOAQUIM CÂNDIDO DA SILVA NETO (FERRUGEM/NETO) e SIDNEY DOS SANTOS (ÍNDIO). Na ocasião, JOAQUIM CÂNDIDO DA SILVA NETO (FERRUGEM/NETO) perguntou para SIDNEY DOS SANTOS (ÍNDIO) se o caminhão estava no “amigo” e SIDNEY DOS SANTOS (ÍNDIO) respondeu que o caminhão estava na “duxa”.

Acerca desta conversa, calha pontuar que a Polícia Federal também sabia que SIDNEY DOS SANTOS (ÍNDIO) utilizava um lava-rápido de propriedade de Leandro Boff (“Bofinho”), que fica na cidade de Iguatemi/MS que servia para lavar os caminhões vindos do Paraguai e como ponto de apoio para a logística do grupo. É de se destacar que Leandro Boff é pessoa próxima a SIDNEY DOS SANTOS (ÍNDIO) e ANTONIO MERCES DE ALBUQUERQUER JÚNIOR (MELANCIA), o que justificaria a menação a palavra “amigo” e o apoio cedido por Leandro Boff para a organização criminosa era um lava rápido, o que justificaria a menção a palavra “duxa”.

A partir do lava-rápido de Leandro Boff em Iguatemi/MS, a carga de cigarros deixou de ser acompanhada por JOAQUIM CÂNDIDO DA SILVA NETO (FERRUGEM/NETO) e passou a ser acompanhada por ANTONIO MERCES DE ALBUQUERQUE JÚNIOR (MELANCIA), em direção ao acesso à rodovia MS-180, conforme restou identificado no curso da Operação Teçá (autos nº 0001337-33.2017.403.6006 e IPL nº 0222/2017-DPF-NVI/MS).

Em vista deste contexto fático, duas equipes de policiais se deslocaram em viaturas descaracterizadas para a região que fica próximo ao lava rápido de Leandro Boff e observaram que caminhões que chegaram no local com as placas tampadas por um tecido preto foram lavados normalmente.

Foi realizada vigilância na região e os policiais observaram a movimentação intensa entre este lavador e a MS-180 pelo condutor do veículo Fiat Pálio, cor branca, placas OOL 7287, registrado em nome da mãe de ANDERSON CARLOS MIRANDA (NEGÃO/ELETRO).

Em prosseguimento, por volta das 22hrs do dia 24/10/2018, um dos caminhões que estava estacionado em frente ao lava-rápido de Leandro Boff com as placas cobertas pelo tecido preto começou a se deslocar. Durante o deslocamento, este caminhão era escoltado pelo veículo Fiat Pálio, placas OOL 7287. A partir deste momento, as equipes da Polícia Federal deram início a um acompanhamento tático dos dois veículos.

Quando o Fiat Pálio, placas OOK 7287 e o caminhão com as placas cobertas se aproximavam da MS-180, os policiais colocaram o giroflex nas viaturas descaracterizadas e passaram a dar sinal de parada para os veículos. Os condutores do veículo Fiat Palio e do caminhão empreenderam fuga.

Em razão disso, as equipes da Polícia Federal se dividiram e cada uma passou a realizar o acompanhamento tático de um desses veículos.

O condutor do caminhão dirigiu de forma perigosa pela via até o momento em que o motorista conseguiu sair do veículo e fugir do local. Os policiais federais vistoriaram o caminhão e identificaram um carregamento de 900 (novecentas) caixas de cigarros (ou seja, 450.000 maços), a presença de um rádio comunicador e um telefone celular da marca Motorola modelo Moto C.

Por sua vez, o condutor do Fiat Pálio, placas OOL 7287 colidiu de forma brusca em um canteiro, o que danificou a sua roda e provocou a colisão com uma árvore, que culminou na parada brusca do veículo e no acionamento do airbag do carro.

O motorista foi identificado como ANTONIO MERCES DE ALBUQUERQUER JÚNIOR (MELANCIA) e o seu passageiro como JOÃO PAULO MARQUE DA SILVA (J.P.).

Neste veículo foi encontrado o numerário de R$45.000,00 (quarenta e cinco mil reais) em um pacote com a inscrição “correria”, divididos em envelopes menores vedados com fita branca com as seguintes inscrições e valores: R$5.000,00 (cinco mil reais) com a inscrição “14”; R$10.000,00 (dez mil reais) com a inscrição “11”, R$ 15.000,00 (quinze mil reais) com a inscrição “15”; R$15.000 (quinze mil reais) com a inscrição “16”.

Além do dinheiro, foram encontrados três telefones em poder de ANTONIO MERCES DE ALBUQUERQUE JÚNIOR (MELANCIA) e um telefone com JOÃO PAULO MARQUES DA SILVA (J.P.), o qual era da mesma marca e modelo do abandonado pelo motorista do caminhão, que conseguiu fugir.

De outro norte, ANTONIO MERCES DE ALBUQUERQUE JÚNIOR (MELANCIA) possuía dois aparelhos da marca LG, modelo B220 (utilizado como “bombinha” pela organização criminosa que integrava) e um aparelho da marca Xiaomi Remi 5A.

Por esses motivos, os denunciados ANTONIO MERCES DE ALBUQUERQUE JÚNIOR (MELANCIA) e JOÃO PAULO MARQUES DA SILVA (J.P.) foram presos em flagrante.

Formalizado o seu flagrante, ANTONIO MERCES DE ALBUQUERQUE JÚNIOR (MELANCIA) confirmou em seu interrogatório policial que atuava como batedor da carga de cigarros. Além disso, declarou que recebeu os telefones apreendidos de “Magrinho”, na cidade de Eldorado/MS e que, na organização criminosa que integra, é subordinado a ANDERSON CARLOS MIRANDA (NEGÃO/ELETRO).(...)

As perícias realizadas nos telefones apreendidos confirmam o vínculo anterior entre os investigados e a prática de contrabando em organização criminosa.

O Auto Circunstanciado de Interceptação Telefônica (ACIT) nº 12/2018 da medida cautelar nº 0001337-33.2017.403.6006, que segue em anexo, contextualizou a íntegra do quadro fático imediatamente anterior a apreensão que deu origem a presente investigação, dando conta de todo o esquema criminoso e a divisão de papéis entre os denunciados ANDERSON CARLOS MIRANDA, SIDNEY DOS SANTOS, ANTONIO MERCES ALBUQUERQUE JÚNIOR e JOAQUIM CÂNDIDO DA SILVA NETO.

A prova da materialidade e os indícios de autoria exsurgem os seguinte elementos: a) Inquérito Policiais nº 0155/2018-DPF/NVI/MS e nº 0222/2017-DPF/NVI/MS, b) medida cautelar nº 0001337-33.2017.403.6006, sem prejuízo de outros elementos a serem carreados aos autos.[...]".

Ao final, o Ministério Público Federal denunciou ANDERSON CARLOS MIRANDA, SIDNEY DOS SANTOS, ANTONIO MERCES ALBUQUERQUE JÚNIOR e JOAQUIM CÂNDIDO DA SILVA NETO pela prática, em concurso de pessoas e em concurso material, dos crimes previstos no art. 334-A, do Código Penal c/c art. 62, I, do Código Penal; no art. 70 da Lei nº 4.117/62, c/c art. 61, II, alínea b, do Código Penal e no art. 180, caput, do Código Penal.

A denúncia foi recebida em 28 de agosto de 2019, e foi determinado o desmembramento dos autos em relação aos demais denunciados – ANDERSON CARLOS MIRANDA, SIDNEY DOS SANTOS, JOAQUIM CÂNDIDO DA SILVA NETO e JOÃO PAULO MARQUES DA SILVA (Id 123717681).

Após regular instrução, sobreveio a sentença (Id 123717887), pela qual o magistrado julgou procedente em parte a pretensão punitiva deduzida na denúncia, para absolver o réu da imputação da prática dos crimes previstos nos artigos 180, caput, do Código Penal, e no artigo 70 da Lei nº 4.117/62, com fulcro no artigo 386, incisos IV e V, do Código de Processo Penal, e para condená-lo, aplicando a emendatio libelli, pela prática do crime previsto no artigo 334-A, § 1º, inciso I, do Código Penal, c.c. artigos 2º e 3º do Decreto-Lei nº 399/68, à pena de 2 (dois) anos, 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, sem substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. O réu foi condenado à pena de inabilitação para dirigir veículos, pelo prazo da pena imposta, bem como ao pagamento das custas processuais.

O juízo a quo manteve a prisão preventiva, com fundamento na garantia da ordem pública. Tal decisão foi mantida no Id 123717909.

O magistrado deixou de decretar o perdimento do veículo Fiat/Palio apreendido, preservando-se eventual direito de ser reivindicado por seu proprietário através do meio adequado, o que deveria ocorrer no prazo de 90 (noventa) dias, a contar da data em que transitar em julgado esta sentença. Decorrido o prazo assinalado sem ter havido a reclamação do bem, ou se for indeferida eventual restituição, estabeleceu que o veículo deveria ser encaminhado à Receita Federal do Brasil para destinação (art. 123 d CPP e art. 270, inciso X, do Provimento CORE nº 64/2005).

Decretou-se o perdimento, em favor da União, dos três aparelhos celulares descritos nos itens 8, 9 e 10 do Auto de Apreensão nº 165/2018, bem como dos valores apreendidos em posse do réu (R$2.000,00) e no interior do veículo que conduzia (R$45.000,00).

A sentença foi publicada em 03 de setembro de 2019 (fl. 4 do Id 123717681).

A defesa interpôs recurso de apelação (Id 123717912). Pleiteia a reforma da dosimetria, com fixação da pena no mínimo legal, sob o argumento de que as circunstâncias são próprias do delito, e que a carga foi apreendida antes de seu destino final, de modo que não houve prejuízo aos cofres públicos. Defende a não incidência da agravante de paga ou promessa de recompensa. Requer a fixação do regime aberto para início de cumprimento da pena, bem como a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos. Por fim, pugna pelo afastamento da pena de inabilitação para dirigir veículo automotor.

Contrarrazões ministeriais no Id 123717914. 

Nesta Corte, a Procuradoria Regional da República ofereceu parecer pelo desprovimento do apelo defensivo (Id 124588105).

É o relatório.

Sujeito à revisão na forma regimental.

 

 


APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000630-31.2018.4.03.6006

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: ANTONIO MERCES ALBUQUERQUE JUNIOR

Advogado do(a) APELANTE: ELIANE FARIAS CAPRIOLI PRADO - MS11805-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

 

 

V O T O

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Trata-se de recurso de apelação interposto pela defesa de ANTÔNIO MERCÊS ALBUQUERQUE JÚNIOR, que foi condenado pela prática do delito do artigo 334-A, §1º, inciso I, do Código Penal, c.c. artigos 2º e 3º do Decreto-Lei nº 399/68, e absolvido da imputação pela prática dos crimes previstos no artigo 180, caput, do Código Penal, e no artigo 70 da Lei nº 4.117/62, com fulcro no artigo 386, incisos IV e V, do Código de Processo Penal.

Ante a não interposição de recurso ministerial em face da absolvição do réu relativamente a duas imputações feitas na denúncia, somente se irá tratar da condenação pelo crime de contrabando.

1. Da materialidade 

A defesa não se insurge contra a materialidade delitiva, que foi efetivamente demonstrada pelo Auto de Prisão em Flagrante (Id 123717838, fls. 1/11), pelo Auto de Apresentação e Apreensão nº 165/2018 (Id 123717838, fls. 7-12), e pelo Laudo de Perícia Criminal em Merceologia (Id 123717842 – fls. 7-12).

Referidos documentos comprovam a apreensão, no caminhão em relação ao qual o réu atuava como batedor, de aproximadamente 900 (novecentas) caixas de cigarros de origem paraguaia, da marca Gift, desacompanhados de documentação comprobatória de sua regular internalização, bem como de selos de controle de arrecadação de IPI. O laudo pericial ainda apontou que os maços analisados continham inscrições em idioma diverso do português, não possuindo os textos legais exigidos pela legislação vigente como requisito para circulação e comercialização no mercado nacional (RDC nº 335/2003 da ANVISA), tornando inconteste a materialidade delitiva.

2. Da autoria

A autoria delitiva restou comprovada pelo auto de prisão em flagrante, corroborado pelas provas produzidas em juízo.

O dolo, por sua vez, foi evidenciado tanto pelas circunstâncias em que os cigarros foram apreendidos como pela prova oral produzida.

O réu, na fase policial, declarou que, em 24/10/2018, conduzia o veículo Fiat/Palio, de placas OOL7287, acompanhando um caminhão que transportava cigarros, na função de "batedor" da carga. Afirmou que trabalhava para um indivíduo de alcunha "Negão", de Salto del Guaira, levando celulares ou dinheiro para os motoristas dos caminhões, dentre outras atribuições (Id 123717838). O réu reiterou sua confissão em seu interrogatório judicial (Id's 123717870 e 123717871). A confissão é corroborada pelos depoimentos das testemunhas arroladas nos autos. 

Com efeito, extrai-se dos depoimentos do escrivão de polícia Igor Isídio Gomes da Silva e do agente de polícia federal Rafael Pereira Finger em sede investigativa que, em 24/10/2018, compuseram equipe para diligências de repressão ao contrabando na região de Iguatemi/MS, e passaram a monitorar os acessos da cidade às conhecidas rotas de escoamento do contrabando, nas saídas para as cidades de Eldorado/MS e Juti/MS. Observaram comportamento suspeito do veículo FIAT/PALIO, de placas OOL7287 e cor branca, pois ele vinha e voltava várias vezes na saída para a cidade de Juti/MS, e, em dado momento, partiu, sendo acompanhado por um caminhão. Referido caminhão estava com as placas cobertas, de modo que decidiram abordar os veículos. Colocaram o giroflex e deram sinal de parada aos veículos, que começaram a transitar em alta velocidade na tentativa de se evadir. Realizaram o acompanhamento tático dos veículos, sendo que em certo momento o FIATO/PALIO acabou colidindo em uma árvore. Havia dois indivíduos em seu interior. Outra parte da equipe acompanhou o caminhão, que passou a dirigir perigosamente, expondo a vida da equipe e de terceiros. O motorista acabou deixando o veículo, conseguindo se evadir sem ser identificado. O caminhão estava carregado com aproximadamente 900 (novecentas) caixas de cigarros paraguaios, e nele havia radiocomunicador. Disseram acreditar que no Palio também houvesse um transceptor. No veículo FIAT/PALIO foram encontrados ainda vários pacotes de dinheiro (Id 123717838 – fls. 1/5).

Ouvidos em juízo, os policiais reiteraram o quanto afirmado perante a autoridade policial (Id's 123717868 e 123717869). Igor acrescentou que o réu, ao ser indagado, confessou que estava exercendo a função de batedor da carga de cigarros.

Ouvidos em juízo, os policiais militares reiteraram o quanto afirmado perante a autoridade policial (mídia de fl. 310).

Assim, a confissão exarada pelo réu, tanto em fase investigativa quanto em juízo, somada ao depoimento das testemunhas policiais e ao restante do conjunto probatório produzido, torna patente que o réu atuava como batedor no transporte de cigarros de origem estrangeira, desacompanhados de documentação de sua regular importação, ciente de que praticava conduta criminosa, à qual aderiu de forma livre e consciente, tornando induvidosos a autoria delitiva e o dolo.

Em razão da subsunção de sua conduta ao artigo 334-A, §1º, inciso I, do Código Penal, c.c. arts. 2º e 3º do Decreto-Lei nº 399/68, mantenho a condenação e passo à dosimetria.

3. Da dosimetria

A sentença recorrida condenou Antônio Mercês Albuquerque Júnior à pena de 2 (dois) anos, 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, em regime inicial semiaberto.

1ª fase

Na primeira fase da dosimetria, o juiz sentenciante exasperou a pena para 2 (dois) anos, 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, por valorar negativamente a as circunstâncias do crime em razão da quantidade de cigarros apreendidos. A defesa requer, em suas razões recursais, a fixação da pena-base no mínimo legal, sob o argumento de que as circunstâncias são próprias do delito, que as demais circunstâncias judiciais não foram valoradas negativamente e que não houve prejuízo aos cofres públicos, uma vez que a carga não chegou a seu destino final.

Trata-se de crime formal, que foi consumado anteriormente à apreensão dos produtos fumígenos, e o fato de a carga não ter chegado a seu destino final e não ter sido obtido o proveito econômico esperado com a revenda dos cigarros não caracteriza a tentativa, e tampouco invalida a consideração da quantidade de cigarros na valoração das circunstâncias do crime.

Perfilho do entendimento de que a excessiva quantidade de cigarros apreendidos em poder do réu - aproximadamente 450.000 (quatrocentos e cinquenta mil) maços - constitui fator apto a elevar a pena-base. Nesse sentido, os seguintes precedentes desta Corte: 1ª Turma, ACR 00020214320084036112, Rel. Des. Fed. Hélio Nogueira, e-DJF3: 03.02.2016; 11ª Turma, ACR 00032297520114036106, Rel. Juiz Convocado Leonel Ferreira, e-DJF3: 01.02.2016. Embora a quantidade de cigarros permita a exasperação da pena em patamar em muito superior ao estabelecido na sentença, deixo de fazê-lo, à míngua de recurso da acusação neste sentido.

Posto isso, mantenho a valoração negativa das circunstâncias do crime, com exasperação da pena-base para 2 (dois) anos, 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão.

2ª fase

Na segunda etapa da dosimetria, o magistrado reputou presentes a atenuante da confissão espontânea e a agravante prevista no artigo 62, inciso IV, do Código Penal, compensando-as. A defesa se insurge contra a incidência da agravante.

O réu faz jus à atenuação da pena nos moldes do artigo 65, inciso III, alínea "d", do Código Penal. Isto porque confessou a prática do crime em comento tanto em sede investigativa quanto em juízo, sendo a confissão utilizada inclusive para embasar a condenação, o que, por si só, permite a aplicação da aludida atenuante.

Nesse diapasão, a Súmula nº 545 do Superior Tribunal de Justiça:

"Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal."

Por outro lado, no que diz respeito ao reconhecimento da agravante do artigo 62, inciso IV, do Código Penal, com ressalva do meu entendimento pessoal, passo a adotar a orientação do C. Superior Tribunal de Justiça quanto à incidência da agravante acima referida, no sentido de que não constitui elementar do tipo previsto nos artigos 334 e 334-A do Código Penal.

Nesse tocante:

PENAL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CRIMES DE DESCAMINHO E CONTRABANDO. PAGA OU PROMESSA DE RECOMPENSA. AGRAVANTE. POSSIBILIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS NÃO INERENTES AO TIPO. PRECEDENTE DO STJ. AGRAVO IMPROVIDO.
1. Admite-se a incidência da agravante prevista no art. 62, IV, do CP ao delito do art. 334 do CP, se caracterizada a paga ou promessa de recompensa, por não se tratarem de circunstâncias inerentes ao tipo penal.
2. Quem deixa de recolher os tributos aduaneiros, cometendo o ilícito do descaminho, pode perfeitamente assim o executar, por meio de paga, ato que antecede ao cometimento do crime, ou por meio de recompensa, ato posterior à execução do crime, ou até mesmo desprovido de qualquer desses propósitos (REsp 1317004/PR, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 23/09/2014, DJe 09/10/2014).
3. Agravo interno improvido.
(AgInt no REsp 1457834/PR, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 17/05/2016, DJe 25/05/2016) (grifo nosso)

RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSO PENAL. DESCAMINHO. TRANSPORTE DE CIGARROS. PAGA OU PROMESSA DE RECOMPENSA. AGRAVANTE. ARTIGO 62, IV, DO CÓDIGO PENAL. INCIDÊNCIA. AUSÊNCIA DE INTERPOSIÇÃO DE APELAÇÃO. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. RECONHECIMENTO DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS DE OFÍCIO. REINCIDÊNCIA. COMPENSAÇÃO COM A ATENUANTE DA CONFISSÃO. POSSIBILIDADE.
1. É cabível a agravante prevista no art. 62, IV, do Código Penal a incidir no delito de descaminho, quando caracterizado que o crime ocorreu mediante paga ou promessa de pagamento, por não constituir elementar do tipo previsto no artigo 334 do Código Penal.
2. Inexistindo recurso de apelação perante o Tribunal de origem, a questão estará preclusa para apreciação do Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso especial.
3. Todavia, verificada a flagrante ilegalidade, observadas as peculiaridades do caso, "é possível, na segunda fase da dosimetria da pena, a compensação da agravante da reincidência com a atenuante da confissão espontânea, por serem igualmente preponderantes, de acordo com o artigo 67 do Código Penal" (EREsp n. 1.154.752/RS, 3ª Seção, DJe 4/9/2012 e RESP. n. 1.341.370/MT, julgado pelo rito dos recursos repetitivos, 3ª Seção, DJe 17/4/2013).
4. Recurso especial do Ministério Publico Federal provido para reconhecer a agravante prevista no art. 62, IV, do Código Penal, e não conhecer do recurso especial interposto por Ilton Mendes Ferraz. Habeas corpus concedido de ofício para, na segunda fase da dosimetria da pena, proceder à compensação entre a agravante da reincidência e a atenuante da confissão espontânea, tornando a reprimenda definitiva em 1 ano e 6 meses de reclusão.
(REsp 1317004/PR, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 23/09/2014, DJe 09/10/2014) (grifo nosso)

No mesmo sentido, o entendimento deste E. Tribunal Regional Federal:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. DESCAMINHO. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO. ART. 62, IV, DO CP. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. COMPENSAÇÃO ENTRE AGRAVANTE E ATENUANTE. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO.
1. Materialidade, autoria e dolo comprovados.
2. Não basta a mera alegação de ausência de dolo por desconhecimento da mercadoria transportada para afastar a culpabilidade. É necessário perquirir se as circunstâncias fáticas e o conjunto probatório coadunam-se de forma consistente com a versão do acusado, o que não ocorre na espécie.
3. Dosimetria da pena. Incidência da agravante do art. 62, IV, do Código Penal, visto que a prática do crime mediante paga ou promessa não constitui elementar dos delitos de contrabando e descaminho.
4. Efetuada a compensação entre a atenuante da confissão espontânea e a agravante da paga ou promessa de recompensa, visto que são, igualmente, circunstâncias preponderantes, que resultam da personalidade do agente e dos motivos determinantes do crime (CP, art. 67).
5. Mantidos o regime inicial aberto de cumprimento de pena e a substituição da pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de direito, nos moldes fixados na sentença condenatória.
6. Mantida a aplicação do efeito extrapenal da inabilitação para dirigir veículo (CP, art. 92, III) pelo prazo da pena aplicada.
7. Apelação da defesa não provida. Apelação da acusação parcialmente provida. 
(TRF 3ª Região, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 75400 - 0000191-39.2014.4.03.6142, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO, julgado em 19/02/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/02/2019) (grifo nosso)

PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 334-A, §1º, INCISO I E V, CP. CONTRABANDO. CIGARROS. MATERIALIDADE AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. PENA-BASE ACIMA DO MINIMO LEGAL. AGRAVANTE DO ART. 62, IV, CP APLICADA. ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTANEA RECONHECIDA. REGIME INICIAL ABERTO. PRSENTES OS REQUISITOS PARA SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RETRITIVA DE DIREITOS. REDUÇÃO DO VALOR DA PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA.
[...]
4. Incide a agravante prevista no art. 62, IV, do Código Penal para o crime de contrabando, dada a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a paga ou promessa de recompensa não é circunstância inerente ao tipo penal do art. 334-A do Código Penal (STJ, AgInt no REsp n. 1.457.834, Rel. Min. Nefi Cordeiro, j. 17.05.16; STJ, REsp n. 1.317.004, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. 23.09.14).
5. Reconhecida a atenuante da confissão espontânea.
6. Fixado o regime inicial aberto, nos termos do art. 33, §2º, c do CP.
7. Presentes os requisitos do art. 44 do CP, mister a substituição da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos.
8. Reduzido o valor da prestação pecuniária a par da extensão do dano, dos fins da pena e da condição econômica do réu.
9. Recurso da defesa parcialmente provido. 
(TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 76293 - 0000927-31.2015.4.03.6107, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES, julgado em 05/11/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/11/2018) (grifo nosso)

Ressalto, entretanto, que a confissão espontânea e a paga ou promessa de recompensa são, igualmente, circunstâncias preponderantes, que resultam da personalidade do agente e dos motivos determinantes do crime, nos moldes do artigo 67 do Código Penal, razão pela qual deve ser mantida a compensação de ambas.

Assim, compensada a circunstância agravante com a atenuante, a pena deve ser mantida no patamar de 2 (dois) anos, 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão.

3ª fase

Na terceira etapa da dosimetria, preservo o entendimento do magistrado de primeiro grau, no sentido de que não incidem causas de aumento ou de diminuição da pena.

Dessa forma, fixo a reprimenda definitivamente em 02 (dois) anos, 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão.

Da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos

Igualmente em razão da valoração negativa das circunstâncias do crime, o juízo a quo deixou de substituir a pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos, contra o que a defesa se insurge.

Encontram-se preenchidos os requisitos previstos no artigo 44 do Código Penal, na medida em que a pena definitivamente aplicada não é superior a 4 (quatro) anos, o réu não é reincidente e não ostenta maus antecedentes, e a análise das circunstâncias judiciais indica que a substituição atende aos fins de prevenção e retribuição pelo delito praticado.

Assim, merece acolhimento o pedido defensivo pela substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, a ser estabelecida pelo Juízo da Execução Penal, e prestação pecuniária, que, observada a condição socioeconômica do réu, conforme aferido em seu interrogatório judicial, fixo em 2 (dois) salários mínimos, destinada à União Federal.

Do regime inicial de cumprimento da pena

O magistrado sentenciante fixou o regime inicial semiaberto para o início do cumprimento da pena privativa de liberdade, em razão da valoração negativa das circunstâncias do crime.

A defesa requer a fixação do regime aberto, o que merece prosperar.

Isto porque, tendo em vista o quantum da pena, o fato de não se tratar de réu reincidente, e que foi analisada desfavoravelm to da pena privativa de liberdade fixada, nos termos do artigo 33, §2º, alínea "c", do Código Penal.

Da revogação da prisão preventiva

Tendo em vista que a fixação do regime aberto para cumprimento da reprimenda, revela-se incompatível a manutenção da prisão preventiva decretada nos autos.

Nesse sentido, colaciono precedentes do E. Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTE. PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA. SUPERVENIÊNCIA DE CONDENAÇÃO. RECONHECIMENTO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. REPRIMENDA REDUZIDA. IMPOSIÇÃO DO REGIME ABERTO. PRESERVAÇÃO DA CONSTRIÇÃO. NEGATIVA DE RECORRER EM LIBERDADE. DESPROPORCIONALIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL DEMONSTRADO. RECLAMO PROVIDO.

1. Consoante entendimento pacificado neste Superior Tribunal, a fixação do regime aberto para o inicial cumprimento da pena é incompatível com a negativa do apelo em liberdade.

2. Não obstante ter a agente permanecido segregada durante todo o desenrolar da ação penal, a bem da ordem pública, foi beneficiada com o redutor do art. 33, § 4º, da Lei de Drogas e findou condenada a reprimenda a ser descontada em regime aberto, mostrando-se desproporcional a preservação da prisão preventiva.

3. Recurso ordinário provido para revogar a prisão preventiva da recorrente, permitindo-lhe que aguarde em liberdade o trânsito em julgado da sentença condenatória, sem prejuízo de que nova constrição seja ordenada, caso se mostre necessária.

(RHC 201403209670. Ministro Jorge Mussi. Quinta Turma. DJE DATA:19/03/2015) (grifo nosso)

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO EM FLAGRANTE. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA CONDENATÓRIA. NEGATIVA DO APELO EM LIBERDADE PELOS MESMOS FUNDAMENTOS UTILIZADOS PARA INDEFERIR A LIBERDADE PROVISÓRIA. CONDENAÇÃO EM REGIME INICIAL ABERTO. INCOMPATIBILIDADE COM A MANUTENÇÃO DA CUSTÓDIA CAUTELAR. RECURSO PROVIDO.

1. O Paciente foi preso em flagrante, no dia 07 de dezembro de 2011, quando trazia consigo, para entregar a consumo de terceiros, 20 trouxinhas de crack, pesando aproximadamente 3g, além de 2,5g de maconha. Encerrada a instrução, o réu foi condenado à pena privativa de liberdade de 03 anos, 10 meses e 15 dias de reclusão, a ser cumprida, em regime aberto.

2. Conquanto a sentença condenatória constitua novo título a embasar a manutenção do cárcere e inexista apreciação do Tribunal de origem acerca da superveniente sentença, não resta configurada hipótese de supressão de instância, porquanto limitou-se o juízo sentenciante a manter a custódia, vale dizer, indeferiu a liberdade do condenado, sem agregar fundamentos novos.

3. Fixado o regime aberto, que se baseia na autodisciplina e no senso de responsabilidade do condenado, para o inicial cumprimento da sanção penal, o Recorrente cumprirá sua pena privativa de liberdade desvigiado. Nos termos do art. 36, § 1º, do Código Penal, o condenado deverá, fora do estabelecimento prisional e sem vigilância, trabalhar, frequentar curso ou exercer outra atividade autorizada, permanecendo recolhido tão-somente durante o período noturno e nos dias de folga.

4. Por esse motivo, nos termos da jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, fixado o regime aberto para o inicial cumprimento da reprimenda, em homenagem ao princípio da razoabilidade, a negativa do apelo em liberdade constitui constrangimento ilegal. Afinal, o condenado não pode permanecer preso provisoriamente em regime diverso daquele fixado para o cumprimento da sanção penal. E, por óbvio, o cumprimento de sanção penal no regime mais favorável é incompatível com o cárcere preventivo.

5. Recurso provido para revogar a custódia preventiva imposta ao Recorrente, assegurando-lhe o direito de permanecer em liberdade até o trânsito em julgado da condenação.

(RHC 33.193/RS, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 24/06/2013) (grifo nosso)

Destarte, revogo a prisão preventiva decretada em desfavor do réu, determinando a expedição de alvará de soltura em favor do mesmo.

Da inabilitação para dirigir veículo

A defesa pretende o afastamento da pena de inabilitação para dirigir, o que não deve ser acolhido.

Sobre o assunto, dispõe a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça:

"PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PORTARIA MF N. 75/2012. QUESTÃO JÁ DECIDIDA, PELO STJ, EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REITERAÇÃO DELITIVA. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO. MANUTENÇÃO DA MEDIDA.
1. O tema concernente à aplicabilidade do patamar previsto na Portaria MF n. 75/2012 para fins de análise da atipicidade material da conduta já foi objeto de apreciação por esta Corte, no julgamento do AREsp n. 256.336/PR, o que torna prejudicada a questão.
2. A aplicação do princípio da insignificância no crime de descaminho não é possível quando a existência de informações acerca de reiteração delitiva em delitos da mesma natureza demonstram elevado grau de reprovabilidade do comportamento do acusado e maior potencial de lesividade ao bem jurídico tutelado (AgRg no AREsp n. 563.139/PR, Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJe 22/6/2015).
3. A aplicação da medida prevista no art. 92, III, do Código Penal exige três requisitos: crime doloso; veículo como instrumento do crime; declaração expressa na sentença (CAPEZ, Fernando. Código penal comentado. 4ª ed., São Paulo: Saraiva, 2013). No presente caso, trata-se de crime doloso, para cuja prática foi utilizado veículo, tendo sido a medida adequadamente motivada, como impõe o art. 92, parágrafo único, do Código Penal. Sendo assim, os requisitos encontram-se devidamente cumpridos.
4. Agravo regimental improvido."
(AgRg no REsp 1530091/PR, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 25/08/2015, DJe 15/09/2015) (g.n.)

A inabilitação para dirigir veículo constitui efeito da condenação, apresentando-se como uma reprimenda legalmente prevista, de todo aplicável ao presente caso, a fim de atingir os escopos de repressão e prevenção da pena.

Ainda que a inabilitação para dirigir não impeça a reiteração criminosa, não há dúvida que a torna mais difícil, além de possuir efeito dissuasório, desestimulando a prática criminosa sem encarceramento. O efeito da condenação em questão deve ser aplicado em casos de descaminho, contrabando, bem como de tráfico de drogas, armas, animais ou pessoas, restando o agente inabilitado para conduzir veículo, em especial quando evidenciado que a fruição do direito de dirigir teve importância no "iter criminis" (ACR 50037438020124047010, Márcio Antônio Rocha, TRF4 - Sétima Turma, D.E. 17/09/2014).

Indubitável que no caso em apreço o apelante, na condição de motorista, utilizou a licença para conduzir veículo concedida pelo Estado para perpetrar o crime de contrabando. O fato de atuar em profissão que exige Carteira Nacional de Habilitação não afasta os efeitos dessa pena, visto que transportou significativa quantidade de cigarros desacompanhados da documentação de sua regular introdução em território nacional, tendo plena ciência da ilicitude de sua conduta.

Cabe ressaltar que diversas outras profissões poderão ser adotadas pelo réu sem que isso, por si, lhe retire meios de prover a própria subsistência e a de seus dependentes. Destaco, neste sentido, que, ao ser interrogado em juízo, o réu declarou que trabalhava em uma vidraçaria antes de ser preso. O argumento de que algumas profissões exigem a CNH não permite que possa cometer crimes utilizando-se exatamente de veículos como instrumentos, e em seguida se furtar às sanções legais com a alegação de que precisa da habilitação para desenvolver a atividade profissional que escolhera.

Por tais razões, e tendo em vista o comando previsto no artigo 92, inciso III, do Código Penal, mantenho a sanção aplicada ao réu na sentença recorrida, cujos efeitos devem perdurar pelo prazo da pena corporal.

Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso defensivo, para fixar o regime aberto para início do cumprimento da reprimenda, revogando-se a prisão preventiva, e para substituir a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, a ser estabelecida pelo Juízo da Execução Penal, e prestação pecuniária no valor de 2 (dois) salários mínimos, destinada à União Federal.

Expeça-se alvará de soltura clausulado em favor do réu, e comunique-se a Vara de Execução Criminal.

É o voto.



E M E N T A

APELAÇÃO CRIMINAL. CONTRABANDO DE CIGARROS. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. DOLO COMPROVADO. DOSIMETRIA. VALORAÇÃO NEGATIVA DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. ATENUANTE DE CONFISSÃO ESPONTÂNEA. AGRAVANTE DO ARTIGO 62, INCISO IV, DO CÓDIGO PENAL. COMPENSAÇÃO. REGIME ABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA RESTRITIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE E PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. MANTIDA A PENA DE INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULOS. APELO DEFENSIVO PARCIALMENTE PROVIDO. 

1. O réu foi condenado pela prática do delito do artigo 334-A, §1º, inciso I, do Código Penal, c.c. artigos 2º e 3º do Decreto-Lei nº 399/68, e absolvido da imputação pela prática dos crimes previstos no artigo 180, caput, do Código Penal, e no artigo 70 da Lei nº 4.117/62, com fulcro no artigo 386, incisos IV e V, do Código de Processo Penal.

2. A materialidade do crime foi demonstrada pelo Auto de Prisão em Flagrante, pelo Auto de Apresentação e Apreensão, e pelo Laudo de Perícia Criminal em Merceologia, os quais comprovam a apreensão, no caminhão em relação ao qual o réu atuava como batedor, de aproximadamente 900 (novecentas) caixas de cigarros de origem paraguaia, da marca Gift, desacompanhados de documentação comprobatória de sua regular internalização, bem como de selos de controle de arrecadação de IPI, tornando inconteste a materialidade delitiva.

3. A confissão exarada em fase investigativa e em juízo, somada ao depoimento das testemunhas policiais e ao restante do conjunto probatório produzido, torna patente que o réu atuava como batedor no transporte de cigarros de origem estrangeira, desacompanhados de documentação de sua regular importação, ciente de que praticava conduta criminosa, à qual aderiu de forma livre e consciente, tornando induvidosos a autoria delitiva e o dolo. mantenho a condenação e passo à dosimetria.

4. Na primeira fase da dosimetria, perfilho do entendimento de que a excessiva quantidade de cigarros apreendidos em poder do réu - aproximadamente 450.000 (quatrocentos e cinquenta mil) maços - constitui fator apto a elevar a pena-base. Embora a quantidade de cigarros permita a exasperação da pena em patamar em muito superior ao estabelecido na sentença, deixo de fazê-lo, à míngua de recurso da acusação neste sentido, mantendo a exasperação da pena-base para 2 (dois) anos, 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão.

5. Na segunda etapa da dosimetria, o réu faz jus à atenuação da pena nos moldes do artigo 65, inciso III, alínea "d", do Código Penal, uma vez que confessou a prática do crime em comento em sede investigativa e em juízo, sendo a confissão utilizada inclusive para embasar a condenação. Por outro lado, no que diz respeito ao reconhecimento da agravante do artigo 62, inciso IV, do Código Penal, com ressalva do meu entendimento pessoal, passo a adotar a orientação do C. Superior Tribunal de Justiça quanto à incidência da agravante acima referida, no sentido de que não constitui elementar do tipo previsto nos artigos 334 e 334-A do Código Penal. Por se tratar de circunstâncias igualmente preponderantes, que resultam da personalidade do agente e dos motivos determinantes do crime, nos moldes do artigo 67 do Código Penal, deve-se operar a compensação entre ambas. 

6. Na terceira etapa da dosimetria, preservo o entendimento do magistrado de primeiro grau, no sentido de que não incidem causas de aumento ou de diminuição da pena. Assim, mantenho a pena definitivamente em 2 (dois) anos, 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão. 

7. Tendo em vista o quantum da pena, o fato de não se tratar de réu reincidente, e que foi analisada desfavoravelmente apenas uma circunstância judicial, revela-se mais adequado o regime aberto para o cumprimento da pena privativa de liberdade fixada, nos termos do artigo 33, §2º, alínea "c", do Código Penal. 

8. Encontram-se preenchidos os requisitos previstos no artigo 44 do Código Penal, na medida em que a pena definitivamente aplicada não é superior a 4 (quatro) anos, o réu não é reincidente e não ostenta maus antecedentes, e a análise das circunstâncias judiciais indica que a substituição atende aos fins de prevenção e retribuição pelo delito praticado. Assim, merece acolhimento o pedido defensivo pela substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, a ser estabelecida pelo Juízo da Execução Penal, e prestação pecuniária, que, observada a condição socioeconômica do réu, conforme aferido em seu interrogatório judicial, fixo em 2 (dois) salários mínimos, destinada à União Federal.

9. Tendo em vista que a fixação do regime aberto para cumprimento da reprimenda, revela-se incompatível a manutenção da prisão preventiva decretada nos autos. Destarte, revogo a prisão preventiva decretada em desfavor do réu, determinando a expedição de alvará de soltura em favor do mesmo.

10. A inabilitação para dirigir veículo constitui efeito da condenação, apresentando-se como uma reprimenda legalmente prevista, de todo aplicável ao presente caso, a fim de atingir os escopos de repressão e prevenção da pena. Ainda que ela não impeça a reiteração criminosa, não há dúvida que a torna mais difícil, além de possuir efeito dissuasório, desestimulando a prática criminosa sem encarceramento. Sanção mantida pelo período da pena privativa de liberdade.

11. Recurso defensivo parcialmente provido. 
 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, REVISÃO RATIFICADA PELO DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS. A Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso defensivo, para fixar o regime aberto para início do cumprimento da reprimenda, revogando-se a prisão preventiva, e para substituir a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, a ser estabelecida pelo Juízo da Execução Penal, e prestação pecuniária no valor de 2 (dois) salários mínimos, destinada à União Federal, expedindo-se alvará de soltura clausulado em favor do réu, e comunicando-se a Vara de Execução Criminal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.