Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 6209060-95.2019.4.03.9999

RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: REGINA LAGE

Advogado do(a) APELADO: MARCO ANTONIO DA SILVA FILHO - SP365072-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 6209060-95.2019.4.03.9999

RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: REGINA LAGE

Advogado do(a) APELADO: MARCO ANTONIO DA SILVA FILHO - SP365072-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

R E L A T Ó R I O

A SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL THEREZINHA CAZERTA (RELATORA): Trata-se de ação previdenciária, ajuizada contra o INSS – INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL e pela qual a parte autora objetiva reconhecimento de períodos de trabalho desempenhados em condições especiais, para obtenção de aposentadoria especial ou, subsidiariamente, aposentadoria por tempo de contribuição.

Concedida justiça gratuita.

A sentença julgou procedente o pedido, para: a) reconhecer que a parte autora exerceu atividades especiais nos períodos compreendidos entre 14/11/1984 a 10/07/1997; 10/07/2003 a 27/09/2005; 20/03/2006 a 23/11/2006; 15/01/2007 a 24/01/2012 e 03/12/2012 a 25/05/2017 (DER), devendo o requerido proceder à respectiva averbação; b) condenar a autarquia a conceder à parte-autora o benefício da aposentadoria especial ou, subsidiariamente, da aposentadoria por tempo de contribuição, caso a medida preconizada no item “a” implique a existência de tempo suficiente ao benefício pleiteado, a partir do requerimento administrativo do benefício (25/05/2017 – p. 79); assegurada a opção pelo benefício mais vantajoso; c) consignar que, tratando-se de condenação imposta à Fazenda Pública para pagamento de verbas de natureza não-tributária, os valores em atraso, observada a prescrição quinquenal, deverão ser corrigidos monetariamente a partir de cada vencimento pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91 e acrescidos de juros de mora, calculados nos mesmos moldes da caderneta de poupança, a partir da citação (art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009); d) condenar o INSS ao pagamento de honorários advocatícios, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor total da condenação, calculados sobre as prestações vencidas até a prolação da sentença, nos termos da Súmula 111/STJ.

 Apelação do INSS, pela qual sustentou, em resumo, inexistência de hipótese de reconhecimento de atividades especiais realizadas pelo autor da demanda, dada a escassez probatória e insubsistência dos elementos nocivos identificados.  Subsidiariamente, pleiteou sejam os reflexos financeiros (DIB) postergados para a data da juntada do Laudo Pericial, bem como que a atualização monetária obedeça aos índices oficiais de remuneração básica da caderneta de poupança, na forma da Lei n. 11.960/09.

O segurado apresentou contrarrazões, em suma, pugnando pela manutenção da sentença e fixação de honorários recursais.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 6209060-95.2019.4.03.9999

RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: REGINA LAGE

Advogado do(a) APELADO: MARCO ANTONIO DA SILVA FILHO - SP365072-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

V O T O

EMENTA: "APELAÇÃO. PREVIDENCIÁRIO. SENTENÇA CONDICIONAL. NULIDADE. TRABALHO EM CONDIÇÕES NOCIVAS. APOSENTADORIA ESPECIAL. REQUISITOS CUMPRIDOS. CRITÉRIOS DE ATUALIZAÇÃO DA DÍVIDA. PARCIAL PROVIMENTO. 1. O trecho da sentença que condiciona a percepção do benefício previdenciário a posterior verificação de certos requisitos viola o comando do art. 492, p.u., do NCPC. Anulação de ofício. Precedentes desta E. Oitava Turma.  2. A controvérsia cinge-se no reconhecimento de labores especiais indicados pelo autor, para o fim de concessão de aposentadoria especial ou, subsidiariamente, aposentadoria por tempo de contribuição. 3. O conjunto probatório autoriza o reconhecimento dos trabalhos especiais indicados pela parte autora. 4. Conjugados os períodos de trabalho declarados, verifica-se que o segurado preenche os requisitos para obtenção de aposentadoria especial, desde a data do requerimento administrativo. 5. Os índices de correção monetária e taxa de juros de mora observarão o julgamento do C. STF no RE 870.947 (repercussão geral), bem como o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal em vigor por ocasião da execução do julgado. 6. Sentença condicional parcialmente anulada. Apelação do INSS parcialmente provida, restrita ao ajuste dos critérios de correção da dívida".

 

A SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL THEREZINHA CAZERTA (RELATORA): A controvérsia cinge-se na possibilidade de reconhecimento dos labores especiais indicados pelo autor, para o fim de concessão de aposentadoria especial ou aposentadoria por tempo de contribuição.

Da sentença condicional

Inicialmente, tem-se que o art. 492, parágrafo único, do NCPC, proíbe as denominadas sentenças condicionais, ordenando que decisões dessa natureza sejam certas, ainda que decidam relação jurídica condicional.

Nessa linha, a análise dos requisitos para concessão de aposentadoria especial ou por tempo de contribuição são típicas do processo de conhecimento, não podendo ser relegadas para verificação posterior. Nesse sentido, precedente desta E. Oitava Turma:

“PREVIDENCIÁRIO. SENTENÇA CONDICIONAL. ATIVIDADE ESPECIAL. TRABALHADORES NA AGROPECUÁRIA. RUÍDO. APOSENTADORIA ESPECIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. I- Nos termos do art. 492, parágrafo único, do CPC, a sentença deve ser certa, ainda quando decida relação jurídica condicional. A sentença que condiciona a procedência do pedido à satisfação de determinados requisitos pelo autor deixa a lide sem solução, negando a segurança jurídica buscada pela via da jurisdição. II- No que se refere ao reconhecimento do tempo de serviço especial, a jurisprudência é pacífica no sentido de que deve ser aplicada a lei vigente à época em que exercido o trabalho, à luz do princípio tempus regit actum. III-  O Conselho de Recursos da Previdência Social editou o Enunciado nº 33, in verbis: "Para os efeitos de reconhecimento de tempo especial, o enquadramento do tempo de atividade do trabalhador rural, segurado empregado, sob o código 2.2.1 do Quadro anexo ao Decreto n° 53.831, de 25 de março de 1964, é possível quando o regime de vinculação for o da Previdência Social Urbana, e não o da Previdência Rural (PRORURAL), para os períodos anteriores à unificação de ambos os regimes pela Lei n° 8.213, de 1991, e aplica-se ao tempo de atividade rural exercido até 28 de abril de 1995, independentemente de ter sido prestado exclusivamente na lavoura ou na pecuária." IV- Em se tratando do agente nocivo ruído, a atividade deve ser considerada especial se exposta a ruídos acima de 80 dB, nos termos do Decreto nº 53.831/64. No entanto, após 5/3/97, o limite foi elevado para 90 dB, conforme Decreto nº 2.172. A partir de 19/11/03 o referido limite foi reduzido para 85 dB, nos termos do Decreto nº 4.882/03. V- A documentação apresentada permite o reconhecimento da atividade especial no período pleiteado. VI- Com relação à aposentadoria especial, houve o cumprimento dos requisitos previstos no art. 57 da Lei nº 8.213/91. VII- A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora. Com relação aos índices de atualização monetária e taxa de juros, devem ser observados os posicionamentos firmados na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso Especial Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905), adotando-se, dessa forma, o IPCA-E nos processos relativos a benefício assistencial e o INPC nos feitos previdenciários. A taxa de juros deve incidir de acordo com a remuneração das cadernetas de poupança (art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09), conforme determinado na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso Especial Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905). VIII- A verba honorária fixada, no presente caso, à razão de 10% sobre o valor da condenação remunera condignamente o serviço profissional prestado. No que se refere à sua base de cálculo, devem ser levadas em conta apenas as parcelas vencidas até a data da prolação da sentença, nos termos da Súmula nº 111, do C. STJ. Considerando que a sentença tornou-se pública, ainda, sob a égide do CPC/73, impossível a aplicação do art. 85 do novo Estatuto Processual Civil, sob pena de afronta ao princípio da segurança jurídica, consoante autorizada doutrina a respeito da matéria e Enunciado nº 7 do C. STJ: "Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016 será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, §11, do NCPC." IX- Na hipótese de a parte autora estar recebendo aposentadoria, auxílio-doença ou abono de permanência em serviço, deve ser facultado ao demandante a percepção do benefício mais vantajoso, sendo vedado o recebimento conjunto, nos termos do art. 124 da Lei nº 8.213/91. X- Sentença condicional parcialmente anulada. Apelações parcialmente providas. (TRF 3ª Região, 8ª Turma,  ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0012061-24.2012.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA, julgado em 09/03/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 12/03/2020)

Dessa forma, o trecho do dispositivo da sentença, condenando o INSS “a conceder à parte autora o benefício da aposentadoria especial ou, subsidiariamente, da aposentadoria por tempo de contribuição, caso a medida preconizada no item “A” [reconhecimento dos tempos especiais] implique a existência de tempo suficiente ao benefício pleiteado”, por se apresentar condicional, merece anulação.

Do tempo e aposentadoria especial

Destaco, inicialmente, que a aposentadoria especial está prevista no art. 57, “caput”, da Lei nº 8.213/91, pressupondo o exercício de atividade considerada especial pelo tempo de 15, 20 ou 25 anos, o que, após cumprido, confere ao segurado o direito à aposentadoria com valor equivalente a 100% do salário-de-benefício (§ 1º do art. 57), não estando submetido à inovação legislativa da EC 20/98 (inexistência de pedágio ou exigência de idade mínima) bem como não se sujeitando ao fator previdenciário, consoante o art. 29, II, da Lei de Benefícios.

Acerca do tempo da atividade especial, pacífica a jurisprudência no sentido de que a legislação aplicável para a respectiva caracterização é a vigente no período em que desempenhada, razão pela qual, neste caso, incidente o regramento dos Decretos 53.831/64 e 83.080/79, até 05.03.1997 e, após, o Decreto 2.172/97.

Por sinal, os Decretos 53.831/64 e 83.080/79 vigeram de forma simultânea, não havendo revogação do primeiro pelo segundo, de forma que, na eventual divergência entre as duas normas, deverá prevalecer a disciplina mais favorável ao segurado. Nesse sentido: STJ, REsp 412.351/RS; Rel. Min. Laurita Vaz; DJ: 17.11.2003; TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv 5001534-85.2018.4.03.6128, Rel. Desembargador Federal Nelson Porfirio, p. em 11/10/2019.

Assim, desimportante que, eventualmente, o segurado não tenha completado o tempo mínimo de serviço para se aposentar à época em que foi editada a Lei 9.032/95.

Ademais o art. 58 da Lei n.º 8.213/91 dispunha, em sua redação original:

“Art. 58. A relação de atividades profissionais prejudiciais à saúde ou à integridade física será objeto de lei específica”.

Até o advento da Lei 9.032/95, de 28 de abril de 1995, presume-se a especialidade do labor pelo simples exercício de profissão que se enquadre no disposto nos anexos dos regulamentos acima referidos, exceto para os agentes nocivos ruído, poeira e calor, para os quais sempre se exigiu a apresentação de laudo técnico.

Já entre os lapsos de 28.05.1995 e 11.10.1996, se consolidou o entendimento de ser suficiente, para a caracterização da atividade especial, a apresentação dos informativos SB-40 e DSS-8030, com a ressalva dos agentes nocivos ruído, calor e poeira.

Editada a Medida Provisória 1.523/96, em 11.10.1996, o dispositivo legal supracitado mudou de redação, com a inclusão dos parágrafos 1º, 2º, 3º e 4º, na seguinte conformidade (“verbis”):

“Art. 58. A relação dos agentes nocivos químicos, físicos e biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física considerados para fins de concessão da aposentadoria especial de que trata o artigo anterior será definida pelo Poder Executivo.

§ 1º a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante formulário, na forma estabelecida pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho.

[...]”

Conclui-se, portanto, que tanto na redação original do art. 58 da Lei 8.213/91 como na trazida pela Medida Provisória 1.523/96, objeto de sucessivas reedições até ser convertida na Lei nº 9.528/97, não foram relacionados os agentes prejudiciais à saúde, sendo que tal relação somente foi definida com a edição do Decreto 2.172, de 05.03.1997 (art. 66 e Anexo IV).

Ocorre que, em face de matéria reservada à lei, tal Decreto somente passou a ter eficácia a partir da edição da Lei 9.528, de 10.12.1997, razão pela qual somente para atividades exercidas a partir de então se tornou exigível a apresentação de laudo técnico. Neste diapasão: STJ, Resp 436661/SC; p.em 02.08.2004; TRF 3ª Região, 8ª Turma, Ap.Civ 5000938-89.2017.4.03.6111, Rel. Desembargador Federal David Dantas, p. em 08/11/2019).

Destarte, a atividade desenvolvida até 10.12.1997 pode ser considerada especial, mesmo sem a apresentação de laudo técnico, pois em razão da legislação de regência até então, era suficiente para a respectiva caracterização o enquadramento pela categoria profissional (até 28.04.1995 - Lei 9.032/95) e/ou a apresentação dos informativos SB-40 e DSS-8030.

Outrossim, o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pelo art. 58, § 4º, da Lei 9.528/97, é documento que retrata as características do trabalho do segurado, trazendo a identificação do engenheiro ou perito responsável pela avaliação das condições laborais. Logo, é apontamento hábil para comprovar o exercício de atividade sob condições especiais, mesmo em substituição ao laudo técnico.

Isso não bastasse, o próprio INSS reconhece o PPP como documento idôneo e suficiente para comprovação do histórico laboral do segurado, inclusive em condições nocivas, criado para substituir os formulários SB-40, DSS-8030 e sucessores, reunindo as informações do Laudo Técnico de Condições Ambientais de Trabalho – LTCAT, sendo de entrega obrigatória aos trabalhadores, quando do término da relação laboral.

A jurisprudência desta E. Corte, de fato, aponta ser prescindível a juntada de laudo técnico aos autos ou realização de laudo pericial, nos casos em que o interessado apresenta o PPP, com o escopo de demonstrar o labor realizado sob condições especiais, sem prejuízo da complementariedade de todos para fins de avaliação probatória. Por todos: ApelRemNec 0013176-53.2010.4.03.6183, Rel. Desembargador Federal Luiz Stefanini, p. em 12/11/2019; ApReeNec 5120415-48.2018.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal David Dantas, p. em 14/08/2019.

A contemporaneidade do PPP ou laudo técnico em relação às atividades desenvolvidas e para que consideradas válidas as respectivas conclusões, a seu turno, é também prescindível, dada a inexistência de previsão legal nesse sentido, bem como porque a “evolução tecnológica faz presumir serem as condições ambientais de trabalho pretéritas mais agressivas do que quando da execução dos serviços” (TRF 3ª Região, 8ª Turma,  ApCiv 0002770-67.2011.4.03.6108, Rel. Desembargador Federal Luiz Stefanini, p. em 09/01/2020). Nesse diapasão, ainda, a Súmula 68 da Turma Nacional de Uniformização Jurisprudencial (TNU): “O laudo pericial não contemporâneo ao período trabalhado é apto à comprovação da atividade especial do segurado”.

Nesse diapasão, eventual “ausência de indicação no PPP de responsável técnico ambiental antes de 01/08/2000 não pode prejudicar o empregado que trabalhou sob condições nocivas, pois, aqui também, se as condições do ambiente de trabalho tendem a se aprimorar com a evolução tecnológica e da segurança do trabalho, supõe-se que em tempos pretéritos a situação era mais prejudicial ou, quando menos, igual à constatada na data da realização da perícia” (TRF 3ª Região, 8ª Turma,  ApCiv 5004626-98.2018.4.03.6119, Rel. Desembargador Federal Newton de Lucca, p. em 17/12/2019).

Quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual – EPI, mister salientar que o PPP, contendo eventual informação de eficácia do EPI, é confeccionado unilateralmente pelo empregador com o objetivo de obtenção de benesses tributárias, como bem observou o E. Ministro Teori Zavascki, no julgamento do RE 664.335/SC (repercussão geral), do qual destaco o seguinte trecho (“verbis”):

 "[...]

Temos que fazer - e isso é fundamental, no meu entender, nessa matéria -, duas distinções importantes. A primeira distinção é sobre as diferentes relações jurídicas que estão nesse contexto, que não podem ser examinadas como se fossem uma só. Há a relação jurídica que se estabelece entre o empregador e o INSS, que é a relação jurídica tributária. Para fazer jus a uma alíquota tributária menor, o empregador faz declaração de que fornece equipamento eficaz. Essa é uma relação de natureza tributária. E essa declaração do empregador sobre o perfil profissiográfico previdenciário, PPP, é uma declaração que está inserida no âmbito da relação tributária entre o INSS e o empregador contribuinte. Portanto, o empregado não tem nenhuma participação nisso, e nem pode ter. Assim, obviamente, a declaração (PPP) não o afeta.

A conclusão do Ministro Barroso, no final, de que essa declaração não vincula ao empregado está corretíssima, porque se trata de uma declaração no âmbito de uma relação jurídica de natureza tributária de que ele não participa.

[...]

No meu entender, o que estamos discutindo é apenas a questão de direito relativa à relação jurídica previdenciária, não à relação jurídica tributária. Não tem pertinência alguma com a declaração do empregador, para efeito de contribuição previdenciária, mas apenas a relação do empregado segurado em relação ao INSS.

[...]"

 É dizer: essa declaração - de eficácia na utilização do EPI - é elaborada essencialmente no âmbito da relação tributária existente entre o empregador e o INSS, não pesando na relação jurídica de direito previdenciário existente entre o segurado e o INSS.

Poder-se-ia argumentar que, à míngua de prova em sentido contrário, deveria prevalecer o PPP elaborado pelo empregador, em desfavor da pretensão do empregado. E que caberia a ele, empregado, comprovar: a) que o equipamento era utilizado; b) e que, utilizado, anularia os agentes insalubres/nocivos.

No entanto, aplicando-se as regras do ônus da prova estabelecidas no CPC, tem-se que (“verbis”):

"Art. 373. O ônus da prova incumbe:

I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;

II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor."

 Desse texto legal se pode inferir que ao segurado compete o ônus da prova de fato constitutivo do seu direito, qual seja, a exposição a agentes nocivos/insalubres de forma habitual e permanente e ao INSS (réu) a utilização de EPI com eficácia para anular os efeitos desses agentes, o que não se verificou na hipótese dos autos, onde o INSS não se desincumbiu dessa prova, limitando-se a invocar o documento (PPP) unilateralmente elaborado pelo empregador para refutar o direito ao reconhecimento da especialidade, o que não se pode admitir sob pena de subversão às regras procedimentais do ônus probatório, tal como estabelecidas no CPC.

Ademais, o E. STF, ao analisar o ARE 664.335/SC, reconheceu a repercussão geral da questão constitucional nele suscitada e, no mérito, fixou o entendimento de que a eficácia do EPI não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria, nos casos de exposição ao agente nocivo ruído.

E no mesmo Acórdão supramencionado, o Pretório Excelso desacolheu o argumento segundo o qual é indevida a concessão de aposentadoria especial sem amparo de prévia fonte de custeio, dado que a norma inscrita no art. 195, § 5º, da Carta Magna, que veda a criação, majoração ou extensão de benefício sem a correspondente fonte de custeio, é dirigida ao legislador ordinário, sendo inexigível quando se tratar de benefício criado diretamente pela Constituição, caso do benefício da aposentadoria especial.

O caso concreto

Devem ser reconhecidos como especiais, os seguintes períodos:

I - Período: 14/11/1984 a 10/07/1997. Atividades: setor de acabamento da empresa “HBA Hutchinson” diretamente ligada à produção de borracha. Nocividade (1): exposição, de forma habitual e permanente, a ruído de 87,6 dB(A), acima dos limites normativos de tolerância. Fundamento (1): conjugadas as normatizações do Decreto 53.831/64, Decreto 83.080/79, Decreto 2.172, de 05/03/1997, art. 181 da IN 78/2002 e no Decreto 3.048/99, alterado pelo Decreto 4.882/2003, a consideração de atividade especial com base em ruído deve observar as seguintes balizas: a) até 05/03/1997, 80 dB; b) a partir de 06.03.1997 até 18.11.2003, 90 dB; c) a partir de 19/11/2003, 85 dB. Nocividade (2): exposição, de forma permanente e habitual, ao agente químico toluol. Fundamento (2): código 1.2.11 do Decreto 53.831/64 e código 1.2.10 do Decreto 83.080/79. Provas: CTPS, PPP (id. 108421329, fls. 28/29 do PA) e Laudo Pericial (id. 108421351).

II – Período: 03/12/2012 a 25/05/2017 (DER). Atividades: setor de merenda escolar da Prefeitura Municipal de Vista Alegre do Alto/SP. Nocividade (1): exposição, de forma habitual e permanente, a ruído de 87,06 dB(A), acima dos limites normativos de tolerância. Fundamento (1): conjugadas as normatizações do Decreto 53.831/64, Decreto 83.080/79, Decreto 2.172, de 05/03/1997, art. 181 da IN 78/2002 e no Decreto 3.048/99, alterado pelo Decreto 4.882/2003, a consideração de atividade especial com base em ruído deve observar as seguintes balizas: a) até 05/03/1997, 80 dB; b) a partir de 06.03.1997 até 18.11.2003, 90 dB; c) a partir de 19/11/2003, 85 dB. Nocividade (2): exposição a agente físico consubstanciado em calor excessivo. Fundamento (2): item 1.1.1 do Decreto 53.831/64 e item 1.1.1 do Decreto 83.080/79, que elencam as operações em locais com temperatura excessivamente alta, capaz de ser nociva à saúde e proveniente de fontes artificiais. Provas: CTPS e PPP (id. 108421329, fls. 30/32 do PA).

III – Período: 01/11/2002 a 27/09/2005 e 20/03/2006 a 23/11/2006. Atividade: ajudante de acabamento da empresa “SAMPE”, cujas atividades industriais eram similares à desenvolvida na empresa “HBA Hutchinson”. Nocividade (1): exposição, de forma habitual e permanente, a ruído de 87,6 dB(A), acima dos limites normativos de tolerância. Fundamento (1): conjugadas as normatizações do Decreto 53.831/64, Decreto 83.080/79, Decreto 2.172, de 05/03/1997, art. 181 da IN 78/2002 e no Decreto 3.048/99, alterado pelo Decreto 4.882/2003, a consideração de atividade especial com base em ruído deve observar as seguintes balizas: a) até 05/03/1997, 80 dB; b) a partir de 06.03.1997 até 18.11.2003, 90 dB; c) a partir de 19/11/2003, 85 dB. Nocividade (2): exposição, de forma permanente e habitual, ao agente químico toluol. Fundamento (2): código 1.2.11 do Decreto 53.831/64 e código 1.2.10 do Decreto 83.080/79. Provas: CTPS e Laudo Pericial (id. 108421351).

IV – Período: 15.01.2007 a 24.01.2012. Atividade: ajudante de acabamentos na empresa “Tecnobor - Acabamento de Autopeças Ltda”. Nocividade (1): exposição, de forma habitual e permanente, a ruído de 87,6 dB(A), acima dos limites normativos de tolerância. Fundamento (1): conjugadas as normatizações do Decreto 53.831/64, Decreto 83.080/79, Decreto 2.172, de 05/03/1997, art. 181 da IN 78/2002 e no Decreto 3.048/99, alterado pelo Decreto 4.882/2003, a consideração de atividade especial com base em ruído deve observar as seguintes balizas: a) até 05/03/1997, 80 dB; b) a partir de 06.03.1997 até 18.11.2003, 90 dB; c) a partir de 19/11/2003, 85 dB. Nocividade (2): exposição, de forma permanente e habitual, ao agente químico toluol. Fundamento (2): código 1.2.11 do Decreto 53.831/64 e código 1.2.10 do Decreto 83.080/79. Provas: CTPS e Laudo Pericial (id. 108421351).

Salienta-se que os laudos periciais relativos às empresas SAMPEM e Tecnobor foram elaborados por similaridade, tendo em vista a atual inatividade dessas pessoas jurídicas, o que adequado consoante fundamentação supraexposta.

Dessa forma, combinados os períodos especiais ora declarados, verifica-se que o segurado perfaz mais de 25 anos de atividade especial (25 anos 09 meses e 01 dia), motivo pelo qual faz jus à percepção de aposentadoria especial, desde a DER em 25/05/2017, mormente porque preencheu os demais requisitos legais.

Atente-se “o termo inicial de concessão do benefício deve ser fixado a partir da data do requerimento administrativo, não sendo relevante o fato de a comprovação da atividade especial ter ocorrido apenas no processo judicial. Revendo posicionamento anterior, adota-se a jurisprudência pacífica do C. STJ sobre o referido tema. Neste sentido: REsp nº 1.610.554/SP, 1ª Turma, Relatora Min. Regina Helena Costa, j. 18/4/17, v.u., DJe 2/5/17; REsp nº 1.656.156/SP, 2ª Turma, Relator Min. Herman Benjamin, j. 4/4/17, v.u., DJe 2/5/17 e Pet nº 9582/RS, 1ª Seção, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 26/8/15, v.u., DJe 16/9/15 [...]” (TRF 3ª Região, 8ª Turma,  ApCiv 0004387-11.2016.4.03.6133, Rel. Desembargador Federal Newton de Lucca, p. em 25/04/2019)

Com relação aos índices de correção monetária e taxa de juros de mora, deve ser observado o julgamento proferido pelo C. Supremo Tribunal Federal na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947, bem como o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal em vigor por ocasião da execução do julgado.

Acrescente-se que o Plenário do STF, em sessão realizada no dia 03.10.2019, decidiu, por maioria de votos, rejeitar todos os embargos de declarações opostos no mencionado recurso extraordinário e não modular os efeitos da decisão anteriormente proferida.

Considerando o parcial provimento da apelação interposta pela Autarquia, restrito a ajuste dos índices de correção monetária, não incide a regra do artigo 85, §§ 1º e 11, do Código de Processo Civil, que determina a majoração dos honorários de advogado em instância recursal.

Ante o exposto, declara-se, de ofício, a nulidade parcial da sentença e dá-se parcial provimento à apelação do INSS, restrita aos critérios de atualização da dívida, conforme a fundamentação.

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

APELAÇÃO. PREVIDENCIÁRIO. SENTENÇA CONDICIONAL. NULIDADE. TRABALHO EM CONDIÇÕES NOCIVAS. APOSENTADORIA ESPECIAL. REQUISITOS CUMPRIDOS. CRITÉRIOS DE ATUALIZAÇÃO DA DÍVIDA. PARCIAL PROVIMENTO. 

1. O trecho da sentença que condiciona a percepção do benefício previdenciário a posterior verificação de certos requisitos viola o comando do art. 492, p.u., do NCPC. Anulação de ofício. Precedentes desta E. Oitava Turma. 

2. A controvérsia cinge-se no reconhecimento de labores especiais indicados pelo autor, para o fim de concessão de aposentadoria especial ou, subsidiariamente, aposentadoria por tempo de contribuição. 

3. O conjunto probatório autoriza o reconhecimento dos trabalhos especiais indicados pela parte autora. 

4. Conjugados os períodos de trabalho declarados, verifica-se que o segurado preenche os requisitos para obtenção de aposentadoria especial, desde a data do requerimento administrativo. 

5. Os índices de correção monetária e taxa de juros de mora observarão o julgamento do C. STF no RE 870.947 (repercussão geral), bem como o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal em vigor por ocasião da execução do julgado. 

6. Sentença condicional parcialmente anulada. Apelação do INSS parcialmente provida, restrita ao ajuste dos critérios de correção da dívida


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por unanimidade, decidiu declarar ,de ofício, a nulidade parcial da sentença e dar parcial provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.