Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0021226-22.2017.4.03.9999

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: WILMA FURTADO LEMOS

Advogado do(a) APELADO: BRENO GIANOTTO ESTRELA - SP190588-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0021226-22.2017.4.03.9999

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: WILMA FURTADO LEMOS

Advogado do(a) APELADO: BRENO GIANOTTO ESTRELA - SP190588-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de ação em que se objetiva a concessão de benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência.

A sentença, prolatada em 09.11.2016, julgou procedente o pedido inicial e condenou o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS à concessão do benefício assistencial à parte autora conforme dispositivo que ora transcrevo: “Ante o exposto, julgo procedente o pedido e, assim, CONDENO O RÉU a conceder à autora o benefício de ASSISTÊNCIA SOCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA (um salário mínimo mensal) previsto no art. 203, inc. V da CF/88 e na Lei 8.742/93, art. 20 e segs., fixando como termo inicial a data de 27.11.2014 (data do requerimento administrativo - cf. fls. 16). CONDENO também o INSTITUTO-RÉU ao PAGAMENTO DAS PARCELAS EM ATRASO, assim consideradas aquelas vencidas a partir de 27.11.2014, corrigidas monetariamente com base no IPCA-e desde a data em que deveriam ter sido pagos, e acrescidas de juros de mora de juros de mora calculados a partir de 27.11.2014 com base no índice oficial de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança. Condeno o réu ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios que fixo em 15% do valor da condenação, excluídas as prestações vencidas após a sentença (Súmula n.º 111 do Superior Tribunal de Justiça).Publique-se. Intime-se. Cumpra-se.”

Apela o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS requerendo preliminarmente o reconhecimento da coisa julgada, da falta de interesse de agir ante a ausência de pedido administrativo após a data de início da incapacidade fixada pelo médico perito, e da perda do objeto face à concessão administrativa de benefício assistência para idoso. No mérito, pugna pela improcedência do pedido aduzindo que: “conforme a prova dos autos, A INCAPACIDADE É SUPERVENIENTE, O QUE IMPÕE O RECONHECIMENTO DA TOTAL IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.”  Subsidiariamente, pede a reforma da sentença para que:

- o termo inicial do benefício seja fixado a partir da data da perícia judicial ou do início da incapacidade fixado pelo perito

- seja excluída a condenação em honorários advocatícios em face do princípio da causalidade ou ainda que a verba honorária seja reduzida;

- que os juro de mora passem a incidir a partir da citação;

- que os critérios de juros e correção monetária sejam fixados de acordo com o art. 1º F da Lei 9494/97 com a redação dada pela Lei n. 11.960/2009,

Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.

O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo desprovimento da apelação do INSS.

É o relatório.

 

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0021226-22.2017.4.03.9999

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: WILMA FURTADO LEMOS

Advogado do(a) APELADO: BRENO GIANOTTO ESTRELA - SP190588-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço da apelação do INSS.

Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento apenas à insurgência recursal.

Rejeito as preliminares arguidas pelo INSS.

Da inocorrência da coisa julgada.

Consoante o disposto no artigo 301, §3º, do Código de Processo Civil/1973: "há coisa julgada, quando se repete ação que já foi decidida por sentença, de que não caiba mais recurso".

O caráter social do Direito Previdenciário, as questões de saúde que permeiam muitas das ações que versam sobre benefícios previdenciários e assistenciais - cuja melhora ou agravamento provocam a modificação dos fatos - e a variedade dos lapsos temporais que se verificam entre análise administrativa e à apreciação judicial (incluindo os momentos em que são realizadas as perícias médicas e/ou sociais), recomendam uma visão das normas processuais atenta a tais peculiaridades.

Nessa perspectiva, a princípio, cada requerimento administrativo inaugura um novo quadro fático e jurídico passível de ensejar o ajuizamento de nova ação judicial, salvo se verificado, de forma patente, que conteúdo do novo requerimento e da nova ação reproduz, integralmente, o conteúdo do requerimento e da ação anteriores.

Na presente ação ajuizada em 07.2015, a parte autora pretende a concessão do benefício assistencial que lhe foi negado administrativamente em 27.11.2014 (ID 87816341 – pag. 17) vez que não constatada a existência de incapacidade para o trabalho e para vida independente e a renda familiar supera o limite legal e não resto

Em ação anterior (processo nº 0026220-35.2013.4.03.9999 – nº TRF) foi prolatada sentença que julgou improcedente o pedido de concessão de benefício assistencial, eis que não demonstrada a existência de incapacidade. Em sede de julgamento do recurso interposto pela parte autora, em 24.09.2013, esta Corte Regional negou provimento à sua apelação, mantendo a sentença de improcedência. A decisão transitou em julgado em 31.10.2013.

Observa-se, portanto, que houve novo pedido administrativo do benefício de prestação continuada após o trânsito em julgado, e, embora as duas ações apresentem idênticas partes e tenham por objetivo a concessão do mesmo benefício, noticiado o agravamento do estado de saúde da autora e alteração de suas condições socioeconômica, aponto que a natureza do benefício ora pleiteado faz com que seja necessário apurar se a nova condição por ela vivida enseja a concessão do benefício ora pleiteado, pelo que resta afastada a ocorrência da coisa julgada.

Da falta de interesse de agir.

Havendo requerimento em 27.11.2014 e indeferimento administrativo do pleito, não há que se falar em falta de interesse de agir.

Da perda do objeto.

Nota-se que o feito foi ajuizado em 07.2015 e que o benefício assistencial foi concedido administrativamente em 16.08.2016, pelo que remanesce o interesse processual, ante a necessidade de apurar-se a existência parcelas devidas entre o pedido administrativo/ajuizamento da ação e a concessão administrativa do benefício.

Passo ao exame do mérito.

O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.

Para efeito de concessão do benefício assistencial, considera-se pessoa portadora de deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo, no mínimo de dois anos, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (Lei 12.470/2011, art. 3º).

A respeito, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais editou a Súmula nº 29, que institui: "Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742, de 1993, incapacidade para a vida independente não só é aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a impossibilita de prover ao próprio sustento."

Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o pedido com base nos elementos contidos nos laudos periciais médico, tendo se convencido restarem configurada a condição de deficiência/impedimento de longo prazo necessária para a concessão do benefício.

Confira-se:

“O laudo pericial aduziu que a autora apresenta incapacidade laborativa total e permanente, de modo que se faz presente o primeiro requisito mencionado. Já o laudo social revela que a autora reside com seu esposo em imóvel cedido gratuitamente pelo proprietário do imóvel rural. O laudo informa, ainda, que a autora não possui renda e seu marido recebe benefício assistencial (cf. fls. 99), o qual deve ser excluído do computo da renda mínima por força do disposto no art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso” 

Por sua vez, o laudo médico pericial, elaborado em 14.04.2016 (ID 87816341 – pag. 88/92), revela que a parte autora, com 64 anos de idade, é portadora de lombalgia, artrose de quadril, osteoporose e senilidade, com dor referida aos movimentos da coluna lombar que está com amplitudes diminuídas. Dor referida à direita aos movimentos do quadril. Informa a existência de incapacidade laboral total e permanente, fixando a data de início da incapacidade em 24.02.2016, com base em exame de radiografia apresentado.

Anote-se que o médico perito fixou a provável data de início da incapacidade na data do exame radiológico, mas não afirma a inexistência de incapacidade em momento anterior. 

Nesta seara, tem-se que a autora apresenta incapacidade em razão de enfermidades com caráter degenerativo e progressivo, de forma que o exame radiográfico constitui prova de uma condição preexistente, razão pela qual não se pode presumir a ausência de incapacidade no momento do pedido administrativo/ajuizamento.

Comprovada a existência de deficiência/impedimento de longo prazo na forma exigida no caput do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011, de rigor a manutenção da sentença de procedência do pedido.

Quanto ao termo inicial da benesse, é firme a jurisprudência no sentido de o termo inicial do benefício assistencial deve ser fixado na data do seu pedido administrativo e, na sua ausência, na data da citação.

Nesta seara, constatada a existência de requerimento administrativo em 27.11.2014 (ID 87816341 – pag. 17), é nesta data que deve ser mantido o termo inicial do benefício assistencial concedido neste feito.

No que tange aos critérios de atualização do débito, verifico que a sentença desborda do entendimento firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947, tema de repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux.

Assim, tratando-se de matéria cognoscível de ofício (AgRg no AREsp 288026/MG, AgRg no REsp 1291244/RJ), corrijo a sentença e estabeleço que as parcelas vencidas deverão ser atualizadas monetariamente e acrescidas de juros de mora pelos índices constantes do Manual de Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à TR – Taxa Referencial. Anoto que os embargos de declaração opostos perante o STF que objetivavam a modulação dos efeitos da decisão supra, para fins de atribuição de eficácia prospectiva, foram rejeitados no julgamento realizado em 03.10.2019.

Os juros moratórios cumprem a finalidade de indenizar o credor pela perda decorrente do atraso em receber o que lhe é devido, bem como de penalizar o devedor pelo cumprimento tardio de sua obrigação. Assim sendo, a incidência de tais consectários deve ter como marco inaugural o momento a partir do qual este último torna-se ciente de seu débito, o que, formalmente, ocorre com o ato de citação do réu para que responda aos termos da demanda contra ele proposta.

Outro não é o comando inserido no artigo 219, caput, do CPC, in verbis:

Art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição.

Neste mesmo sentido, aliás, é o teor da Súmula 204 do C. Superior Tribunal de Justiça:

Súmula 204. STJ: Os juros de mora nas ações relativas a benefícios previdenciários incidem a partir da citação válida.

Contudo, a determinação contida no título executivo para que a fluência dos juros inicie na data da citação, quando formalizada a mora da Autarquia, não implica a incidência de tais consectários tão somente sobre as parcelas de atrasados vencidas em momento posterior à citação.

Com efeito, a data da citação indica apenas o termo inicial de contagem dos juros, porém a sua aplicação deve ocorrer sobre todas as parcelas vencidas e não prescritas decorrentes da condenação, já que houve atraso/mora do INSS em relação ao pagamento de todas estas prestações, sejam elas anteriores ou posteriores ao ato citatório.

Logo, é correta a aplicação dos juros moratórios, de forma englobada sobre as parcelas anteriores à citação, e decrescente, a partir de então, segundo determinam os Manuais de Cálculos da Justiça Federal, ainda que o percentual dos juros seja calculado somente a partir daquele ato, não configurando ofensa à coisa julgada.

Os honorários de advogado devem ser fixados em 10% do valor da condenação, consoante o entendimento desta Turma e o disposto §§ 2º e 3º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, considerando as parcelas vencidas até a data da sentença, nos termos da Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça.

Diante do exposto, de ofício, corrijo a sentença para fixar os critérios de atualização do débito, rejeito as preliminares arguidas pelo INSS e, no mérito, DOU PARCIAL PROVIMENTO à sua apelação para reduzir a verba honorária, nos termos da fundamentação exposta.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 



 

 

 

 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0021226-22.2017.4.03.9999

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: WILMA FURTADO LEMOS

Advogado do(a) APELADO: BRENO GIANOTTO ESTRELA - SP190588-N

 

 

 
EMENTA
 
 

APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINARES REJEITADAS. COISA JULGADA. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. PERDA DO OBJETO. INOCORRÊNCIA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ASSISTÊNCIA SOCIAL. DEFICIÊNCIA/IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO. REQUISITO PREENCHIDO. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. MANUAL DE CÁLCULOS NA JUSTIÇA FEDERAL. HONORÁRIOS DE ADVOGADO.

1. Preliminar de reconhecimento da coisa julgada rejeitada. Havendo alteração da causa de pedir e do contexto fático-probatório resta afastada a coisa julgada.

2. Preliminar de falta de interesse de agir afastada. A parte autora requereu administrativamente o benefício assistencial após o trânsito em julgado da ação anteriormente ajuizada.

3. Preliminar de perda de objeto da ação rejeitada. A concessão administrativa do benefício no curso do processo não constitui perda do objeto ante a necessidade de averiguar-se o direito a parcelas anteriores à concessão administrativa. 

4. O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.

5. Para efeito de concessão do benefício assistencial, considera-se pessoa portadora de deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo, no mínimo de dois anos, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (Lei 12.470/2011, art. 3º).

6. A perícia médica judicial reconheceu a existência das doenças alegadas na inicial e concluiu que acarretam incapacidade que, de acordo com o conjunto probatório apresentado, configura deficiência/impedimento de longo prazo que obsta o desenvolvimento de atividades que lhe garantam o sustento.

7. A parte autora é portadora de doenças com caráter degenerativo e progressivo. O médico perito fixou a data de início da incapacidade com base em um exame radiográfico que comprova situação preexistente. Não se pode presumir a inexistência de incapacidade laboral no momento do pedido administrativo/ajuizamento da ação.

8. Termo inicial do benefício mantido na data do requerimento administrativo. Precedentes STJ. 

9. Critérios de atualização do débito corrigidos de ofício.

10. Juros moratórios aplicados conforme determina o Manual de Cálculos da Justiça Federal.

11. Honorários de advogado fixados em 10% do valor da condenação, consoante o entendimento desta Turma e o disposto §§ 2º e 3º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015. Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça.

12. Sentença corrigida de ofício. Preliminares rejeitadas. Apelação do INSS parcialmente provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu de ofício corrigir a sentença para fixar os critérios de atualização do débito rejeitar as questões preliminares arguidas pelo INSS e no mérito dar parcial provimento à sua apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.