APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0018786-81.2015.4.03.6100
RELATOR: Gab. 09 - DES. FED. NELTON DOS SANTOS
APELANTE: UNIAO FEDERAL
APELADO: CLAUDIO SANTANA LIMA
Advogado do(a) APELADO: SANDRA ORTIZ DE ABREU - DF34942-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0018786-81.2015.4.03.6100 RELATOR: Gab. 09 - DES. FED. NELTON DOS SANTOS APELANTE: UNIAO FEDERAL APELADO: CLAUDIO SANTANA LIMA Advogado do(a) APELADO: SANDRA ORTIZ DE ABREU - SP263520-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de ação ajuizada por Cláudio Santana Lima em face da União, objetivando o fornecimento do medicamento Soliris (eculizumab), na quantidade e periodicidade estipuladas na prescrição médica. O pedido de tutela antecipada foi deferido para determinar à parte ré que forneça ao autor o medicamento Soliris (eculizumab), nas quantidades prescritas pelo médico, de forma contínua, no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de incidência, em caso de demora injustificada, de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais) por dia de atraso (ID 127181265 - Pág. 83-96). Dessa decisão a União interpôs agravo de instrumento, cujo provimento foi negado (ID 127181267 - Pág. 86-102). Ao final, a MM. Juíza a quo julgou procedente o pedido para determinar à ré que forneça ao autor o medicamento Soliris (eculizumab), nas quantidades prescritas no relatório médico de ID nº 13518065, pág. 42, garantindo o fornecimento contínuo, desde que apresentada a prescrição médica pelo autor, observando-se, inclusive, eventual alteração da quantidade prescrita por médico responsável. Na oportunidade, condenou a União ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, §§ 3º, I e 4º, III do CPC (ID 127181289). A União apelou, sustentando, em síntese, que: a) no julgamento dos Embargos de Declaração no REsp nº 1.657.156/RJ, realizado em 12.09.2019, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, restou definido pelo Superior Tribunal de Justiça que o poder público deve fornecer medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS, desde que presentes os seguintes requisitos: comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; e existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência; b) considerando que o medicamento Eculizumab Soliris® já encontra-se registrado na ANVISA e o apelado aparentemente não possui condições financeiras para adquiri-lo, sua pretensão só poderia ter sido acolhida, à vista do julgamento do C. Superior Tribunal de Justiça, se houvesse provas cabais de que o medicamento é imprescindível para o tratamento, bem como que o tratamento disponibilizado pelo SUS mostra-se ineficaz para seu caso, todavia, na hipótese dos autos, o médico perito chamou a atenção várias vezes no laudo pericial para circunstâncias que apontam não ser o Soliris o único tratamento eficaz para o quadro clínico do apelado; c) embora o medicamento seja registrado pela ANVISA, até a presente data, não houve demanda para análise da incorporação do medicamento para tratamento de qualquer condição clínica no âmbito da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologia no Sistema Único de Saúde - CONITEC, seja por parte da empresa fabricante, seja por outro demandante; d) o único tratamento curativo para HPN é o TCTHa e que, embora haja risco de morbimortalidade, novos recursos como utilização de células tronco de cordão umbilical, avaliação de compatibilidade de doadores não aparentados no nível molecular, disponibilidade de condicionamentos menos tóxicos e melhoria do suporte clínico pós transplante vêm aumentando suas taxas de sucesso; e) tem se observado, na prática, através do excesso de judicialização, é que são proferidas decisões judiciais condenando a União ao atendimento de demandas individualizadas na área de saúde que acarretam um gasto vertiginoso, sem que sejam observados os princípios, diretrizes ou políticas públicas legalmente instituídas para a efetivação do direito à saúde da população como um todo. Com contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0018786-81.2015.4.03.6100 RELATOR: Gab. 09 - DES. FED. NELTON DOS SANTOS APELANTE: UNIAO FEDERAL APELADO: CLAUDIO SANTANA LIMA Advogado do(a) APELADO: SANDRA ORTIZ DE ABREU - SP263520-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O Senhor Desembargador Federal Nelton dos Santos (Relator): Trata-se de ação ajuizada com o fito de obter o fornecimento do medicamento Soliris (eculizumab), na quantidade e periodicidade estipuladas na prescrição médica. O Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp 1.657.156/RJ, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, estabeleceu a seguinte tese, a ser observada nos processos distribuídos a partir daquela decisão: Constitui obrigação do Poder Público o fornecimento de medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS, desde que presentes, cumulativamente, dos seguintes requisitos: (i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) Incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; e (iii) Existência de registro na ANVISA do medicamento. No caso em apreço, há relatórios, prescrições e exames médicos (ID 127181264 - Pág. 40-71) que comprovam ser o autor portador de Hemoglobinúria Paroxística Noturna (HPN), forma rara de anemia hemolítica adquirida, que pode causar falência medular ou até mesmo episódios tromboembólicos. Segundo a perícia médica realizada nos autos, não há elementos de convencimento de que a medicação “Eculizumab” é a única alternativa terapêutica a ser adotada no caso do autor, pois não foram demonstradas transfusões sanguíneas anteriores, assim como não foi informado pelo médico assistente a possibilidade da realização do transplante de células tronco ou outra alternativa terapêutica. Ocorre que o expert também afirmou que o medicamento “Eculizumab”, embora não tenha a função de curar, diminui a necessidade de transfusões sanguíneas e ameniza os sintomas da doença Hemoglobinúria Paroxística Noturna (HPN) (ID 127181266 - Pág. 160-172). Considerando, assim, o alto custo do referido medicamento e não tendo o autor condições de custeá-lo, negar-lhe o fornecimento pretendido implicaria desrespeito às normas constitucionais que garantem o direito à saúde e à vida. De fato, não cabe unicamente à Administração decidir qual o melhor tratamento médico que deve ser aplicado ao paciente, uma vez que a autoridade administrativa não pode limitar o alcance dos dispositivos constitucionais. Uma leitura constitucional do caso demonstra que o postulado da dignidade da pessoa humana não permite, em nenhuma hipótese, o estabelecimento rígido do fornecimento de determinado medicamento/tratamento, sem chances de modificação, somente para que assim se onere menos o Estado. Deste modo, todos, sem exceção, devem ter acesso a tratamento médico digno e eficaz, mormente quando não possuam recursos para custeá-lo. Nesse universo se insere inclusive medicamentos que não constam da lista do SUS e não podem ser substituídos com a mesma eficácia pelo Poder Público. Deveras, em circunstâncias tão especiais, de perigo de vida ou à saúde, deve o Poder Público primar pelo direito subjetivo essencial relacionado à dignidade da pessoa humana, previsto e tutelado pela Constituição Federal. Registre-se que a não utilização do fármaco em questão potencializa uma série de enfermidades graves (com risco, inclusive, de morte), além de submeter o paciente ao sempre desgastante processo de transfusão de sangue, retirando do autor o direito a uma vida minimamente digna. Ressalta-se, ademais, que a jurisprudência é pacífica no sentido de ser obrigação inafastável do Estado assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso à medicação necessária à cura, controle ou abrandamento de suas moléstias, sobretudo às mais graves, como a do caso em comento. A respeito do tema, colhem-se os seguintes precedentes desta e. Corte Regional: “CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. DEVER DO ESTADO. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA ENTRE OS ENTES FEDERATIVOS (SUS). FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO CONSTANTES DOS ATOS NORMATIVOS DO SUS. POSSIBILIDADE. CARÁTER EXCEPCIONAL. HONORÁRIOS. 1. O direito à saúde, constitucionalmente assegurado, revela-se uma das pilastras sobre a qual se sustenta a Federação, o que levou o legislador constituinte a estabelecer um sistema único e integrado por todos os entes federados, cada um dentro de sua esfera de atribuição, para administrá-lo e executá-lo, seja de forma direta ou por intermédio de terceiros. 2. Existência de expressa disposição constitucional sobre o dever de participação dos entes federados no financiamento do Sistema Único de Saúde, nos termos do art. 198, parágrafo único. 3. O funcionamento do Sistema Único de Saúde é de responsabilidade solidária da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, sendo qualquer deles, em conjunto ou isoladamente, parte legítima para figurar no polo passivo de demanda que objetive a garantia de acesso a medicamentos ou a realização de tratamento médico. Legitimidade União. 4. Não deixa dúvidas o inciso III do art. 5º da Lei nº 8.080/90 acerca da abrangência da obrigação do Estado no campo das prestações voltadas à saúde pública. Mostra-se, mesmo, cristalina a interpretação do dispositivo em comento ao elencar, dentre os objetivos do Sistema Único de Saúde SUS, "a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas". 5. In casu, a autora comprovou ser portadora de doença genética denominada Hemoglobinúria Paroxística Noturna e a necessidade de fornecimento do medicamento pleiteado foi amplamente comprovada mediante a juntada dos relatórios médicos, bem como por meio da perícia médica judicial realizada atestando que diversos estudos científicos mostram que o medicamento pleiteado (Eculizumab) tem substancial impacto nos sintomas e complicações da doença, resultando em significante melhora da sobrevida, sendo de fundamental importância para redução do risco de eventos tromboembólicos e morte. 6. Negar-se o fornecimento pretendido, implica desrespeito às normas constitucionais que garantem o direito o direito à vida, à saúde e à dignidade humana. 7. O Superior Tribunal de Justiça por ocasião do julgamento do REsp 1.657.156/RJ, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, tema 106, estabeleceu a seguinte tese, a ser observada nos processos distribuídos a partir daquela decisão: Constitui obrigação do Poder Público o fornecimento de medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS, desde que presentes, cumulativamente, dos seguintes requisitos: (i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) Incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; e (iii) Existência de registro na ANVISA do medicamento. Para as ações anteriores àquele marco, definiu-se a aplicação da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça até então vigente no sentido de ser "possível o fornecimento de medicamento não constante nas listas do SUS à pessoa hipossuficiente que demonstre sua imperiosa necessidade para o tratamento", caso em que se inserem os autos. 8. Mantidos os honorários advocatícios em 10% sobre o valor da causa, com fundamento no art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil vigente. 9. Ação proposta sob a égide do Código de Processo Civil de 2015. Honorários recursais no percentual de 1% sobre o valor da causa, a serem acrescidos aos fixados pelo Juízo de primeiro grau. 10. Apelação a que se nega provimento”. (ApCiv 5001416-52.2016.4.03.6105, Desembargador Federal MAIRAN GONCALVES MAIA JUNIOR, TRF3 - 3ª Turma, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 28/06/2019.) (grifei) "DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. HEMOGLOBINÚRIA PAROXÍSTICA NOTURNA (HPN). ECULIZUMAB (SOLIRIS). ILEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. AUSÊNCIA DE REGISTRO NA ANVISA. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO. (...) 2. Quanto à concessão de medida de urgência pelo Judiciário para fornecimento de medicamento não registrado na ANVISA, a Turma baseou-se em decisões da Suprema Corte (SS 4.639, Rel. Min. AYRES BRITTO, DJE 15/10/2012, e SS 4316, Rel. Min. CEZAR PELUSO, DJe 10/06/2011) - órgão máximo de interpretação de questões constitucionais, como no caso, o direito à saúde - posteriores à decisão e recomendação invocadas pela embargante, nos quais se concluiu que "embora o Sistema Único de Saúde não forneça os medicamentos de que tratam as decisões impugnadas, eles são absolutamente necessários para que os portadores de Hemoglobinúria Paroxística Noturna (HPN) tenham uma vida minimamente digna, dado que a não utilização do remédio potencializa uma série de enfermidades graves (com risco, inclusive, de morte), além de submeter o paciente ao sempre desgastante processo de transfusão de sangue", de forma que, "no sopesar dos valores, portanto, a balança da justiça pende, a meu ver, para o lado da vida e saúde humanas, ainda que as lesões à ordem e à economia públicas não sejam desprezíveis". 3. Destacou-se que, na espécie, "há relatório médico que confirma ser o agravante portador de Hemoglobinúria Paroxística Noturna (HPN), e que o Eculizumabe é o fármaco indicado para o respectivo tratamento, asseverando o médico nefrologista, que "o paciente apresentou, nos últimos meses, os valores de DHL sempre aumentados, evidenciando os riscos aumentados de ocorrer uma trombose nos órgãos vitais como cérebro e rins", o que se revela relevante e suficiente, por ora, para impor a obrigação de fornecimento ao Poder Público, vez que inexistente comprovação de abuso, fraude ou ilegalidade na prescrição por profissional, que subscreveu sob a responsabilidade legal de seu grau e que responde, pois, pelo tratamento indicado, e eventual irregularidade, se vier a ser apurada". (...) 6. Embargos de declaração rejeitados".(AI 00055188720164030000, DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS MUTA, TRF3 - TERCEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:30/09/2016 ..FONTE_REPUBLICACAO:.) (grifei) "PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO LEGAL. ART. 557, § 1º, CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ORDINÁRIA. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO SEM REGISTRO NA ANVISA. SOLIRIS (ECULIZUMAB). NECESSIDADE. RISCO À SAÚDE. AGRAVO DESPROVIDO. (...) 3. O C. Superior Tribunal de Justiça tratou do fornecimento de medicamentos pelo Sistema Único de Saúde em julgamento de recurso especial representativo de controvérsia, nos termos do artigo 543-C do Código de Processo Civil de 1973, para frisar que, consoante entendimento da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, "o recebimento de medicamentos pelo Estado é direito fundamental, podendo o requerente pleiteá-los de qualquer um dos entes federativos, desde que demonstrada sua necessidade e a impossibilidade de custeá-los com recursos próprios". (REsp 1203244/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/04/2014, DJe 17/06/2014). 4. O óbice da inexistência de registro do medicamento na ANVISA foi superado pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da SS nº 4316/RO, Rel. Min. Cezar Peluso (Presidente), j. 10/06/2011, publicada em 13/06/2011. 5. O C. Superior Tribunal de Justiça, em julgamento submetido ao regime do artigo 543-C do Código de Processo Civil de 1973, firmou entendimento no sentido de caber ao juiz adotar medidas eficazes à efetivação da tutela nos casos de fornecimento de medicamentos. (REsp 1069810/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23/10/2013, DJe 06/11/2013). 6. In casu, resta patente a necessidade do agravante fazer uso do fármaco Soliris (Eculizumab), de forma contínua e por tempo indeterminado, por ser portador da Hemoglobinúria Paroxística Noturna - HPN (CID 10: D 59.5), indicado no relatório médico acostado aos autos (fls. 70/73), por ser esta a única alternativa para o tratamento dessa rara e gravíssima enfermidade. 7. Agravo desprovido". (AI 00203982120154030000, JUIZA CONVOCADA LEILA PAIVA, TRF3 - SEXTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/09/2016 ..FONTE_REPUBLICACAO:.) (grifei) Destaca-se que o medicamento Soliris (Eculizumab), embora não esteja incorporado em atos normativos do SUS, possui registro na ANVISA, sendo que os limites enunciativos da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais/RENAME e os supostos limites orçamentários do Poder Público não podem ser manejados se colidem diretamente contra o direito à vida, contra o direito social de integralidade do acesso à saúde e contra a essencial dignidade da pessoa humana. Sendo assim, tendo em vista os preceitos constitucionais que regem a matéria (artigo 5º, caput, e artigos 196 e 198), reafirmados pela jurisprudência pátria, e verificada a particularidade do caso, o pleito do autor merece prosperar. À vista disso, a r. sentença deve ser mantida tal como lançada. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação. jucarval
E M E N T A
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO. SOLIRIS (ECULIZUMAB). PACIENTE PORTADOR DE HEMOGLOBINÚRIA PAROXÍSTICA NOTURNA. NECESSIDADE DEMONSTRADA. DIREITO À SAÚDE. DEVER DO ESTADO. APELAÇÃO DESPROVIDA.
1. O Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp 1.657.156/RJ, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, estabeleceu a seguinte tese, a ser observada nos processos distribuídos a partir daquela decisão: Constitui obrigação do Poder Público o fornecimento de medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS, desde que presentes, cumulativamente, dos seguintes requisitos: (i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) Incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; e (iii) Existência de registro na ANVISA do medicamento.
2. No caso em apreço, há relatórios, prescrições e exames médicos que comprovam ser o autor portador de Hemoglobinúria Paroxística Noturna (HPN), forma rara de anemia hemolítica adquirida, que pode causar falência medular ou até mesmo episódios tromboembólicos.
3. Segundo a perícia médica realizada nos autos, não há elementos de convencimento de que a medicação “Eculizumab” é a única alternativa terapêutica a ser adotada no caso do autor. Sucede que, embora não tenha a função de curar, diminui a necessidade de transfusões sanguíneas e ameniza os sintomas da doença Hemoglobinúria Paroxística Noturna (HPN).
4. Considerando, assim, o alto custo do referido medicamento e não tendo o autor condições de custeá-lo, negar-lhe o fornecimento pretendido implicaria desrespeito às normas constitucionais que garantem o direito à saúde e à vida. Precedentes.
5. De fato, não cabe unicamente à Administração decidir qual o melhor tratamento médico que deve ser aplicado ao paciente, uma vez que a autoridade administrativa não pode limitar o alcance dos dispositivos constitucionais.
6. Registre-se que a não utilização do fármaco em questão potencializa uma série de enfermidades graves (com risco, inclusive, de morte), além de submeter o paciente ao sempre desgastante processo de transfusão de sangue, retirando do autor o direito a uma vida minimamente digna.
7. O medicamento Soliris (Eculizumab), conquanto não esteja incorporado em atos normativos do SUS, possui registro na ANVISA, sendo que os limites enunciativos da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais/RENAME e os supostos limites orçamentários do Poder Público não podem ser manejados se colidem diretamente contra o direito à vida, contra o direito social de integralidade do acesso à saúde e contra a essencial dignidade da pessoa humana.
8. Assim, diante dos preceitos constitucionais que regem a matéria (artigo 5º, caput, e artigos 196 e 198), reafirmados pela jurisprudência pátria, e verificada a particularidade do caso, o pleito do autor merece prosperar.
9. Apelação desprovida.