Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001335-47.2014.4.03.6110

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: IVANILSON DIAS DA CRUZ

Advogado do(a) APELANTE: MOISES FRANCISCO SANCHES - SP58246-N

APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: NANCI SIMON PEREZ LOPES - SP193625-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001335-47.2014.4.03.6110

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: IVANILSON DIAS DA CRUZ

Advogado do(a) APELANTE: MOISES FRANCISCO SANCHES - SP58246-N

APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: NANCI SIMON PEREZ LOPES - SP193625-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

R E L A T Ó R I O

Trata-se de apelação interposta por IVANILSON DIAS DA CRUZ contra sentença proferida em ação ordinária movida por ele em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF objetivando a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos materiais decorrentes de benfeitorias efetuadas pelo autor em imóvel.

Narra a inicial que o requerente adquiriu um terreno em outubro de 2000, fazendo uso de recursos próprios e contratando um financiamento junto ao banco réu no valor de R$ 5.468,25, a ser pago em 240 prestações mensais e sucessivas.

As parcelas foram integralmente quitadas até meados de 2003, quando problemas pessoais impediram o autor de prosseguir nos pagamentos. Após obtenção do valor para a quitação do montante em atraso, a parte procurou a CEF, sendo informado da impossibilidade do pagamento porque já havia sido designado leilão extrajudicial para o bem.

O autor ingressou com ação revisional junto ao Juizado Especial Federal de Jundiaí (processo n° 2005.61.04.003484-4), obtendo liminarmente a suspensão do leilão, sobrevindo sentença de improcedência do pedido. Com o trânsito em julgado, o imóvel foi novamente inserido em leilão.

O requerente obteve um empréstimo no valor de R$ 60.000,00, mas foi informado de que o bem já havia sido arrematado por terceiro. Entende ter direito à quantia de R$ 55.000,00, correspondente à avaliação comercial do imóvel, uma vez que adquiriu apenas o terreno e ali edificou uma casa.

Em contestação, a CEF sustentou a impossibilidade de ressarcimento pelas benfeitorias, apontando que o autor residiu por onze anos sem pagar qualquer quantia à ré e que o requerente não realizou benfeitorias em imóvel alheio, mas em bem próprio dado em garantia da dívida não adimplida (fls. 59/62).

A sentença foi publicada em 12/01/2015 e julgou improcedente o pedido, dispensando o autor do pagamento de custas, despesas e honorários advocatícios diante dos benefícios da gratuidade da justiça (fls. 84/96-verso).

Em razões de apelação, o autor requer a reforma da sentença sustentando seu direito à indenização pleiteada (fls. 97/101).

Contrarrazões pela ré (fls. 104/106).

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001335-47.2014.4.03.6110

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: IVANILSON DIAS DA CRUZ

Advogado do(a) APELANTE: MOISES FRANCISCO SANCHES - SP58246-N

APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: NANCI SIMON PEREZ LOPES - SP193625-A

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V O T O

 

No caso concreto, pretende a parte autora a condenação da ré ao pagamento de indenização por dano material por ter financiado a aquisição de um terreno junto ao banco réu e, posteriormente, vir a ter executado o terreno e o imóvel que ali construiu.

O Juízo de Origem julgou improcedente o pedido por entender não ser possível aplicar ao caso o instituto da acessão invertida, ante a ausência de boa-fé do autor, nos seguintes termos (fls. 84/95):

“(...)

Em um primeiro plano, há que se verificar que, na apreciação desta lide, estão presentes os pressupostos processuais de validade e existência da relação jurídica processual.

No caso em questão, há que se julgar antecipadamente a lide, uma vez que não há a necessidade de produção de provas em audiência, pois a matéria fática está esclarecida através dos documentos carreados aos autos, considerando-se as peculiaridades do caso, consoante se verá na explanação do mérito da questão, sendo, assim, desnecessária a dilação probatória, conforme consta expressamente no art. 330, inciso I, do Código de Processo Civil.

Ademais, a parte autora, quando intimada para dizer acerca de seu interesse na produção de provas nada disse à respeito, e a Caixa Econômica Federal informou que não tinha provas a produzir, devendo arcar a parte autora com o ônus de provar os fatos constitutivos de seu direito e a Caixa Econômica Federal arcar com o ônus de comprovar os fatos extintivos, modificativos e impeditivos do direto alegado pela parte autora.

Estando presentes as condições da ação, e não havendo preliminares pendentes de apreciação, passo à análise do mérito.

Pretende o autor seja a Caixa Econômica Federal condenada a indenizá-lo pelas benfeitorias implementadas no imóvel objeto da presente demanda, adjudicado em favor da instituição financeira e posteriormente alienado em hasta pública em razão da inadimplência de contrato de mútuo, firmado entre as partes ora em contenda, em que ofertado como garantia hipotecária.

Tal pretensão não prospera, porquanto a prova amealhada nos autos demonstra que os fatos ocorridos não caracterizam situação que corresponda aos direitos alegados pelo autor.

Com efeito, no caso em comento, a edificação apontada como benfeitoria foi realizada em terreno adquirido com valores oriundos de empréstimo concedido pela Caixa Econômica Federal no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, tendo por garantia o próprio terreno.

O contrato em testilha foi firmado pelo autor, sua esposa e a Caixa Econômica Federal em 17/10/2000, e nele restou avençado que o valor mutuado seria quitado em 240 parcelas mensais e sucessivas, ou seja, o regular adimplemento se daria em vinte anos (fls. 12/21).

Em meados de 2003, ou seja, menos de três anos após a assinatura do contrato - isto é, após o pagamento de cerca de 30 das 240 parcelas avençadas -, o autor parou de pagar as parcelas, em razão de problemas financeiros, e alega que posteriormente tentou quitar integralmente a dívida, porém a Caixa Econômica Federal se recusou ao recebimento porque o processo de execução extrajudicial já havia sido deflagrado, já tendo sido designada data para a realização do leilão.

Em face de tal situação, em 24/02/2005 ajuizou o autor, perante o Juizado Especial Federal de Jundiaí, a ação autuada sob nº 2005.63.04.003481-4, pretendendo a revisão das cláusulas contratuais. A sentença proferida naquele feito - transitada em julgado na data de 16/09/2008 - julgou improcedentes as pretensões autorais, de forma que em 24/06/2008 foi registrada na matrícula do imóvel a Carta de Adjudicação passada em 11/03/2005, pela qual passou a Caixa Econômica Federal a ser a proprietária do imóvel objeto do contrato pelo autor inadimplido (fls. 25/30 e 65/78).

Em 19/10/2009, o autor aforou perante o Juizado Especial Federal de Sorocaba o feito autuado sob nº 0010696-31.2009.4.03.6315, pretendendo a quitação parcial do débito oriundo do mesmo contrato de mútuo, com base em apólice de seguro habitacional, tendo em vista o falecimento da sua esposa. Por sentença transitada em julgado na data de 24/04/2012, seu pedido foi julgado improcedente, ao fundamento de cuidar-se de pretensão de discussão de cláusulas de contrato extinto por motivo de inadimplência desde 2003, cuja garantia fora levada a leilão em 2005, com a adjudicação levada a efeito pela instituição financeira registrada no CRIA respectivo em 24/06/2008, bem como por objetivar vantagem pelo evento morte da sua esposa ocorrido somente em 2006 (fls. 50/54).

Neste momento, entendo pertinente mencionar, também, os documentos de fls. 22/26, (Alvará de Licença nº 0495/2005 e Habite-se nº 0157/2005) ambos expedidos pela Secretaria Municipal de Obras e Planejamento Urbano de Itu/SP e datados de 14/04/2005, concernentes à regularização da edificação por ele realizada no terreno objeto do prefalado contrato de mútuo habitacional firmado com a ré.

A forma pela qual se desenrolaram os fatos é suficiente para convencer este juízo, primeiramente, que o autor permanece, até hoje, vivendo no imóvel, mesmo tendo deixado de quitar as parcelas do mútuo em setembro de 2003 e, ainda, após a adjudicação do bem pela ré (em 11/03/2005), após o registro da Carta de Adjudicação (em 24/06/2008) e após a alienação do bem a terceiro (em 14/01/2014).

Frise-se que, ao menos no período posterior ao registro da carta de adjudicação, caberia o pagamento à ré da taxa mensal de ocupação, conforme prevê o artigo 38 do Decreto-lei nº 70/66, calculada conforme o valor de locação do imóvel. Grosso modo, se o imóvel vale cerca de R$ 100.000,00 (valor constante tanto da avaliação colacionada pelo autor em fl. 31, quanto da avaliação realizada pela CEF em fl. 74), e tendo em vista que o valor da locação costuma corresponder a 0,5% do valor do imóvel (R$ 500,00), o valor do aluguel do imóvel, hoje, corresponderia a R$ 500,00 mensais. Ou seja, mesmo considerando que à época do registro da adjudicação tal valor seria menor, é certo que o longo período de ocupação do imóvel corresponde a montante que, descontado do valor pleiteado pelo autor, certamente tornaria eventual indenização bastante reduzida. Ademais, contando-se o período que o autor usou o imóvel para moradia (2005) verifica-se que esteve no usufruindo o imóvel por período cujo valor a ser pago pela ocupação suplanta o montante pretendido nesta demanda.

Ressalte-se, também, que da sentença proferida pelo juízo do Juizado Especial Federal de Jundiaí nos autos nº 2005.63.04.003481-4 consta informação no sentido de que, naqueles autos, foram promovidas audiências de conciliação, a primeira delas em 12/07/2005, e que o autor recusou as propostas ofertadas pela Caixa Econômica Federal (a última delas, de 05/12/2007, propondo a liquidação à vista do débito pelo valor de R$ 8.960,00, sendo que a dívida original, atualizada para a mesma data, totalizava R$ 9.321,63).

Ou seja: mesmo inadimplente e sabedor que a inadimplência levaria ao vencimento antecipado da dívida e, consequentemente, à execução extrajudicial nos termos do Decreto-lei nº 70/66, o autor construiu sua residência sobre o terreno objeto do contrato inadimplido e ali permaneceu por mais de uma década. Não entrevejo possibilidade de, ante a situação narrada, concluir que o autor ignorava possuir indevidamente o terreno em tela, razão pela qual forçoso o reconhecimento de que, ao edificar sobre tal imóvel, estava ciente dos riscos que permeavam a sua atuação. Mais: continuou a ocupar o imóvel, mesmo após o registro da carta de adjudicação, sem pagar qualquer contraprestação à Caixa Econômica Federal.

Conforme artigo 1474 do Código Civil, a garantia hipotecária atinge o imóvel como um todo, abrangendo todas as suas acessões, melhoramentos ou construções, sendo certo que o parágrafo primeiro da cláusula décima quarta do contrato de fls. 12/21 dos autos, além de atender ao que preleciona a norma mencionada, é clara ao dispor que "A hipoteca constituída em decorrência do presente financiamento incide sobre o imóvel com todas as suas acessões, construções ou melhoramentos já existentes ou que vierem a ser agregadas, independentemente da área construída efetivamente averbada na respectiva matrícula, renunciando os DEVEDORES, neste ato, à pretensão de quaisquer direitos ou indenizações pelos acréscimos de construção não averbados." Há que se ter em mente ainda que, no presente caso, não houve averbação da obra realizada no terreno financiado no CRIA competente, conforme pode ser verificado na certidão de matrícula do imóvel colacionada em fls. 65/69, pelo que a edificação sequer pôde se considerada melhoria para fim de arrematação (fl. 74), de forma que a Caixa Econômica Federal alienou o terreno por valor muito inferior ao da avaliação (fl. 74).

Aliás, aquilo que o autor chama de "benfeitorias", na realidade se trata de acessão. Não se confundem os conceitos jurídicos de benfeitorias e acessões. As acessões estão reguladas pelos artigos 1.253 até 1.259 do Código Civil e se tratam de construções ou plantações. Já as benfeitorias são obras ou despesas efetuadas sobre uma coisa para uma coisa para conservá-la, melhorá-la ou embelezá-la. Neste caso, estamos diante de construção de um imóvel com finalidade residencial, composto de sala, cozinha, dois quartos, área de serviço, banheiro e garagem para um automóvel, totalizando 90 m de área total, edificado sobre o terreno financiado (fls. 74). Ou seja, não se trata de benfeitoria.

Em sendo assim, entendo aplicável à espécie o descrito nos artigos 1.253 até 1.259 do Novo Código Civil (artigos 545 a 549 do Código Civil anterior) vigente na época em que foram realizadas as construções. Destarte, há que se analisar se o autor obrou de boa ou má-fé para aquilatar as consequências jurídicas de seu ato de construir em terreno da Caixa Econômica Federal um imóvel residencial.

Ao ver deste juízo, tal construção deve ser caracterizada como de má-fé, seja se adotando a teoria da ética ou psicológica.

Com efeito, conforme explanado alhures, o autor somente quitou cerca de 30 parcelas do financiamento pactuado, e mesmo após quedar-se inadimplente, promoveu a construção da sua residência no imóvel, e lá permaneceu por mais de uma década mesmo após sua inadimplência, sem pagar qualquer valor à Caixa Econômica Federal, de forma que a Caixa Econômica Federal sequer pôde reaver o valor nominal do capital mutuado.

Neste caso, não há como o autor alegar que ignorava estar construindo em terreno que não mais lhe pertencia, porquanto sua atuação no transcurso do tempo - em especial no que pertine às tentativas de conciliação realizadas perante o JEF de Jundiaí - bem demonstra que não pretendia quitar a dívida adquirida perante a Caixa Econômica Federal.

Estando de má-fé, aplica-se o artigo 1.255 do Código Civil, isto é, aquele que constrói em terreno alheio perde as construções, não tendo sequer o direito à indenização em relação a essas construções (somente teria direito à indenização àquele que agiu de boa-fé). Note-se que, por analogia, há que se aplicar tal artigo à espécie, mesmo podendo-se considerar que o autor construiu sobre terreno próprio gravado com hipoteca.

Ademais, ainda que não fosse aplicável à espécie o artigo 1.255 do Código Civil e ainda que se admitisse eventual boa-fé do autor, o que se admite apenas para fins de argumentação, há que se consignar que nada seria devido, eis que usufruiu por quase uma década a posse de um bem sem nada pagar. Em sendo assim, eventual dívida decorrente da construção realizada pelo autor no terreno seria compensada com os valores emprestados pela Caixa Econômica Federal e também pelos valores devidos pelo autor à Caixa Econômica Federal em face do uso do bem, conforme esmiuçado acima.

Portanto, ao ver deste juízo, não merece guarida o pedido de indenização relacionado com o imóvel descrito na inicial, perdendo o autor a construção nele edificada em favor da Caixa Econômica Federal.

D I S P O S I T I V O

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a pretensão aduzida pelo autor na petição inicial, resolvendo o mérito da questão com fulcro no artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil.

O autor está dispensado do pagamento das custas, despesas processuais (honorários periciais) e dos honorários advocatícios, tendo em vista usufruir os benefícios da assistência judiciária gratuita, nos termos do artigo 12 da Lei nº 1.060/50, conforme deferido em fls. 55. Reformulando entendimento anterior externado em outros feitos, adota-se a posição do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a exclusão dos ônus da sucumbência se defere conforme a situação atual da parte vencida, visto que não é possível a prolação de sentença condicional (Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 313.348-9/RS, Relator Ministro Sepúlveda Pertence).

(...)”.

Embora hígidos os fundamentos adotados em sentença, tenho que o caso merece solução diversa.

Isto porque a análise dos autos revela que o autor contratou financiamento junto à CEF para aquisição de um terreno no valor de R$ 7.000,00, contraindo dívida junto ao banco réu na importância de R$ 5.468,25 em 17/10/2000, e ali edificando uma casa (fls. 12 e 21). Ante a inadimplência do autor, a requerida levou o imóvel a leilão pelo preço mínimo de R$ 60.770,00 – pelo qual foi arrematado, consoante registro em matrícula efetuado em 14/01/2014 -, aduzindo que seu valor de avaliação seria de R$ 103.000,00 (fls. 69 e 74).

Assim, a CEF financiou um terreno por R$ 5.468,25 para, anos depois, vender um imóvel por R$ 60.770,00, uma operação que faria inveja ao mais habilidoso construtor/incorporador de imóveis! Pena que com o suor e com recursos do mutuário.

Desta forma, embora não se possa falar em acessão invertida no caso dos autos, pelos fundamentos expostos em sentença, não menos certo é que o banco réu concedeu financiamento imobiliário para aquisição de um terreno, que lhe serviu de garantia da dívida, para, após o inadimplemento, executar não apenas este terreno, mas também o imóvel ali construído pelo mutuário, incorrendo em verdadeiro enriquecimento sem causa – porque claramente à custa do autor -, nos termos do artigo 884, caput, do Código Civil, que transcrevo:

Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.

Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido.

Naturalmente, o fato de o autor ter permanecido no imóvel entre a data da adjudicação e a data da efetiva alienação do bem a terceiro não legitima tal enriquecimento, seja porque a demora na alienação é fato imputável unicamente à requerida, seja porque ela deveria, se entendesse necessário e oportuno, promover a imissão na posse e/ou cobrança de aluguéis do autor pelo período em que ocupou o imóvel, tudo a ser pleiteado pelas vias adequadas.

Sendo assim, de se acolher o pedido para se reparar o enriquecimento indevido em questão. Deixo, no entanto, de acolher o valor apontado pelo autor, ante a ausência de demonstração nos autos do quanto ele efetivamente devia ao tempo da adjudicação do imóvel

Quanto a isto, no caso concreto, o enriquecimento sem causa da CEF corresponde à diferença entre o quanto ela arrecadou com a venda do imóvel em questão e o quanto o mutuário lhe devia, em valores a serem corrigidos da seguinte forma:

- O valor da dívida deverá ser atualizado desde 24/06/2008, data da adjudicação do imóvel pela CEF (fls. 60 e 68);

- O valor da arrematação será atualizado desde 14/01/2014, data da alienação do imóvel a terceiro (fl. 68).

No período entre 26/04/2008 e 25/03/2014 (dia anterior à citação – fl. 58), o índice de atualização monetária a ser adotado será o IPCA-e, capaz de efetivamente refletir a perda do poder de compra no período.

Sobre a diferença encontrada haverá incidência de juros de mora a partir da citação, por se tratar de responsabilidade civil contratual (art. 405 do Código Civil), à razão de 0,5% ao mês, caso a taxa Selic ao ano seja superior a 8,5% ou 70% da taxa Selic ao ano, nos demais casos.

A partir de 26/03/2014 (data da citação), incidirão juros de mora e correção monetária exclusivamente pela taxa SELIC, compreensiva de ambos os institutos (STJ, EREsp 727842/SP, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, julgado em 08/09/2008; EDcl no RESP 1.025.298 RS. Segunda Seção. Rel. p/ Acórdão Min. Luis Felipe Salomão. DJe 01/02/2013).

Após obtido este valor, há que se descontar uma quantia a título de taxa de ocupação, nos termos do art. 38 do Decreto-Lei n° 70/66, no período entre a data da transcrição da carta de adjudicação na matrícula do imóvel e a efetiva imissão do adquirente na posse do imóvel, que será calculada da seguinte forma:

- O valor mensal será de R$ 300,00 (trezentos reais), calculado com os mesmos critérios adotados em sentença (0,5% do valor aproximado do terreno financiado pela CEF, avaliado em R$ 60.000,00);

- O valor será devido a partir de 24/08/2008, data da transcrição da carta de adjudicação na matrícula do imóvel, até a efetiva imissão do adquirente na posse do imóvel, data esta que será demonstrada em liquidação de sentença, na hipótese de ter ocorrido tal imissão. Não tendo havido omissão, o pagamento será devido até a data dos cálculos, que serão elaborados em liquidação de sentença;

- Sobre a quantia incidirão juros de mora e correção monetária exclusivamente pela taxa SELIC, compreensiva de ambos os institutos, a partir da data em que cada pagamento era devido (dia 24 de cada mês, iniciando-se em 24/09/2008, data em que a primeira taxa de ocupação passou a ser devida).

Com o provimento de seu recurso, o autor passa a ser vencedor na demanda, razão pela qual condeno a CEF ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor atualizado da condenação (que será definido em liquidação de sentença), com fundamento no art. 20, § 3º do Código de Processo Civil de 1973, vigente ao tempo da publicação da sentença.

Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação para condenar a CEF ao pagamento de indenização por dano material ao autor, correspondente à diferença entre o valor de arrematação do imóvel discutido nos autos, com atualização monetária e juros de mora na forma da fundamentação, descontada a taxa de ocupação com fundamento no art. 38 do Decreto-Lei n° 70/66, tudo a ser calculado em liquidação de sentença, bem como ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor atualizado da condenação.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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VOTO-VISTA

O Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA:

Cuida-se de recurso de apelação interposto por IVANILSON DIAS DA CRUZ em face de sentença que julgou improcedente seu pedido inicial em ação de indenização por danos materiais.

Pretende o autor, em síntese, seja a Caixa Econômica Federal condenada a lhe pagar o valor correspondente ao valor da construção do imóvel edificado em terreno adquirido em contrato de compra e venda e mútuo com obrigação hipotecária.

Aduz, em síntese, ter adquirido um terreno, objeto do contrato, dando-o como garantia hipotecária, sendo que nesse imóvel construiu sua residência.

Prossegue narrando que em razão de dificuldades financeiras incorreu em inadimplência sendo a garantia executada.

Busca na presente ação o pagamento da quantia de R$ 55.000,00 correspondente ao valor da construção.

Iniciado o julgamento, o e. Relator apresentou voto conferindo provimento à apelação para condenar a CEF ao pagamento de indenização por dano material ao autor, correspondente à diferença entre o valor de arrematação do imóvel discutido nos autos, com atualização monetária e juros de mora na forma da fundamentação, descontada a taxa de ocupação com fundamento no art. 38 do Decreto-Lei n° 70/66, tudo a ser calculado em liquidação de sentença, bem como ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor atualizado da condenação”.

Pedi vista para melhor analisar a matéria em debate.

E analisando o quanto consta dos autos, peço vênia ao e. Relator para divergir.

Depreende-se dos autos que o autor adquiriu a propriedade de um imóvel assim descrito no contrato de mútuo: “UM TERRENO URBANO sem benfeitorias, situado com frente para a rua Onze constituído pelo lote n° 64 da quadra P, do loteamento denominado ‘JARDIM EUROPA’ no Bairro Varejão, nesta cidade, devidamente descrito e caracterizado na matrícula n° 57.316, nos termos do art. 2°, par. 1°, da Lei n°7.433/85”.

Sobre esse terreno o autor afirma ter construído uma residência para sua moradia, sendo que o valor da construção, sem considerar o terreno, foi avaliado por profissional habilitado em R$ 55.000,00.

Daí, “..., requer-se seja a requerida condenada ao pagamento dos danos materiais, no importe de R$ 55.000,00 (cinquenta e cinco mil reais), a ser devidamente corrigido desde a presente data, até o efetivo pagamento”. 

Sustenta que o art. 1219 do Código Civil garante ao possuidor de boa-fé o direito à restituição das benfeitorias e, tendo ele realizado a construção no valor de R$ 55.000,00 teria direito a receber esse montante, atualizado até o efetivo pagamento.

Argumenta que tendo a CEF alienado o bem por R$ 60.000,00, a não restituição das benfeitorias acarretaria enriquecimento indevido da instituição financeira.

Deveras, a execução da garantia hipotecária tem por finalidade ressarcir o credor pelo inadimplemento do contrato.

Em consequência, havendo excesso de valor, este pertence ao devedor, que terá direito à restituição pela diferença (art. 32, § 3º, DL 70/66).

No caso, a tese do autor é de que possui direito à indenização por danos materiais consubstanciado no valor da construção que ergueu no terreno.

Não se trata, portanto, de restituição do excesso entre o valor da dívida e o valor obtido pelo credor hipotecário com a alienação do bem imóvel.

Em relação ao pleito do autor, há que se destacar que o contrato firmado por ele e a ré estabelece em sua Cláusula Vigésima Terceira o dever de informar sobre obras no imóvel, que não poderão ser realizadas sem o prévio e expresso consentimento do credor.

Não há prova de que tenha sido cumprida a referida cláusula contratual e, assim, não se pode exigir da ré a integralidade pelo valor da construção.

Note-se que da cópia da matrícula do imóvel (fls. 65/69 dos autos físicos – Id 89975891) sequer consta registro da edificação.

Nesse contexto, o autor possui direito a receber eventual excedente da dívida, recebido pela CEF quando da alienação do bem, nos termos do já citado § 3º, do art. 32 do Decreto-Lei 70/66, devendo, portanto, ser acolhida em parte sua pretensão.

Na apuração do valor, não se pode olvidar que o autor, mesmo inadimplente desde o ano de 2003 permaneceu na posse do bem, não havendo notícias de que tenha ocorrido a imissão na posse pelo atual proprietário, adquirente do imóvel junto à CEF em 14.01.2014, conforme consta da matrícula (fls. 68 dos autos físicos – Id 89975891).

Também, deve-se considerar o quanto disposto no parágrafo único do art. 29 do Decreto-Lei 70/66:

“Parágrafo único. A falta de pagamento do principal, no todo ou em parte, ou de qualquer parcela de juros, nas épocas próprias, bem como descumprimento das obrigações constantes do artigo 21, importará, automaticamente, salvo disposição diversa do contrato de hipoteca, em exigibilidade imediata de tôda a dívida.”

Assim, a atualização da dívida deve retroagir ao momento da inadimplência, a ser aferida em sede de liquidação, sendo certo que consta dos autos que o autor incorreu em mora no ano de 2003, conforme exposto na inicial:

“As prestações foram integralmente quitadas até meados de 2003 quando, em razão de severos problemas pessoais juntamente com a perda do emprego, o requerente acabou atrasando algumas parcelas”

A atualização do valor da alienação deverá ser aplicada a partir da data do registro da venda do imóvel a terceiro, constante da matrícula, ocorrido 14.01.2014.

Até a data da citação, referidos valores serão corrigidos pelo IPCA-e.

Ainda para apuração da diferença, deve-se observar ao estabelecido no art. 38 do Decreto-Lei 70/66:

“Art 38. No período que medear entre a transcrição da carta de arremação no Registro Geral de Imóveis e a efetiva imissão do adquirente na posse do imóvel alienado em público leilão, o Juiz arbitrará uma taxa mensal de ocupação compatível com o rendimento que deveria proporcionar o investimento realizado na aquisição, cobrável por ação executiva.”

A transcrição da carta de arrematação se deu em 24.06.2008, enquanto que a data de imissão na posse deverá ser apurada na liquidação, pois não há nos autos informações de que tenha o autor desocupado o imóvel.

O valor de referida taxa mensal, para que se afigure justa, deve ser apurado em liquidação, de acordo com aquele correspondente ao valor de locação de um imóvel de mesmas características e região, atualizado monetariamente a partir de cada vencimento, que deverá ser considerado o dia 24 de cada mês, considerando vencida a primeira no dia 24.07.2008, correspondente ao primeiro mês a partir da transcrição da carta de arrematação.

A correção monetária e juros deverão ser calculados de acordo com o manual de cálculos da Justiça Federal.

 Considerando o parcial acolhimento da pretensão inicial, tem-se que cada uma das partes sucumbiu em parte e, assim, uma vez que a sentença foi proferida ainda sob a vigência do revogado CPC/1973, dá-se à compensação dos honorários advocatícios (art. 21 CPC/1973).

Pelo exposto, dou parcial provimento ao recurso de apelação para reconhecer ao autor o direito à restituição do valor excedente à dívida, recebido pela ré quando da alienação do bem objeto do contrato, nos termos do § 3º, do art. 32 do DL 70/66, a ser apurado na forma exposta.

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


E M E N T A

 

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. AQUISIÇÃO DE TERRENO. CONSTRUÇÃO DE IMÓVEL PELO MUTUÁRIO. INADIMPLÊNCIA. ADJUDICAÇÃO E ALIENAÇÃO DO TERRENO E DO PRÉDIO A TERCEIRO. ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. ART. 884 DO CÓDIGO CIVIL. TAXA MENSAL DE OCUPAÇÃO. ART. 38 DO DECRETO-LEI N° 70/1966. APELAÇÃO PROVIDA.

1. No caso concreto, pretende a parte autora a condenação da ré ao pagamento de indenização por dano material por ter financiado a aquisição de um terreno junto ao banco réu e, posteriormente, vir a ter executado o terreno e o imóvel que ali construiu.

2. A análise dos autos revela que o autor contratou financiamento junto à CEF para aquisição de um terreno no valor de R$ 7.000,00, contraindo dívida junto ao banco réu na importância de R$ 5.468,25 em 17/10/2000, e ali edificando uma casa. Ante a inadimplência do autor, a requerida levou o imóvel a leilão pelo preço mínimo de R$ 60.770,00 – pelo qual foi arrematado, consoante registro em matrícula efetuado em 14/01/2014 -, aduzindo que seu valor de avaliação seria de R$ 103.000,00.

3. O banco réu concedeu financiamento imobiliário para aquisição de um terreno, que lhe serviu de garantia da dívida, para, após o inadimplemento, executar não apenas este terreno, mas também o imóvel ali construído pelo mutuário, incorrendo em verdadeiro enriquecimento sem causa – porque claramente à custa do autor -, nos termos do artigo 884, caput, do Código Civil.

4. No caso concreto, o enriquecimento sem causa da requerida corresponde à diferença entre o quanto ela arrecadou com a venda do imóvel em questão e o quanto o mutuário lhe devia, em valores sobre os quais incidirão atualização monetária e juros de mora na forma da fundamentação do voto do Relator.

5. Após obtido este valor, há que se descontar uma quantia a título de taxa de ocupação, nos termos do art. 38 do Decreto-Lei n° 70/66, no período entre a data da transcrição da carta de adjudicação na matrícula do imóvel e a efetiva imissão do adquirente na posse do imóvel, a ser calculada na forma descrita na fundamentação do voto do Relator.

6. Com o provimento de seu recurso, o autor passa a ser vencedor na demanda, razão pela qual condeno a CEF ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor atualizado da condenação (que será definido em liquidação de sentença), com fundamento no art. 20, § 3º do Código de Processo Civil de 1973, vigente ao tempo da publicação da sentença.

6. Apelação provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, por maioria, deu provimento à apelação para condenar a CEF ao pagamento de indenização por dano material ao autor, correspondente à diferença entre o valor de arrematação do imóvel discutido nos autos, com atualização monetária e juros de mora na forma da fundamentação, descontada a taxa de ocupação com fundamento no art. 38 do Decreto-Lei n° 70/66, tudo a ser calculado em liquidação de sentença, bem como ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor atualizado da condenação nos termos do voto do relator Des .Fed. Wilson Zauhy, acompanhado pelo Des. Fed. Carlos Francisco e pela Juíza Federal Convocada Denise Avelar, vencidos o Des. Fed. Hélio Nogueira e o Des. Fed. Peixoto Junior que davam parcial provimento ao recurso de apelação para reconhecer ao autor o direito à restituição do valor excedente à dívida, recebido pela ré quando da alienação do bem objeto do contrato, nos termos do § 3º, do art. 32 do DL 70/66, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.