Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0001230-35.2013.4.03.6133

RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Advogado do(a) APELANTE: HENRIQUE GUILHERME PASSAIA - SP295994-N

APELADO: CLAUDEMIR NOGUEIRA

Advogado do(a) APELADO: JOAO FERNANDO RIBEIRO - SP196473-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0001230-35.2013.4.03.6133

RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Advogado do(a) APELANTE: HENRIQUE GUILHERME PASSAIA - SP295994-N

APELADO: CLAUDEMIR NOGUEIRA

Advogado do(a) APELADO: JOAO FERNANDO RIBEIRO - SP196473-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Trata-se de ação ordinária de “devolução de pagamento de benefício de pensão por morte"  ajuizada em 30/04/2013 por Claudemir Nogueira em face do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS. Requer a procedência do pedido com sua condenação ao pagamento dos valores recebidos a título de benefício de pensão por morte desde a data da concessão até o cancelamento, sem a incidência de juros ou atualizações ou, que a atualização dos valores incida apenas a partir da sua confissão no juízo criminal em 14/12/2010.

 

A r. sentença proferida em 08/10/2014 (fls. 242/244) julgou parcialmente procedente o pedido para condenar o INSS a calcular o montante devido no período de 09/02/2010 a 31/10/2013 a título de pensão por morte, corrigido monetariamente, e limitada a aplicação dos juros de mora a partir da data em que o autor foi notificado para o pagamento do débito. Determinou-se o pagamento de custas na forma da lei e sucumbência recíproca. A r. sentença foi submetida ao reexame necessário.

 

O INSS opôs embargos de declaração alegando omissão quanto à análise da preliminar de ausência de interesse de agir arguida na contestação (fls. 277/278).

 

Os embargados de declaração foram acolhidos para rejeitar a preliminar diante da comprovação de que o benefício foi suspenso em razão de o autor ser réu confesso da prática do crime de homicídio doloso contra a segurada instituidora do benefício de pensão por morte, bem como por haver nos autos planilha de cálculo atualizada com os valores indevidamente recebidos pelo autor da demanda e apresentada pela embargante (fls. 280/300).

 

O autor interpôs recurso de apelação requerendo o provimento do recurso para que a sua condenação seja limitada aos valores recebidos, sem a incidência de juros e atualizações, eis que o benefício não foi recebido de forma ilegal, bem como pelo fato da iniciativa do pagamento dos valores ter sido efetuada por mera liberalidade, devendo o INSS ser condenado ao pagamento de honorários advocatícios. Subsidiariamente, requer juros e atualização na mesma forma que as condenações impostas ao INSS, para que não ocorra enriquecimento ilícito e o valor recebido ter natureza alimentar, aliado ao fato de encontrar-se encarcerado e exonerado da função pública (fls. 248/522).

 

O INSS também interpôs recurso de apelação arguindo, preliminarmente, a nulidade da sentença por julgamento “ultra petita”. Alega que os pedidos do autor são limitados à condenação ao pagamento dos valores recebidos a título de pensão por morte sem a incidência de juros e correção monetária ou, que os juros e atualização incidam a partir da data da confissão do crime em 14/12/2010, e que o r. Juízo “a quo” decidiu além do pedido formulado na petição inicial, pois condenou o INSS a calcular o montante supostamente devido, fixando o termo inicial dos juros para o futuro (data da notificação do autor para o pagamento) . Argui, ainda, falta de interesse de agir, eis que  o autor da demanda em momento algum foi notificado para realizar a devolução dos valores recebidos a título de pensão por morte. Alega que sem condenação não há dívida existente. Requer a extinção do processo sem resolução do mérito. No mérito, pede a improcedência do pedido, alegando que a cobrança dos valores recebidos pelo autor da demanda, seus motivos e parâmetros é, essencialmente, mérito administrativo, bem como que cabe à administração, no caso concreto, por meio de processo administrativo, decidir acerca da oportunidade e conveniência da cobrança dos valores recebidos pelo autor. Sustenta que não caberia ao Judiciário substituir-se ao administrador na apreciação do mérito administrativo, determinando antes da conclusão do procedimento administrativo competente, o cálculo da cobrança dos valores recebidos indevidamente, pois, no caso, caberia apenas apreciar a legalidade do ato de cobrança, que é inexistente. Subsidiariamente, alega que os juros de mora devem incidir desde o pagamento da primeira parcela do benefício ou do ajuizamento da ação, momento em que o autor já estava ciente de sua mora (fls. 286/300).

 

Sem contrarrazões, os autos foram remetido a este Tribunal.

 

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0001230-35.2013.4.03.6133

RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Advogado do(a) APELANTE: HENRIQUE GUILHERME PASSAIA - SP295994-N

APELADO: CLAUDEMIR NOGUEIRA

Advogado do(a) APELADO: JOAO FERNANDO RIBEIRO - SP196473-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

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A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Alega a parte autora na petição inicial que na data de 11/11/2009 requereu junto ao INSS o benefício de pensão por morte em razão do óbito de sua companheira, a Sra. Mônica El Khoun, ocorrido em 23/10/2009. O benefício foi deferido com pagamento a partir de 09/02/2010, mas em 19/06/2012 a mãe da falecida ingressou com ação judicial requerendo o cancelamento do benefício, tendo em vista que ele, o beneficiário, havia confessado a prática do crime de homicídio da instituidora do benefício, objeto de processo criminal que tramitava juntou ao 1º Tribunal do Júri da Comarca de São Paulo (autos n° 583.52.2009.006195-0/000000-000 –fls. 260/272), bem como que após pareceres da procuradoria do INSS o pagamento do benefício foi suspenso em 18/03/2013.

 

Alega que não pretende com a presente demanda questionar o ato de suspensão do pagamento do benefício na via administrativa, mas se adiantar para devolver ao INSS os valores recebidos até a data do cancelamento, no valor total de R$ 65.926,49 (sem atualização ou juros), eis que somente a partir da data da sua confissão no juízo criminal, em 14/12/2010, é que o pagamento se tornou ilegal, bem como pretende efetuar o pagamento à vista, por liberalidade, ou, caso incida atualização dos valores, que seja apenas a partir da sua confissão no juízo criminal em 14/12/2010, alegando que somente a partir dessa data é que se verifica a ilegalidade no pagamento da pensão.

 

Das preliminares.

 

É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado (art. 492, CPC).

 

Alega o INSS a nulidade da sentença recorrida, pois houve a modulação de dívida inexistente, determinado o cálculo de montante que sequer se sabe se será cobrado pela autarquia, fixando o início da incidência de juros de mora para o futuro, quando o autor for efetivamente notificado do pagamento da dívida. Argui julgamento “ultra petita”.

 

De fato, a r. sentença (fls. 242/244) extrapolou os limites do pedido formulado pelo autor na inicial, eis que o autor objetiva com a presente demanda se adiantar à cobrança que seria efetuada pelo INSS, ofertando o pagamento à vista dos valores recebidos até a data da suspensão na via administrativa, sem incidência de juros ou atualização ou, ainda, que os juros e atualizações incidam a partir da confissão do crime (14/12/2010). 

 

Assim,  a sentença é "ultra petita" quando condena o INSS a calcular a dívida, com incidência de juros a partir da data da notificação para pagamento. Como já relatado, o autor não teve notificação administrativa para pagamento dos valores indevidos, eis que pretende com a presente demanda se adiantar a cobrança administrativa e efetuar o pagamento da dívida, nos termos que propõe. Portanto, o pedido deve ser analisado conforme os termos da petição inicial, sendo nula a parte da sentença que condiciona a incidência dos juros à notificação administrativa do autor para pagamento da dívida.

 

Portanto, reconhecida a nulidade da parte da sentença que determinou a incidência dos juros de mora a partir da notificação administrativa para pagamento.

 

Dessa forma, no mérito, o pedido será analisado conforme posto na petição inicial.

 

Alega também o INSS, falta de interesse de agir, pois o autor não teve dívida constituída na via administrativa, não havendo interesse em ser condenado a pagar dívida inexistente. Sustenta que apenas suspendeu o pagamento, não tendo concluído se o autor terá ou não que devolver os valores recebidos.

 

Não há falar em dívida inexistente, pois não se trata de contrato de natureza privada em que o credor tenha ou não a liberalidade de cobrar ao seu credor. Aqui a dívida do autor é de natureza pública, não está ao crivo (juízo de valor) da autarquia se constitui ou não a dívida, mesmo por que o beneficiário já reconheceu a autoria do crime de homicídio da companheira e instituidora do benefício e se adiante para restituir aos cofres públicos os valores recebidos.

 

Conforme dispõe Hely Lopes Meirelles: "Na Administração Pública, não há espaço para liberdades e vontades particulares, deve, o agente público, sempre agir com a finalidade de atingir o bem comum, os interesses públicos, e sempre segundo àquilo que a lei lhe impõe, só podendo agir secundum legem. Enquanto no campo das relações entre particulares é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe (princípio da autonomia da vontade), na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei, define até onde o administrador público poderá atuar de forma lícita, sem cometer ilegalidades, define como ele deve agir." (MIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24ª. Ed. São Paulo: Malheiros, 1999).

 

A procedência ou não da forma requerida pelo autor para devolver aos cofres públicos os valores indevidamente recebidos, é matéria relativa ao mérito da demanda e será analisada em sede própria, observando-se que o autor juntou com a petição inicial documentos emitidos pelo INSS, consistentes no histórico e relação detalhada do crédito efetuada em 17/04/2013 (fls. 188/201), constando o valor total das parcelas recebidas (R$ 65.926,49), valor da correção (R$ 7.061.55) e valor do montante corrigido, considerando-se a DIB 23/10/2009 e a data da cessão administrativa em 01/04/2013 (R$ 72.988,04). Portanto, o valor devido pelo autor já restou apurado pelo INSS na planilha apresentada na via administrativa.

 

Assim, rejeitada a preliminar de falta de interesse de agir.

 

Reexame necessário não conhecido, pois o INSS não está sendo condenado ao pagamento de quantia. Aqui a ação proposta é para restituir ao INSS valores recebidos indevidamente.

 

Do mérito.

 

A ação proposta pelo autor é uma verdadeira ação de consignação em pagamento, contudo, não foi proposta como tal, mas sim como ação condenatória comum denominada “AÇÃO DE DEVOLUÇÃO DE PAGAMENTO DE BENEFÍCIO DE PENSÃO POR MORTE”.

 

Embora o meio processual manejado pelo autor não seja o adequado, pois para afastar incidência da mora deveria ter se utilizado do depósito judicial, na forma do art. 890 do Código de Processo Civil vigente à época da propositura da ação, entendo que o pagamento é um direito para o devedor tanto quanto o recebimento é um dever para o credor, uma vez que o não pagamento significa entrar em mora, acarretando juros sobre o valor devido.

 

Ademais, o art. 335 do Código Civil de 2002 prevê expressamente que a consignação do valor que o devedor entende como o devido é possível, ainda, quando o credor não for conhecido, não puder ou não tomar a iniciativa de receber; se o credor for incapaz de receber, ou residir em local de acesso perigoso ou difícil; ou se houver dúvida sobre quem tem legitimidade para receber.

 

No caso dos autos, o autor da demanda, réu confesso e condenado a pena de reclusão pela prática do crime de homicídio doloso contra a companheira e instituidora do benefício, propõe a devolução dos valores, na forma que entende devido. Assim, o autor/devedor tem direito subjetivo à liberação dos valores que reconhece ter recebido indevidamente dos cofres públicos.

 

O INSS entende pela improcedência do pedido, uma vez que a cobrança dos valores recebidos pelo autor constitui mérito da administração. Alega que cabe ao INSS, por meio de processo administrativo próprio, decidir acerca da oportunidade e conveniência da cobrança dos valores recebidos, não cabendo ao judiciário substituir a Administração no seu mister de apreciação do mérito administrativo e determinar, antes de se concluir o procedimento administrativo competente, o cálculo dos valores que nem sequer se sabe se serão cobrados do autor.

 

Quanto a alegação do INSS da necessidade de conclusão de processo administrativo para a cobrança, bem como que cabe a administração verificar se é devida ou não a cobrança dos valores deve ser afastada.

 

Verifica-se pelos dados do CNIS (fls. 131 e 187), que o benefício de pensão por morte (NB:21/119.221.248-4) foi requerido em 11/11/2009, deferido em 18/01/2010, com termo inicial em 23/10/2009 e data de cancelamento em 01/04/2013. Os dados do CNIS também demonstram que desde a data da suspensão em 01/04/2013 a situação se manteve inalterada (fl. 213).

 

Embora o INSS alegue a inexistência de dívida constituída na via administrativa, é certo que o autor solicitou em 11/04/2013 cópias do processo administrativo após a suspensão do benefício e obteve o histórico e a planilha com a relação detalhada do crédito  (fls. 188/201). No documento emitido pelo INSS (fls. 200/201) consta: "Cálculo e Atualização Monetária de Valores Recebidos Indevidamente  - Relatório Simplificado", nome do beneficiário: Caludemir Nogueira; espécie de benefício (21 - Pensão por Morte; NB: 119.221.248-4); DIB: 23/10/2009; DIP: 23/10/2009; DCB: 01/04/2013; PERÍODO DO CÁLCULO: 23/10/2009 a 31/03/2013; motivo do ressarcimento: 4 -Concessão indevida; Data do cálculo :17/04/2013; VALOR INDEVIDO ORIGINAL: (R$ 65.926,49); VALOR DA CORREÇÃO, efetuada de acordo com o art. 175 do Decreto nº 3.048/1999: (R$ 7.061,65); VALOR INDEVIDO CORRIGIDO: (R$ 72.988,04).

 

Portanto, existe sim, divida constituída, embora a autarquia não tenha formalmente solicitado do autor o pagamento. E foi com base na referida planilha de crédito que o autor se baseou para propor a presente demanda. 

 

Com efeito, a Administração Pública tem o dever de fiscalização dos seus atos administrativos, eis que goza de prerrogativas, entre as quais o controle administrativo, revendo os atos de seus próprios órgãos, anulando aqueles eivados de ilegalidade ou revogando os atos cuja conveniência e oportunidade não mais subsista.

 

Trata-se do exercício do poder-dever de autotutela da administração (Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal), tendo como fundamento os princípios constitucionais da legalidade e supremacia do interesse público, obedecidos os regramentos constitucionais do contraditório e da ampla defesa (artigo 5º, LIV e LV, da CF), além da Lei nº 9.784/99, aplicável à espécie.

 

Ainda que existente na legislação previdenciária à época da concessão do benefício dispositivo legal proibindo o deferimento da pensão ao dependente que atentou dolosamente contra a vida do segurado instituidor do benefício, que somente veio com a MP 664/2014, convertida na Lei 13.135/2015, é certo que o Código Civil de 2002 já continha regras específicas para o tratamento do herdeiro índigo (arts. 557 e 1814), bem como na a Lei 8.112/1990 (art. 220), que podiam ser utilizadas por analogia, conforme previsão de norma (regra ou princípio) no direito positivo brasileiro (art. 4º da LINDB), para fundamentar a suspensão do benefício e cobrar os valores recebidos.

 

No caso dos autos, o autor da demanda é réu confesso do crime de homicídio doloso contra a instituidora do benefício, com sentença penal condenatória (fls. 260/272), e nos autos do Processo nº 001.4283-68.2013.8.26.0003 foi declarado indigno e excluído da sucessão dos bens deixados pela falecida (fls. 228/232).

 

Contudo, a discussão se havia ou não norma autorizando o cancelamento e a devolução dos valores é inócua, uma vez que o próprio autor da demanda reconhece que recebeu indevidamente o benefício e propõe ação para a sua devolução.

 

À vista dos fundamentos apresentados a devolução é imperativa porquanto se apurou a ausência de boa-fé objetiva do autor no recebimento do benefício (artigo 422 do Código Civil). Ademais, o princípio da moralidade administrativa previsto no art. 37, “caput” da CF, obriga a autarquia previdenciária a efetuar a cobrança dos valores indevidamente recebidos pelos segurados ou por seus dependentes, na forma do art. 115, II, da Lei nº 8.213/91.

 

Saber se a forma pela qual o autor pretende devolver ou a proposta para pagamento se mostra suficiente cabe ao poder judiciário analisar, pois não se trata de dívida de natureza privada que dependa da iniciativa do credor ou do cabimento do perdão quanto a sua cobrança. Observando-se que o Código Civil estabelece, em seu artigo 876, que, tratando-se de pagamento indevido, "Todo aquele que recebeu o que não era devido fica obrigado a restituir".

 

No caso concreto, a condenação do Autor não pode extrapolar ao pedido formulado na petição inicial. Contudo, aceitar o pagamento da forma pretendida pelo Autor, seria dar quitação da dívida, sem a possibilidade de o INSS poder cobrar os valores efetivamente devidos, conforme a planilha apresentada na via administrativa (fls. 200/201). 

 

Conforme já mencionado, o autor deveria ter efetuado o depósito judicial da quantia que entendesse devida ao INSS para livrar-se da mora. Tendo optado pela “ação de devolução das quantias recebidas”, ação condenatória comum e proposto pagamento com valor diverso daquele apurado na planilha já apresentada pelo INSS na via administrativa, não pode obter a extinção total da dívida, tendo em vista que a forma proposta configura acordo que deveria ter sido antes apresentada na via administrativa, além de o INSS não concordar com a ação proposta e alegar que os juros e atualização do débito incidiriam de forma diversa da requerida, observando-se que o total corrigido pelo INSS, conforme a planilha que embasou a ação totaliza R$ 72.988,04 (fls. 190/201).

 

Sendo assim, conforme já declarada a nulidade parcial da sentença, o pedido formulado na petição inicial deve ser julgado parcialmente procedente para condenar o Autor a devolver ao INSS o valor indevido original calculado na tabela (fls. 200/201) R$ 65.926,49, com atualização monetária e juros a partir de 18/03/2013, data da suspensão do pagamento indevido pelo INSS. Quanto as alegações do Autor de impossibilidade para pagamento do valor atualizado, por não possuir mais capacidade financeira, verifica-se pelos dados do CNIS que ele continuou recolhendo contribuições para o RGPS como segurado facultativo, individual e como empregado, atualmente, aposentado por tempo de contribuição desde 27/08/2018, não podendo alegar ausência de capacidade financeira.

 

Contudo, fica ressalvado o direito do INSS à cobrança futura das diferenças que entender devidas, tendo em vista que o provimento desta demanda, sob o ângulo processual, resguarda o direito do Autor de não ser demandado pelo INSS para a cobrança pelo valor total da dívida, mas apenas pelo resíduo (diferenças). Nesse sentido, decidiu o Superior Tribunal de Justiça em caso semelhante (REsp 1.132.662, Relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, j. 26/04/2011, DJe 11/05/2011).

 

Aqui não se pode determinar o levantamento do valor pelo INSS e prosseguimento do processo com relação as diferenças que o apelante entende devidas, pois não se trata de ação própria de consignação em pagamento.

 

Os juros e à correção monetária serão aplicados de acordo com o vigente Manual de Cálculos da Justiça Federal vigente, observando-se, no que couber, o julgamento final do RE 870.947/SE, em Repercussão Geral.

 

Mantida a sucumbência recíproca, tendo em vista o não acolhimento do pedido principal.

 

Diante do exposto, ACOLHO A PRELIMINAR DE NULIDADE PARCIAL DA SENTENÇA por julgamento “ultra petita” para limitar a condenação imposta na sentença à devolução das parcelas devidas até a data da suspensão do benefício (R$ 65.926,49), com incidência de juros e atualização, a partir da data da suspensão do pagamento indevido pelo INSS e REJEITO A PRELIMINAR DE FALTA DE INTERESSE DE AGIR e no, mérito, DOU PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS para ressalvar o seu direito de cobrança, em sede própria, das diferenças da dívida. DOU PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO AUTOR para fixar os juros de mora e a correção monetária, na da fundamentação. REEXAME NECESSÁRIO NÃO CONHECIDA.

 

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

 

PROCESSO CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO DE DEVOLUÇÃO DE BENEFÍCIO. PAGAMENTO INDEVIDO. PENSÃO POR MORTE. JULGAMENTO “ULTRA PETITA”. REDUÇÃO DA SENTENÇA AOS LIMITES DO PEDIDO. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. PRELIMINAR REJEITADA. LIBERAÇÃO PARCIAL DA DÍVIDA. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS.

- Trata-se de ação de “devolução de pagamento de benefício de pensão por morte”, ajuizada em 30/04/2013 por Claudemir Nogueira em face do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS. Requer a procedência do pedido com a sua condenação ao pagamento dos valores recebidos do benefício de pensão por morte desde a data da concessão até o cancelamento, sem a incidência de juros ou atualizações ou, que a atualização dos valores incida apenas a partir da sua confissão no juízo criminal em 14/12/2010.

- É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado (art. 492, CPC).

- Rejeitada a preliminar de falta de interesse de agir. O autor alega que é devedor do INSS. A procedência ou não da forma requerida pelo autor para devolver aos cofres públicos os valores indevidamente recebidos, é matéria relativa ao mérito da demanda e será analisada em sede própria.

A ação proposta pelo autor é uma verdadeira ação de consignação em pagamento, contudo, não foi proposta como tal, mas sim como ação de rito ordinário denominada “AÇÃO DE DEVOLUÇÃO DE PAGAMENTO DE BENEFÍCIO DE PENSÃO POR MORTE”.

- Embora o meio processual manejado pelo autor não seja o adequado, pois para afastar incidência da mora deveria ter se utilizado do depósito judicial, na forma do art. 890 do Código de Processo Civil vigente à época da propositura da ação, entendo que o pagamento é um direito para o devedor tanto quanto o recebimento é um dever para o credor, uma vez que o não pagamento significa entrar em mora, acarretando juros sobre o valor devido.

- Ademais, o art. 335 do Código Civil de 2002 prevê expressamente que a consignação do valor que o devedor entente como o devido é possível, ainda, quando o credor não for conhecido, não puder ou não tomar a iniciativa de receber; se o credor for incapaz de receber, ou residir em local de acesso perigoso ou difícil; ou se houver dúvida sobre quem tem legitimidade para receber.

- No caso dos autos, o autor da demanda, réu confesso e condenado a pena de reclusão pela prática do crime de homicídio doloso contra a companheira e instituidora do benefício, propõe a devolução dos valores, na forma que entende devido. Assim, o autor/devedor tem direito subjetivo à liberação dos valores que entende ter recebido indevidamente dos cofres públicos.

- Quanto a alegação do INSS da necessidade de conclusão de processo administrativo para a cobrança, bem como que cabe a administração verifica se é devida ou não a cobrança dos valores deve ser afastada.

- Verifica-se pelos dados do CNIS (fls. 131 e 187) que o benefício de pensão por morte (NB:21/119.221.248-4) foi requerido em 11/11/2009, deferido em 18/01/2010, com termo inicial em 23/10/2009 e data de cancelamento em 01/04/2013. Os dados do CNIS também demonstram que desde a data da suspensão em 01/04/2013 a situação se manteve inalterada (fl. 213).

- Embora o INSS alegue a inexistência de dívida constituída na via administrativa, é certo que o autor solicitou em 11/04/2013 cópias do processo administrativo após a suspensão do benefício e obteve o histórico e a planilha com a relação detalhada do crédito  (fls. 188/201). No documento emitido pelo INSS (fls. 200/201) consta: "Cálculo e Atualização Monetária de Valores Recebidos Indevidamente  - Relatório Simplificado", nome do beneficiário: Caludemir Nogueira; espécie de benefício (21 - Pensão por Morte; NB: 119.221.248-4); DIB: 23/10/2009; DIP: 23/10/2009; DCB: 01/04/2013; PERÍODO DO CÁLCULO: 23/10/2009 a 31/03/2013; motivo do ressarcimento: 4 -Concessão indevida; Data do cálculo :17/04/2013; VALOR INDEVIDO ORIGINAL: (R$ 65.926,49); VALOR DA CORREÇÃO, efetuada de acordo com o art. 175 do Decreto nº 3.048/1999: (R$ 7.061,65); VALOR INDEVIDO CORRIGIDO: (R$ 72.988,04).

- Portanto, demonstrada a existência da dívida, embora a autarquia não tenha formalmente solicitado do autor o pagamento. E foi com base na referida planilha de crédito apresentada na via administrativa que o Autor se baseou para propor a presente demanda. 

- Saber se a forma pela qual o Autor pretende devolver ou a proposta para pagamento se mostra suficiente cabe ao poder judiciário analisar, pois não se trata de dívida de natureza privada que dependa da iniciativa exclusiva do credor ou do cabimento do perdão quanto a sua cobrança. Observando-se que o Código Civil estabelece, em seu artigo 876, que, tratando-se de pagamento indevido, "Todo aquele que recebeu o que não era devido fica obrigado a restituir".

- No caso concreto, a condenação do autor não pode extrapolar ao pedido formulado na petição inicial. Contudo, aceitar o pagamento da forma pretendida pelo Autor, seria dar quitação à dívida, sem a possibilidade de o INSS poder cobrar os valores efetivamente devidos, conforme a planilha apresentada na via administrativa (fls. 200/201). 

- Conforme já mencionado, o autor deveria ter efetuado o depósito judicial da quantia que entendesse devida ao INSS para livrar-se da mora, todavia, fez a opção pela “ação de devolução das quantias recebidas”, ação ordinária condenatória comum, propondo pagamento diverso daquele apurado na planilha já apresentada pelo INSS na via administrativa ( R$ 72.988,04 -fls. 190/201).

- Declarada a nulidade parcial da sentença, o pedido formulado na petição inicial deve ser julgado parcialmente procedente para condenar o Autor a devolver ao INSS o valor indevido original calculado na tabela (fls. 200/201) R$ 65.926,49, com atualização monetária e juros a partir de 18/03/2013 data da suspensão do pagamento indevido pelo INSS.

- Contudo, fica ressalvado o direito do INSS à cobrança futura das diferenças que entender devidas, tendo em vista que o provimento desta demanda, sob o ângulo processual, resguarda apenas o direito do autor de não ser demandado pelo INSS para a cobrança pelo valor total da dívida, mas apenas pelo resíduo (diferenças).

- Aqui não se pode determinar o levantamento do valor pelo INSS e prosseguimento do processo com relação as diferenças que o apelante entende devidas, pois não se trata de ação própria de consignação em pagamento.

- Os juros e à correção monetária serão aplicados de acordo com o vigente Manual de Cálculos da Justiça Federal vigente, observando-se, no que couber, o julgamento final do RE 870.947/SE, em Repercussão Geral.

- Mantida a sucumbência recíproca, tendo em vista o não acolhimento do pedido principal.

- Preliminar de nulidade parcial da sentença acolhida. Preliminar de falta de interesse de agir rejeitada. Apelação do INSS parcialmente provida. Apelação do Autor parcialmente provida. Reexame necessário não conhecido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Decima Turma, por unanimidade, decidiu ACOLHER A PRELIMINAR DE NULIDADE PARCIAL DA SENTENCA , REJEITAR A PRELIMINAR DE FALTA DE INTERESSE DE AGIR e no, merito, DAR PARCIAL PROVIMENTO A APELACAO DO INSS , bem como DAR PARCIAL PROVIMENTO A APELACAO DO AUTOR E NAO CONHECER DO REEXAME NECESSARIO., nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.