APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002235-76.2014.4.03.6127
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: IVANIR MARQUES ESPANHA
Advogado do(a) APELANTE: CAIO GONCALVES DE SOUZA FILHO - SP191681-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002235-76.2014.4.03.6127 RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO APELANTE: IVANIR MARQUES ESPANHA Advogado do(a) APELANTE: CAIO GONCALVES DE SOUZA FILHO - SP191681-N APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR): Trata-se de apelações interpostas pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS e por IVANIR MARQUES ESPANHA, em ação ajuizada por esta última, objetivando o reconhecimento da inexigibilidade do débito administrativo e a obtenção de indenização por danos morais. A r. sentença, prolatada em 11/09/2015, julgou procedente a ação, para reconhecer a inexigibilidade do débito administrativo e condenou o INSS no pagamento de honorários advocatícios arbitrados em R$ 1.000,00 (mil reais). Em suas razões recursais, o INSS pugna pela reforma do r. decisum, sustentando, em síntese, que o caráter alimentar das prestações previdenciárias ou o seu recebimento de boa-fé não implicam necessariamente sua irrepetibilidade. No mais, afirma que os benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez foram concedidos indevidamente, pois a demandante não ostentava a qualidade de segurado, razão pela qual os referidos valores devem ser restituídos aos cofres públicos. Prequestiona a matéria para fins recursais. A parte autora, por sua vez, em seu apelo, pede a condenação da Autarquia Previdenciária no pagamento de indenização por danos morais. Devidamente processados os recursos, com contrarrazões, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002235-76.2014.4.03.6127 RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO APELANTE: IVANIR MARQUES ESPANHA Advogado do(a) APELANTE: CAIO GONCALVES DE SOUZA FILHO - SP191681-N APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR): Discute-se a exigibilidade dos valores pagos indevidamente à parte autora, a título de benefício previdenciário, na seara administrativa. O princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, fundado na eqüidade, constitui alicerce do sistema jurídico desde a época do direito romano e encontra-se atualmente disciplinado pelo artigo 884 do Código Civil de 2002, in verbis: "Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários." Desse modo, todo acréscimo patrimonial obtido por um sujeito de direito que acarrete necessariamente o empobrecimento de outro, deve possuir um motivo juridicamente legítimo, sob pena de ser considerado inválido e seus valores serem restituídos ao anterior proprietário. Em caso de resistência à satisfação de tal pretensão, o ordenamento jurídico disponibiliza à parte lesada os instrumentos processuais denominados ações in rem verso, a fim de assegurar o respectivo ressarcimento, das quais é exemplo a ação de repetição de indébito. A propositura de demanda judicial, contudo, não constitui a única via de que dispõe a Administração Pública para corrigir o enriquecimento sem causa. Os Entes Públicos, por ostentarem o poder-dever de autotutela, podem anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, ressalvando-se ao particular o direito de contestar tal medida no Poder Judiciário, conforme as Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal. Ademais, na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos valores pagos indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo 115, II, da Lei 8.213/91, regulamentado pelo artigo 154 do Decreto n. 3.048/99, in verbis: "Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios: (...) II - pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, nos termos do disposto no Regulamento. (Redação dada pela Medida Provisória nº 871, de 2019)" Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio Legislador reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas alimentares, não são irrepetíveis em quaisquer circunstâncias. Neste sentido, deve-se ponderar que a Previdência Social é financiada por toda a coletividade e o enriquecimento sem causa de algum segurado, em virtude de pagamento indevido de benefício ou vantagem, sem qualquer causa juridicamente reconhecida, compromete o equilíbrio financeiro e atuarial de todo o Sistema, importando em inequívoco prejuízo a todos os demais segurados e em risco à continuidade dessa rede de proteção. Do caso concreto. Sustenta o INSS que a demandante não ostentava a qualidade de segurado quando foram concedidos os benefícios de auxílio-doença (NB 601309788-0) e aposentadoria por invalidez (NB 6023583769), razão pela qual deveria restituir aos cofres públicos a quantia de R$ 3.672,81 (três mil, seiscentos e setenta e dois reais e oitenta e um centavos). Quanto a este aspecto, o artigo 15, II c.c § 1º, da Lei nº 8.213/91, estabelece o denominado "período de graça" de 12 meses, após a cessação das contribuições, com prorrogação para até 24 meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado. Do mesmo modo, o artigo 15, II c.c § 2º, da Lei nº 8.213/91, estabelece que o denominado "período de graça" do inciso II ou do parágrafo 1º, será acrescido de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social. In casu, depreende-se do extrato do Cadastro Nacional de Informações Sociais, anexado ao autos pelo INSS, que a autora efetuou recolhimentos previdenciários, na condição de contribuinte individual, nos períodos de 01/09/2001 a 30/11/2002, de 01/12/2002 a 31/12/2002, de 01/02/2003 a 31/07/2003, de 01/03/2006 a 31/05/2007 e de 01/12/2007 a 31/12/2007. Além disso, a demandante esteve em gozo do benefício de auxílio-doença de 08/06/2010 a 21/02/2013, em razão de antecipação de tutela deferida no bojo do Processo n. 00103898220104036302 que tramitou perante o Juizado Especial Federal de Ribeirão Preto. A referida medida judicial foi posteriormente revogada por ocasião do julgamento do recurso autárquico, no mesmo processo, pela Turma Recursal do Juizado Especial Federal de São Paulo. Como não se considerava ainda em condições de retornar ao trabalho, a autora apresentou novo requerimento administrativo de benefício e logrou êxito em ver reconhecido seu direito ao auxílio-doença (NB 6013097880 - DIB 8/4/2013) posteriormente convertido em aposentadoria por invalidez (NB 6023583769 - DIB 10/04/2013). Entretanto, o INSS cassou esses beneplácitos por constatar que a análise da manutenção da qualidade de segurado da autora se baseou exclusivamente no benefício de auxílio-doença por ela recebido durante o período de 08/06/2010 a 21/02/2013, em razão dos efeitos da tutela antecipada posteriormente revogada. Por conseguinte, o INSS cobra a restituição dos valores que, a seu juízo, foram pagos indevidamente à autora, a título de benefício por incapacidade, no período de 08/04/2013 a 31/08/2013. O inconformismo da Autarquia Previdenciária, contudo, não comporta provimento. Segundo o disposto no artigo 15, I, da Lei 8.213/91, o segurado mantém sua qualidade, por prazo indeterminado, enquanto estiver em gozo de benefício. Ora, não cabe ao intérprete da lei fazer distinção que aquela não indica, a fim de restringir o exercício de direito. Na medida em que a LBPS não impõe a necessidade de que a concessão tenha decorrido de decisão definitiva, judicial ou administrativa, não há que se exigi-la para o reconhecimento da qualidade do segurado. Desse modo, a cessação de benefício, em razão de revogação da tutela provisória anteriormente concedida, não prejudicaria, em tese, o reconhecimento da vinculação da autora junto à Previdência Social durante o período de vigência da medida, de modo que não se verifica afronta à legislação na concessão dos benefícios por incapacidade que ensejaram o débito administrativo ora impugnado. Este, aliás, é o entendimento predominante nesta Corte Regional, conforme se depreende dos seguintes precedentes que trago à colação: "PREVIDENCIÁRIO - CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ OU AUXÍLIO-DOENÇA - INCAPACIDADE DEFINITIVA PARA A ATIVIDADE HABITUAL - DEMAIS REQUISITOS PREENCHIDOS - TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO - CORREÇÃO MONETÁRIA - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - REMESSA OFICIAL NÃO CONHECIDA - APELO IMPROVIDO - SENTENÇA REFORMADA, EM PARTE. (…) 12. No período de gozo de benefício por incapacidade, ainda que por força de antecipação dos efeitos da tutela posteriormente revogada, a parte autora manteve a sua condição de segurado, pois, nessa situação, não poderia retornar ao trabalho (Lei nº 8.213/91, arts. 46 e 60, § 6º), nem estava obrigada ao recolhimento da contribuição (art. 29). Entendimento diverso não só contraria a legislação previdenciária, mas ofende os princípios da boa-fé e da segurança jurídica. Nesse sentido, ademais, dispõe o artigo 13 do Decreto nº 3.048/99 que mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições, "até doze meses após a cessação de benefício por incapacidade ou após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela previdência social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração" (inciso II). (…) 22. Desprovido o apelo do INSS interposto na vigência da nova lei, os honorários fixados na sentença devem, no caso, ser majorados em 2%, nos termos do art. 85, § 11, do CPC/2015. 23. Remessa oficial não conhecida. Apelo improvido. Sentença reformada, em parte." (TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA, ApelRemNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 1984973 - 0004256-56.2011.4.03.6183, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA, julgado em 12/08/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:30/08/2019) "PREVIDENCIÁRIO - PAGAMENTO DE PARCELAS NÃO PAGAS EM VIDA AO SEGURADO A TÍTULO DE AUXÍLIO-DOENÇA ACIDENTÁRIO - MANUTENÇÃO DA SENTENÇA (ARTIGO 485, I, DO CPC) - PENSÃO POR MORTE - PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS - MANUTENÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO - INDENIZAÇÃO HONORÁRIOS CONTRATUAIS - JUROS DE MORA - CORREÇÃO MONETÁRIA - SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA - APELAÇÃO DO INSS E DA AUTORA PARCIALMENTE PROVIDAS. (…) - A controvérsia gira em torno da qualidade de segurado do de cujus. - No caso, o falecido recebeu administrativamente o benefício de auxílio-doença acidentário, no período de 27/06/2008 a 12/08/2009 (NB 531226715). - Nesse contexto, por ocasião do óbito, o falecido ainda encontrava-se no período de graça, em razão da prorrogação de doze meses propiciada pela situação de desemprego involuntário. - Mesmo que assim não fosse, cessado o benefício administrativo, ingressou o falecido com pedido judicial (processo n. 066.01.2009.010679) visando o seu restabelecimento, ocasião em que lhe fora concedida a tutela antecipada, que vigorou, na pior das hipóteses até a ciência do laudo desfavorável em 05/08/2010. - A concessão da tutela antecipada, ainda que posteriormente cassada, não retira do beneficiário a qualidade de segurado, tendo em vista a impossibilidade legal de retorno ao trabalho enquanto em gozo de benefício por incapacidade. - Dessa forma, considerando-se 05/08/2010 como data de cessação do benefício de auxílio-doença acidentário na via judicial, vê-se que na data do falecimento (08/09/2011), o de cujus detinha a qualidade de segurado. (…) - Apelações parcialmente providas." (TRF 3ª Região, OITAVA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2257523 - 0007534-06.2011.4.03.6138, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS, julgado em 22/10/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:07/11/2018 ) "PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-RECLUSÃO. GOZO DE BENEFÍCIO. TUTELA ANTECIPADA POSTERIORMENTE REVOGADA. QUALIDADE DE SEGURADO MANTIDA. BAIXA RENDA. DESEMPREGO. BENEFÍCIO DEVIDO. - O segurado em gozo de benefício por incapacidade, implantado por força de tutela antecipada, mantém a qualidade de segurado no Regime Geral de Previdência Social, mesmo com a ulterior revogação da medida antecipatória. - Dependência econômica presumida. - Desemprego. Requisito da baixa renda atendido. - Benefício devido. (…) - Apelação autoral provida." (TRF 3ª Região, NONA TURMA, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0030376-27.2017.4.03.9999, Rel. Juiz Federal Convocado VANESSA VIEIRA DE MELLO, julgado em 29/11/2019, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 04/12/2019) Em decorrência, constatada a inexistência de ilicitude no pagamento dos benefícios por incapacidade à autora, durante o período de 08/04/2013 a 31/08/2013, o reconhecimento da inexigibilidade do débito vindicado pelo INSS é medida que se impõe. Por fim, o pedido da demandante de indenização por danos morais não merece prosperar, eis que a reparação em questão pressupõe a prática inequívoca de ato ilícito que implique diretamente lesão de caráter não patrimonial a outrem, inocorrente na hipótese em tela. Conforme bem salientado pela Digno Juíz de 1º grau, "a cobrança dos valores não se deu por má-fé, mas por divergência na interpretação da lei (art. 115, II, e §1º da LBPS), tampouco houve qualquer ato vexatório na cobrança realizada pelo INSS". Nesse mesmo sentido, confira-se o julgado desta E. Corte a seguir transcrito: "PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DÉBITO. POSSIBILIDADE DE O ENTE AUTÁRQUICO REVER OS ATOS ADMINISTRATIVOS DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. APLICAÇÃO DA SÚMULA 473/STF. RESPEITO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. AUXÍLIO-DOENÇA. POSTERIOR REVISÃO ADMINISTRATIVA QUE ENTENDEU POR BEM COBRAR OS VALORES PAGOS À PARTE AUTORA EM DECORRÊNCIA DA CONCLUSÃO DE QUE ELA NUNCA ESTEVE INCAPAZ. DIVERSAS PERÍCIAS REALIZADAS ADMINISTRATIVAMENTE ATESTANDO A INCAPACIDADE PELO PERÍODO EM QUE VIGEU O BENEFÍCIO INCAPACITANTE. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE QUE A PRESTAÇÃO PREVIDENCIÁRIA TENHA SIDO OBJETO DE FRAUDE. SUSPENSÃO DA COBRANÇA DO COMPLEMENTO NEGATIVO ENTÃO APURADO. DANO MORAL. - DA POSSIBILIDADE DE O ENTE AUTÁRQUICO REVER OS ATOS ADMINISTRATIVOS DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. (...) - DO CASO DOS AUTOS. A autarquia previdenciária, após cessar o auxílio-doença titularizado pela parte autora em razão de sua alta médica, procedeu à revisão administrativa da benesse em decorrência da Operação Providência desencadeada pela Polícia Federal, tendo concluído no procedimento administrativo de revisão que a parte autora nunca esteve incapacitada para o labor. Conclusão que se choca frontalmente com as diversas perícias a que a parte autora se submeteu ao longo do lapso em que foi pago o benefício incapacitante temporário, perícias estas levadas a efeito por inúmeros peritos diferentes. Ausência de qualquer elemento fático que permitisse acolher as conclusões de que o benefício teria sido deferido ao arrepio da legislação de regência. Ausência de qualquer indício de prova de que teria havido fraude em prejuízo do erário quando do deferimento da prestação. Pretensão acolhida para suspender a cobrança do complemento negativo descrito nos autos, bem como para obstar a inclusão do nome da parte autora no CADIN. - DO DANO MORAL. Deveria a parte autora ter demonstrado a ocorrência de dano a macular seus direitos personalíssimos (a teor dos arts. 333, I, do Código de Processo Civil de 1973, e 373, I, do Código de Processo Civil), prova esta não constante dos autos, motivo pelo qual impossível a condenação do ente público ao pagamento de indenização a título de danos morais . - Dado parcial provimento ao recurso de apelação da parte autora." (TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1920752 - 0003659-32.2013.4.03.6114, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS, julgado em 21/08/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:01/09/2017) Ante o exposto, nego provimento às apelações interpostas pelo INSS e pela demandante. É como voto.
E M E N T A
PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO CONCEDIDO JUDICIALMENTE. TUTELA PROVISÓRIA POSTERIORMENTE REVOGADA. IRRELEVÂNCIA. QUALIDADE DE SEGURADO MANTIDA. BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS POR INCAPACIDADE. ILICITUDE DO ATO CONCESSÓRIO. NÃO VERIFICADA. INEXIGIBILIDADE DO DÉBITO ADMINISTRATIVO RECONHECIDA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PLEITO INDEFERIDO. LESÃO EXTRAPATRIMONIAL. NÃO COMPROVADA. MERA DIVERGÊNCIA INTERPRETATIVA DE DISPOSITIVO DE LEI. APELAÇÃO DO INSS E DA AUTORA DESPROVIDAS. SENTENÇA MANTIDA. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE.
1 - O princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, fundado na eqüidade, constitui alicerce do sistema jurídico desde a época do direito romano e encontra-se atualmente disciplinado pelo artigo 884 do Código Civil de 2002. Desse modo, todo acréscimo patrimonial obtido por um sujeito de direito que acarrete necessariamente o empobrecimento de outro, deve possuir um motivo juridicamente legítimo, sob pena de ser considerado inválido e seus valores serem restituídos ao anterior proprietário. Em caso de resistência à satisfação de tal pretensão, o ordenamento jurídico disponibiliza à parte lesada os instrumentos processuais denominados ações in rem verso, a fim de assegurar o respectivo ressarcimento, das quais é exemplo a ação de repetição de indébito.
2 - A propositura de demanda judicial, contudo, não constitui a única via de que dispõe a Administração Pública para corrigir o enriquecimento sem causa. Os Entes Públicos, por ostentarem o poder-dever de autotutela, podem anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, ressalvando-se ao particular o direito de contestar tal medida no Poder Judiciário, conforme as Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
3 - Ademais, na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos valores pagos indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo 115, II, da Lei 8.213/91, regulamentado pelo artigo 154 do Decreto n. 3.048/99.
4 - Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio Legislador reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas alimentares, não são irrepetíveis em quaisquer circunstâncias.
5 - Deve-se ponderar que a Previdência Social é financiada por toda a coletividade e o enriquecimento sem causa de algum segurado, em virtude de pagamento indevido de benefício ou vantagem, sem qualquer causa juridicamente reconhecida, compromete o equilíbrio financeiro e atuarial de todo o Sistema, importando em inequívoco prejuízo a todos os demais segurados e em risco à continuidade dessa rede de proteção.
6 – Sustenta o INSS que a demandante não ostentava a qualidade de segurado quando foram concedidos os benefícios de auxílio-doença (NB 601309788-0) e aposentadoria por invalidez (6023583769), razão pela qual deveria restituir aos cofres públicos a quantia de R$ 3.672,81 (três mil, seiscentos e setenta e dois reais e oitenta e um centavos).
7 - Quanto a este aspecto, o artigo 15, II c.c § 1º, da Lei nº 8.213/91, estabelece o denominado "período de graça" de 12 meses, após a cessação das contribuições, com prorrogação para até 24 meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado. Do mesmo modo, o artigo 15, II c.c § 2º, da Lei nº 8.213/91, estabelece que o denominado "período de graça" do inciso II ou do parágrafo 1º, será acrescido de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
8 - In casu, depreende-se do extrato do Cadastro Nacional de Informações Sociais, anexado ao autos pelo INSS, que a autora efetuou recolhimentos previdenciários, na condição de contribuinte individual, nos períodos de 01/09/2001 a 30/11/2002, de 01/12/2002 a 31/12/2002, de 01/02/2003 a 31/07/2003, de 01/03/2006 a 31/05/2007 e de 01/12/2007 a 31/12/2007.
9 - Além disso, a demandante esteve em gozo do benefício de auxílio-doença de 08/06/2010 a 21/02/2013, em razão de antecipação de tutela deferida no bojo do Processo n. 00103898220104036302 que tramitou perante o Juizado Especial Federal de Ribeirão Preto. A referida medida judicial foi posteriormente revogada por ocasião do julgamento do recurso autárquico, no mesmo processo, pela Turma Recursal do Juizado Especial Federal de São Paulo.
10 - Como não se considerava ainda em condições de retornar ao trabalho, a autora apresentou novo requerimento administrativo de benefício e logrou êxito em ver reconhecido seu direito ao auxílio-doença (NB 6013097880 - DIB 8/4/2013) posteriormente convertido em aposentadoria por invalidez (NB 6023583769 - DIB 10/04/2013). Entretanto, o INSS cassou esses beneplácitos por constatar que a análise da manutenção da qualidade de segurado da autora se baseou exclusivamente no benefício de auxílio-doença, mantido por força da tutela antecipada posteriormente revogada, durante o período de 08/06/2010 a 21/02/2013. Por conseguinte, o INSS cobra a restituição dos valores que, a seu juízo, foram pagos indevidamente à autora, a título de benefício por incapacidade, no período de 08/04/2013 a 31/08/2013.
11 - Segundo o disposto no artigo 15, I, da Lei 8.213/91, o segurado mantém sua qualidade, por prazo indeterminado, enquanto estiver em gozo de benefício. Ora, não cabe ao intérprete da lei fazer distinção que aquela não indica, a fim de restringir o exercício de direito. Na medida em que a LBPS não impõe a necessidade de que a concessão tenha decorrido de decisão definitiva, judicial ou administrativa, não há que se exigi-la para o reconhecimento da qualidade do segurado.
12 - Desse modo, a cessação de benefício, em razão de revogação da tutela provisória anteriormente concedida, não prejudicaria, em tese, o reconhecimento da vinculação da autora junto à Previdência Social durante o período de vigência da medida, de modo que não se verifica afronta à legislação na concessão dos benefícios por incapacidade que ensejaram o débito administrativo ora impugnado. Precedentes.
13 - Em decorrência, constatada a inexistência de ilicitude no pagamento dos benefícios por incapacidade à autora, durante o período de 08/04/2013 a 31/08/2013, o reconhecimento da inexigibilidade do débito vindicado pelo INSS é medida que se impõe.
14 - Por fim, o pedido da demandante de indenização por danos morais não merece prosperar, eis que a reparação em questão pressupõe a prática inequívoca de ato ilícito que implique diretamente lesão de caráter não patrimonial a outrem, inocorrente na hipótese em tela. Conforme bem salientado pela Digno Juíz de 1º grau, "a cobrança dos valores não se deu por má-fé, mas por divergência na interpretação da lei (art. 115, II, e §1º da LBPS), tampouco houve qualquer ato vexatório na cobrança realizada pelo INSS". Precedente.
15 - Apelações da autora e do INSS desprovidas. Sentença mantida. Ação julgada procedente.