Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0037757-86.2017.4.03.9999

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: NADIR RIBEIRO CORREA

Advogado do(a) APELADO: HEIDE FOGACA CANALEZ - SP77363-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0037757-86.2017.4.03.9999

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: NADIR RIBEIRO CORREA

Advogado do(a) APELADO: HEIDE FOGACA CANALEZ - SP77363-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada (LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal.

A sentença, prolatada em 09.05.2017, julgou procedente o pedido conforme dispositivo que ora transcrevo: “Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a presente ação e CONDENO o INSS ao pagamento do benefício LOAS previsto na Lei n. 8.742/93, em favor do autor, no valor correspondente a um salário-mínimo, vigente e mensal, com todos os seus acréscimos e gratificações ao benefício aderidas, a partir do pedido administrativo (14/03/2014-fls. 10). Pagará as parcelas atrasadas de uma só vez, corrigidas através da utilização do Manual de Cálculos da Justiça Federal- JF e as Tabelas de Correção Monetária, ali disponibilizadas, para a realização de cálculos judiciais (orientação da Corregedoria Geral de Justiça- Comunicado CG n. 203/2016- Protocolo n. 2015/165751, publicado no DOE de 19, 23 e 25/02/2016). JULGO RESOLVIDO o processo, com fulcro no art. 487, inc. I, do Código de Processo Civil. Sucumbente, arcará o réu com as despesas processuais, não abrangidas pela isenção de que goza, bem como com os honorários advocatícios, estimados estes em dez por cento sobre o valor da condenação, afastada a incidência nas vincendas, em razão do disposto na Súmula 111, do Egrégio Superior Tribunal de Justiça. Por força do artigo 496, §3º, inciso I, do Novo Código de Processo Civil, não se aplica ao presente caso o reexame necessário, tendo em vista que a sentença não abrangerá valor superior a 1.000 salários-mínimos. Diante das provas produzidas e considerando a natureza alimentar do benefício, determino a imediata implantação do benefício, como forma de tutela de urgência, nos termos do art. 300 do Código de Processo Civil, conforme condenação acima, fixando a multa de R$5.000,00, em caso de desobediência, a contar do 15º dia seguinte à intimação da ordem. Expeça-se o necessário. P.R.I.”

Apela o INSS pugnado pela improcedência do pedido inicial, alegando para tanto que não restou preenchido o requisito de miserabilidade. Aduz que a renda per capita familiar é superior ao limite legal estabelecido. Subsidiariamente, pede a reforma da sentença no tocante aos juros e correção monetária.

Com contrarrazões da parte autora, os autos vieram a este Tribunal.

O Ministério Público Federal manifestou-se pelo provimento do recurso do INSS.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 


 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0037757-86.2017.4.03.9999

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: NADIR RIBEIRO CORREA

Advogado do(a) APELADO: HEIDE FOGACA CANALEZ - SP77363-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

V O T O

 

 

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.

Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento apenas à insurgência recursal.

O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.

O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).

A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.

Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).

Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.

Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.

Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.

Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica,  por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03),  a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.

Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.

Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.

Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.

Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o pedido com base nos elementos contidos no estudo social, produzido pelo perito do Juízo, tendo se convencido restarem configuradas as condições de deficiência e miserabilidade necessárias para a concessão do benefício.

Confira-se:

“Da incapacidade financeira: O Estudo social de fls. 33/35, informou que o núcleo familiar é composto pelo autor; sua mãe, Sra. Florinda da Silva Correa; e o irmão Wellington Silva Côrrea. A família reside em imóvel próprio, composto por seis cômodos, de alvenaria, coberto com laje e telhamento de barroe piso cerâmico. A administração da família é realizada pela mãe Florinda, sendo que Wellington também possui problemas mentais. O orçamento familiar é composto pelos benefícios previdenciários de pensão e aposentadoria recebidos pela Sra. Florinda, no valor total de R$1.576,00, bem como pelo benefício de auxílio-acidente recebido pelo autor no valor de R$ 329,00, perfazendo o total de R$1.905,00. As despesas da família totalizam R$ 873,00. Ao final, a Assistente Social sugeriu pelo indeferimento do benefício. Ressalte-se que os rendimentos provenientes de benefícios previdenciários não devem ser computados para a renda per capita. Nesse sentido: (...) Destarte, em que pese o posicionamento atende o autor as exigências legais prevista no 20, da Lei n. 8.742/93.””

Por sua vez, o estudo social (ID 87819540 – pag. 43/44), elaborado em 11.05.2015, revela que o autor vive com sua mãe e um irmão em imóvel próprio com seis cômodos, de alvenaria, coberto com laje, telhas de barro e forração, revestido com piso cerâmico. Trata-se de construção que proporciona acesso aos mínimos sociais.

Quanto à renda da casa, consta que a mãe do autor recebe benefício previdenciário de pensão por morte e aposentadoria cada um no valor de um salário mínimo, e que o autor recebe R$ 329,00 a título de auxílio acidente, perfazendo total de R$ 1.905,00.

Relataram despesas com alimentação (R$ 450,00), luz (R$ 80,00), água (R$ 97,00), medicamentos (R$ 200,00) e gás (R$ 46,00) perfazendo total de R$ 873,00.

A Expert emitiu o seguinte parecer: “Em conformidade ao contexto sociofamiliar e socio financeiro verificado, verificou-se que este núcleo familiar se apresenta em situação de vulnerabilidade social, pois não lhe são contemplado as seguranças e proteções sociais tais como a segurança social de convívio e vivencia familiar, comunitária e social, relacionados a questão das particularidades do núcleo familiar. Relevando o orçamento doméstico, a situação sociofamiliar explicitada, remetendo-se ao artigo 20 da Lei 8.742, de 7 de dezembro de 1993, a qual explana sobre o Benefício de Prestação Continuada - BPC e os critérios para beneficiar-se de tal, em especial em seu inciso 10 que elenca quanto a renda per capita estipulando ser menor ou igual a 1/4 (um quarto) do salário mínimo vigente, verificou-se renda familiar de R$ 1905.00 e per capitada pelos membros deste núcleo, formado por 03 (três) pessoas, de R$ 635.00, tornando os rendimentos desta família iguais ou superiores ao estipulado por esta Lei, o que vem a excluir o Sr. Nadir Ribeiro Correa aos critérios elegíveis para a inclusão desta no rol de beneficiários, o que responde o quesito 4.”

Da leitura do laudo social verifica-se que o grupo familiar vive em imóvel próprio que oferece o abrigo necessário e apresenta rendimento formal superior a dois salários mínimos, o que, a princípio, afasta a existência de vulnerabilidade econômica.

Apura-se que não há indícios de que as necessidades básicas da parte autora não estejam sendo supridas, e nesta seara, ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.

Conclui-se, desta forma, que as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da impossibilidade de sustento, como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993, e, portanto, ausente o requisito de miserabilidade, inviável a concessão do benefício assistencial.

Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de advogado que ora fixo em 10% (dez por cento) do valor da causa atualizado, de acordo com o §6º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.

Por fim, revogo a tutela antecipada. Esclareço, todavia, que tratando-se de benefício assistencial, entendo indevida a devolução dos valores indevidamente pagos a esse título, não se aplicando ao caso o entendimento firmado pelo STJ no REsp nº 1401560/MT, referente apenas aos benefícios previdenciários.

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO à apelação do INSS reformando a sentença para julgar improcedente o pedido inicial e, consequentemente, revogo a tutela antecipada, nos termos da fundamentação exposta.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 



 

 

 

 

 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0037757-86.2017.4.03.9999

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: NADIR RIBEIRO CORREA

Advogado do(a) APELADO: HEIDE FOGACA CANALEZ - SP77363-N

 

 

 
EMENTA
 
 
 

APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO DEMONSTRADA. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. TUTELA REVOGADA.

1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.

2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte autora encontra-se amparado pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.

3. Benefício assistencial indevido.

4. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese do §3º do artigo 98 do CPC/2015.

5. Tutela antecipada revogada. Desnecessária a devolução dos valores. Inaplicabilidade do decidido no REsp nº 1401560/MT aos benefícios assistenciais.

6. Apelação do INSS provida.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu dar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.