APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0037305-76.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: M. G.
Advogado do(a) APELADO: ROBSON ALEXANDRE DA ROCHA - SP362417
OUTROS PARTICIPANTES:
TERCEIRO INTERESSADO: SOLANGE PERPETUA GIMENEZ
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: ROBSON ALEXANDRE DA ROCHA
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0037305-76.2017.4.03.9999 RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: M. G. Advogado do(a) APELADO: ROBSON ALEXANDRE DA ROCHA - SP362417 OUTROS PARTICIPANTES: TERCEIRO INTERESSADO: SOLANGE PERPETUA GIMENEZ R E L A T Ó R I O Trata-se de ação em que se objetiva a concessão de benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência. A sentença, prolatada em 06.07.2017, julgou procedente o pedido inicial e condenou o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS à concessão do benefício à parte autora conforme dispositivo que ora transcrevo: “Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a demanda para condenar a autarquia ré a pagar à autora o benefício da prestação continuada, enquanto permanecer nesta condição, no valor de um salário mínimo, desde a data do requerimento administrativo, observando a antecipação da tutela deferida. Por força do princípio da sucumbência, arcará o requerido ao pagamento dos honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor do débito atualizado, que deverão, porém, incidir tão-somente sobre as prestações vencidas até a sentença. Isento de custas, na forma do artigo 5° da Lei n° 4.952/85.Em atendimento à recomendação feita no Comunicado CG nº 912/07, da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo, publicado em 03/09/2007, deixo consignado o tópico-síntese da presente decisão, qual seja: a) Nº do Processo: 1002043-91.2016.8.26.0369 1ª Vara Judicial da Comarca de Monte Aprazível; b) Nome da Segurada: Mariana Gimenez; c) Benefício Concedido: Amparo social; d) Data do Início do Benefício: 09.11.2015;e) Valor do Benefício: 01 (um) salário mínimo mensal. Oficie-se ao E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região encaminhando cópia desta decisão, em razão da interposição do agravo de instrumento de p. 80/87.PIC.” Apela o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS requerendo a reforma da sentença ao fundamento que não restaram comprovados os requisitos de deficiência/impedimento de longo prazo e de miserabilidade da parte autora a amparar a concessão do benefício, consoante disposto no §§2º e 3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011. Subsidiariamente, pede a alteração do julgado no tocante ao termo inicial do benefício. Com contrarrazões da parte autora, subiram os autos a esta Corte. O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo não provimento da apelação do INSS. É o relatório.
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: ROBSON ALEXANDRE DA ROCHA
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0037305-76.2017.4.03.9999 RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: M. G. Advogado do(a) APELADO: ROBSON ALEXANDRE DA ROCHA - SP362417 OUTROS PARTICIPANTES: TERCEIRO INTERESSADO: SOLANGE PERPETUA GIMENEZ V O T O Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação. Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento apenas à insurgência recursal. O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família. Para efeito de concessão do benefício assistencial, considera-se pessoa portadora de deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo, no mínimo de dois anos, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (Lei 12.470/2011, art. 3º). A respeito, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais editou a Súmula nº 29, que institui: "Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742, de 1993, incapacidade para a vida independente não só é aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a impossibilita de prover ao próprio sustento." No tocante ao requisito da miserabilidade, o artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011). A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência. Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado. Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades. Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam. Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição. Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil. Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade. Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o pedido com base nos elementos contidos no laudo pericial médico e no estudo social, produzidos pelos peritos do Juízo, tendo se convencido restarem configuradas as condições de deficiência e miserabilidade necessárias para a concessão do benefício. Confira-se: “De acordo com o estudo social, a família da autora vive com R$ 500,00, provenientes do trabalho da genitora como faxineira e a família é composta pela mãe, do irmão da autora de dez anos e pela autora. O perito judicial, por sua vez, atesta que a autora "... é portadora de desenvolvimento mental retardado compatível com retardo mental moderado CID F71. Adicionalmente apresenta desenvolvimento mental incompleto por estar com 11 anos. Trata-se de indivíduo totalmente dependente de terceiros para sua sobrevivência. Comprometimento global de suas funções psíquicas nobres estando abolida sua capacidade de entendimento e autodeterminação. Quadro irreversível dentro dos conhecimentos atuais da medicina..."Destarte, comprovado o preenchimento dos requisitos legais, não resta outro caminho a seguir que não a procedência da demanda. “ O laudo médico pericial (ID 87789387 – pág. 127/130), elaborado em 23.11.2016, revela que a autora, com 11 anos de idade, é portadora de desenvolvimento mental retardado e concluiu que: “SÍNTESE -COMENTÁRIOS- CONCLUSÃO. A examinanda é portadora de desenvolvimento mental retardado compatível com retardo: mental moderado CID F 71. Adicionalmente apresenta desenvolvimento mental incompleto por estar com 11 anos. Trata-se de individuo totalmente dependente de terceiros para sua sobrevivência. Comprometimento global de suas funções psíquicas nobres estando abolida sua capacidade de entendimento e auto determinação. Quadro irreversível dentro dos conhecimentos atuais da medicina. Por motivos da legislação vigente torna-se extemporânea a discussão sobre capacidade laborativa da examinanda. Pelo exposto, concluímos que na presente data a examinanda se apresenta definitivamente Incapacitada para todo e qualquer ato da vida civil.” Depreende-se da leitura do laudo que o Expert do Juízo concluiu que a parte autora está acometida de patologias que resultam em deficiência ou incapacidade para as atividades da vida diária no sentido exigido pela legislação aplicável à matéria. Verifico ainda que a perícia foi realizada com boa técnica, submetendo a parte autora a testes para avaliação das alegadas patologias e do seu consequente grau de limitação laborativa e deficiência, fornecendo ao Juízo os elementos necessários à análise da demanda. Acresça-se, por fim, que não há no conjunto probatório acostado aos autos elementos capazes de elidir as conclusões contidas no laudo pericial, sendo desnecessária complementação ou realização de nova perícia. Por sua vez, o estudo social (ID 87789387 – pag. 60/62), elaborado em 24.10.2016, revela que a parta autora reside com sua mãe em um irmão de dez anos de idade em imóvel cedido mediante pagamento da conta de água da casa da frente, de alvenaria, com quatro cômodos e guarnecido com mobiliário básico. Informa que a renda da casa é de aproximadamente R$ 500,00, proveniente do trabalho informal como faxineira da mãe da autora. Relata despesas com água e energia (R$ 140,00), alimentação e medicamentos quando necessário (R$ 110,00. Consta ainda que recebem ajuda esporádica da igreja por meio de cesta básica. A Expert emitiu parecer nos termos que seguem: “Conclusão Diante das condições averiguadas em visita domiciliar, concluo, SMJ, como real a dificuldade econômica da pericianda (família). Posto isto, submeto a análise supra à consideração superior, colocando-me à disposição para quaisquer esclarecimentos que se fizerem necessários.” Notória a existência de vulnerabilidade socioeconômica, especialmente considerando que a renda familiar é incerta e variável. Observa-se ainda que a parte autora necessita de cuidados extras, o que dificulta o incremento da renda familiar, uma vez que cabe a seus familiares auxiliá-la sempre. Observa-se que o minucioso laudo social retrata em detalhes as condições socioeconômicas da parte autora, não havendo que se falar em complementação. Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos autos e, comprovada a deficiência/impedimento de longo prazo exigida no caput do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011, que aliada à condição de miserabilidade atestada no estudo social, preenchem os requisitos indispensáveis para a concessão do benefício, de rigor a manutenção da sentença de procedência do pedido por seus próprios fundamentos. É firme a jurisprudência no sentido de o termo inicial do benefício assistencial deve ser fixado na data do seu pedido administrativo e, na sua ausência, na data da citação. Nesta seara, constatada a existência de requerimento administrativo em 08.11.2016 (ID 87789387 – pág. 21), é nesta data que deve ser mantido o termo inicial do benefício assistencial concedido neste feito. No que tange aos critérios de atualização do débito, verifico que a sentença desborda do entendimento firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947, tema de repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux. Assim, tratando-se de matéria cognoscível de ofício (AgRg no AREsp 288026/MG, AgRg no REsp 1291244/RJ), corrijo a sentença e estabeleço que as parcelas vencidas deverão ser atualizadas monetariamente e acrescidas de juros de mora pelos índices constantes do Manual de Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à TR – Taxa Referencial. Anoto que os embargos de declaração opostos perante o STF que objetivavam a modulação dos efeitos da decisão supra, para fins de atribuição de eficácia prospectiva, foram rejeitados no julgamento realizado em 03.10.2019. Considerando o não provimento do recurso, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de advogado arbitrados na sentença em 2%. Diante do exposto, de ofício, corrijo a sentença para fixar os critérios de atualização do débito e NEGO PROVIMENTO à apelação do INSS e, com fulcro no §11º do artigo 85 do Código de Processo Civil, majoro os honorários de advogado em 2% sobre o valor arbitrado na sentença, nos termos da fundamentação exposta. É o voto.
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: ROBSON ALEXANDRE DA ROCHA
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0037305-76.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: M. G.
Advogado do(a) APELADO: ROBSON ALEXANDRE DA ROCHA - SP362417
BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ASSISTÊNCIA SOCIAL. DEFICIÊNCIA/IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE. REQUISITOS COMPROVADOS. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL. HONORÁRIOS DE ADVOGADO MAJORADOS.
1. O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
2. Para efeito de concessão do benefício assistencial, considera-se pessoa portadora de deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo, no mínimo de dois anos, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (Lei 12.470/2011, art. 3º).
3. A perícia médica judicial reconheceu a existência das doenças alegadas na inicial e concluiu que acarretam deficiência ou incapacidade para as atividades da vida diária, no sentido exigido pela legislação aplicável à matéria.
4. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência preenchido. Laudo social indica a existência de vulnerabilidade socioeconômica. Necessário o aporte financeiro para o atendimento das necessidades básicas da autora e adequado desenvolvimento social.
5. Termo inicial do benefício mantido na data do pedido administrativo. Precedentes do STJ.
6. Critérios de atualização do débito corrigidos de ofício.
7. Sucumbência recursal. Honorários de advogado majorados em 2% do valor arbitrado na sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015.
8. Sentença corrigida de ofício. Apelação do INSS não provida.