Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5025265-34.2017.4.03.6100

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: CAIXA ECONOMICA FEDERAL, SELMA CRISTINA ARAUJO
PROCURADOR: DEPARTAMENTO JURÍDICO - CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogados do(a) APELANTE: NELSON WILIANS FRATONI RODRIGUES - SP128341-A, LUIZ FERNANDO MAIA - SP67217-A

APELADO: SELMA CRISTINA ARAUJO, MICHEL HANNA RIACHI, CAIXA ECONOMICA FEDERAL
PROCURADOR: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5025265-34.2017.4.03.6100

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: CAIXA ECONOMICA FEDERAL, SELMA CRISTINA ARAUJO
PROCURADOR: DEPARTAMENTO JURÍDICO - CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogados do(a) APELANTE: NELSON WILIANS FRATONI RODRIGUES - SP128341-A, LUIZ FERNANDO MAIA - SP67217-A

APELADO: SELMA CRISTINA ARAUJO, MICHEL HANNA RIACHI, CAIXA ECONOMICA FEDERAL
PROCURADOR: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO

 

R E L A T Ó R I O

Trata-se de apelação e recurso adesivo interpostos pela Caixa Econômica Federal e por Selma Cristina Araújo contra sentença em que foram julgados parcialmente procedentes os embargos monitórios para declarar “nula a disposição da cláusula décima nona, §3, quanto à pena convencional de 10%, devendo ser reduzida a 2%, bem como quanto à prévia responsabilização do devedor pelo pagamento das despesas judiciais e honorários advocatícios. Deve ainda a CEF recompor o saldo devedor objeto do contrato de abertura de crédito para financiamento estudantil – FIES nº 21.1004.185.0003699-16, em fase de liquidação de sentença, com capitalização mensal simples da taxa de juros ao artigo 5º da Lei nº 10.260/01, e, posteriormente, com a aplicação de eventual taxa de juros reduzida pelo Conselho Monetário Nacional”.

A CEF alega, em síntese, que: a) “quando houve necessidade de anuência do fiador, para o caso de aditamento não simplificado, o mesmo veio a firmar o respectivo termo, portanto, para os posteriores não havia a necessidade de sua anuência, posto não haver modificações das condições contratuais”; b) deve ser reconhecida a responsabilidade solidária do fiador; c) o Juiz aplicou a taxa de 3,4% de juros, sobre o valor principal, a partir da constituição em mora, sem considerar que a resolução que previu a redução da taxa entrou em vigor em 2010 e o contrato foi celebrado em 2004; d) o contrato foi assinado após a edição da medida provisória que permite a capitalização mensal de juros (MP nº 2170/36); e) é válida a cláusula contratual que trata das despesas processuais e honorários advocatícios na via extrajudicial.

Selma Cristina Araújo, no recurso adesivo, sustenta que: a) houve cerceamento de defesa; b) as normas do CDC se aplicam aos contratos de financiamento estudantil; c) ocorrência de anatocismo; d) impossibilidade de incidência da pena convencional de 10% cumulada com a multa de 2%; e) ilegalidade da Tabela Price; f) a taxa de juros é de 3,4% ao ano; g) impossibilidade de cobrança extrajudicial de despesas judiciais e honorários advocatícios.

Contrarrazões da Caixa Econômica Federal e de Selma Cristina Araújo.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5025265-34.2017.4.03.6100

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: CAIXA ECONOMICA FEDERAL, SELMA CRISTINA ARAUJO
PROCURADOR: DEPARTAMENTO JURÍDICO - CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogados do(a) APELANTE: NELSON WILIANS FRATONI RODRIGUES - SP128341-A, LUIZ FERNANDO MAIA - SP67217-A

APELADO: SELMA CRISTINA ARAUJO, MICHEL HANNA RIACHI, CAIXA ECONOMICA FEDERAL
PROCURADOR: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO

 

V O T O

 

 

Cerceamento de defesa

Afasto a alegação de cerceamento de defesa, decorrente do indeferimento de produção de prova pericial, tendo em vista tratar-se de questão eminentemente de direito, na medida em que a solução da lide restringe-se à determinação de quais são os critérios a serem aplicados na atualização do débito. Nesse sentido, o entendimento dos Tribunais Regionais Federais, consoante precedente que transcrevo:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. CONTRATO DE FINANCIAMENTO ESTUDANTIL. FIES. PERÍCIA. DESNECESSIDADE. (...).

...

II - Hipótese dos autos que versa contrato de crédito de financiamento estudantil, os encargos e valores cobrados encontrando-se devidamente especificados e bastando mera interpretação das cláusulas contratuais para verificação de abusos, tornando-se desnecessária a prova pericial.

...

(AC 0003909-92.2008.4.03.6000, Relator Desembargador Peixoto Júnior, j. 29.07.14, in e-DJF3 de 07.08.14).

No mesmo sentido, precedente do Tribunal Regional da 1ª Região, Apelação Cível nº 0015487-15.2009.4.01.3400, Relator Desembargador Kássio Nunes Marques, in e-DJF1 de 10/07/2015, pág. 4471.

Responsabilidade do fiador pelos aditamentos contratuais

O contrato de abertura de crédito para financiamento estudantil em exame prevê o aditamento automático, estipulando que a manifestação da vontade de aditar o contrato de financiamento se dará de forma tácita no ato da efetivação da matrícula da IES, exceto manifestação em contrário.

Constata-se assim que o fiador estava ciente e anuiu com esta possibilidade ao firmar o termo. Portanto, havendo previsão contratual de renovação automática no contrato original ou em anterior aditivo, o fiador é responsável por todo contrato, inclusive pelos períodos do aditamento.

Há que se considerar ainda que o contrato não prevê a concessão de financiamento apenas para um semestre do curso, mas para todos os semestres, e, portanto, foi celebrado prevendo o valor total a ser financiado.

Portanto, inaplicável o entendimento jurisprudencial sedimentado pela Súmula 214 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual "o fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu".

Isto porque, no caso dos autos, as obrigações cujo cumprimento é exigido pela autora tem origem no próprio contrato.

Código de Defesa do Consumidor

O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de que não há submissão desses contratos às regras consumeristas, quando da análise da legislação anterior que cuidava do crédito educativo. Extraio do voto da Relatora Ministra Eliana Calmon o seguinte excerto que julgo relevante para a questão aqui debatida:

Segundo o art. 2º do CDC, "consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire, utiliza produto ou serviço como destinatário final". O mesmo diploma, no § 2º do art. 3º, dá o conceito de serviço e de produto, entendendo-se como serviço a atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária. Os comentaristas do CDC têm entendido que serviço é a atividade fornecida pelo mercado, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária e financeira.

Excetuam os comentaristas as atividades em que há participação do Estado como ente estatal, dotado do jus imperii, como ocorre em relação aos tributos em geral, não se incluindo, entretanto, os serviços prestados pelos entes estatais ou paraestatais remunerados por tarifas, espécie de preço público, em que há identidade do Estado com o particular fornecedor.

O crédito educativo não é um serviço bancário, mas um programa do governo, custeado inteiramente pela União. A Caixa Econômica Federal oferece esse serviço como espécie de preposta ou delegada, não entrando no financiamento nenhum subsídio de seus cofres.

A Lei 8.436, de 25 de junho de 1992, ao institucionalizar o "Programa de Crédito Educativo", deixou a cargo do Ministério da Educação as diretrizes do programa (art. 3º), originando-se os recursos do orçamento do Ministério da Educação e de parte dos depósitos compulsórios exigidos das entidades bancárias pelo Banco Central, conforme preceitua o art. 5º dessa lei. Por fim, deixou claro o art. 4º qual é a posição da CEF: mera executora do programa, autorizada a partilhar a atividade com outros bancos ou entidades, mediante convênios.

Dentro dessa normatização, é impossível identificar a CEF como fornecedora e o estudante que adere ao programa como consumidor (REsp nº 625.904/RS, j 27.04.04, DJ de 28.06.04).

Conquanto a Lei que rege o presente contrato seja outra, de nº 10.260/01, o fato é que nela também há expressa previsão de que a CEF figure apenas como operadora e administradora dos ativos e passivos do Fundo, que, nessa condição, não pode ser considerada como uma fornecedora de serviço.

Destarte, inaplicável aos contratos de financiamento estudantil as disposições do Código de Defesa do Consumidor, de modo que resta prejudicada a análise das alegações de possíveis violações às tais regras, inclusive a alegada abusividade da cobrança de "demais encargos pertinentes", na medida em que ofende o direito do consumidor à informação.

Taxa de juros - inaplicabilidade da taxa de juros de 3,4%

O art. 7º da Lei nº 8.436/92 estabelecia que os juros sobre o crédito educativo não ultrapassariam o percentual de 6% (seis inteiros por cento) ao ano.

Esse dispositivo foi revogado pela Lei nº 9.288, de 02.07.96, e não instituído novo limite.

Em 25.06.99, a Medida Provisória nº 1.827-1 determinou que o Conselho Monetário Nacional fixasse a taxa de juros aplicável aos financiamentos concedidos com recursos do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior, nos seguintes termos:

    Art. 5º Os financiamentos concedidos com recursos do FIES deverão observar o seguinte:

    (...)

    II - juros: a serem estipulados pelo CMN, para cada semestre letivo, aplicando-se desde a data da celebração até o final da participação do estudante no financiamento;

    Tal norma foi sucedida pela Medida Provisória nº 1.865, de 26.08.99, posteriormente regulamentada pela Resolução nº 2.647 do Banco Central do Brasil, de 22.09.99, que fixou em 9% (nove inteiros por cento) ao ano a taxa de juros aplicável aos contratos de financiamento estudantil, capitalizada mensalmente:

    Art. 6º Para os contratos firmados no segundo semestre de 1999, bem como no caso daqueles de que trata o art. 15 da Medida Provisória nº 1.865, de 1999, a taxa efetiva de juros será de 9% a.a. (nove inteiros por cento ao ano), capitalizada mensalmente.

A Medida Provisória nº 1.865/99, reeditada diversas vezes, restou convertida na Lei nº 10.260, de 13.07.01, mantendo a atribuição do Conselho Monetário Nacional.

Em 13.10.06, o Banco Central editou a Resolução CMN nº. 3.415, e firmou novas taxas de juros, com a ressalva de que seriam aplicáveis aos contratos celebrados a partir de 01.07.06:

    Art. 1º Para os contratos do FIES celebrados a partir de 1º de julho de 2006, a taxa efetiva de juros será equivalente a:

    I - 3,5% a.a. (três inteiros e cinco décimos por cento ao ano), capitalizada mensalmente, aplicável exclusivamente aos contratos de financiamento de cursos de licenciatura, pedagogia, normal superior e cursos superiores de tecnologia, conforme definidos pelo Catálogo de cursos superiores de tecnologia, instituído pelo Decreto nº 5.773, de 09 de maio de 2006;

    II - 6,5% a.a. (seis inteiros e cinco décimos por cento ao ano), capitalizada mensalmente, para os contratos do FIES não relacionados no inciso I.

    Art. 2º Para os contratos do FIES celebrados antes de 1º de julho de 2006 aplica-se a taxa prevista no art. 6º da Resolução nº 2.647, de 22 de setembro de 1999.

    Posteriormente sobreveio a Resolução CMN nº 3.777, de 26.08.09, assentando nova taxa de juros, a partir da sua entrada em vigor e para todos os contratos de Financiamento Estudantil firmados, em 3,5% (três inteiros e cinco décimos por cento) ao ano:

    Art. 1º Para os contratos do FIES celebrados a partir da entrada em vigor desta Resolução, a taxa efetiva de juros será de 3,5% a.a. (três inteiros e cinco décimos por cento ao ano).

    Art. 2º Para os contratos do FIES celebrados antes da entrada em vigor desta Resolução, e após 1º de julho de 2006, aplica-se a taxa prevista no art. 1º da Resolução nº 3.415, de 13 de outubro de 2006.

    Art. 3º Para os contratos do FIES celebrados antes de 1º de julho de 2006, aplica-se a taxa prevista no art. 6º da Resolução nº 2.647, de 22 de setembro de 1999.

Finalmente, o Conselho Monetário Nacional reduziu a taxa de juros para 3,4% (três inteiros e quatro décimos por cento), por meio da Resolução nº 3.842, de 10.03.10:

    Art. 1º Para os contratos do FIES celebrados a partir da data de publicação desta resolução, a taxa efetiva de juros será de 3,40% a.a. (três inteiros e quarenta centésimos por cento ao ano).

    Vê-se, pois, que não remanesce a limitação dos juros à taxa de 6% (seis inteiros por cento) ao ano, de modo que devem ser respeitadas as diretrizes do Conselho Monetário Nacional, nos seguintes termos:

    a) 9% (nove inteiros por cento) ao ano, a partir de 23.09.99 e até 30.06.06;

    b) 3,5% (três inteiros e cinco décimos por cento) ao ano para os cursos indicados no art. 1º, I, da Resolução nº 3.415/06, e 6,5% (seis inteiros e cinco décimos por cento) ao ano para os demais, de 01.07.06 a 26.08.09;

    c) 3,5% (três inteiros e cinco décimos por cento) ao ano para os contratos firmados entre 27.08.09 e 10.03.10; e

    d) 3,4% (três inteiros e quatro décimos por cento) ao ano, para os contratos celebrados a partir de 11.03.10.

    Consoante estabelece o art. 5º, § 10º, da Lei nº 10.260/01, com a redação dada pela Lei nº 12.202, de 15.01.10, a redução da taxa de juros para 3,4% incidirá, inclusive, sobre o saldo devedor dos contratos firmados anteriormente à indigitada Resolução nº 3.842:

    Art. 5º Os financiamentos concedidos com recursos do FIES deverão observar o seguinte:

    (...)

    II - juros, capitalizados mensalmente, a serem estipulados pelo CMN;

    § 10. A redução dos juros, estipulados na forma do inciso II deste artigo, incidirá sobre o saldo devedor dos contratos já formalizados.

Todavia, há que se observar que o referido dispositivo não se aplica às prestações vencidas e tampouco ao saldo da dívida já consolidada anteriormente a 11.03.10, na medida em que, verificado o inadimplemento, deverá o saldo devedor ser submetido aos encargos moratórios fixados na lei e no contrato, em homenagem ao ato jurídico perfeito.

Na hipótese, não se cogita da redução da taxa de juros, considerando a data de celebração do contrato (10/12/2004) e o início da inadimplência (05/09/2008).

Pena convencional cumulada com honorários e outros encargos

Não há qualquer similitude entre a pena convencional de 10% (dez por cento), cobrada no caso de a instituição financeira ter de se valer de procedimento judicial ou extrajudicial para cobrança da dívida, e a previsão de incidência de multa de mora de 2% (dois por cento), no caso de inadimplemento das obrigações decorrentes do atraso no pagamento, de modo que não se cogita de cobrança dúplice de multa.

A lei processual civil prevê que, nas ações condenatórias, a verba honorária deve ser fixada entre os percentuais de 10% (dez por cento) e 20% (vinte por cento), não destoando referida cláusula, nesse aspecto, do critério quantitativo previsto no Código de Processo Civil, até porque, aquele que der causa ao ajuizamento de ação judicial deve, em sendo procedente a pretensão, honrar com as custas do processo.

Da capitalização dos juros e da Tabela Price (anatocismo)

A Tabela Price não denuncia, por si só, a prática de anatocismo, dado que ele pressupõe a incidência de juros sobre essa mesma grandeza - juros - acumulada em período pretérito, dentro de uma mesma "conta corrente".

O fato de esse sistema antecipar a incidência de juros até o final do contrato não quer dizer que está havendo aí anatocismo, ou incidência de juros sobre juros, até porque o contratante recebeu o numerário de uma só vez e vai pagá-lo ao longo de um período (superior a um ano), em parcelas.

Esse é o entendimento de alguns doutrinadores sobre o assunto, confira:

Originalmente, a Tabela Price não faz incidir diretamente juros sobre juros, pois o que ela faz é calcular juros simples sobre o capital...

Pode-se dizer que a Price funciona como se a cada mês houvesse um novo empréstimo do saldo devedor, pelo prazo de um mês, a uma taxa mensal fixa de juros. Portanto, não há propriamente capitalização. Pelo menos não no sentido de se cobrar juros sobre juros do próprio mutuário.

(MAIDANA, Jédison Daltrozo, Informativo Jurídico Consulex nº 37, de 16 de setembro de 2002, pág. 12/14).

Qualquer que seja o sistema de amortização entre os quatro acima descritos [SACRE, PRICE, SAC e SAM], em nenhum deles ocorre a incidência de juros sobre juros. A taxa mensal de 1% é aplicada sobre o saldo devedor no mês anterior de forma constante e linear.

(PENNA, Edson Queiroz, in Tabela Price e a inexistência de capitalização, Editora AGE, 2007, pág. 83).

Todavia, o que se observa no caso dos contratos educacionais é que a Caixa Econômica Federal, ao aplicar esse sistema de amortização, faz incidir uma taxa de juros capitalizada, a chamada taxa efetiva, e não aquela nominal que consta do contrato, aplicando, aí sim, juros sobre juros. Esse é o entendimento também manifestado pela doutrina:

... o problema mesmo está no fato de que os credores vêm utilizando a chamada Taxa Efetiva, ou Equivalente, ao invés da taxa contratada, que chamam de Taxa Nominal.

Mascarado sob essa denominação pomposa, está o anatocismo. A taxa Nominal é taxa pura de juros, e a efetiva, a sua versão capitalizada.

...

Aplicando-a, veremos que uma Taxa Nominal de 9,00% ao ano corresponde a uma Taxa Efetiva de 9,38% ao ano, ou seja, se aplicarmos a taxa de 9,00% ao ano, capitalizando mensalmente os juros, ao final de um ano, obteremos um lucro de 9,38%. E isso é proibido pela nossa legislação pois haverá incidência de juros sobre juros.

...

Normalmente a conversão das taxas é feita levando em conta a capitalização mensal e, para dissimular a cobrança dos juros sobre juros, utiliza-se a Taxa Efetiva sobre o modelo Price.

(MAIDANA, Jédison Daltrozo, Informativo Jurídico Consulex nº 37, de 16 de setembro de 2002, pág. 14).

A própria Caixa Econômica Federal já admitiu essa prática, como se lê da decisão proferida pelo Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira em processo de mútuo habitacional, confira:

1. Trata-se de recurso especial contra acórdão que, nos autos de embargos à execução de contrato de financiamento imobiliário, celebrado pelas regras do SFH, vedou a capitalização mensal dos juros.

Sustenta o recorrente ofensa ao art. 4º do Decreto nº 22.626/33. Alega ser indevida a condenação relativamente à capitalização de juros, que não foi contratada.

...

Impossível desconstituir, nessa instância, tal entendimento, assentado com base na interpretação de cláusula contratual, diante do obstáculo do enunciado nº 5 da súmula/STF. E ainda que assim não se entendesse, realmente, na impugnação, a recorrida confessou a prática do anatocismo como consequência da adoção da Tabela "Price", conforme se extrai do seguinte excerto de sua impugnação:

"Ora, data venia, o argumento é falacioso: primeiro, porque ao contrário do que sustenta os Embargantes, a capitalização mensal dos juros vem expressamente prevista no contrato, como simples decorrência da própria vinculação existente à adoção do Sistema Francês de Amortização (ou Tabela Price) - cuja sistemática de cálculo do valor da prestação já traz ínsita a condição de os juros serem capitalizados mensalmente - e, bem assim, pela referência no campo "C", item 8, do contrato (fls. 08, dos autos de execução apensos) à existência de uma taxa efetiva de juros e outra nominal (a taxa efetiva anual representa, justamente, a taxa de juros nominal, capitalizados mês a mês)".

Vê-se, portanto, que, mesmo se superado o óbice do citado enunciado nº 5, a própria argumentação expendida pelo recorrente, em fase processual anterior, não autoriza conclusão diversa da assentada pelo Tribunal de origem.

...

(RECURSO ESPECIAL Nº 490.898, decisão publicada em 12 de setembro de 2003).

O que se vê, portanto, é que, a despeito de a Tabela Price não promover, em si, a incidência de juros sobre juros, a aplicação dada pelos agentes financeiros a esse sistema acaba por gerar o tão questionado anatocismo.

A propósito do tema atinente ao anatocismo, o Superior Tribunal de Justiça firmou orientação no sentido de não se admitir a capitalização de juros nos contratos de financiamento estudantil celebrados sem norma específica que a autorize:

ADMINISTRATIVO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO ESTUDANTIL. FIES. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. SÚMULA 121/STF. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. SÚMULA 284/STF. VIOLAÇÃO DO ART. 330 DO CPC. SÚMULA 7/STJ.

1. Constata-se que não se configura a ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil, uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia, tal como lhe foi apresentada. Não é o órgão julgador obrigado a rebater, um a um, todos os argumentos trazidos pelas partes em defesa da tese que apresentaram. Deve apenas enfrentar a demanda, observando as questões relevantes e imprescindíveis à sua resolução.

2. A Primeira Seção, no julgamento do REsp 1.155.684/RN (assentada de 12.5.2010), submetido ao rito dos recursos repetitivos (art.543-C do CPC), manteve o entendimento pacífico do STJ no sentido de que, em se tratando de crédito educativo, não se admite sejam os juros capitalizados, porquanto ausente autorização expressa por norma específica. Aplicação da Súmula 121/STF.

3. A avaliação quanto à necessidade e à suficiência ou não das provas para averiguar eventual cerceamento de defesa demanda, em regra, revolvimento do contexto fático-probatório dos autos. Aplicação da Súmula 7/STJ. Precedentes do STJ.

4. Recurso Especial provido.

(REsp nº 1.319.121, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 25.09.12).

Assim, somente a partir da edição da Medida Provisória nº 517, publicada em 31.12.10, que alterou a redação do art. 5º da Lei nº 10.260/01, posteriormente convertida na Lei nº 12.431/11, de 24.06.11 (art. 24) autorizou-se a cobrança de juros capitalizados mensalmente, de modo que para os contratos firmados até 30.12.10 é vedada a cobrança de juros sobre juros, ao passo que prevista legalmente a capitalização mensal para os contratos firmados após essa data.

Importante registrar que a vedação somente diz com a capitalização mensal, dado que a anual ainda é autorizada pelo Decreto nº 22.626/33 ("art. 4º. É proibido contar juros dos juros: esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano").

Ademais, inaplicável o entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca das disposições do Decreto nº 22.626/33 (Lei de Usura) não se aplicarem às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas que integram o Sistema Financeiro Nacional (Súmulas nº 121 e nº 596), na medida em que os contratos de financiamento estudantil submetem-se à norma específica.

Nesse sentido, já se manifestou também o Superior Tribunal de Justiça, consoante se lê do seguinte excerto extraído do voto do Ministro João Otávio de Noronha, por ocasião do julgamento do REsp nº 630.404:

Com efeito, o STJ já firmou entendimento de que persiste a vedação da capitalização de juros contida no art. 4º do Decreto n. 22.626/33, conhecida como Lei da Usura, em contratos de mútuo, como o da espécie, pois apenas se admite o anatocismo quando há legislação específica que autorize a incidência de juros sobre juros, como ocorre com as cédulas de crédito rural, comercial e industrial, sendo permitida tão-somente a capitalização anual.

...

(in DJ de 26/02/2007, p. 577).

Na hipótese, considerando que o presente contrato foi firmado anteriormente a 30.12.10, nula a cláusula que permite a capitalização mensal dos juros, dado que norma infralegal (Resolução nº 2.647/99, art. 6º) não pode se sobrepor à lei, criando obrigações próprias do seu campo de atribuição.

Validade da cláusula que prevê a cobrança prévia de despesas processuais e honorários advocatícios

Quanto à cláusula contratual que prevê a prévia responsabilização do devedor por despesas judiciais e honorários advocatícios, a CEF, por mera liberalidade, não incluiu esses valores no débito em cobrança. Prejudicada a análise do pedido correspondente.

Dispositivo

Ante ao exposto, dou parcial provimento à apelação da CEF para reformar a sentença e reconhecer a responsabilidade do fiador durante todo o contrato e manter incidência da taxa de juros prevista no contrato. 

É o voto.

 
    

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À MONITÓRIA. FIES. FINANCIAMENTO ESTUDANTIL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. RESPONSABILIDADE DO FIADOR. TABELA PRICE. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS. TAXA DE JUROS. PENA CONVENCIONAL. 

1. Afasto a alegação de cerceamento de defesa, decorrente do indeferimento de produção de prova pericial, tendo em vista tratar-se de questão eminentemente de direito, na medida em que a solução da lide restringe-se à determinação de quais são os critérios a serem aplicados na atualização do débito.

2. Havendo previsão contratual de renovação automática no contrato original ou em anterior aditivo, o fiador é responsável por todo contrato, inclusive pelos períodos do aditamento.

3. O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de que não há submissão desses contratos às regras consumeristas, uma vez que A CEF figura apenas como operadora e administradora dos ativos e passivos do Fundo, que, nessa condição, não pode ser considerada como uma fornecedora de serviço.

4. Acerca da incidência da taxa de juros, há que se observar as diretrizes do Conselho Monetário Nacional, nos seguintes termos: a) 9% (nove inteiros por cento) ao ano, a partir de 23.09.99 e até 30.06.06; b) 3,5% (três inteiros e cinco décimos por cento) ao ano para os cursos indicados no art. 1º, I, da Resolução nº 3.415/06, e 6,5% (seis inteiros e cinco décimos por cento) ao ano para os demais, de 01.07.06 a 26.08.09; c) 3,5% (três inteiros e cinco décimos por cento) ao ano para os contratos firmados entre 27.08.09 e 10.03.10; e d) 3,4% (três inteiros e quatro décimos por cento) ao ano, para os contratos celebrados a partir de 11.03.10.

5. Consoante estabelece o art. 5º, § 10º, da Lei nº 10.260/01, com a redação dada pela Lei nº 12.202, de 15.01.10, a redução da taxa de juros para 3,4% incidirá, inclusive, sobre o saldo devedor dos contratos firmados anteriormente à indigitada Resolução nº 3.842. Todavia, o referido dispositivo não se aplica às prestações vencidas e tampouco ao saldo da dívida já consolidada anteriormente a 11.03.10, na medida em que, verificado o inadimplemento, deverá o saldo devedor ser submetido aos encargos moratórios fixados na lei e no contrato, em homenagem ao ato jurídico perfeito.

6. Não há qualquer similitude entre a pena convencional de 10% (dez por cento), cobrada no caso de a instituição financeira ter de se valer de procedimento judicial ou extrajudicial para cobrança da dívida, e a previsão de incidência de multa de mora de 2% (dois por cento), no caso de inadimplemento das obrigações decorrentes do atraso no pagamento, de modo que não se cogita de cobrança dúplice de multa.

7. A Tabela Price não denuncia, por si só, a prática de anatocismo, dado que ele pressupõe a incidência de juros sobre essa mesma grandeza - juros - acumulada em período pretérito, dentro de uma mesma "conta corrente".

8. A despeito de a Tabela Price não promover, em si, a incidência de juros sobre juros, a aplicação dada pelos agentes financeiros a esse sistema acaba por gerar o tão questionado anatocismo.

9. Somente a partir da edição da Medida Provisória nº 517, publicada em 31.12.10, autorizou-se a cobrança de juros capitalizados mensalmente, de modo que para os contratos firmados até 30.12.10 é vedada a cobrança de juros sobre juros, ao passo que prevista legalmente a capitalização mensal para os contratos firmados após essa data.

10.  Quanto à cláusula contratual que prevê a prévia responsabilização do devedor por despesas judiciais e honorários advocatícios, a CEF, por mera liberalidade, não incluiu esses valores no débito em cobrança. Prejudicada a análise do pedido correspondente.

11. Apelação parcialmente provida para reformar a sentença e e reconhecer a responsabilidade do fiador durante todo o contrato e manter incidência da taxa de juros prevista no contrato. 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, por unanimidade, deu parcial provimento à apelação da CEF para reformar a sentença e reconhecer a responsabilidade do fiador durante todo o contrato e manter incidência da taxa de juros prevista no contrato, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.