APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0034944-86.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: ISABEL CRISTINA GOMES RODRIGUES
Advogado do(a) APELANTE: CATARINA LUIZA RIZZARDO ROSSI - SP67145-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
TERCEIRO INTERESSADO: EDINEI GOMES MARTINS
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: CATARINA LUIZA RIZZARDO ROSSI
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0034944-86.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: ISABEL CRISTINA GOMES RODRIGUES
Advogado do(a) APELANTE: CATARINA LUIZA RIZZARDO ROSSI - SP67145-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
TERCEIRO INTERESSADO: EDINEI GOMES MARTINS
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: CATARINA LUIZA RIZZARDO ROSSI
R E L A T Ó R I O
Trata-se de demanda objetivando a concessão de benefício assistencial, previsto no art. 203, inciso V, da Constituição da República.
O juízo a quo julgou improcedente o pedido formulado.
A parte autora apela, pleiteando a reforma da sentença, sustentando, em síntese, o cumprimento dos requisitos legais ao amparo pretendido.
Sem contrarrazões, subiram os autos.
Parecer do Ministério Público Federal pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0034944-86.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: ISABEL CRISTINA GOMES RODRIGUES
Advogado do(a) APELANTE: CATARINA LUIZA RIZZARDO ROSSI - SP67145-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
TERCEIRO INTERESSADO: EDINEI GOMES MARTINS
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: CATARINA LUIZA RIZZARDO ROSSI
V O T O
Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução.
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA)
O benefício de prestação continuada é “a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família”, conforme disposto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pelos arts. 20 a 21-A, da Lei n.º 8.742/1993.
A legislação exige a presença cumulativa de dois requisitos para a concessão do benefício.
Primeiro, o requerente deve, alternativamente, ter idade igual ou superior a 65 anos (art. 20, caput, da Lei n.º 8.742/1993) ou ser deficiente, isto é, deter “impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (art. 20, § 2.º).
Segundo, o beneficiário deve comprovar situação de miserabilidade, caracterizada pela inexistência de condições econômicas para prover o próprio sustento ou tê-lo provido por alguém da família, consoante art. 20, § 3.º. da Lei n.º 8.742/1993 – dispositivo objeto de declaração parcial de inconstitucionalidade, pela qual firmou o Supremo Tribunal Federal que “sob o ângulo da regra geral, deve prevalecer o critério fixado pelo legislador no artigo 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93”, mas “Ante razões excepcionais devidamente comprovadas, é dado ao intérprete do Direito constatar que a aplicação da lei à situação concreta conduz à inconstitucionalidade, presente o parâmetro material da Carta da República, qual seja, a miserabilidade, assim frustrando os princípios observáveis – solidariedade, dignidade, erradicação da pobreza, assistência aos desemparados” sendo que “Em tais casos, pode o Juízo superar a norma legal sem declará-la inconstitucional, tornando prevalecentes os ditames constitucionais” (STF, Plenário, RE n.º 567.985, Rel. p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, 2.10.2013).
DO CASO DOS AUTOS
A parte autora é portadora de Síndrome de Down (retardo mental), apresentando incapacidade total e permanente para o exercício de atividade laborativa, esse requisito não foi objeto de perícia dado ser fato incontroverso nos autos, reconhecido pela parte ré conforme consta na página 50 dos autos físicos.
Considerando-se a patologia comprovada, a idade da parte e a ausência de qualificação profissional, conclui-se que o quadro apresentado se ajusta ao de impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial exigido pela legislação, restando presente, portanto, o requisito do art. 20, § 2., da Lei n.º 8.742/1993.
Quanto ao requisito da miserabilidade, de acordo com o estudo social ID 107618294, fls. 19/25, a parte autora reside em imóvel próprio (oriundo de doação), em estado regular de conservação.
As despesas do núcleo familiar, segundo relatado, totalizam R$ 3.488,94 reais.
Quanto à renda familiar, consta nos autos que a parte autora não percebe rendimentos.
Ademais, residem com a parte autora sua genitora e três irmãos. A esse respeito, depreende-se dos autos que a genitora Sebastiana Gomes Martins recebe R$ 1.908,00 reais, provenientes de aposentadoria e pensão; a irmã Elizabeth Gomes Martins recebe R$ 954,00 reais, provenientes de benefício assistencial; o irmão Claudecir Gomes Martins recebe R$ 1.454,00, provenientes de atividade laborativa, a irmã Márcia Cristina Gomes Martins, não percebe quaisquer valores. A renda familiar, portanto, soma o montante de R$ 4.316,00 reais.
Cabe considerar, a esse respeito, que os valores percebidos pela genitora da parte autora, no mais das vezes, devem ser desconsiderados para o cômputo da renda familiar até o limite de um salário mínimo, uma vez que, tratando-se de benefício previdenciário, incide a aplicação analógica do art. 34, parágrafo único, da Lei n.º 10.741/2003, nos termos fixados pelo Supremo Tribunal Federal no RE n.º 580.963 (STF, Plenário, Rel. Min. Gilmar Mendes, 14.11.2013), depois objeto de apreciação pelo Superior Tribunal de Justiça, sob a sistemática dos recursos repetitivos, no REsp n.º 1.355.052/SP (STJ, Primeira Seção, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 5.11.2015).
Nada obstante, e parafraseando o entendimento consignado pela Excelentíssima Senhora Desembargadora Federal Daldice no âmbito da Apelação Cível de registro n.º 6078022-57.2019.4.03.9999, trazida a julgamento em 18/3/2020, “a despeito do teor do RE n. 580.963 (STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n. 225, 14/11/2013 – repercussão geral), não há que se falar em hipossuficiência no caso”, como consignado até mesmo pelo magistrado sentenciante, notadamente quando os elementos de prova estão a indicar a ausência de penúria, revelando, ao contrário, que a parte autora tem acesso aos mínimos sociais, inclusive casa própria.
Ademais, “se o critério da baixa renda não é ‘taxativo’, pode ser levado em conta tanto para a concessão quanto para o indeferimento do pleito”.
Por isso que “a regra contida no § 3º do artigo 20 da LOAS não pode ser reduzida ao critério matemático, cabendo a aferição individual da situação socioeconômica”.
Veja-se, quanto ao mais, do voto proferido por Sua Excelência no feito acima mencionado:
“(...) diante do entendimento consagrado por ocasião do julgamento do RE n. 580963, abriu-se a possibilidade de exclusão, do cálculo da renda familiar, dos benefícios assistenciais recebidos por idosos e por deficientes e também dos benefícios previdenciários concedidos ao idoso, no valor de até um salário mínimo.
A decisão concluiu, ainda, que a mera interpretação gramatical do preceito, por si só, pode resultar no indeferimento da prestação assistencial em casos nos quais, embora o limite legal de renda per capita seja ultrapassado, evidencia-se um quadro de notória hipossuficiência econômica.
Essa insuficiência da regra decorre não apenas das modificações fáticas (políticas, econômicas e sociais), mas principalmente das alterações legislativas que ocorreram no País desde a edição da Lei Orgânica da Assistência Social, em 1993.
A legislação federal recente, por exemplo, reiterada pela adoção de vários programas assistenciais destinados a famílias carentes, considera pobres aqueles que possuem renda mensal per capita de até meio salário mínimo (nesse sentido, a Lei n. 9.533, de 10/12/1997, regulamentada pelos Decretos n. 2.609/1998 e 2.728/1999, as Portarias n. 458 e 879, de 03/12/2001, da Secretaria da Assistência Social, o Decreto n. 4.102/2002, a Lei n. 10.689/2003, criadora do Programa Nacional de Acesso à Alimentação).
Assim, não há como considerar o critério previsto no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/1993 como absoluto e único para aferição da situação de miserabilidade, até porque o próprio Estado Brasileiro elegeu outros parâmetros, como os defluentes da legislação acima citada.
Deve-se verificar, na questão in concreto, a ocorrência de situação de pobreza – entendida como a falta de recursos e de acesso ao mínimo existencial –, para se concluir se é devida ou não a prestação pecuniária da assistência social constitucionalmente prevista.
Assim, ao menos desde 14/11/2013 (RE n. 580963), o critério da miserabilidade contido no § 3º do artigo 20 da Lei n. 8.742/1993 não impede o julgador de levar em conta outros dados, a fim de identificar a situação de vida do idoso ou do deficiente, principalmente quando estiverem presentes peculiaridades, a exemplo de necessidades especiais com medicamentos ou com educação.
Nesse diapasão, podem-se estabelecer alguns parâmetros norteadores da análise individual de cada caso, como, por exemplo: (i) todos os que recebem renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo são miseráveis; (ii) nem todos os que percebem renda familiar per capita superior a ¼ do salário mínimo e inferior a ½ salário mínimo são miseráveis; (iii) nem todos os que percebem renda familiar per capita superior a ½ salário mínimo deixam de ser miseráveis; (iv) todos os que perceberem renda mensal familiar superior a um salário mínimo (artigo 7º, IV, da Constituição Federal) não são miseráveis.
Dessa forma, em todos os casos, outras circunstâncias devem ser levadas em conta, mormente se o patrimônio do requerente também se subsome à noção de hipossuficiência, devendo ser apurado se vive em casa própria, com ou sem ar condicionado, se possui veículo, telefones celulares, auxílio permanente de parentes ou de terceiros etc.
Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de atender a um público maior, para socorrer aos desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja, àquelas pessoas que nem sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo fato de não terem renda ou de ser essa insignificante.”
Do exposto, constata-se que a parte autora reside com familiares em imóvel próprio, não havendo gasto com aluguel, denotando-se que o sustento do núcleo familiar é provido por sua genitora e seus irmãos. Ademais, as despesas mencionadas não comprometem a totalidade do orçamento doméstico, e que, a despeito da condição simples de vida, não há desamparo nem abandono da parte autora.
Ressalte-se, a esse respeito, que o objetivo do benefício assistencial não é complementar a renda, mas fornecer o mínimo àqueles que vivem em situação verdadeiramente indigna, cuja precariedade coloca em risco a própria sobrevivência, exigindo-se, para tanto, a constatação de extrema vulnerabilidade – o que não é o caso dos autos.
O quadro apresentado, dessa forma, não se ajusta ao de miserabilidade exigido pelo diploma legal a que se fez menção acima.
De rigor, portanto, o indeferimento do benefício, porquanto não comprovado um dos requisitos indispensáveis à sua concessão.
Posto isso, nego provimento à apelação.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. ART. 203, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO CUMULATIVA DE IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO E DE HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. AUSÊNCIA DE MISERABILIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO AMPARO ASSISTENCIAL.
- O benefício de prestação continuada exige para a sua concessão que a parte comprove, alternativamente, ter idade igual ou superior a 65 anos ou deter impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial e, cumulativamente, não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família (art. 20, caput e § 2.º, da Lei n.º 8.742/1993).
- Os elementos constantes dos autos são insuficientes para demonstrar a existência de miserabilidade apta a ensejar a concessão do benefício pleiteado.
- Reconhecimento da improcedência do pedido formulado.