CONFLITO DE COMPETÊNCIA CÍVEL (221) Nº 5008509-09.2020.4.03.0000
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
SUSCITANTE: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE OSASCO/SP - 2ª VARA FEDERAL
SUSCITADO: 06ª VARA PREVIDENCIÁRIA FEDERAL DE SÃO PAULO
OUTROS PARTICIPANTES:
INTERESSADO: LIRIDA DE FATIMA DOMINGOS DA SILVA
ADVOGADO do(a) INTERESSADO: MICHELE CARDOSO MONTEIRO AZEVEDO
CONFLITO DE COMPETÊNCIA CÍVEL (221) Nº 5008509-09.2020.4.03.0000 RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA SUSCITANTE: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE OSASCO/SP - 2ª VARA FEDERAL SUSCITADO: 06ª VARA PREVIDENCIÁRIA FEDERAL DE SÃO PAULO OUTROS PARTICIPANTES: INTERESSADO: LIRIDA DE FATIMA DOMINGOS DA SILVA ADVOGADO do(a) INTERESSADO: MICHELE CARDOSO MONTEIRO AZEVEDO R E L A T Ó R I O Trata-se de conflito negativo de competência, suscitado pelo JUÍZO FEDERAL DA 02ª VARA FEDERAL DE OSASCO/SP em face do JUÍZO FEDERAL DA 06ª. VARA PREVIDENCIÁRIA DE SÃO PAULO/SP, nos autos da ação proposta por LIRIDA DE FÁTIMA DOMINGOS DA SILVA, na qual pleiteia a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição. A parte autora ajuizou ação perante o Juízo Federal da 06ª. Vara Previdenciária da Capital, tendo o Magistrado declinado da competência para o Juízo Federal da 02ª. Vara Federal de Osasco, ao fundamento de ser incompetente para apreciar o feito, em razão do autor não residir em localidade submetida à 1ª. Subseção Judiciária de São Paulo. Recebidos os autos, o MM. Juizo da 02ª Vara Federal de Osasco, suscitou o presente conflito negativo de competência ao argumento de que a competência relativa não pode ser declinada de ofício. O Ministério Público Federal deixou de opinar por considerar que no caso em comento não restou caracterizada hipossuficiência específica idônea a atrair a intervenção ministerial.
CONFLITO DE COMPETÊNCIA CÍVEL (221) Nº 5008509-09.2020.4.03.0000 RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA SUSCITANTE: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE OSASCO/SP - 2ª VARA FEDERAL SUSCITADO: 06ª VARA PREVIDENCIÁRIA FEDERAL DE SÃO PAULO OUTROS PARTICIPANTES: INTERESSADO: LIRIDA DE FATIMA DOMINGOS DA SILVA ADVOGADO do(a) INTERESSADO: MICHELE CARDOSO MONTEIRO AZEVEDO V O T O O conflito de competência deve ser julgado procedente, reconhecendo-se a competência da Subseção Judiciária de São Paulo/SP - 06ª Vara Federal Previdenciária. A questão central versa sobre a possibilidade de o magistrado de vara especializada localizada na capital do estado, de ofício, reconhecer a sua incompetência relativa para processar e julgar determinado feito, determinando sua remessa para o juízo federal da cidade do domicílio do autor. Primeiramente, cumpre gizar que o MM Juízo de primeiro grau, de Vara Federal Especializada da Capital do Estado, reconheceu, de ofício, a sua incompetência para processar o feito de origem. O referido decisum foi determinado por razões territoriais, já que fundamentado no fato de o autor residir numa cidade diversa daquela em que instalado o MM Juízo a quo. Daí se concluir que a decisão em tela reconheceu uma incompetência territorial. O artigo 62, do CPC/2015, estabelece que “A competência determinada em razão da matéria, da pessoa ou da função é inderrogável por convenção das partes”; ao passo que o artigo 63, do mesmo diploma, preceitua que “As partes podem modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde será proposta ação oriunda de direitos e obrigações”. Já o artigo 65, do CPC/2015, determina que “Prorrogar-se-á a competência relativa se o réu não alegar a incompetência em preliminar de contestação”. De tais dispositivos, extrai-se que a competência determinada em razão da matéria, da pessoa ou da função, em regra é inderrogável, logo absoluta; e que a competência determinada em razão do valor e do território, em regra, é relativa, sendo esta, derrogável. No entanto, não se desconhece que há competências territoriais que, por serem determinadas por razões de ordem pública, constituem, excepcionalmente, hipóteses de competência absoluta. Em casos tais, não pode a parte ajuizar a ação em foro diverso daquele previsto pela legislação, podendo o magistrado declinar a competência de ofício. Cito, como exemplo, a situação versada pelo C. STJ no Tema Repetitivo 373 (Resp 1146194/SC e Resp 1187500/BA), que teve a seguinte tese firmada: “A execução fiscal proposta pela União e suas autarquias deve ser ajuizada perante o Juiz de Direito da comarca do domicílio do devedor, quando esta não for sede de vara da justiça federal. A decisão do Juiz Federal, que declina da competência quando a norma do art. 15, I, da Lei nº 5.010, de 1966 deixa de ser observada, não está sujeita ao enunciado da Súmula nº 33 do Superior Tribunal de Justiça.” O caso em apreço, exatamente porque permeado pelo interesse público de garantir acesso à justiça ao segurado que litiga contra o INSS, não se enquadra no repertório de situações nas quais a competência é estabelecida por razões de ordem pública. Aqui, a competência territorial é prevista em razão da presunção de desvantagem de uma das partes, a do segurado ou beneficiário, em relação à outra, a Autarquia Previdenciária Federal. Nesse raciocínio, os interesses discutidos nas lides previdenciárias são privados e a competência territorial é relativa, para que o segurado tenha liberdade de escolher entre os foros previstos no rol normativo. Não se deve confundir razões de ordem pública, que permitem que a competência territorial seja absoluta, com o reconhecimento normativo e jurisprudencial da hipossuficiência do segurado, que reconfigura a relação processual e indica o interesse público em garantir o direito de acesso à justiça. Posto isto, constata-se que a incompetência aqui versada, realmente, é relativa, motivo pelo qual ela não poderia ter sido declarada de ofício pelo MM Juízo de primeiro grau, tendo em vista a previsão dos dispositivos processuais de que a competência relativa se prorroga quando não for arguida pelo réu, o que condiciona seu reconhecimento à arguição expressa e no momento processual estabelecido, impedindo seu reconhecimento de ofício. Trata-se de entendimento consolidado na jurisprudência pátria, sendo objeto da Súmula 33, do E. STJ: “A incompetência relativa não pode ser declarada de ofício”. Nesse cenário, forçoso é concluir que a decisão de primeiro grau não se harmoniza com o disposto na Súmula 33, do C. STJ, já que declara, de ofício, uma incompetência relativa, que deveria ter sido suscitada pela Autarquia Previdenciária e não o foi exatamente porque a orientação administrativa é exatamente no sentido oposto, conforme Súmula 23 da Advocacia Geral da União, editada em 2006, com o seguinte teor: "É facultado a autor domiciliado em cidade do interior o aforamento de ação contra a União também na sede da respectiva Seção Judiciária (capital do Estado-membro)." Apesar do transcurso temporal e da edição da citada súmula administrativa ter se dado a sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, não há dúvida que esteja em vigor, já que consta de publicação da AGU no Diário Oficial da União de 07 de fevereiro de 2018, que teve por finalidade “Consolidar as Súmulas da Advocacia-Geral da União, em vigor nesta data, de observância obrigatória para os órgãos de Consultoria e de Contencioso da AGU, da Procuradoria-Geral Federal e da Procuradoria-Geral do Banco Central do Brasil”. Ainda sobre a Súmula 23 da AGU, vale destacar que as referências adotadas para consolidação do entendimento são: a Constituição Federal, art. 109, § 2º, e 110; e a Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal nos RE 233.990/RS, AgRg nº RE 364.465/RS (DJ de 15.8.2003), Rel. Min. Maurício Corrêa, RE 451.907/PR, Rel. Min. Marco Aurélio (Segunda Turma) e Decisão monocrática no RE 453.967/RS, Rel. Min. Joaquim Barbosa. Deste modo, a base para a compreensão da matéria e para as possibilidades de exercício de acesso à justiça das partes, tanto da parte autora como da Autarquia Federal (que figura como ré), está nos artigos insculpidos na Constituição. A par disso, é de se reconhecer que referido julgado contraria, também, o disposto na Súmula 689, do E. STF, a qual estabelece que “O segurado pode ajuizar ação contra a instituição previdenciária perante o Juízo Federal do seu domicílio ou nas Varas Federais da capital do Estado-membro”. E, conforme já mencionado, melhor refletindo sobre o tema, firmei a compreensão de que a Súmula 689 do STF não foi superada pelo CPC/2015, especialmente porque os precedentes que lhe deram origem não decorrem da interpretação da norma infralegal, mas sim do artigo 109, §§ 2 ° e 3°, da CF/88. A ementa do RE 293.246-9 (STF, Ministro Relator Ilmar Galvão, DJU 16.08.2001) deixa clara a vinculação do julgado ao artigo 109, §3°, da CF/88, ao reconhecer a possibilidade de o segurado ou beneficiário optar entre ajuizar a ação na Justiça Federal da Capital. EMENTA: CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO PROPOSTA POR SEGURADO CONTRA O INSS. ARTIGO 109, § 3.º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMPETÊNCIA. Em face do disposto no art. 109, § 3.º, da Constituição Federal, tratando-se de litígio contra instituição de previdência social, o ajuizamento da ação, se não ocorrer na Justiça Estadual, no foro do domicílio do segurado, pode ser feito tanto perante o juízo federal da respectiva jurisdição como perante as varas federais da capital do Estado-membro. Precedentes. Recurso extraordinário conhecido e provido. Outros precedentes jurisprudenciais da Corte Suprema também indicam que a norma jurídica cristalizada na Súmula n° 689 foi extraída diretamente do artigo 109, §3°, da CF/88. Isso é o que se infere do seguinte julgado do E. STF: O Pleno do Supremo Tribunal Federal, na Sessão do dia 02.8.2001, ao julgar o RE 287351-AgR, Maurício Corrêa, DJ 22.03.02, assim decidiu: "Agravo regimental em recurso extraordinário. Constitucional. Competência. Beneficiário da Previdência Social. Propositura de ação. Foro. Beneficiário da previdência social. Foro. Competência. Propositura de ação contra o Instituto Nacional do Seguro Social tanto no domicílio do segurado como no da Capital do Estado-membro. Faculdade que lhe foi conferida pelo artigo 109, § 3º, da Constituição Federal. Agravo regimental não provido." Este entendimento foi consubstanciado na Súmula 689 (...). [RE 341.756 AgR, rel. min. Sepúlveda Pertence, 1ªT, j. 7-6-2005, DJ de 1º-7-2005.] Grifamos. Nesse cenário, considerando que a Súmula 689 do STF foi editada com base no artigo 109, §3°, da CF/88, não me parece que a alteração da legislação infralegal autorize a conclusão de que referido verbete sumular foi superado. Por isso, considero inadequado argumentar que as decisões judiciais proferidas sob a égide do novo CPC não tenham lançado luzes para a adequação da nova redação do art. 51, parágrafo único, com os ditames constitucionais e com o entendimento sumulado. Da mesma forma, parece-me sem propósito considerar que a orientação da AGU, publicada no DOU em 2018, com a veiculação de súmula que vincula a Procuradoria Federal ao entendimento de “o segurado pode ajuizar ação contra a instituição previdenciária perante o Juízo Federal do seu domicílio ou nas Varas Federais da capital do Estado-membro” seja mera repetição irrefletida do entendimento consolidado a partir da interpretação feita pelo STF, baseado em redação de artigo do CPC de 1973. Por outro lado, cumpre registrar que o texto do artigo 51, parágrafo único, do CPC/2015 não consiste numa verdadeira novidade legislativa, na medida em que ele muito se assemelha ao disposto no artigo 109, §2°, da CF/88, tendo o legislador infraconstitucional provavelmente se inspirado na Constituição. O artigo 51, parágrafo único, do CPC/2015, assim dispõe: Art. 51. É competente o foro de domicílio do réu para as causas em que seja autora a União. Parágrafo único. Se a União for a demandada, a ação poderá ser proposta no foro de domicílio do autor, no de ocorrência do ato ou fato que originou a demanda, no de situação da coisa ou no Distrito Federal. Já o artigo 109, §2°, da CF/88, diz que “As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal”. Como se nota, o artigo 109, §2°, da CF/88, também não faz alusão expressa à competência do foro da capital do estado-membro para as causas ajuizadas contra a União, o que, entretanto, não impediu que o STF reconhecesse tal competência, ao editar a Súmula 689. No entanto, diferente do artigo processual em comento, o dispositivo constitucional fala em SEÇÃO – divisão territorial que, na organização da Justiça Federal, abrange um estado-membro. Como essa amplitude não fora repetida no art. 51, p.ú, do CPC, há espaço para o argumento para se considerar apenas possível a propositura da ação no domicílio do autor. Essa compreensão, no entanto, fere a finalidade constitucional de garantia de acesso à justiça, bem como inverte a lógica do sistema de justiça, já que permite que uma norma infraconstitucional afaste uma previsão constitucional. Assim, a interpretação mais adequada para o art. 51, p.ú. do CPC/2015 é a sistemática e teleológica, com base nos dispositivos constitucionais pertinentes, devendo-se considerar a literalidade do artigo 109, §2º em harmonia com o artigo 109, §3º da CF e seus objetivos - especialmente o facilitar o acesso do segurado ou beneficiário do INSS à jurisdição. Por estas razões, como a CF/88 autoriza que o segurado ajuíze a ação tanto no foro do seu domicílio quanto no DF – o que também se dá no artigo 51, p.u. -, não faz sentido excluir a competência da capital do estado. A mais abalizada doutrina, ao analisar o tema após a mudança da redação do dispositivo pelo CPC de 2015 também tem adotado o entendimento aqui exposto. Ou seja, no âmbito da Excelsa Corte, entendeu-se, a meu ver acertadamente, que o constituinte optou por estabelecer um sistema de foros concorrentes como forma de facilitar o acesso à jurisdição, o que se concretiza, também, com a possibilidade do ajuizamento da demanda numa vara especializada da capital do estado, ainda que na cidade do autor exista vara federal. Nesse sentido, vale trazer trecho de recentíssimo artigo de Paulo Henrique Lucon: “Identifica-se a mesma discussão, ainda, nas questões que versam sobre a competência territorial relativa ao processamento de demandas previdenciárias, propostas pelo beneficiário. Relembre-se que a Constituição Federal de 1988, no seu art. 109, §2º, dispõe que, nos processos em que a União figure no polo passivo, o autor poderá optar pelo ajuizamento da demanda na seção judiciária de seu domicílio, no foro de ocorrência do fato ou de situação da coisa e, ainda, no Distrito Federal. Apenas lateralmente, cumpre mencionar que, muito embora o artigo ora citado discipline a competência territorial referente a processos ajuizados contra a União, trata-se de disposição de competência relativa. Em outras palavras, referida competência não pode ser alterada de ofício e será prorrogada na ausência de impugnação pela parte. Essa disposição constitucional tem respaldo precisamente na lógica de que, à parte hipossuficiente, deve ser garantido o acesso à justiça. Nesse diapasão, o ordenamento jurídico permite que o cidadão se valha, dentre as hipóteses constantes do rol fixado em lei, do foro em que lhe seja menos penosa a busca pela tutela jurisdicional. Ocorre que, quando da promulgação do Código de Processo Civil de 2015, optou-se por determinar que o autor, nas causas ajuizadas perante a União, deve propor a ação no foro de seu domicílio, no de ocorrência do ato ou fato que originou a demanda, no de situação da coisa ou no Distrito Federal. Veja-se, portanto, que ao invés de facultar ao autor a possibilidade de demandar em qualquer vara da seção judiciária de seu domicílio, o CPC/15 teria aparentemente restringido os foros competentes para ajuizamento de demandas contra a União. Fala-se, aqui, em restrição porque na mesma seção podem existir subseções que eventualmente abranjam a região de domicílio autor. Sendo assim, o CPC teria determinado que o autor se ativesse única e exclusivamente a um foro, afastando-o dos outros que compõem a seção judiciária. A esse respeito, e especificamente quando se adentra na seara das demandas previdenciárias, a questão da fixação da competência se torna ponto sensível, uma vez que as seções judiciárias contam as varas especializadas no tema, que, contudo, não necessariamente integram a subseção de domicílio do beneficiário. De acordo com a Constituição, portanto, o autor poderia se valer das varas especializadas, ao passo que, sob uma interpretação restritiva do dispositivo constante no CPC, o foro da subseção seria o único competente para processamento de suas demandas. Para resolver o aparente conflito de normas, deve ser considerada não apenas a expressa disposição constitucional, como, ainda, a lógica protetiva que se encontra por trás desta, já que, como se sabe, não pode a lei infraconstitucional opor-se à Carta Magna. Dito isso, reputa-se como viável o ajuizamento da demanda em qualquer um dos foros competentes, a critério do autor. Isso porque, na busca pela facilitação do acesso material à justiça, é possível que a parte hipossuficiente escolha ajuizar a demanda em local mais afastado do seu domicílio, mas que, precisamente em virtude da especialização, profira decisões mais técnicas, mais justas. (Paulo Henrique Lucon, Fixação de competência no direito brasileiro e foros concorrentes, Texto inédito) GRIFAMOS. Nesse particular, faz-se mister observar que tornar a justiça mais acessível ao segurado ou beneficiário não significa, necessariamente, permitir o ajuizamento das demandas no órgão jurisdicional mais próximo fisicamente do domicílio do autor. Uma das formas de concretizar o acesso à jurisdição – quiçá a mais efetiva - é permitir que o autor ajuíze sua demanda no foro da capital do estado-membro, ainda que mais distante do seu domicílio, pois a especialização das varas da capital pode se revelar mais relevante e benéfica para o autor do que a proximidade com a vara do interior, máxime no contexto atual de virtualização dos feitos. Nesse ponto, mostra-se oportuno transcrever as reflexões apresentadas pela Ministra Ellen Gracie no julgamento do RE 293.246-9, merecendo destaque, em razão do tema aqui enfrentado - a parte em que Sua Excelência sublinhou que a interiorização da Justiça Federal não se contrapõe à sua especialização, notadamente em prejuízo do hipossuficiente: A Sra. Ministra Ellen Gracie, A Sra. Ministra Ellen Gracie – Sr. Presidente, apenas gostaria de fazer algumas observações, porque me considero intitulada a tanto, tendo alguma experiência relativamente à interiorização da Justiça Federal. No período em que exerci a Presidência do Tribunal Federal da 4ª Região, a primeira instância da Justiça Federal foi praticamente dobrada – encontrei 71 varas federais e deixei a primeira instância com 65 varas a mais. Nesse esforço de ampliação, a maior ênfase foi dada à interiorização da Justiça, permitindo o acesso amplo dos cidadãos. A Justiça Federal é, muitas vezes, a última esperança dos hipossuficientes, como é o caso dos segurados da Previdência Social. Apesar disso, estou muito à vontade para acompanhar o eminente Relator quando ele reconhece a competência de uma das varas especializadas da Capital do Estado do Rio Grande do Sul. Comunico, também, a V. Exa., e ao Plenário que a cidade de Porto Alegre tem varas previdenciárias especializadas com grande atuação. Os juízes tornam-se realmente especializados na matéria e alguns deles já editaram livros sobre a matéria. As varas têm uma tramitação bastante acelerada. Isso não acontece apenas na Capital do Estado do Rio Grande do Sul, mas, também, nas Capitais de Santa Catarina e do Paraná. De certa forma, é natural que os segurados e os seus advogados procurem essas varas muito céleres, especializadas, em vez de permanecerem na vala comum de uma vara federal, no interior do Estado que, muitas vezes, como bem lembrado por vários Colegas, pode estar sobrecarregada com 20, 30 mil processos para, às vezes, um único juiz sem um substituto. Vejo que dois princípios se reúnem para nos permitirem decidir a questão dessa forma com o objetivo de facilitar a entrega da prestação jurisdicional, em tempo hábil, ao cidadão. Interiorização e especialização não são excludentes. Ademais, a exceção está posta na Constituição, podendo o segurado tanto valer-se dos serviços da Justiça Estadual, no foro do seu domicílio, quanto do foro federal. A interiorização da Justiça, como a especialização de varas, atendem exatamente ao mesmo propósito, ou seja, torna-la mais próxima do cidadão, mais célere e mais eficiente. De modo que, posta a hipótese com um cidadão domiciliado na comarca estadual de Horizontina, embora incluída na circunscrição judiciária mais ampla da Vara Federal de Santo Ângelo, está perfeitamente correto o endereçamento da sua ação previdenciária à 11ª Vara especializada de Porto Alegre. Não vejo realmente nenhuma incoerência, nenhuma agressão ao texto constitucional quando estamos, na verdade, ao assim decidir, coerentes com o espírito que ensejou essa norma, que é o de tornar a Justiça mais acessível ao cidadão. Pelo exposto, à luz do disposto no artigo 109, §§ 2º e 3º, da CF/88, é lícito concluir pela existência de um sistema de foros concorrentes, permanecendo válida a norma jurídica consolidada na Súmula 689, do E. STF, independentemente do disposto no CPC/2015. Não se desconhece que, estando-se diante de foros concorrentes, é preciso conciliar a legítima possibilidade de o autor escolher, dentre os foros competentes, aquele que repute mais favorável – o que é um direito potestativo seu - com o princípio da boa-fé processual, sendo este um freio àquele. Por tais razões, a doutrina desenvolveu, a partir do princípio do devido processo legal, as ideias de competência adequada e de foro não conveniente, como forma de impedir que a escolha do foro desemboque num abuso de direito - o que fica caracterizado, por exemplo, quando tal escolha dificulta a defesa do réu -, caso em que se faz possível o controle judicial. Sobre o tema, oportunas as lições de Fredie Didier Jr.: Há situações em que existem vários foros em princípio competentes para o conhecimento e julgamento de uma demanda; são os foros concorrentes. É absolutamente natural que, havendo vários foros competentes, o autor escolha aquele que acredita ser o mais favorável aos seus interesses. É do jogo, sem dúvida. O problema é conciliar o exercício desse direito potestativo com a proteção da boa-fé. Essa escolha não pode ficar imune à vedação ao abuso do direito, que é exatamente o exercício do direito contrário à boa-fé. [...] A existência de foros concorrentes significa que todos eles são igualmente competentes para, em tese, julgar um determinado tipo de demanda. Essa circunstância, porém, não impede que se controle in concreto o exercício do direito de escolha do foro que, se se revelar abusivo, deverá ser rechaçado pelo órgão jurisdicional, que sempre tem a competência de julgar a própria competência. (Didier Jr, Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento - 20. ed. - Salvador: Ed. Jus Podivm, 2018, p. 246/249) No caso, a escolha pela vara especializada da capital do estado não me parece configurar um abuso de direito do segurado ou beneficiário, justamente porque ela não enseja qualquer prejuízo à defesa, mas, ao revés, se alinha à estratégia da defesa do INSS, plasmada na Súmula 23, da AGU, a qual, conforme já demonstrado, foi recentemente consolidada no ano de 2018. A par disso, o trâmite das demandas previdenciárias em varas especializadas tende a trazer benefícios para o bom andamento e desate das controvérsias, até porque esse é o objetivo maior da especialização. Isso vai ao encontro do interesse tanto do INSS quanto do segurado ou beneficiário. Não diviso, tampouco, qualquer violação ao princípio do juiz natural, seja porque ambos os juízos são competentes para dirimir a controvérsia posta em deslinde, seja porque os recursos interpostos contra as decisões que venham a ser proferidas em qualquer um deles será apreciado pelo mesmo órgão de revisão, esta C. Corte. Ademais, o ajuizamento das ações previdenciárias na capital em detrimento do interior não significa, necessariamente, que aquelas demandas serão julgadas de forma mais ou menos célere. Há inúmeras circunstâncias e variáveis que determinam a efetiva duração do processo. Logo, não me parece que afastar a competência das varas especializadas tenha o condão de diminuir a duração do trâmite processual, de modo a impor tal providência em deferência aos princípios da eficiência ou duração razoável do processo. Sendo assim, com a devida venia daqueles que pensam em sentido contrário, entendo que a disposição constitucional não pode afastada por lei infraconstitucional e que a norma jurídica cristalizada na Súmula 689, do E. STF, permanece hígida, motivos pelos quais a decisão do MM Juízo da capital não pode subsistir. Ante o exposto, julgo PROCEDENTE o conflito suscitado, reconhecendo a competência da Subseção Judiciária de São Paulo/SP - 06ª Vara Federal Previdenciária para processar e julgar o feito de origem. É como voto.
[...]
É certo que vige no direito processual o princípio da boa-fé, que torna ilícito o abuso do direito. Também é certo que o devido processo legal impõe um processo adequado, que, dentre outros atributos, é aquele que se desenvolve perante um juízo adequadamente competente. A exigência de uma competência adequada é um dos corolários dos princípios do devido processo legal, da adequação e da boa-fé. Pode-se inclusive falar em um princípio da competência adequada.
E M E N T A
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO FEDERAL DA CAPITAL E JUÍZO FEDERAL DO INTERIOR. DECLARAÇÃO DE OFÍCIO DE INCOMPETÊNCIA TERRITORIAL E RELATIVA - IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA SÚMULA 33 DO STJ. RECONHECIDA A COMPETÊNCIA DA VARA ESPECIALIZADA DA CAPITAL. SUBSISTÊNCIA DA SÚMULA 689 DO STF NÃO SUPERADA PELO CPC/2015. INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 51, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC/2015 EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (ARTIGO 109, §§ 2 ° e 3°). CONFLITO DE COMPETÊNCIA PROCEDENTE.
1. A fixação de competências está prevista no Código de Processo Civil de 2015, em dispositivos que estabelecem que a competência pode ser determinada em razão da matéria, da pessoa ou da função, sendo, em regra, inderrogável, logo absoluta e suscetível de ser declarada de ofício; ou em razão do valor e do território, sendo, em regra, relativa, logo derrogável e insuscetível de ser declarada de ofício.
2. Apenas excepcionalmente a competência territorial assume feição absoluta e inderrogável, o que ocorre quando ela é estabelecida por razões de ordem pública.
3. No caso dos autos, a decisão de declinação de competência foi determinada por razões territoriais, já que fundamentado no fato de o autor residir numa cidade do interior, diversa daquela em que ajuizada a ação (capital).
4. Não configurada a excepcionalidade de competência territorial absoluta, eis que a competência não foi estabelecida por razões de ordem pública. A competência territorial nas ações previdenciárias, propostas pelos segurados e beneficiários contra o INSS, está baseada no reconhecimento normativo e jurisprudencial da hipossuficiência da parte autora, que presumidamente se encontra em situação de desvantagem em relação à Autarquia Previdenciária Federal. A possibilidade de escolha de um entre diversos foros concorrentes (previstos tanto no artigo 109, §§2° e 3°, da CF/88, quanto no artigo 51, do CPC/2015) é incompatível com a ideia de competência absoluta.
5. Tratando-se de incompetência territorial e relativa, não há possibilidade de o magistrado de vara previdenciária especializada localizada na capital do estado, de ofício, reconhecer a sua incompetência para processar e julgar feito, determinando sua remessa para o juízo federal da cidade do domicílio do autor, pois este reconhecimento está condicionado à arguição expressa pelo réu, nos termos do entendimento consolidado na Súmula 33 do E. Superior Tribunal de Justiça.
6. A falta de arguição da incompetência do juízo da vara especializada da capital, pelo INSS, é uma opção processual pautada na orientação da Advocacia Geral da União que consolidou, desde 2006, pela Súmula 23, o entendimento no sentido de que é facultado ao autor domiciliado em cidade do interior, o aforamento de ação contra a União também na sede da respectiva Seção Judiciária (capital do Estado-membro). Embora editada sob égide do CPC/1973, não há dúvidas sobre a vigência da Súmula 23 da AGU, já que foi publicada no Diário Oficial da União em 12 de fevereiro de 2019, no corpo de orientações consolidadas e válidas.
7. A decisão de declínio de competência contraria, também, o entendimento consolidado na Súmula 689, do E. Supremo Tribunal Federal, que não foi superado pelo artigo 51, parágrafo único, do CPC/2015, especialmente porque os precedentes que lhe deram origem não decorriam da interpretação do dispositivo pertinente do antigo CPC/1973, mas sim diretamente do artigo 109, §§ 2 ° e 3°, da CF/88.
8. O artigo 51, parágrafo único, do CPC/2015 é norma infraconstitucional que não pode afastar uma previsão constitucional (artigo 109, §§ 2 ° e 3°, a CF/88), que, com a finalidade garantir o efetivo acesso à justiça, autoriza o segurado a ajuizar a ação contra o INSS tanto no foro do seu domicílio quanto no da capital,
9. A escolha pela vara especializada da capital do estado encontra amparo na previsão normativa de foros concorrentes, não configurando abuso de direito do segurado ou beneficiário, porque não lhe confere vantagem ilegítima, nem ensejando qualquer prejuízo à defesa, já que há entendimento oficial expresso na Súmula 23 da AGU, reconhecendo o direito de escolha do segurado.
10. Não se divisa qualquer violação ao princípio do juiz natural, seja porque ambos os juízos são competentes para dirimir a controvérsia posta em deslinde, seja porque os recursos interpostos contra as decisões que venham a ser proferidas em qualquer um deles serão apreciados pelo mesmo órgão de revisão, esta C. Corte.
11. O trâmite das demandas previdenciárias em varas especializadas tende a trazer benefícios para o bom andamento e deslinde das controvérsias, objetivo maior da especialização.
12. Procedência do conflito suscitado, reconhecendo a competência da Subseção Judiciária de São Paulo/SP – 06ª. Vara Federal Previdenciária para processar e julgar o feito de origem.