APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006355-56.2017.4.03.6100
RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA
APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
APELADO: CARMEN DE BARROS FORNI
Advogado do(a) APELADO: VANESSA OLIVEIRA NARDELLA DOS ANJOS - SP181483-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006355-56.2017.4.03.6100 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL APELADO: CARMEN DE BARROS FORNI Advogado do(a) APELADO: VANESSA OLIVEIRA NARDELLA DOS ANJOS - SP181483-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de remessa oficial e apelação fazendária à sentença concessiva de ordem, em mandado de segurança impetrado para obstar retenção de imposto de renda sobre o resgate de valores investidos em plano VGBL ("Vida Gerador de Benefícios Livre"), em razão de diagnóstico de patologia correspondente ao CID I64 – Acidente Vascular Cerebral, moléstia grave prevista como ensejadora de isenção do tributo sobre proventos de aposentadoria, nos termos da Lei 7.713/1988. Alegou o órgão fazendário, em síntese, que: (1) o plano VGBL, diferentemente do PGBL, não caracteriza previdência complementar, mas sim seguro de caráter pessoal, tanto que regulamentado pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), na forma da Resolução 140/2005; (2) o sítio eletrônico da SUSEP igualmente esclarece que o VGBL é seguro de vida; e (3) uma vez enquadrado como seguro de pessoas, os rendimentos percebidos não são passíveis de isenção, já que a interpretação do conteúdo do artigo 6º, XIV, da Lei 7.713/1988 (que aborda apenas provento de aposentadoria e reforma) deve ser literal (artigo 111, do CTN). Sem contrarrazões, subiram os autos a esta Corte. O Ministério Público Federal opinou pelo regular prosseguimento do feito. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006355-56.2017.4.03.6100 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL APELADO: CARMEN DE BARROS FORNI Advogado do(a) APELADO: VANESSA OLIVEIRA NARDELLA DOS ANJOS - SP181483-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Senhores Desembargadores, cumpre, por primeiro, esclarecer que não integra a controvérsia nestes autos a subsunção da patologia que acomete a apelada aos modais elencados no artigo 6º, XIV, da Lei 7.713/1988. Com efeito, foi carreada ao feito prova documental da publicação em diário oficial de laudo médico, lavrado no âmbito do Instituto de Pagamentos Especiais de São Paulo (IPESP), reconhecendo o direito da impetrante à isenção de imposto de renda pelo enquadramento da doença contraída (CID I 64) no rol do referido dispositivo (IDs. 124102072 e 124102073). Nesta linha, o escopo do feito restringe-se, unicamente, ao cabimento da aplicabilidade deste benefício aos resgates de valores aplicados em plano VGBL, usualmente referido como modalidade de previdência complementar. Primeiramente, cumpre destacar ser pacífico na jurisprudência atual do Superior Tribunal de Justiça que o investimento VGBL possui natureza securitária. Neste sentido: AgInt nos EDcl no AREsp 947.006, Rel. Des. Fed. Conv. LÁZARO GUIMARÃES DJe 21/05/2018: "AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INVENTÁRIO. VALORES DEPOSITADOS EM PLANO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA (VGBL). DISPENSA DE COLAÇÃO. NATUREZA DE SEGURO DE VIDA. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. 1. O Tribunal de origem, ao concluir que o Plano de Previdência Privada (VGBL), mantido pela falecida, tem natureza jurídica de contrato de seguro de vida e não pode ser enquadrado como herança, inexistindo motivo para determinar a colação dos valores recebidos, decidiu em conformidade com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça. 2. Nesse sentido: REsp 1.132.925/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe de 06/11/2013; REsp 803.299/PR, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Rel. p/ acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe de 03/04/2014; EDcl no REsp 1.618.680/MG, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, DJe de 1º/08/2017. 3. Inexistindo no acórdão recorrido qualquer descrição fática indicativa de fraude ou nulidade do negócio jurídico por má-fé dos sujeitos envolvidos, conclusão diversa demandaria, necessariamente, incursão na seara fático-probatória dos autos, providência vedada no recurso especial, a teor do disposto na Súmula 7/STJ. 4. Agravo interno não provido." Contudo, observando-se os termos da sentença, colhe-se que esta circunstância foi expressamente admitida pelo Juízo a quo. A concessão da ordem, em verdade, decorreu de argumento sequer atacado no apelo, centrado no fato de que há norma legal caracterizando tal investimento como plano de previdência complementar: "(...) Isso porque nos termos da Resolução n. 140/2005 do Conselho Nacional de Seguros Privados, o VGBL é espécie de seguro de vida com cobertura de sobrevivência mediante o pagamento de remuneração baseada na rentabilidade do(s) fundo(s) de investimento em que aplicados os recursos, e estruturado em contribuição variável (art. 2º c/c art. 7º, I), o que o enquadra como plano de benefício de caráter previdenciário nos termos da Lei n. 11.053/2004, que institui a opção pela tributação regressiva de Imposto de Renda nesses planos, conforme se extrai de seus artigos 1º, caput, e 1º, §1º, inciso II, in verbis: (...) Desta forma, se a legislação reconhece o caráter previdenciário para esse fim, há de reconhecê-lo igualmente para as demais consequências dessa classificação, como a isenção prevista no inciso XIV do artigo 6º da Lei n. 7.713/1988, afigurando-se írrita a recusa em reconhecer a exclusão tributária à autora no que tange ao imposto de renda incidente sobre o resgate de seu plano VGBL, tendo em vista que foi devidamente constatada moléstia grave por laudo com validade definitiva oriundo do IPESP, órgão oficial do Governo do Estado de São Paulo (ID 1284281), com a concessão, pelo mesmo órgão, de isenção de IR sobre os proventos de aposentadoria (ID 1284291)." É certo que a Resolução CNSP 140/2005 foi revogada pela Resolução CNSP 348/2017, porém tais dispositivos mantiveram idêntica correspondência na nova regulamentação., conforme abaixo elucidado: "Art. 2º A cobertura por sobrevivência de que trata esta Resolução é estruturada sob o regime financeiro de capitalização e tem por finalidade o pagamento do capital segurado, de uma única vez ou sob forma de renda, a pessoas físicas vinculadas ou não a um estipulante. Parágrafo único. Ressalvado o caso de concessão de renda imediata, adquirida mediante pagamento único, o evento gerador do pagamento do capital segurado de que trata o caput será sempre a sobrevivência do segurado ao período de diferimento contratualmente previsto. (...) Art. 7º Os planos serão dos seguintes tipos: I – Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL), quando, durante o período de diferimento, a remuneração da Provisão Matemática de Benefícios a Conceder for baseada na rentabilidade da(s) carteira(s) de investimentos de FIE(s), no(s) qual(is) esteja(m) aplicada(s) a totalidade dos respectivos recursos, sem garantia de remuneração mínima e de atualização de valores e sempre estruturado na modalidade de contribuição variável; (...)" As normas referidas pertencentes à Lei 11.053/2004 prescrevem, por sua vez, que (grifos nossos): "Art. 1º É facultada aos participantes que ingressarem a partir de 1º de janeiro de 2005 em planos de benefícios de caráter previdenciário, estruturados nas modalidades de contribuição definida ou contribuição variável, das entidades de previdência complementar e das sociedades seguradoras, a opção por regime de tributação no qual os valores pagos aos próprios participantes ou aos assistidos, a título de benefícios ou resgates de valores acumulados, sujeitam-se à incidência de imposto de renda na fonte às seguintes alíquotas: § 1º O disposto neste artigo aplica-se: (...) II - aos segurados que ingressarem a partir de 1º de janeiro de 2005 em planos de seguro de vida com cláusula de cobertura por sobrevivência em relação aos rendimentos recebidos a qualquer título pelo beneficiário." Diante deste cenário, uma vez que a Corte Superior igualmente possui posicionamento pacífico em relação à subsunção dos valores percebidos em decorrência de plano de previdência complementar à norma isentiva (v. g., AgInt no REsp 1.554.683, Rel. Min. GURGEL DE FARIA, DJe 29/06/2018; REsp 1.507.320, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, DJe 20/02/2015), o feito foi julgado procedente. Ora, neste caso, não há que se cogitar que a conclusão da sentença decorre de interpretação extensiva de benefício fiscal. Trata-se, em verdade, de mero silogismo lógico-normativo: se a lei admite isenção sobre proventos de aposentadoria, e há lei que caracteriza o VGBL como plano de previdência complementar, conclui-se que os resgastes de VGBL são aptos ao gozo da isenção fiscal. Não há como se admitir, por outro lado, que a fenomenologia de fatos e negócios jurídicos seja modificada livremente pela legislação para aplicação exclusiva no que for do interesse do Fisco. A consistência interna do ordenamento tributário exige trato uniforme dos institutos e conceitos manejados para definição das regras de incidência nas normas de regulamentação e tributação. Por fim, veja-se que nada há a impedir, por princípio, que, preservado este parâmetro de consistência, determinado investimento possua natureza jurídica dúplice (securitária e previdenciária). De outra parte, o fato de que os planos VGBL são regulamentados pelo CNSP não induz qualquer óbice: os planos PGBL, em relação aos quais é pacífica a caracterização de previdência complementar, também o são e, neste sentido, cabe citar, a título de exemplo, a Resolução CNSP 349/2017, que possui extensa regulamentação a respeito de tais investimentos. Ante ao exposto, nego provimento ao apelo fazendário e à remessa oficial. É como voto.
E M E N T A
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. PESSOA FÍSICA. ISENÇÃO. MOLÉSTIA GRAVE. LEI 7.713/1988, ARTIGO 6º, XIV. VALORES DE RESGATE DE PLANO VGBL. NATUREZA JURÍDICA DÚPLICE. CARACTERIZAÇÃO LEGAL COMO PROVENTO PREVIDENCIÁRIO COMPLEMENTAR. RECURSO DESPROVIDO.
1. É pacífico na jurisprudência atual do Superior Tribunal de Justiça que o investimento VGBL possui natureza securitária. De sua parte, a Lei 11.053/2004 expressamente, caracteriza como "plano de benefício de caráter previdenciário" os "planos de seguro de vida com cláusula de cobertura por sobrevivência em relação aos rendimentos recebidos a qualquer título pelo beneficiário" (Art. 1º, § 1º, II), ao que corresponde, exatamente, a definição dos investimentos "Vida Gerador de Benefício Livre" (VGBL), nos termos da Resolução CNSP 348/2017 (artigo 2º, combinado com artigo 7º, I).
2. Não há que se cogitar de interpretação extensiva de benefício fiscal. Trata-se, em verdade, de mero silogismo lógico-normativo: se a lei admite isenção sobre proventos de aposentadoria, e há lei a caracterizar o VGBL como plano de previdência complementar (que, por sua vez, segundo entendimento igualmente pacífico da Corte Superior, estão albergados na previsão do artigo 6º, XIV da Lei 7.713/1988), conclui-se que os resgastes de VGBL enquadram-se na isenção fiscal.
3. Não há como se admitir, por outro lado, que a fenomenologia de fatos e negócios jurídicos seja modificada livremente pela legislação para aplicação exclusiva no que for do interesse do Fisco. A consistência interna do ordenamento tributário exige trato uniforme dos institutos e conceitos manejados para definição das regras de incidência nas normas de regulamentação e tributação. Por outro lado, nada há a impedir, por princípio, que, preservado tal parâmetro de consistência, possa determinado investimento possuir natureza jurídica dúplice (securitária e previdenciária).
4. Apelo fazendário e remessa oficial desprovidos.