APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003653-62.2012.4.03.6113
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: MARCOS ANTONIO PAVANE
Advogado do(a) APELANTE: KLEBER ALLAN FERNANDEZ DE SOUZA ROSA - SP248879-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003653-62.2012.4.03.6113 RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA APELANTE: MARCOS ANTONIO PAVANE Advogado do(a) APELANTE: KLEBER ALLAN FERNANDEZ DE SOUZA ROSA - SP248879-A APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Trata-se de ação ajuizada em 19/12/12 em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, visando à concessão da aposentadoria especial ou por tempo de contribuição desde a data do requerimento administrativo ou do ajuizamento da ação, mediante “[o] reconhecimento dos períodos de trabalho laborado pelo autor, em atividades especiais, COM registro em carteira, nas empresas: VULCABRÁS S/A INDÚSTRIA E COMÉRCIO (ajudante de fabricação - 19.1.1984 a 29.9.1988), VULCABRÁS S/A INDÚSTRIA E COMÉRCIO (ajudante de fabricação - 1°.10.1988 a 30.4.1990), VULCABRÁS S/A INDÚSTRIA E COMÉRCIO (revisor de qualidade no acabamento - 1°.5.1990 a 5.11.1993), VACANCES ARTEFATOS DE COURO LTDA. (encarregado de expedição - 24.6.1994 a 3.2.2005), M. L. FUGA RAHMEH & CIA. LTDA. (expedidor - 1°.8.2005 a 17.10.2005), AGLIZIA AGÊNCIA DE EMPREGOS TEMPORÁRIOS LTDA. (expedidor - 19.10.2005 a 16.4.2006), SAN GENARO INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE CALÇADOS LTDA. (expedidor - 17.4.2006 a 14,6.2006), J. CARLOS GOMES CALÇADOS - ME (expedidor - 10.7.2006 a 4.6.2008), J. CARLOS GOMES CALÇADOS - ME (expedidor - 15.1.2009 a 31.7.2009), POINT SHOES LTDA. (líder de expedição - 5.8.2009 a 2.11.2009) e KADMO INDÚSTRIA DE CALÇADOS LTDA. - EPP (revisor - 10.2.2010 a 27.1.2012)” (ID 107937847, p. 31). Requer, ainda, indenização por dano moral. Foram deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita. A parte autora interpôs agravo retido “em face da r. decisão proferida nos autos (fls. 204), pela qual foi suspensa ou indeferida a produção da prova pericial requerida” (ID 107937847, p. 212). O Juízo a quo julgou improcedente o pedido. Inconformada, apelou a parte autora, requerendo, preliminarmente, “a análise do agravo retido com a consequente anulação da r. sentença proferida, com retorno dos autos ao Juízo a quo, oportuna realização da perícia técnica requerida pelo autor para verificação da insalubridade alegada, e posterior prolação de nova decisão” (ID 107937839, p. 37). No mérito, pleiteia o reconhecimento do caráter especial das atividades exercidas nos períodos mencionados na petição inicial, bem como a concessão da aposentadoria especial ou por tempo de contribuição a partir da data do requerimento administrativo ou do ajuizamento da ação. Caso necessário, requer o cômputo dos períodos trabalhados após o ajuizamento da ação. Com contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte. Foi determinada a suspensão do feito, tendo em vista a decisão proferida pela Primeira Seção do C. Superior Tribunal de Justiça, na Proposta de Afetação no Recurso Especial nº 1.727.063/SP, que trata da possibilidade (ou não) de reafirmação da DER (data da entrada do requerimento), computando-se período posterior ao ajuizamento da ação, para fins de implementação dos requisitos necessários à concessão de benefício previdenciário. Tendo em vista o julgamento do mencionado Recurso Especial Repetitivo, foi efetuado o levantamento do sobrestamento. É o breve relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003653-62.2012.4.03.6113 RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA APELANTE: MARCOS ANTONIO PAVANE Advogado do(a) APELANTE: KLEBER ALLAN FERNANDEZ DE SOUZA ROSA - SP248879-A APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Conforme dispõe o inciso LV, do art. 5º, da Constituição Federal: "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes". (grifei). Por sua vez, o art. 370 do CPC/15 dispõe: "Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito. Parágrafo único. O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias." (grifei) É de se recordar que o princípio constitucional do devido processo legal impõe que se conceda aos litigantes o direito à produção de provas, devendo facultar-se amplos meios para que se possa comprovar os fatos que amparam o direito disputado em juízo. Eduardo Couture, revelando profunda visão sobre o aspecto constitucional do direito processual, enunciou que "A lei instituidora de uma forma de processo não pode privar o indivíduo de razoável oportunidade de fazer valer seu direito, sob pena de ser acoimada de inconstitucional" (BARACHO, José Alfredo de Oliveira; Teoria Geral do Processo Constitucional in Revista de Direito Constitucional e Internacional, vol. 62, p. 135, Jan/2008). Sobre o direito à prova, esclarece Cândido Rangel Dinamarco: "Direito à prova é o conjunto de oportunidades oferecidas à parte pela Constituição e pela lei, para que possa demonstrar no processo a veracidade do que afirmam em relação aos fatos relevantes para o julgamento. (...) A imensa importância da prova na experiência do processo erigiu o direito à prova em um dos mais respeitados postulados inerentes à garantia política do devido processo legal, a ponto de se constituir em um dos fundamentais pilares do sistema processual contemporâneo. Sem sua efetividade não seria efetiva a própria garantia constitucional do direito ao processo. (...) No plano infraconstitucional o direito à prova está indiretamente afirmado pelo art. 332 do Código de Processo Civil (...) Na Constituição, o direito à prova é inerência do conjunto de garantias do justo processo, que ela oferece ao enunciar os princípios do contraditório e ampla defesa, culminando por assegurar a própria observância destes quando garante a todos o due processo of law (art. 5º, incs. LIV e LV - supra, nn. 94 e 97). Pelo aspecto constitucional, direito à prova é a liberdade de acesso às fontes e meios segundo o disposto em lei e sem restrições que maculem ou descaracterizem o justo processo." (Instituições de Direito Processual Civil, vol. III, 6ª ed., Malheiros: São Paulo, 2009, pp. 46/47, grifos meus) Com efeito, incabível impedir que o segurado possa comprovar por perícia que efetivamente houve a exposição a fatores de risco. A legislação previdenciária colocou a cargo da empresa empregadora a elaboração do laudo técnico comprobatório da especialidade. Se a empresa, porém, deixa de elaborar o laudo, e, ao mesmo tempo, é negado ao segurado o direito de fazer prova do fator de risco, a ação proposta por este estará fatalmente fadada ao insucesso. Não por não fazer o segurado jus ao direito material reclamado; mas simplesmente por ter sido privado dos meios capazes de comprovar que o labor se deu em condições nocivas. Devido registrar, outrossim, que o C. STJ também admite que o caráter especial do trabalho exercido seja comprovado por meio de prova pericial por similaridade, realizada em empresa com características semelhantes àquela em que se deu a prestação da atividade, caso a mesma não esteja mais em funcionamento. Neste sentido, os seguintes precedentes: "PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. SÚMULA 284/STF. CÔMPUTO DE TEMPO ESPECIAL. PROVA TÉCNICA. PERÍCIA POR SIMILARIDADE. CABIMENTO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE E NESSA PARTE PROVIDO. (...) 2. A tese central do recurso especial gira em torno do cabimento da produção de prova técnica por similaridade, nos termos do art. 429 do CPC e do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/1991. 3. A prova pericial é o meio adequado e necessário para atestar a sujeição do trabalhador a agentes nocivos à saúde para seu enquadramento legal em atividade especial. Diante do caráter social da previdência, o trabalhador segurado não pode sofrer prejuízos decorrentes da impossibilidade de produção da prova técnica. 4. Quanto ao tema, a Segunda Turma já teve a oportunidade de se manifestar, reconhecendo nos autos do Recurso Especial 1.397.415/RS, de Relatoria do Ministro Humberto Martins, a possibilidade de o trabalhador se utilizar de perícia produzida de modo indireto, em empresa similar àquela em que trabalhou, quando não houver meio de reconstituir as condições físicas do local onde efetivamente prestou seus serviços. 5. É exatamente na busca da verdade real/material que deve ser admitida a prova técnica por similaridade. A aferição indireta das circunstâncias de labor, quando impossível a realização de perícia no próprio ambiente de trabalho do segurado é medida que se impõe. 6. A perícia indireta ou por similaridade é um critério jurídico de aferição que se vale do argumento da primazia da realidade, em que o julgador faz uma opção entre os aspectos formais e fáticos da relação jurídica sub judice, para os fins da jurisdição. 7. O processo no Estado contemporâneo tem de ser estruturado não apenas consoante as necessidades do direito material, mas também dando ao juiz e à parte a oportunidade de se ajustarem às particularidades do caso concreto. 8. Recurso especial conhecido em parte e nessa parte provido." (REsp nº 1.370.229, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, v.u., j. 25/02/14, DJe 11/03/14, grifos meus) "PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE ESPECIAL. CONFIGURAÇÃO. PERÍCIA INDIRETA EM EMPRESA SIMILAR. LOCAL DE TRABALHO ORIGINÁRIO INEXISTENTE. POSSIBILIDADE. 1. 'Mostra-se legítima a produção de perícia indireta, em empresa similar, ante a impossibilidade de obter os dados necessários à comprovação de atividade especial, visto que, diante do caráter eminentemente social atribuído à Previdência, onde sua finalidade primeira é amparar o segurado, o trabalhador não pode sofrer prejuízos decorrentes da impossibilidade de produção, no local de trabalho, de prova, mesmo que seja de perícia técnica'. (REsp 1.397.415/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 20.11.2013). 2. Agravo Regimental não provido." (AgRg no REsp nº 1.422.399, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, v.u., j. 18/03/14, DJe 27/03/14, grifos meus) Observo que, não obstante os documentos acostados aos autos, é impositiva a anulação da sentença, para que seja produzida a prova pericial nas respectivas empregadoras ou em empresas similares, caso as primeiras não estejam mais em funcionamento, a fim de aferir o caráter especial das atividades desenvolvidas nos períodos de 19/1/84 a 29/9/88, 1º/10/88 a 30/4/90, 1º/5/90 a 5/11/93, 24/6/94 a 3/2/05, 19/10/05 a 16/4/06, 17/4/06 a 14/6/06, 10/7/06 a 4/6/08, 15/1/09 a 31/7/09 e 10/2/10 a janeiro/13. Cumpre ressaltar que não é possível concluir que as atividades exercidas pelo autor e seus locais de trabalho eram semelhantes aos apurados pelo Laudo Técnico Pericial elaborado por solicitação do Sindicato dos Empregados nas Indústrias de Calçados de Franca/SP (ID 107937847, p. 85/102), uma vez que este é demasiado genérico, tendo como parâmetro "diversas empresas pertencentes à base de trabalhadores do Sindicato dos Empregados nas Indústrias de Calçados de Franca, abrangendo empresas pequenas, médias e grandes" (ID 107937847, p. 89), cujos nomes e características não são sequer indicados. Ademais, seu conteúdo não reflete as condições de trabalho de todas as empresas do setor de calçados, mas "traduzem as condições gerais dos ambientes de trabalho dos empregados nas Indústrias de Calçados de Franca, uma vez que, na grande maioria das empresas, são utilizados processos produtivos, insumos industriais (colas, vernizes, tintas, thinners, halogênicos, etc), máquinas e equipamentos similares" (ID 107937847, p. 90). Por sua vez, as Fichas de Informação de Segurança de Produto Químico - FISPQ elaboradas pela Petrobrás, pela CETESB e pela Amazonas Produtos para Calçados Ltda. limitam-se a informar as características e os riscos de alguns produtos químicos, mas não mencionam que o demandante estava exposto a eles durante o exercício de suas funções. Ressalto, por oportuno, que já foi realizada a perícia nas empresas M. L. Fuga Rahmh & Cia. Ltda. e Point Shoes Ltda., cujo Laudo Pericial encontra-se no documento ID 107937848, p. 5/11, tendo fornecido os elementos necessários para a análise do caráter especial das atividades exercidas nos períodos de 1º/8/05 a 17/10/05 e 5/8/09 a 2/11/09. Ante o exposto, dou provimento ao agravo retido e à apelação para anular a sentença recorrida, determinando o retorno dos autos à Vara de Origem para fins de produção da prova pericial. É o meu voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROVA PERICIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADO.
I- O inciso LV, do art. 5º, da Constituição Federal dispõe que "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".
II- O princípio constitucional do devido processo legal impõe que se conceda aos litigantes o direito à produção de provas, devendo facultar-se amplos meios para que se possa comprovar os fatos que amparam o direito disputado em juízo. Segundo Eduardo Couture, "A lei instituidora de uma forma de processo não pode privar o indivíduo de razoável oportunidade de fazer valer seu direito, sob pena de ser acoimada de inconstitucional" (BARACHO, José Alfredo de Oliveira; Teoria Geral do Processo Constitucional in Revista de Direito Constitucional e Internacional, vol. 62, p. 135, Jan/2008).
III- Não obstante os documentos acostados aos autos, é impositiva a anulação da sentença, para que seja produzida a prova pericial nas respectivas empregadoras ou em empresas similares, caso as primeiras não estejam mais em funcionamento, a fim de aferir o caráter especial das atividades desenvolvidas nos períodos de 19/1/84 a 29/9/88, 1º/10/88 a 30/4/90, 1º/5/90 a 5/11/93, 24/6/94 a 3/2/05, 19/10/05 a 16/4/06, 17/4/06 a 14/6/06, 10/7/06 a 4/6/08, 15/1/09 a 31/7/09 e 10/2/10 a janeiro/13.
IV- Agravo retido e apelação providos.