APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0017526-82.2010.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA LEILA PAIVA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: GILSON RODRIGUES DE LIMA - SP81812-A
APELADO: APARECIDO FERREIRA
Advogado do(a) APELADO: JOSE BRUN JUNIOR - SP128366-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0017526-82.2010.4.03.9999 RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA LEILA PAIVA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS Advogado do(a) APELANTE: GILSON RODRIGUES DE LIMA - SP81812-A APELADO: APARECIDO FERREIRA Advogado do(a) APELADO: JOSE BRUN JUNIOR - SP128366-N OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de remessa necessária e apelação do INSS interpostas em face de sentença que julgou PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado na presente ação, para determinar a conversão do tempo de serviço em atividade especial no período exercido na função de tratorista (20/05/1987 a 28/04/1995). Em razão da sucumbência recíproca (artigo 21, do Código de Processo Civil), as partes foram condenadas a arcar com metade das custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios dos respectivos patronos, observado o disposto no art. 12 da Lei de Assistência Judiciária, para a parte autora. Em suas razões recursais, o INSS requer a apreciação das preliminares argüidas em sede de contestação. Alega que a conversão do tempo de serviço somente é aplicável aos benefícios cujo direito foi adquirido até a EC n. 20/98. Afirma que não há nos autos prova da insalubridade. Por fim, requer o prequestionamento das matérias suscitadas. Intimado, o apelado não apresentou contrarrazões. É o relatório.
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0017526-82.2010.4.03.9999 RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA LEILA PAIVA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS Advogado do(a) APELANTE: GILSON RODRIGUES DE LIMA - SP81812-A APELADO: APARECIDO FERREIRA Advogado do(a) APELADO: JOSE BRUN JUNIOR - SP128366-N OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A Excelentíssima Senhora Juíza Federal convocada Leila Paiva (Relatora): Do reexame necessário e do recurso de apelação A súmula 325 do Colendo Superior Tribunal de Justiça dispõe que: "A remessa oficial devolve ao Tribunal o reexame de todas as parcelas da condenação suportadas pela Fazenda Pública, inclusive dos honorários de advogado." No entanto, após a edição da Lei nº 10.352, de 26/12/2001, a remessa oficial passou a ser dispensada por força da norma do incluso § 2º ao artigo 475 do CPC/73, que dispôs: “Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor”. No caso dos autos, ajuizada a ação em 28/04/2003, com valor atribuído à causa de R$ 2.880,00 (ID 90063665, pág. 5), verifica-se que não ultrapassa o montante correspondente a 60 (sessenta) salários mínimos, razão pela qual não deve ser conhecida a remessa oficial. Além disso, a r. sentença limitou-se a declarar o direito do autor à conversão do período trabalhado na função de tratorista em atividade especial (20 de maio de 1987 a 28 de abril de 1995), de modo que, devido a sua natureza eminentemente declaratória, afasta-se a incidência do § 2º do artigo 475 do CPC/73, a par do valor atribuído à causa Nesse sentido, é o seguinte julgado proferido por esta Egrégia Turma: PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. APOSENTADORIA ESPECIAL. RUÍDO. ESPECIALIDADE RECONHECIDA. BENEFÍCIO - Sentença prolatada após a alteração do art. 475, § 2º, do Código de Processo Civil de 1973 pela Lei n. 10.352/2001, que afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação for inferior a 60 (sessenta) salários-mínimos. Sentença meramente declaratória. Valor da causa inferior ao limite legal. - Demonstrado, pelo conjunto probatório dos autos, o labor, de forma habitual e permanente, a ruído considerado prejudicial à saúde no período de 19/11/2003 a 19/12/2011, devendo ser reconhecida sua especialidade. - Apelação desprovida. (TRF 3ª Região, NONA TURMA, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 2136270 - 0001469-32.2013.4.03.6103, Rel. JUÍZA CONVOCADA VANESSA MELLO, julgado em 03/07/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:18/07/2019) Passo ao exame do recurso de apelação interposto pelo INSS. Das preliminares Quanto às preliminares suscitadas, verifico que foram bem afastadas pela r. sentença, razão pela qual reitero os fundamentos nela explanados. Outrossim, por se confundirem com o mérito, com ele serão analisadas. Do mérito. Do trabalho em condições especiais A aposentadoria especial é o benefício previdenciário concedido ao trabalhador que exerce suas atividades laborais exposto a agentes nocivos, que podem causar algum prejuízo à sua saúde e integridade física ou mental ao longo do tempo. A Lei nº 8.213, de 24/07/1991, em seu artigo 57, estabelece que: "A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei (180 contribuições), ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei". A Lei 9.032/95 deu nova redação ao artigo 57, §§ 3º e 4º, da Lei Lei nº 8.213, de 24/07/1991, afastando a possibilidade de presunção de insalubridade, e tornando necessária a comprovação da efetiva exposição a agentes prejudiciais à saúde ou integridade física do segurado. Além disso, definiu que deve ser permanente, não ocasional nem intermitente, o tempo trabalhado em condições especiais. Porém, consoante entendimento consolidado pelos Tribunais, a relação de atividades consideradas insalubres, perigosas ou penosas constantes em regulamento é meramente exemplificativa, sendo possível o reconhecimento da periculosidade do labor executado mediante comprovação nos autos. Com efeito, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp n. 1.306.113/SC, em sede de recurso repetitivo (art. 543-C, do CPC/73), firmou a tese 534 pacificando que "as normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro, desde que o trabalho seja permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais (art. 57, § 3º, da Lei 8.213/1991)".. Diante das várias alterações dos quadros de agentes nocivos nos regulamentos próprios, a jurisprudência consolidou o entendimento no sentido da aplicação do princípio tempus regit actum, reconhecendo-se como especiais os períodos trabalhados se, na época respectiva, a legislação de regência os reputava como tal. Do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) As condições de trabalho podem ser provadas pelos instrumentos previstos nas normas de proteção ao ambiente laboral, sem prejuízos de outros meios de prova. Com a edição da Instrução Normativa INSS/PRES n.º 77, de 21/01/2015, do INSS, estabelecendo, em seu art. 260, que: "Consideram-se formulários legalmente previstos para reconhecimento de períodos alegados como especiais para fins de aposentadoria, os antigos formulários em suas diversas denominações, sendo que, a partir de 1º de janeiro de 2004, o formulário a que se refere o § 1º do art. 58 da Lei nº 8.213, de 1991, passou a ser o PPP"., tornou-se obrigatório o fornecimento aos segurados expostos a agentes nocivos do PPP - Perfil Profissiográfico Previdenciário, documento que retrata o histórico laboral do segurado, evidencia os riscos do respectivo ambiente de trabalho e consolida as informações constantes nos instrumentos previstos nas normas de proteção ao ambiente laboral. Da conversão do tempo de trabalho A conversão do tempo de trabalho de comum em especial deve obedecer à legislação vigente no momento do respectivo requerimento administrativo, conforme já cristalizado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp n.1.310.034/PR, em sede de recurso representativo de controvérsia (art. 543-C, do CPC/73), no qual se firmou a seguinte tese 546: "A lei vigente por ocasião da aposentadoria é a aplicável ao direito à conversão entre tempos de serviço especial e comum, independentemente do regime jurídico à época da prestação do serviço". Ressalte-se que, para efeito de concessão desse benefício, poderá ser considerado o tempo de serviço especial prestado em qualquer época, o qual será convertido em tempo de atividade comum, à luz do disposto no art. 70, § 2º, do atual Regulamento da Previdência Social (Decreto n.º 3.048/1999): "As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum constantes deste art., aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período". Inexiste, pois, limitação à conversão em comento quanto ao período laborado, havendo a E. Terceira Seção do Colendo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp n. 1.151.363/MG, em sede de recurso repetitivo, (Rel. Ministro JORGE MUSSI, j. 23/03/2011, DJe 05/04/2011) firmado as teses 422 e 423 nos seguintes termos. Tese 422: Permanece a possibilidade de conversão do tempo de serviço exercido em atividades especiais para comum após 1998, pois a partir da última reedição da MP n. 1.663, parcialmente convertida na Lei 9.711/1998, a norma tornou-se definitiva sem a parte do texto que revogava o referido § 5º do art. 57 da Lei n. 8.213/1991. Tese 423: A adoção deste ou daquele fator de conversão depende, tão somente, do tempo de contribuição total exigido em lei para a aposentadoria integral, ou seja, deve corresponder ao valor tomado como parâmetro, numa relação de proporcionalidade, o que corresponde a um mero cálculo matemático e não de regra previdenciária". Portanto, em resumo, a aposentadoria especial será concedida ao segurado que comprovar ter exercido trabalho permanente em ambiente no qual estava exposto a agente nocivo à sua saúde ou integridade física. O agente nocivo deve, em regra, assim ser definido em legislação contemporânea ao labor, admitindo-se excepcionalmente que se reconheça como nociva a sujeição do segurado a agente não previsto em regulamento, desde que comprovada a sua efetiva prejudicialidade. O labor deve ser exercido de forma habitual e permanente, com exposição do segurado ao agente nocivo indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço. As condições de trabalho podem ser provadas pelos instrumentos previstos nas normas de proteção ao ambiente laboral ou outros meios de prova. Do caso dos autos Pela r. sentença foi reconhecido como especial o período de 20/05/1987 a 28/04/1995, laborado na Fazenda Jamaica na função de tratorista. Da atividade de tratorista A atividade de tratorista, até a entrada em vigor da Lei nº 9.032/95, em 28/04/95, admite o reconhecimento de sua natureza especial apenas pelo enquadramento profissional, uma vez que equiparado ao "motorista de ônibus" e ao "motorista de caminhão". Nesse sentido, colaciono a seguinte jurisprudência: PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL. ENQUADRAMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL. TRABALHADOR AGROPECUÁRIA. TRATORISTA. RUÍDO. REQUISITOS PREENCHIDOS. - O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999, com a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980. - A jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no STJ, assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Precedentes. - A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o regime do artigo 543-C do CPC). - Sobre a questão da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), entretanto, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente. - A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de descaracterizar a nocividade do agente. - Possibilidade de enquadramento, até 28/4/1995, em razão do ofício de trabalhador em serviços gerais na lavoura, desenvolvido em empresa agropecuária, nos termos do código 2.2.1 do anexo do Decreto n. 53.831/64. - Demonstrada a especialidade em razão da exposição habitual e permanente a ruído superior aos limites de tolerância previstos na norma de regência, bem como em razão do trabalho como tratorista e trabalho rural em empresa agropecuária. - Atendidos os requisitos para a concessão da aposentadoria especial. - Apelação do INSS não provida. - Apelação da parte autora provida. (TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5002844-52.2019.4.03.6109, Rel. Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA, julgado em 06/05/2020, Intimação via sistema DATA: 08/05/2020) Ademais, conforme constou no laudo pericial (ID 90063713, pág. 92/107), “o Autor laborava em atividades diversas desempenhando suas tarefas no campo, em tempo variáveis ou não, de modo habitual e permanente, expondo-se a agentes nocivos diversos e possíveis tais como: umidade, intempéries, sol, chuva, ventos e produtos químicos de uso na agricultura ou agrotóxicos”. Constou, ainda, que “o autor se ativando como tratorista esteve exposto a níveis de ruídos acima de 90 dB de modo habitual e permanente”. Nesse cenário, impõe-se a manutenção da sentença recorrida. Ante o exposto, NÃO CONHEÇO da remessa oficial e NEGO PROVIMENTO à apelação do INSS, para julgar parcialmente procedente o pedido, nos termos da fundamentação. Na presente hipótese, verifico que o pedido da parte autora foi julgado parcialmente procedente, razão pela qual mantenho os honorários advocatícios nos moldes fixados na r. sentença, observado o disposto no artigo 98, § 3º, do CPC, por ser beneficiária da justiça gratuita. É o voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. REMESSA OFICIAL. NÃO CONHECIDA. TRATORISTA. ESPECIALIDADE RECONHECIDA.
1. O valor atribuído à causa que não ultrapassa o montante correspondente a 60 (sessenta) salários mínimos, razão pela qual não se conhece da remessa oficial, com fulcro na norma do § 2º no artigo 475 do CPC/73, com redação da Lei nº 10.352, de 26/12/2001, que autoriza a sua dispensa.
2. Inexiste limitação à conversão quanto ao período laborado, havendo o Colendo Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo, inclusive, firmado a compreensão de que se mantém "a possibilidade de conversão do tempo de serviço exercido em atividades especiais para comum após 1998, pois a partir da última reedição da MP n. 1.663, parcialmente convertida na Lei 9.711/1998, a norma tornou-se definitiva sem a parte do texto que revogava o referido § 5º do art. 57 da Lei n. 8.213/1991".
3. A atividade de tratorista, até a entrada em vigor da Lei nº 9.032/95 (em 28/04/95), admite o reconhecimento de sua natureza especial apenas pelo enquadramento profissional, uma vez que equiparado ao "motorista de ônibus" e ao "motorista de caminhão". Precedente.
4. Conforme contou no laudo pericial (ID 90063713, pág. 92/107), “o Autor laborava em atividades diversas desempenhando suas tarefas no campo, em tempo variáveis ou não, de modo habitual e permanente, expondo-se a agentes nocivos diversos e possíveis tais como: umidade, intempéries, sol, chuva, ventos e produtos químicos de uso na agricultura ou agrotóxicos”. Constou, ainda, que “o autor se ativando como tratorista esteve exposto a níveis de ruídos acima de 90 dB de modo habitual e permanente”.
5. Remessa oficial não conhecida. Apelação do INSS não provida.